Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
168/11.0TCGMR.G2
Relator: HELENA MELO
Descritores: DANOS PATRIMONIAIS
DANOS MORAIS
DANO BIOLÓGICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- O dano resultante da atribuição de uma incapacidade é um dano futuro, tendo sido tratado o dano que consiste num défice funcional permanente sem rebate na vida profissional do lesado, pela jurisprudência, como dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física, constituindo um dano patrimonial a indemnizar segundo as regras do artºs562, 564º, nº 2 e 566º do CC.
II- A afectação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se impõe a título de dano não patrimonial.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório-
AA intentou a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra BB e CC, pedindo a condenação, solidária, destes a pagar-lhe:
- a título de ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais, por ele sofridos até à data da entrada da acção, em resultado do acidente de que foi vítima, a quantia de € 125 954,06, acrescida de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;
Para tanto, e em síntese, alega que:
No dia 11-08-2009, pelas 21h, ocorreu um acidente de trânsito em que intervieram o veículo de matrícula RB-XX-XX, conduzido e pertencente ao 2.º R. e o velocípede sem motor pertencente e conduzido pelo A.
Em virtude do atropelamento, sofreu diversos danos, patrimoniais e não patrimoniais, que descreve.
O R., BB, contestou alegando, em suma, que o autor circulava em contra mão, isto é pelo corredor de circulação, por onde transitava o veículo conduzido pelo 2.º R..
Foi depois proferido despacho saneador, no qual ficaram decididas as questões relativas aos pressupostos processuais. Organizaram-se seguidamente os factos assentes e a base instrutória.
O A. apresentou articulado supervenienteem 06-10-2015 e veio ampliar o pedido, requerendo:
- a condenação solidária dos RR a pagar-lhe a indemnização, a liquidar ulteriormente, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que vier a sofrer em resultado da substituição da restauração do compósito no dente 11, por coroa de cerâmica, substituição dessa coroa cerâmica e da que já está colocada no dente 21 uma vez ultrapassada a duração média de uma e outra, da substituição das restaurações a compósito efectuadas nos dentes 22 e 32 quando essa substituição se tornar necessária.
Os RR responderam.
Foi admitida a ampliação do pedido.
Realizou-se a audiência de julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou os RR. a pagar ao A. a quantia de 60.636,01, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros desde a data da citação até integral pagamento.
Todas as partes interpuseram recurso de apelação.
O A. concluiu do seguinte modo as suas alegações:
A decisão proferida sobre a factualidade constante da parte final do ponto de facto 37º da BI(“(…) - Fratura do dente 31”) extrapola a matéria de facto alegada nos articulados e colide com adecisão que incidiu sobre a factualidade vertida nos pontos de facto 55º, 58º (in fine) e 91º aindada Base Instrutória.
Essa decisão padece de erro de julgamento face à prova pericial produzida sobre aquelafactualidade, impondo esse meio de prova uma decisão diversa.
A prova pericial, que foi a única produzida sobre tal matéria, concluiu que os elementosdisponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo sofrido peloapelante e as fraturas das peças dentárias 11, 21, 22 e 32.
A decisão assim impugnada deverá ser alterada e substituída por outra do seguinte teor:
(…) - Fratura dos dentes 1.1, 2.1, 2.2 e 3.2” ou (…) - Fratura dos dentes 11, 21, 22 e 32”.
A decisão (conjunta) que respondeu restritivamente aos pontos de facto 92º e 93º da BaseInstrutória também enferma de erro de julgamento.
A primeira parte do ponto de facto 92º (“A coroa cerâmica a colocar no dente 11 e a coroacerâmica que já lhe foi colocada no dente 21”) reproduz matéria de facto dada como assente na decisãodos pontos de facto 91º (quanto ao dente 11) e 55º da BI (quanto ao dente 21).
A primeira parte do ponto de facto 93º da BI (“As restaurações a compósito efetuadas nos dentes22 e 32”) reproduz também matéria de facto dada como provada na mesma decisão do ponto defacto 55º da BI.
Aquela decisão restritiva desprezou a atinente conclusão assumida no último parágrafo dorelatório pericial de fls. 351 a 352º-vº.
Resultou demonstrado dessa perícia que a coroa cerâmica a colocar no dente 11 e a coroacerâmica já colocada no dente 21 terão de ser substituídas em período de tempo que rondará osseis anos depois de cada colocação.
10ªRessumou também desse meio probatório que as restaurações efetuadas nos dentes 22 e 32necessitarão de ser reparadas/substituídas entre 3 a 5 anos após a última restauração efetuada.
11ªOs elementos probatórios colhidos nos autos através da prova pericial, único meio de provaproduzida sobre a factualidade constante daqueles pontos de facto 92º e 93º, impõem, numaapreciação livre dessa prova, a alteração da decisão impugnada e a sua substituição por outra queresponda “Provado” a cada um desses pontos de facto.
12ªAinda que se admita a verificação, na colisão dos autos, de uma conexão causal entre osriscos próprios dos veículos intervenientes e os danos sofridos pelo apelante, o risco criado porcada um dos veículos foi muito díspar, tendo o veículo automóvel contribuído em grau muito maisacentuado para a gravidade dos danos decorrentes dessa colisão.
13ªNuma criteriosa ponderação, a contribuição do risco do velocípede sem motor auxiliarconduzido pelo apelante, então com 16 anos de idade, para os danos por ele sofridos em resultadodo embate com o veículo automóvel conduzido pelo 2º apelado, circulando o velocípede a não maisde 10 Km/h no momento do embate, não pode ser fixada em mais de 10%, fixando-se em 90% orisco do veículo automóvel.
14ªSó nessa proporção de 10% deverá ser reduzida o valor final da indemnização que é devidaao apelante para ressarcimento dos danos que sofreu.
15ªQuer na conclusão da petição inicial (quanto ao pedido principal), quer na conclusão doarticulado superveniente (quanto ao pedido aí formulado), o apelante requereu a condenaçãosolidária dos réus no pagamento das quantias peticionadas.
16ªAtento o disposto no art. 513º do CC e o regime previsto nos arts. 47º, nº1, 49º, nº 1, e62º, nº 1, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, a responsabilidade dos apelados é, noplano das relações externas, solidária.
17ªNa sua parte decisória, a sentença recorrida condenou os apelados a satisfazer ao autordeterminadas obrigações pecuniárias, mas não os condenou em regime de solidariedade, comodevia ter condenado em decorrência do peticionado pelo autor e do quadro legal referido naconclusão anterior.
18ªO apelante requereu no articulado superveniente a ampliação do pedido, peticionando, alémdo mais, a condenação solidária dos réus a pagar-lhe a indemnização pelos danos patrimoniais enão patrimoniais que vier a sofrer em resultado quer da substituição da coroa cerâmica a colocarno dente 11 e da que já está colocada no dente 21 uma vez ultrapassada a duração média de umae de outra, duração que deverá ser fixada em 6 anos após cada colocação, quer da substituiçãodas restaurações a compósito efetuadas nos dentes 22 e 32 quando essa substituição se tornarnecessária, substituição que deverá ser fixada entre 3 a 5 anos após cada restauração.
19ªResultou demonstrado nos autos que, para tratamento das quatro peças dentárias fracturadas em consequência do acidente, foi-lhe efetuada restauração estética dos dentes 11, 22 e 32 ecolocada uma coroa cerâmica no dente 21, e que a restauração efetuada no dente 11 está maladaptada, carecendo de substituição por coroa cerâmica.
20ªResultou também demonstrado que a duração média de uma coroa cerâmica nos dentes 11e 21, como dentes anteriores que são, ronda os 6 anos e as restaurações dos dentes 22 e 32deverão necessitar de reparação/substituição a cada 3/5 anos.
21ªA sentença recorrida devia ter condenado solidariamente os apelados nas pretensõesenunciadas na precedente conclusão 18ª.
22ªAo decidir como decidiu, a sentença revidenda violou o disposto nos arts. 389º, 483º, nº 1,506º, nº 1, 512º, 513º e 562º do Código Civil, arts. 489º e 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC e arts.47º, nº1, 49º, nº 1, e 62º, nº 1, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto.
Nestes termos,
Contando com o sábio suprimento de VªsExªs, deverá ser concedida totalprocedência ao presente recurso e, em consequência, deverá:
- Ser alterada nos termos enunciados nas precedentes conclusões 4ª e 11ªa decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância sobre a parte final doponto de facto 37º e sobre os pontos de factos 92º e 93º da Base Instrutória;
- Ser revogada a decisão da 1ª instância que fixou em 2/3 e 1/3,respetivamente, os riscos inerentes à circulação do veículo automóvel conduzido pelo2º apelado e do velocípede sem motor auxiliar conduzido pelo apelante, e que fezrepercutir essa divisão de responsabilidades no valor final da indemnização queatribuiu ao apelante, devendo essa decisão ser substituída por outra que fixe essarepartição do risco em 90% para o veículo automóvel e 10% para o velocípede,reduzindo apenas nesta última medida (10%) o valor final da indemnização a que oapelante tem direito;
3º- Decidir-se que é solidária a condenação dos apelados no pagamento daindemnização devida ao apelante;
4º- Ser revogada a sentença recorrida na parte em que absolveu os apelados dorestante pedido formulado no articulado superveniente além da parte desse pedido emque foram condenados, devendo ambos ser condenados solidariamente a pagar aoapelante o valor, a liquidar ulteriormente nos termos do art. 358º, nº 2, do CPC, ex vido art. 609º, nº 2, do mesmo diploma, dos danos patrimoniais e não patrimoniais ou,se assim não se entender, dos danos patrimoniais que vier a sofrer em resultado dassubstituições da coroa cerâmica que vier a ser colocada no dente 11 e da idênticacoroa que já tem colocada no dente 21 uma vez ultrapassada a duração média decada uma, duração que deverá ser fixada em 6 anos após cada colocação, e dasreparações/substituições das restaurações nos dentes 22 e 32,reparações/substituições que deverão ser fixadas entre 3 a 5 anos após cadarestauração.
Por sua vez o R. BB formulou as seguintes conclusões:
1. Os critérios plasmados na PORTARIA n.º 377/2008, de 26 deMaio não podem deixar de se erigir em referente para o julgador,pois reduzem a incerteza e a subjetividade da decisão e asseguramum melhor tratamento igual entre todos os lesados;
2. Os critérios de tal instrumento normativo resultam de umaponderação prudencial, médico-legal, económica e social e devem,por isso, ser considerados;
3. Havendo uma divergência substancial entre o resultado quese alcançaria pela aplicação da portaria e o resultado da decisãojudicial, deve considerar-se que é possível o excesso da decisãojudicial e deve a mesma ser sindicada a luz da concreta provaapurada nos autos;
4. A indemnização pelos danos patrimoniais futuros ao autordeve fixar-se em € 15.000,00, pelo que, tendo em conta a proporçãode responsabilidade fixada na sentença, tal indemnização deveráfixar-se em € 10.000,00 (dez mil euros);
5. A indemnização pelos danos não patrimoniais ao autor devefixar-se em € 12.000,00, pelo que, tendo em conta a proporção deresponsabilidade fixada na sentença, tal indemnização deverá fixar-seem € 8.000,00 (oito mil euros);
6. Ao não julgar da forma assinalada, o tribunal a quo violou osartigos 562.ºe 564.º, nº 2 .
E o co-réuCC Oliveira concluiu o seu recurso do seguinte modo:
1 - O presente recurso é interposto da douta sentença proferida, que julgou a acção parcialmenteprocedente por parcialmente provada, e consequentemente, condenou o Réu, aqui Apelante a e o RéuBB, a pagar ao autor AA, a quantia de 60.636, 01 Euros (sessenta mil, seiscentos e trinta e seis Euros e um cêntimo), a título de danospatrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente, acrescida de juros desdea citação até efectivo e integral pagamento.
2 - Decisão esta com a qual o aqui recorrente discorda em absoluto, pois é entendimento dorecorrente que a sentença recorrida não se pode manter, porquanto, por um lado, esta encontra-seeivada de vícios capitais que determinam que a mesma seja anulada, por outro, os factos constantesda mesma são insuficientes para a condenação do Réu e, ainda por discordar das indemnizaçõesfixadas ao recorrido.
3 - Ora, é entendimento do aqui Recorrente que a sentença, ou pelo menos relativamente a uma boaparte da mesma existe uma notória contradição entre a factualidade dada como provada e aquela quefoi tomada em consideração na subsunção ao direito e não especifica os fundamentos de facto e dedireito que justificam a decisão bem como inexiste exame crítico da prova.
4 - A sentença em causa no ponto IV – Fundamentação de Direito -prescreve: “4.1.d). Mister é saberse a conduta do condutor do “RB”, foi a causa (tipicamente adequada) do acidente ocorrido. A respostaé necessariamente afirmativa, pois, não fora a circunstância de ter desrespeitado as regras estradais suprareferidas nunca o acidente teria tido lugar.”
5 - Na douta sentença não é feita qualquer menção que o Réu aqui Apelante tenha desrespeitadoquaisquer regras estradais, antes pelo contrário, ficou provado que o acidente dos autos nãoaconteceu por culpa do aqui Recorrente.
6 - Pois prescreve a sentença que: (cfr penúltimo e último paragrafo da pág 19)
“Ante esta factualidade provada e não provada, não é possível concluir que o condutor do “RB” hajaviolado, entre outras as normas do art. 3º/2, 11º/2 e 13º/1 do C.P..
Assim sendo, não é possível concluir pela culpa efectiva do condutor do “BT”.
7 - Existe pois uma notória contradição entre a factualidade dada como provada e aquela que foitomada em consideração na subsunção ao direito, sendo portanto nula nos termos do artigo 615º, n.º1, alinea c) do Código de Processo Civil.
8 – Também se verifica carência de exposição dos seus motivos que levaram o Tribunal a fixar em45.000,00 € a indemnização pelos danos não patrimoniais.
9 – Preserve a sentença nesta parte (…) Com efeito, basta atentar no verdadeiro calvário delineado pelafactualidade provada para concluir que o autor sofreu danos não patrimoniais relevantes e de inegávelgravidade. (…)
10 - Impunha ao Tribunal não a mera referência aos factos provados, mas a explicação, tão completaquanto possível, da forma como tais factos foram valorados, e das razões pelas quais a sentençaneles se baseou ou não.
11 - Não existe qualquer menção da prova que levou às conclusões reflectidas nesta parte dasentença, não bastando a mera referência à factualidade provada, não se verificando os pressupostosdo artigo 607º, n.º 3 e 4 do Código Processo Civil.
12 - Segundo o art. 205º nº 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expedientesão fundamentadas na forma prevista na lei.
13 - A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso eassegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.
14 - A sentença deverá, portanto ser nula pois a fundamentação de direito é insuficiente e em termostais que não permitam ao aqui Recorrente e destinatário da decisão a percepção das razões de facto ede direito da decisão judicial.
15 - Por isso, a sentença recorrida padece da nulidade prevista no 615.º, n.º 1, alínea b) do Código deProcesso Civil, conjugado com o art. 205º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
16 – Sem prescindir, o recorrente impugna, também, a decisão proferida sobre a matéria de facto.
17 - Os concretos pontos de facto que o Recorrente considera incorrectamente julgados e constantesda Base Instrutória são:
Artigo 28º - Ao chegar à confluência desse entroncamento, o condutor do velocípede pretendia efectuar amanobra de mudança de à esquerda.
Artigo 32º - Quando este veículo se encontrava a escassos metros do entroncamento referido supra, depara-secom a realização da manobra efectuada pelo condutor do velocípede.
Artigo 33º - A qual originou que esse velocípede se atravessasse à frente do veículo automóvel, obstruindo oseu sentido de marcha.
Artigo 34º - Originando a colisão entre ambos os veículos.
Artigo 35º - O acidente ocorreu na hemi-faixa de rodagem mais à direita, atento o sentido de marcha doveículo de matrícula RB.
18 - E que o Tribunal deu todos como não provados.
19 - Atendendo à prova testemunhal produzida na sessão de julgamento e a prova documental, adecisão sobre a matéria de facto supra referida deveria ter sido dada como provada.
20 - Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida são a provatestemunhal produzida, em conjugação com os documentos, nomeadamente, a fotografia do veículodo aqui Recorrido e junta pela Co-Ré BB na Audiência de Julgamentoconstante de fls dos autos, verifica-se que o velocípede conduzido pelo Autor embateu com sua rodadianteira na parte superior do guarda-lamas frontal direito, mesmo por cima da roda direita do veículoconduzido pelo Réu.
21 - De facto, ficou provado que o acidente dos autos ocorreu na Rua do Carvalhal, rua por ondecirculava o veículo do Autor; que o velocípede sem motor conduzido pelo Autor circulava pela Rua daUrbanização do Carvalhal assinalada no croqui da Policia como actual Rua Egas Moniz, dirigindo-separa o entroncamento formado pela artéria por onde transitava e a Rua do Carvalhal e, que aíchegado, guinou o volante do seu velocípede para a sua esquerda.(v. alínea A da matéria assente, eresposta aos artigos 25º, 26º e 29º da Base Instrutória).
22 - Pelo supra exposto não restam dúvidas que o condutor do velocípede, propriedade do autor, e porele conduzido, surgiu da Rua Egas Moniz, que se situa à direita, considerando o sentido de marcha doRéu e que guinou o volante do velocípede para a sua esquerda para entrar na Rua do Carvalhal pelolado esquerdo, sem previamente se ter certificado de que nessa via circulava e se aproximava oveículo de matrícula RB, propriedade do Autor, o qual veio a embater com sua roda dianteira na partesuperior do guarda-lamas frontal direito mesmo por cima da roda direita do veículo conduzido peloRéu.
23 - Perante tal, o condutor do velocípede estava obrigado a ceder passagem ao RB (art 32º, n.º 4, doCE, na redacção, vigente na data do acidente (11/08/2009), recaindo sobre aquele um especial deverde prudência, que o obrigava a, antes de entrar na via, tomar precauções especiais por forma apermitir a passagem dos veículos que na ocasião circulavam no local (art. 29º, n.º 1, CE).
24 - Sendo o acidente imputável ao Autor.
25 - Quanto ao condutor do RB, aqui Recorrente, os factos apurados apontam no sentido dovelocípede ter entrado na via em que seguia o RB quando este ali circulava, inviabilizando qualquermanobra de recurso.
26 - O Autor, ao ser surpreendido pela conduta imprudente, súbita e inesperada do condutor dovelocípede sem motor, não conseguiu evitar o embate.
27 - Nas circunstâncias apuradas, não era previsível para um condutor normal contar com osurgimento na via do velocípede.
28 - Todavia, como inequivocamente resulta da matéria apurada, não se provou que o aquiRecorrente, na altura, se encontrasse em excesso de velocidade, e que o veículo conduzido pelo aquiRecorrente circulasse fora da sua mão de trânsito – v. respostas negativas dadas aos artigo 11º e 31ºda Base Instrutória.
29 - Desta forma, e de toda a prova produzida, resulta de forma clara e inequívoca a responsabilidadeexclusiva do condutor do velocípede sem motor na produção do acidente.
30 - E em face da prova produzida nos autos, conforme supra analisado, e ao abrigo do disposto naalínea c), nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, entende o aqui Recorrente que a matéria defacto que deve ser dada como provada é a constantes dos artigos 28º, 32º, 33º, 34º e 35º da BaseInstrutória e do Ponto III – A – Dos Factos, da douta decisão ora recorrida.
34 - Pelo que o Tribunal de 1ª Instância julgou incorrectamente a matéria de facto apurada nos autosquanto aqueles artigos.
31 – Ainda, e sem prescindir e ao considerar como provados os factos constantes dos artigos 28º, 32º,33º, 34º e 35º da base Instrutória, supra referidos, entende o recorrente não foi feita uma correctainterpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto.
32 - De toda a prova produzida e atenta a alteração solicitada neste Recurso quanto à matéria defacto, não houve, por parte do condutor do veículo RB ora Apelante, qualquer conduta ilícita ouculposa que importe a responsabilidade civil extracontratual subjectiva por factos ilícitos nem mesmopelo risco.
33 - Os factos apurados e supra expostos revelam a responsabilidade exclusiva do condutor dovelocípede sem motor na produção do acidente.
34 - Os factos supra apurados, também, revelam que o acidente não ficou a dever-se a quaisquerparticulares riscos de circulação do veículo, mas antes e apenas à conduta do menor que, nascircunstâncias já mencionadas, entrou para a faixa de rodagem, no momento em que nela circulava oveículo, tendo um comportamento causal para a verificação do acidente, que a ele lhe é imputável.
35 - Não se verifica, no caso, que para o acidente tenham contribuído os riscos próprios inerentes àcirculação dos veículos automóveis.
36 - Não se pode, por isso, dizer que o automóvel interveio no acidente com a sua aptidão típica paracriar perigo, não tendo concorrido para o mesmo.
37 - Não pode assim deixar de concluir-se que o acidente é exclusivamente imputável à vítima, nãocontribuindo para o mesmo o risco inerente à circulação do veículo em termos de causalidadeadequada, ficando em consequência excluída a responsabilidade pelo risco, nos termos do dispostono artº 505 nº 1 do C. Civil, pelo que se impõe a revogação da sentença proferida, por outra queabsolva o aqui Recorrente.
38 - MAS, caso assim não se entenda o que só por mera hipótese se concede, sempre se dirá, quefeita a ponderação das condutas de ambos - o condutor do automóvel e o ciclista: o ciclista apareceusúbita e inesperadamente, o que sugere a ideia de uma proximidade que menos possibilidade dereacção dava ao condutor do veículo, em desrespeito pela norma preceituada no artigo 32º do Códigoda Estrada; e que o ciclista circulava sem capacete – (ver pág 190 dos autos - relatório médico).
39 - Afigura-se equilibrado responsabilizar, em concreto, o Autor e aqui Recorrido pelo ressarcimentode 50 % dos danos que causou.
40 – Ainda sem prescindir, atendendo aos factos dados como assentes e provados, quer no que dizrespeito ao modo como se produziu o acidente, quer no que diz respeito às suas consequências napessoa do autor, a fixação efectuada na douta sentença recorrida dos valores indemnizatórios de €45.000,00 para os danos patrimoniais futuros, e a de € 45.000,00 para os danos não patrimoniais estáem desacordo com o juízo de equidade que se impunha – e se impõe – no respectivo julgamento, peloque os mesmos devem ser considerados exageradíssimos.
41 - O Tribunal não se socorreu de qualquer método de cálculo para a fixação dos danos patrimoniais(lucro cessante), que arbitrou discricionariamente.
42 - Pelo que a Meritíssima Juíza a quo acaba por não explanar na sentença quais foram essescálculos e operações, concluindo pela fixação da indemnização apenas e só na equidade.
43 – O Défice Permanente Geral de 6 pontos atribuído ao autor não veio acompanhada de nenhumaalteração de relevo nas suas capacidades funcionais, nomeadamente não implica para o autorqualquer rebate profissional, em termos de esforços acrescidos ou outros, e muito menos alteraçõesde relevo nas suas capacidades funcionais do dia a dia.
44 - Atendendo, por isso, ao necessário e adequado juízo de equidade, e dado que nenhuns outrosdados foram dados como provados, a indemnização pelos danos patrimoniais ao autor deve fixar-seem 10.000,00 €, pelo que, tendo em conta a proporção de responsabilidade fixada na sentença, talindemnização deverá fixar-se em € 6.666,66.
45 - Acresce que ao valor calculado de acordo com os pressupostos supra enunciados, deve serretirado montante não inferior a 1/4 pelo facto da entrega antecipada e integral do capitalindemnizatório permitir ao lesado obter dele um rendimento superior ao seu valor, quer através de uminvestimento financeiro, industrial ou comercial, quer mediante a sua colocação em conta que vençajuros.
46 - Estes factores, não sendo tomados em consideração ao estipular o montante indemnizatório,implicam uma mais-valia para o Recorrido, desvirtuando a razão da indemnização e transformando-anumlucro sem causa.
47 - Por outro lado, o montante de 45.000,00 € atribuído a título de danos não patrimoniais não éadequado ao quadro clínico apresentado pelo autor, não se encontra em sintonia com outrasindemnizações que os tribunais têm aplicado, violando os princípios de equidade e razoabilidade quedevem pautar a aplicação da justiça e devendo, consequentemente, ser reduzido.
48 - Se se tiver em atenção que a nossa jurisprudência vem fixando o dano morte ou o direito à vidano intervalo compreendido entre o montante de € 40.000,00 e € 60.000,00, é facilmente constatávelque os valores arbitrados ao Autor a título de dano não patrimonial são manifestamente exagerados,tendo em conta o quadro descrito.
49 - Assim, tendo em conta a matéria de facto provada, nomeadamente, as lesões sofridas pelo Autor,as sequelas daí decorrentes, os efeitos provocados na sua vida e no seu dia-a-dia, a indemnizaçãopelos danos patrimoniais ao autor deve fixar-se em 7.500,00, pelo que, tendo em conta a proporção deresponsabilidade fixada na sentença, tal indemnização deverá fixar-se em € 5.000,00.
50 - Sobre o montante indemnizatório não podem incidir juros de mora a contar da data da citação, jáque o mesmo foi calculado com base em valores referentes ao momento da sua fixação. Daí que acontagem de juros se inicie com a data da sentença.
51 - Assim, entende o Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade nos termos dos arts.615º n.º 1ºalinea b e c) do Código de Processo Civil, conjugado com o art. 205º n.º 1 da Constituiçãoda República Portuguesa.
52 - A sentença recorrida violou ou fez errada aplicação do disposto nos Art. 483°, 496º, n.º 1 e n.º 4,499º, 503º, 505º, 562º, 564.º, 566.º e 805.º, n.º 1 todos do Código Civil, não podendo, pois manter-se.
Pelo exposto, anular a sentença recorrida ou revogá-la e produzir outra, conforme o alegado, érepor a legalidade e fazer a Justiça”.

II – Objecto do recurso
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
asquestões a decidir são as seguintes:
Do recurso do A. AA
. .se deve ser alterada a parte final do ponto de facto 37º da base instrutória;
. se deve ser alterada a decisão conjunta que incidiu sobre os pontos de facto 92 e 93 da base instrutória;
. se deve ser alterada a repartição do risco fixada na sentença recorrida em 1/3 para o A. e 2/3 para o R. CC, para 10% e 90% respectivamente;
. se os RR. devem ser condenados na totalidade do pedido formulado no articulado superveniente; e,
. se os RR. devem ser condenados solidariamente.

Recursodo R. BB
. se a indemnização por danos patrimoniais futuros deve ser alterada para 15.000,00, pelo que, tendo em conta a proporção da responsabilidade fixada na sentença, a indemnização devida ao A. deverá ser fixada em 10.000,00;
. se a indemnização por danos patrimoniais deve ser alterada para 12.000,00, pelo que, tendo em conta a proporção da responsabilidade fixada na sentença, a indemnização devida ao A. deve ser fixada em 8.000,00.

Recurso do R. CC
. se a sentença é nula nos termos do artº 615º, nº 1, alínea c);
. se a sentença é nula por falta de fundamentação;
. se a resposta aos artigos 28º, 32º, 33º, 34º e 35º da base instrutória deve ser alterada para provado;
. se inexiste responsabilidade do R. CC;
. subsidiariamente:
. se a indemnização por danos patrimoniais futuros deve ser fixada em 10.000,00, pelo que tendo em conta a proporção da responsabilidade fixada na sentença recorrida, a indemnização devida ao A. deve fixar-se em 6.666,66;
. se a indemnização por danos não patrimoniais deve fixar-se em 7.500,00, pelo que tendo em conta a proporção da responsabilidade fixada na sentença recorrida, a indemnização devida ao A. deve fixar-se em 5.000,00;
. se não devem ser atribuídos juros de mora por o quantum indemnizatório ter sido actualizado na data da sentença.
Da ampliação do âmbito do recurso pelo A.
. se, a não se entender que a resposta ao artº 58º da BI enferma de lapso ao não mencionar a cicatriz no abdómen do A., linear, de tipo cirúrgico, com 24 cms de comprimento, localizada ao nível da linha média abdominal, estendendo-se desde o mesogastro até ao hipogastro, não dolorosa à palpação, não aderente aos tecidos subjacentes, referida no relatório pericial, se a resposta deve ser alterada com a inclusão desses factos.

III – Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
Factos provados oriundos da matéria assente:
.1.Cerca das 21 horas do dia 11 de Agosto de 2009, ocorreu um acidente de trânsito na Rua do Carvalhal, freguesia de Serzedelo, local onde o trânsito se processa em dois sentidos – Alínea A) da Matéria Assente.
.2.Intervieram no acidente o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca Volkswagen, modelo Golf, com a matrícula RB-XX-XX, pertencente ao 2º Réu e por ele conduzido e o velocípede sem motor auxiliar, conduzido pelo autor – Alínea B) da Matéria Assente.
.3.O proprietário do veículo RB não tinha transferido para qualquer seguradora, mediante contrato de seguro válido e eficaz, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros resultantes da circulação do mesmo – Alínea C) da Matéria Assente.
.4.A Guarda Nacional Republicana compareceu no local após a eclosão do sinistro, tendo lavrado a respectiva participação, cujo croqui não foi elaborado à escala - Alínea D) da Matéria Assente.
.5.No dia e hora mencionados, o 2º Réu conduzia o RB na rua do Carvalhal, sentido Norte- Sul (Rua do Carvalhal – Calvos) - Alínea E) da Matéria Assente.
.6.A rua do Carvalhal e do seu lado direito, atento o sentido Norte/Sul, e cerca de cinquenta metros depois do final de uma curva, entronca perpendicularmente com uma outra Rua denominada “Rua da Urbanização do Carvalhal”, que no croqui elaborado pelaGNR é denominada por “Rua Egas Moniz” - Alínea F) da Matéria Assente.
.7.Em virtude do embate, o Autor ficou estatelado na hemi-faixa de rodagem, do lado esquerdo, atento o sentido do RB, em frente do portão do meio de um prédio de habitação aí existente com o número de polícia 223 e a cerca de 0,50 metros da berma, do mesmo lado - Alínea G) da Matéria Assente.
.8.Foi também aí que ficaram vestígios do sangue que o Autor perdeu em resultado dos ferimentos causados pelo embate - Alínea H) da Matéria Assente.
.9.O Autor nasceu em 10 de Fevereiro de 1993 - Alínea I) da Matéria Assente.
.10.O Autor é beneficiário da Segurança Social com o nº 11914680403 – Alínea J) da Matéria Assente.

Factos provados oriundos da base instrutória:
11.Aquando do referido em A) apesar de ser ainda dia e com tempo de Verão, a iluminação pública existente no local do acidente já estava a funcionar no momento do sinistro – Resposta ao ponto 1º da B.I..
12.O velocípede pertence ao Autor – Resposta ao ponto 2º da B.I.
.13.À data do acidente, o 2º Réu detinha a direcção efectiva do RB e estava a utilizá-lo no seu próprio interesse - Resposta ao ponto 3º da B.I.
.14.O piso da Rua do Carvalhal é revestido em toda a sua extensão por cubos de granito, encontrando-se então seco e em bom estado de conservação e aderência - Resposta ao ponto 4º da B.I.
.15.A quando do referido em A) o 2º Réu conduzia o RB em direcção ao local da sua residência - Resposta ao ponto 5º da B.I.
.16.Até cerca de cinquenta metros antes do local onde ocorreu o embate, atento o sentido do RB, a Rua do Carvalhal forma uma curva de visibilidade reduzida para o lado direito - Resposta ao ponto 6º da B.I.
.17.Marginando o lado direito dessa curva, atento o mesmo sentido, está implantado um prédio de habitação que, juntamente com os muros que delimitam o respectivo logradouro, impede os condutores que circulem em qualquer dos dois sentidos de avistarem, o trânsito proveniente do sentido contrário - Resposta ao ponto 7º da B.I.
.18.Até essa curva, atento ainda o sentido do RB, a Rua é de traçado recto e de sentido levemente ascendente, com 5,50 metros de largura, sendo ladeada por uma berma para circulação de peões no lado esquerdo, com cerca de 1 metro de largura - Resposta ao ponto 8º da B.I.
.19.Após a curva, a Rua é novamente de traçado recto e de sentido levemente descendente, com cerca de 100 metros de extensão) - Resposta ao ponto 9º da B.I.
.20.Nesta recta, a Rua tem 7,10 metros de largura, continuando a ser marginada por uma berma para circulação de peões no lado esquerdo, atento o sentido do RB, com cerca de 1 metro de largura - Resposta ao ponto 10º da B.I. A distância do poste, por um lado, e daquele local, por outro, ao vértice imaginário de um ângulo recto (90º) formado com esses dois pontos de referência era, respectivamente, de 8,30 metros e de 7,90 metros – Resposta ao ponto 17º da B.I.
.21.Após o embate e sem sair do veículo o 2.º R. continuou a sua marcha e parou a cerca de 50m à frente – Resposta aos pontos 19º e 20º da B.I..
.22.O 2º Réu reside a cerca de 200 metros do local do embate – Resposta ao ponto 21º da B.I.
.23.Conhecia bem a zona do sinistro, por onde anteriormente transitava com assiduidade na condução do RB – Resposta ao ponto 22º da B.I..
.24.Na altura do acidente não havia qualquer outro veículo a circular na estrada, num ou noutro sentido – Resposta ao ponto 23º da B.I..
.25.A hemi-faixa de rodagem do lado direito, atento o sentido do RB, encontrava-se livre e desembaraçada de pessoas ou de obstáculos que pudessem impedir a circulação do veículo ou a visibilidade do seu condutor – Resposta ao ponto 24º da B.I.
.26.O velocípede sem motor circulava pela Rua Egas Moniz, no sentido Poente – Nascente – Resposta ao ponto 25º da B.I..
.27.Dirigindo-se para o entroncamento formado pela artéria por onde transitava e a Rua do Carvalhal – Resposta ao ponto 26º da B.I..
.28.O velocípede transitava a uma velocidade não superior a 10 km/horários – Resposta ao ponto 27º da B.I..
.29.Guinou o volante do seu velocípede para a sua esquerda – Resposta ao ponto 29º da B.I..
.30. Em consequência directa e imediata do embate, o A. sofreu:
- Escoriações da face e dor abdominal;
- Extensa laceração esplénica, atingindo cerca de ¾ do total, com fragmentação do tecido esplénico;
- Laceração do 1/3 superior do rim esquerdo;
- Volumoso hemoperitoneu;
- Fractura do dente 31 – Resposta ao ponto 37º da B.I..
.31. Para tratamento destas lesões foi conduzido de ambulância, logo após o acidente, ao serviço de urgência do Hospital desta cidade, onde deu entrada pelas 21.32h na situação de politraumatizado ou grande traumatismo – Resposta ao ponto 38º da B.I..
.32. Foi aí submetido a cuidados médicos e de enfermagem aos referidos traumatismos, bem como a análises sanguíneas e a exames complementares de diagnóstico, mais exactamente a TAC ao abdómen superior, TAC crâneo-encefálico, TAC maxilo-facial, TAC pélvico, TAC ao tórax, TAC à coluna, RX à bacia e RX à coluna cervical – Resposta ao ponto 39º da B.I..
.33. A TAC pélvico e as TAC ao abdómen superior e ao tórax confirmaram as lesões do baço e do rim esquerdo – Resposta ao ponto 40º da B.I..
.34. Para tratamento da laceração esplénica e do hemoperitoneu, foi ainda submetido no mesmo dia, no Serviço de Cirurgia do mesmo Hospital, a uma intervenção cirúrgica, mais exactamente a laparotomia exploradora com esplenectomia total (remoção total do baço – Resposta ao ponto 41º da B.I..
.35. Essa cirurgia foi feita com anestesia geral – Resposta ao ponto 42º da B.I..
.36. O exame anatomo-patológico ao baço, feito depois da sua remoção, concluiu que a fractura esplénica era compatível com etiologia traumática – Resposta ao ponto 43º da B.I..
.37. O Autor manteve-se então internado no Serviço de Pediatria daquele Hospital – Resposta ao ponto 44º da B.I..
.38. Em 11.08.2009, foi sujeito a TAC pélvico e do abdómen superior, tendo estes exames confirmado o hematoma renal esquerdo – Resposta ao ponto 45º da B.I..
.39. O autor foi submetido a análises sanguíneas – Resposta ao ponto 46º da B.I..
.40. Em 19.08.2009, teve alta hospitalar, regressando à sua residência para recuperação em regime de consulta externa de Cirurgia – Resposta ao ponto 47º da B.I..
.41. Passou então a deslocar-se ao Centro de Saúde de Serzedelo para efectuar os tratamentos de enfermagem às lesões resultantes do acidente – Resposta ao ponto 48º da B.I..
.42. Em 30.10.2009, deslocou-se ao Hospital para efectuar TAC pélvico e TAC ao abdómen superior, além de análise sanguínea – Resposta ao ponto 49º da B.I..
.43. Nesses exames observou-se provável foco cicatricial no pólo superior do rim esquerdo (…) adenomegalia peri-celíaca esquerda com 2x1cm (…) sem outras alterações assinaláveis – Resposta ao ponto 50º da B.I..
.44. Em 02-11-2009 teve de ser conduzido ao S.U. do hospital, acometido de dor abdominal no flanco esquerdo. Sem febre. Sem vómitos. Micção normal. Sem outras queixas – Resposta ao ponto 51º da B.I..
.45. Foi submetido a ecografia abdominal e, teve alta com indicação para vigilância – Resposta ao ponto 52º da B.I..
.46. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 10-09-2009 – Resposta ao ponto 53º da B.I..
.47. Em 09-07-2010 foi submetido a TAC pélvico e a TAC ao abdómen superior, tendo-se observado um pequeno foco de atrofia parenquimatosa na vertente ântero-superior do rim esquerdo, com natureza residual aos antecedentes traumáticos. A adenomegalia peri-celíaca esquerda com 23x15mm, referida no exame prévio, sobreponível, é um achado isolado e inespecífico – Resposta ao ponto 54º da B.I..
.48. Para tratamento da fractura das quatro peças dentárias, foi-lhe efectuada restauração estética dos dentes 1.1. 2.2. e 3.2 e colocada uma coroa cerâmica InCeram no dente 2.1 – Resposta ao ponto 55º da B.I..
.49.Em virtude das lesões sofridas o A. esteve com défice funcional total, desde 11-08-2009 a 19-08-2009, 9 dias – Resposta ao ponto 56º da B.I..
.50.Esteve com défice temporário parcial desde 20-08-2009 a 10-09-2009, por um período de 22 dias – Resposta ao ponto 57º da B.I..
.51. Em resultado directo e imediato das lesões descritas o A. padece das seguintes sequelas permanentes:
-ausência completa do baço por esplenectomia total;
-pequeno foco de atrofia parenquimatosa na vertente ântero-posterior do rim esquerdo com natureza residual;
-cicatriz linear, tipo cirúrgica, com 1,5cm de comprimento, localizada ao nível do flanco esquerdo, não dolorosa à apalpação, não aderente aos planos subjacentes;
-coroa cerâmica no dente 21 – Resposta ao ponto 58º da B.I..
.52. Em resultado directo e imediato destas sequelas, ficou a padecer de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 6 pontos – Resposta ao ponto 59º da B.I..
.53. À data do acidente, era estudante do nível secundário de educação, tendo frequentado no ano lectivo 2008/2009 o 1º ano do Curso Profissional de Mecatrónica na “Didaxis – Cooperativa de Ensino, C.R.L.” – Resposta ao ponto 65º da B.I..
.54. No ano lectivo de 2009/2010, frequentou o 2.º ano desse curso e no ano lectivo de 2010/2011 está matriculado e a frequentar o 3.º ano – Resposta ao ponto 67º da B.I..
.55. Pelo transporte de ambulância ao Hospital de Guimarães no dia do acidente, o Autor pagou à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Riba de Ave a quantia de € 15,98 – Resposta ao ponto 70º da B.I..
.56.Em exames, consultas, análises sanguíneas, meios de diagnóstico e medicamentos para tratamento das lesões sofridas no acidente pagou até ao momento € 518,08 – Resposta ao ponto 71º da B.I..
.57. Na restauração estética dos três dentes e na colocação da coroa cerâmica no dente 2.1, bem como numa consulta de controle efectuada em 04.05.2010, pagou € 420,00 – Resposta ao ponto 72º da B.I..
.58. O autor sofreu um dano estético permanente resultante da cicatriz operatória de grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente – Resposta aos pontos 73º e 74º da B.I..
.59. Em consequência directa e imediata das descritas lesões, o A. sofreu dores, que se prolongaram desde a data do acidente até à consolidação das lesões – Resposta aos pontos 75º e 76º da B.I..
.60. O “quantum doloris” é de grau não inferior a 4 também numaescala de sete graus de gravidade crescente – Resposta ao ponto 78º da B.I..
.61. O Autor sofreu ainda um rude golpe quando teve conhecimento de que lhe tinha sido extraído o baço – Resposta ao ponto 79º da B.I..
.62. Com a perda do baço e a atrofia do rim, o A. sofreu e continua a sofrer desgosto – Resposta ao ponto 81º da B.I..
.63. Antes do acidente, era um rapaz saudável, alegre, desinibido e muito activo, sem qualquer limitação de ordem física, nomeadamente nas zonas lesionadas – Resposta ao ponto 83º da B.I..
.64. A observação da cicatriz abdominal causa ao A. desgosto e tristeza – Resposta ao ponto 87º da B.I..
.65. Durante o período de internamento hospitalar, manteve-se sempre deitado no leito ou sentado numa cadeira, dependendo de terceira pessoa, nomeadamente para o lavar, vestir e auxiliar na satisfação de todas as suas necessidades, inclusive na tomada das refeições – Resposta ao ponto 88º da B.I..
.66. O internamento hospitalar e a retenção no leito entristeceram o A. – Resposta ao ponto 89º da B.I..
.67. A restauração efectuada no dente 11 do autor e referida em 55º está mal adaptada, carecendo de substituição por coroa de cerâmica – Resposta ao ponto 91º ( aditamento de fls. 486).
.68. A duração média de uma coroa cerâmica num dente anterior ronda os 6 anos e as restaurações deverão necessitar de reparação/substituição a cada 3/5 anos – Resposta aos pontos 92º e 93º da B.I. ( aditamento de fls. 486).

Iniciemos a análise dos três recursos interpostos pelas partes pela questão relativa à alegada nulidade da sentença.
Da nulidade nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 615º do CPC:
Nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 668º do CPC é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
A propósito desta nulidade diz José Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, volº 2, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 670) “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se”.
Ora o invocado não constitui de modo algum o vício constante da alínea c) do nº 1 do artº 668º do CPC. O vício que o apelante CC invoca é uma contradição entre os factos provados e a fundamentação, mas não entre a fundamentação e a decisão, sendo que é apenas esta última contradição que constitui causa de nulidade da sentença.Se os factos provados não permitirem o enquadramento jurídico que o Tribunal a quo fez, então o que se verifica é um erro de julgamento que pode conduzir à revogação da sentença, mas que não se confunde com a nulidade da sentença.
Improcede, assim, esta invocada nulidade.

Da nulidade por falta de fundamentação
Dispõe o artº 615º, nº 1, alínea b) do CPC que a sentença é nula quando não contenha os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A exigência de fundamentação tem consagração constitucional (artº 205º, nº 1) e também ao nível do direito infra constitucional (artº 154º do CPC). Bem se compreende esta imposição. Toda a decisão que não seja de mero expediente, deve ser fundamentada, deste modo permitindo às partes conhecer as razões do decidido, o que se revela de particular interesse para a parte vencida, a fim de decidir se se conforma ou não com a decisão e para o Tribunal superior que a irá reapreciar.

Como é entendimento pacífico, apenas a total ausência de fundamentos de facto e/ou de direito constitui causa de nulidade. A deficiente fundamentação poderá conduzir à revogação da sentença, mas não a fere de nulidade.

Entende o apelante CC que a sentença é nula porque a Mma. Juíza a quo se absteve por completo de fundamentar e indicar os motivos que levaram o tribunal a concluir pela atribuição dos danos não patrimoniais.

Sem razão, porém. Consignou a propósito a Mma. Juíza a quo:

Entramos, agora, no domínio dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
A esse nível o autor peticiona, a quantia de 50 000,00 Euros.
E relativamente aos danos não patrimoniais, sofreu o autor sequelas desse tipo? E assumirão elas o relevo ou gravidade suficiente para merecerem tutela jurídica?
Dúvidas não temos que sim.
Com efeito, basta atentar no verdadeiro calvário delineado pela factualidade provada para concluir que o autor sofreu danos não patrimoniais relevantes e de inegável gravidade.
Daí que sejam merecedores de tutela do direito, e, por consequência, ressarcíveis, ou melhor, compensáveis.

Ora, seguindo os factores acima indicados ( novamente a equidade - cfr. arts. 496º, n.º 3, 1ª parte, e 494º do C.C., fixo em 45 000,00 Euros, a indemnização a atribuir-lhe pelos danos não patrimoniais sofridos.”

Ora, a Mma. Juíza não deixou de fundamentar a sua decisão, remetendo para os factos provados, face aos quais concluiu que o A. tinha passado por um verdadeiro calvário e em conformidade com esta conclusão fixou a indemnização com recurso à equidade em 45.000,00 euros.

É certo que a fundamentação não é exaustiva, masnão se pode concluir pela ausência de fundamentação, pelo que também improcede esta nulidade.

Da pretendida alteração da matéria de facto

Nos termos do artº 662º, nº 1 do CPC o Tribunal da Relação deve alterar a matéria de facto se, nomeadamente, a prova produzida impuser uma decisão diferente.

O recorrente que pretende impugnar a matéria de facto deve cumprir diversos ónus impostos pelo artº 640º do CPC. Com o actual preceito o legislador teve em vista dois objectivos: eliminar dúvidas que o anterior preceito legal suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente que deverá indicar qual a decisão que o Tribunal deveria ter tido.
O sistema que passou a vigorar impõe o seguinte:
.a) o recorrente deve indicar os concretos pontos da matéria de facto que considere encontrarem-se incorrectamente julgados, tanto na motivação do recurso como nas conclusões, ainda que nestas de modo mais sintético;
.b) quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve indicar aqueles que em seu entender conduzem a uma decisão diversa relativamente a cada um dos factos;
.c) no que concerne aos pontos da matéria de facto cuja impugnação se apoie em prova gravada (no todo ou em parte), para além da especificação dos meios de prova em que se fundamenta, tem que indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes, transcrevendo, se assim o entender, os excertos que considere oportunos;
.d) o recorrente deverá mencionar expressamente qual a decisão que deve ser proferida sobre os pontos concretos da matéria de facto impugnada (cfr. ensinamentos de António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código do Processo Civil, Coimbra: Almedina, 2013, p. 126 e 127).

Todos estes pontos têm de ser observados com rigor (cfr. se defende, entre outros, no Ac.do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-07-2012, proferido no proc. 781/09 que embora proferido no domínio do CPC anterior à Lei 43/2013, mantém actualidade, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte).
O não cumprimento destes mencionadosónus, conduz à rejeição imediata do recurso na parte afectada, não havendo sequer lugar a qualquer convite aoaperfeiçoamento, porquanto esse convite se encontra apenas consagrado no n.º 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil para as conclusões relativas às alegações sobre matéria de direito (em sentido contrário, mas em clara minoria, o , o Acórdão do STJ, de 26-05-2015, processo 1426/08.7TCSNT.L1.S1,que admite também o convite ao aperfeiçoamento das conclusões relativas ao recurso de impugnação da matéria de facto).
A alegação e, em particular, as conclusões devem identificar e localizar com clareza mas de forma sintética, o erro de julgamento em que o tribunal incorreu e que deu causa à impugnação e explicar os concretos motivos da discordância, de modo que a Relação possa reapreciar o percurso decisório levado a cabo pelo tribunal a quo, e decidir a impugnação, pronunciando-se sobre o seu mérito.

O apelante A. deu cumprimento satisfatório aos ónus mencionados.

Vejamos a sua pretensão:

Alega o apelante que ocorreu erro de julgamento na parte final da resposta ao artº 37º da base instrutória ao referir-se somenteque o A. sofreu fractura do dente 31.

Perguntava-se no artº 37º da base instrutória se, designadamente, e no segmento com interesse para a presente análise, se, em consequência directa, imediata e necessária do descrito embate, o Autor sofreu as seguintes lesões:

Fractura de 4 dentes. Mais exactamente dos dentes 1.1 (incisivo central superior direito), 2.1. (incisivo central superior esquerdo), 2.2. (incisivo lateral superior esquerdo) e 3.2 (incisivo lateral inferior esquerdo)?

Entende o apelante que se provou que o A. sofreu fratura dos dentes 1.1, 2.1., 2.2. e 3.2, acrescendo que nunca alegou que o A. sofreu fractura do dente 31. Depois essa decisão colide com a decisão que mereceu o artº 55º da base instrutória, que recebeu a resposta de provado e onde se perguntava se “para tratamento da fratura das quatro peças dentárias, foi-lhe efectuada restauração estética dos dentes 1.2, 2.2. e 3.2 e colocada uma coroa cerâmica no dente 2.1.?”

Ocorre assim uma contradição entre as respostas dadas aos artigos 37º e 55º da base instrutória e ainda com as respostas dada aos artigos 58º e 91º da base instrutória que são as seguintes: Provado apenas que em resultado directo e imediato das lesões descritas o A. padece das seguintes sequelas permanentes coroa cerâmica no dente 21 (artº 58º) e “a restauração efectuada no dente 11 do Autor e referida em 55º está mal adaptada, carecendo de substituição por coroa cerâmica” (artº 91º).
Fundamenta-se no relatório pericial de 30.05.2014, nos seus items “Aditamento a Relatório pericial” e “Conclusões” (fls 351 a 352-v), relatório que não foi objecto de reclamação por qualquer das partes, não tendo sido produzida, para além da prova pericial qualquer outra prova sobre estes factos.
A Mma. Juíza na motivação da decisão de facto referiu ter feito a apreciação global dos depoimentos que referiu e analisado os relatórios periciais, bem como os documentos juntos, à luz das regras da experiência e da normalidade.
Vejamos:
Foram efectuadas várias diligências com vista a apurar os danos sofridos pelo A. nas peças dentárias, em consequência do acidente. Notificou-se a clínica médica estomatológica onde foi assistido e foi submetido a perícia médico legal. Aliás, foi a necessidade de apurar estes danos que veio a atrasar o julgamento destes autos. O julgamento iniciou-se em 28.01.2013 com a prestaçãode esclarecimentos pela sra.perita médica e com o depoimento do médico dentista que disse ter prestado ao A. os necessários cuidados médicos, após o acidente e foi na sequência dos esclarecimentos e do depoimento prestados que foi ordenado um complemento da prova pericial, só se reiniciando o julgamento cerca de três anos depois.
Inicialmente na perícia médica realizada ao A. não se admitiu o nexo de causalidade entre o acidente e as fracturas dentárias dos dentes 11, 12, 21, 22 e 41, admitindo-se que pudesse ter ocorrido a fractura do dente 31, mas por ser de magnitude muito reduzida, não ter implicações para o examinado (fls 288). O A. reclamou deste relatório .
Na resposta ao pedido de esclarecimentos solicitados, a Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto e Medicina Dentária Forense, veio a admitir o nexo de causalidade entre a fractura do dente 32 e o evento traumático. Continuou a não admitir o nexo de causalidade relativamente aos demais dentes 11, 12, 22 e 41 por não serem referidos no relatório do médico dentista que tratou o A. e relativamente ao dente 21 por discrepâncias relativas às datas em que os tratamentos teriam ocorrido (fls 313).
Mas, entretanto, face a nova informação documental recebida da clínica onde o A. realizou tratamentos dentários, foi admitido o nexo de causalidade entre o traumatismo e as fraturas dentárias dos dentes 21, 22, 32 e 11 (fls 348).
E na sequência desse relatório pericial foi efectuado um aditamento pelo Gabinete Médico Legal do Ave concluindo que “os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo sofrido e os danos resultantes, incluindo as fraturas das peças dentárias 11, 21, 22 e 32 (fls 352). Deste relatório pericial as partes não reclamaram.
Segundo o artº 389º do CC a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal. No âmbito do estabelecimento das consequências de um acidente para a integridade física, não pode deixar de ser ponderado que a decisão assenta em factores de natureza essencialmente técnica e, por essa razão, o parecer dos peritos tem grande relevância, não dispondo o Tribunal se afastar do referido nesses relatórios, a não ser que se constate a existência de um notório erro dos peritos ou de incumprimento das regras legais.

No caso, afigura-se-nos que aMma Juíza se terá fundamentado no relatório de fls 288 onde se admitiu o nexo de causalidade com a fratura do dente 31 e por lapso não atentou nos relatórios posteriores e deu como provado o que consta na resposta ao artº 37º da base instrutória, que além de não estar de acordo com o relatório pericial mais recente, ainda colide com as respostas ao artº 55º, 58º e 91º.

O Tribunal pode eliminar as contradições e alterar a matéria de facto se dispuser de todos os elementos, o que se verifica no caso.

Assim, por ter ocorrido erro de julgamento na resposta ao artº 37º da base instrutória, gerador das contradições apontadas, e com base no relatório pericial junto aos autos a fls 349, altero a resposta ao artº 37º da base instrutória e ponto 30 da sentença que passa a ser a seguinte, no segmento em causa:

Provado que em consequência directa, imediata e necessária do descrito embate, o Autor sofreu fractura dos dentes 11, 21, 22 e 32.

Entende também o apelante que ocorreu de julgamento relativamente aos artºs92 e 93 da base instrutória, aditados em consequência do articulado superveniente apresentado pelo A., que deveriam ter merecido resposta de provado e não a resposta conjunta restritiva que receberam.
É a seguinte a redacção destes artigos:
Artº 92º A coroa cerâmica a colocar no dente 11 e a coroa cerâmica que lhe foi colocada no dente 21 terão de ser substituídas em período de tempo que rondará os seis anos depois da última colocação?
Artº 93º As restaurações a compósito efectuadas nos dentes 22 e 32 necessitarão de ser reparadas/substituídas entre 3 a 5 anos após a última restauração efectuada?
A estas questões foi dada a seguinte resposta conjunta: Provado apenas que a duração média de uma coroa cerâmica numdente anterior ronda os 6 anos e as restaurações deverão necessitar de reparação/substituição a cada 3/5 anos.
O apelante fundamenta-se no relatório pericial de 30 de Maio de 2014, integrado pela avaliação pericial da especialidade de Medicina Dentária.
Entendemos que tem razão, face aos relatórios de fls 347-348 e 352 (a numeração desta última página encontra-se incorrecta, mas continuamos a referir o relatório por esse número de página para evitar uma eventual confusão), onde é mencionado o tempo de duração média das coroas e de cada restauração, pelo que a resposta deve ser alterada para provado, tanto relativamente ao artigo 92º, como ao 93º, alterando-se em conformidade o ponto 68 dos factos provados e aditando-se um novo número com o número 69.
Vejamos seguidamente a impugnação da matéria de facto do apelante R. CC.
Alega o apelante que ocorreu erro de julgamento na resposta aos artigos 28º, 31º, 32º, 33º, 34º e 35º da base instrutória que deveriam ter recibo resposta de “provado”. Os artigos 28º, 32º, 33º, e 34º mereceram resposta “não provado” e o artigo 31º “provado apenas o que consta da alínea E)dos factos assentes “ e o artº 35º “provado apenas o que consta das alíneas G) e H) dos factos assentes”.
Fundamenta a sua pretensão na “prova documental produzida nos autos, nomeadamente a fotografia do veículo do aqui recorrido e junta pela co-ré BB na Audiência de Discussão e Julgamento constante de fls dos autos, verifica-se que o velocípede conduzido pelo Autor embateu com a sua roda dianteira na parte superior do guarda lamas frontal direito mesmo por cima da roda direita do veículo conduzido pelo Réu”. Na conclusão 19ª do seu recurso, o R. CC fundamenta ainda a alteração da matéria de facto “atendendo à prova testemunhal produzida na sessão de julgamento e a prova documental” e na conclusão 20 refere que “os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida são a prova testemunhal produzida, em conjugação com os documentos, nomeadamente a fotografia do veículo do aqui recorrido e junta pela co-Ré BB na Audiência de discussão e julgamento”.
Ora, como resulta manifestamente dos excertos acabados de transcrever, o apelante não dá nem no corpo alegatório nem nas conclusões, cumprimento ao disposto na alínea b) do nº1 e na alínea a) do nº 2 do artº 640º do CPC.
O apelante não indica em momento algum os nomes das testemunhas em que se fundamenta para pretender a alteração que requer, nem indica com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso. O apelante que se fundamenta em prova testemunhal tem que indicar por remissão para a gravação digital a que se procedeu os segmentos dos depoimentos em que se baseia, com referência à hora precisa em que se iniciam e terminam. Pode ainda, se o entender, transcrever os segmentos dos depoimentos que entende ser relevantes para a alteração.
Assim, rejeita-se a impugnação da matéria de facto com base em depoimentos.
Quanto à prova documental: a impugnação também não se basta com a mera remessa genérica para documentos. O apelante tem que indicar a que folhas os mesmos se encontram e porque razão entende que os mesmos provam o que não foi dado como provado (ou não provam o que foi dado por provado). Assim, também é de rejeitar a impugnação na parte em que remete genericamente para a prova documental junta aos autos.
Quanto à fotografia do veículo do apelante junta na audiência de discussão e julgamento pelo co-réu BB:
Na audiência de discussão e julgamento que teve lugar em 20 de Janeiro de 2016 e no decorrer do depoimento do co-réu CC foram juntas aos autos três fotografias do veículo deste réu, sendo a uma destas fotografias, pois que não se refere às três, que o apelante se reporta.
Ora, não sabendo em que fotografia concreta se baseia o apelante o recurso deve também ser rejeitado.
Mas, ainda que assim não se entendesse, nenhuma das fotografias juntas a fls 498 e 499 por si só fundamentam a alteração pretendida pelo apelante. Haveria que conjugar as fotografias com os depoimentos prestados, mormente o depoimento de parte do co-réu, pois que nenhuma das testemunhas assistiu ao acidente, de acordo com a motivação da decisão de facto constante da sentença, o que não foi feito.
Mantém-se assim inalterada a matéria de facto relativamente aos pontos impugnado pelo R. CC.
Por último, em sede de impugnação da matéria de facto, há que atentar na alteração pretendida pelo A.AA, em sede de contra-alegação, o que configura ampliação do âmbito do recursopermitida pelo artº 636, nº 2 do CPC, a qual é deduzida a título subsidiário e a qual se apreciará, uma vez que os apelantes BB e CC impugnaram o montante arbitrado a título de danos morais, no qual é avaliado, entre outros factores, o dano estético.
Entende o apelante A. que a resposta ao artº 58º da BI enferma de lapso ao não mencionar a cicatriz no abdómen do A., linear, de tipo cirúrgico, com 24 cms de comprimento, localizada ao nível da linha média abdominal, estendendo-se desde o mesogastro até ao hipogastro, não dolorosa à palpação e não aderente aos tecidos subjacentes, referida no relatório pericial, devendo a resposta ser alterada com a inclusão desses factos.
No artigo 58º da base instrutória perguntava-se se “em resultado directo e imediato das descritas lesões, o A. padece das seguintes sequelas permanentes:
. perda total do baço;
. atrofia do terço superior do rim esquerdo;
. cicatriz operatória notável na zona abdominal, de forma longitudinal, com 20 cms de comprimento;
. alterações de sensibilidade nessa zona cicatricial;
. coroa cerâmica no dente 2.1;
. amnesia para o acidente com cefaleias ocasionais.”
Respondeu-se ao artigo 58º nos seguintes termos:
Artigo 58.º: Provado apenas que em resultado directo e imediato das lesões descritas o A. padece das seguintes sequelas permanentes:
-ausência completa do baço por esplenectomia total;
-pequeno foco de atrofia parenquimatosa na vertente ântero-posterior do rim esquerdo com natureza residual;
-cicatriz linear, tipo cirúrgica, com 1,5cm de comprimento, localizada ao nível do flanco esquerdo, não dolorosa à apalpação, não aderente aos planos subjacentes;
-coroa cerâmica no dente 21.
No relatório junto aos autos a fls 223 e ss, concretamente na página 224 v é referido que mediante o exame objectivo se constatava a cicatriz de 1,5 cm de comprimento que a Mma. Juíza fez constar na resposta e ainda a cicatriz de 24 cm de comprimento a que o apelante A. se refere. Este exame objectivo ao A. não foi posto em causa por qualquer das partes e não foi contrariado por relatórios posteriores onde apenas se discutiu as consequências a nível dentário do acidente.
Assim, por ter ocorrido erro de julgamento e com fundamento no referido relatório pericial que teve por base o exame objectivo do A. acrescentam-se os seguintes factos à resposta ao artigo 58º da base instrutória e consequente ao ponto 51 dos factos provados da sentença: cicatriz linear de tipo cirúrgico, com 24 cms de comprimento, localizada ao nível da linha média abdominal, estendendo-se desde o mesogastro até ao hipogastro, não dolorosa à palpação, não aderente aos planos subjacentes.
E, consequentemente, com o fim de evitar contradições, altera-se a resposta conjunta aos artigos 73º e 74º da BI e ponto 58. dos factos provados da sentença, pericial (p. 225 v), passando a constar que “o autor sofreu um dano estético permanente resultante das cicatrizes (em vez de cicatriz) operatórias de grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente”.

Em conclusão:
Alteram-se em conformidades os seguintes pontos da base instrutória, mantendo-se inalterados os demais:
30. Em consequência directa e imediata do embate, o A. sofreu:
- Escoriações da face e dor abdominal;
- Extensa laceração esplénica, atingindo cerca de ¾ do total, com fragmentação do tecido esplénico;
- Laceração do 1/3 superior do rim esquerdo;
- Volumoso hemoperitoneu; e,
- Fractura dos dentes 11, 21, 22 e 32.
51.Em resultado directo e imediato das lesões descritas o A. padece das seguintes sequelas permanentes:
-ausência completa do baço por esplenectomia total;
-pequeno foco de atrofia parenquimatosa na vertente ântero-posterior do rim esquerdo com natureza residual;
- cicatriz linear de tipo cirúrgico, com 24 cms de comprimento, localizada ao nível da linha média abdominal, estendendo-se desde o mesogastro até ao hipogastro, não dolorosa à palpação, não aderente aos planos subjacentes.
-cicatriz linear, tipo cirúrgica, com 1,5cm de comprimento, localizada ao nível do flanco esquerdo, não dolorosa à apalpação, não aderente aos planos subjacentes;
-coroa cerâmica no dente 21.
58. O autor sofreu um dano estético permanente resultante das cicatrizes operatórias de grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
68. A coroa cerâmica a colocar no dente 11 e a coroa cerâmica que já lhe foi colocada no dente 21 terão que ser substituídas em período de tempo que rondará os seis anos depois da última colocação.
69. As restaurações a compósito efectuadas nos dentes 22 e 32 necessitarão de ser reparadas/substituídas entre 3 a 5 anos após a última restauração efectuada.

Da responsabilidade civil
Defende o apelante CC que não se verificam os pressupostos da responsabilidade pelo risco porque o acidente é de imputar exclusivamente à conduta do apelante autor.
No entanto, não tendo sido alterada a matéria de facto relativamente aos artigos artigos 28º, 31º, 32º, 33º, 34º e 35º da base instrutória como pretendido pelo apelante CC, a decisão recorrida mostra-se acertada ao subsumir os factos ao artº 506º do CC.
É verdade, como alega o apelante CC, que a sentença recorrida, no ponto 4.1.d) incorre em contradição a propósito da violação de normas estradais, pois que refere, a propósito do nexo de causalidade, que este existe “pois, não fora a circunstância de ter desrespeitado as regras estradas supra referidas nunca o acidente teria tido lugar”, sendo que no ponto antecedente, 4.1.c., mencionaque “ante esta factualidade provada e não provada, não é possível concluir que o condutor do RB haja violado, entre outras as normas do artº 3º/2, 11º/2 e 13/1 do CP (queria certamente reportar-se ao CE, em vez do CP). Tratou-se decerto de um lapso, motivado eventualmente por cópia de outra sentença, mas que acaba por não ter qualquer repercussão pois que é feito o correcto enquadramento do caso nas normas do artº 506º do CC, aplicáveis, precisamente quando não se apurou a culpa de qualquer dos condutores.
A circunstância de se ter apurado que o A. guinou o volante do seu velocípede para a esquerda – Ponto 29 da matéria de facto (resposta ao artº 29º da BI), desacompanhada de outros factos, não permite concluir pela culpa do A.

Da repartição do risco
Entende o apelante A. que a repartição do risco deveria ter sido fixada em 90% para o condutor do veículo e 10% para o condutor do velocípede sem motor auxiliar (vulgo bicicleta).
Entende o apelante A. que na distribuição do risco há que atentar na contribuição de cada um dos veículos para os danos e que atento que conduzia um velocípede sem motor auxiliar, a uma velocidade não superior a 10 kms/hora, veículo de muito menor estabilidade, peso, dimensão e volume que o veículo conduzido pelo R. CC, a sua contribuição não pode ser fixada em mais de 10%.
A responsabilidade pelo risco constitui uma excepção ao princípio da responsabilidade com base na culpa, intervindo aquele nos casos especialmente previstos (art. 483.º, n.º 2, do CC) e funda-se na ocorrência de um facto ilícito não culposo ou simplesmente na prática de um facto strictosensu (isto é, não ilícito), do qual derive um dano reparável na esfera jurídica de terceiro, existindo um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Na colisão sem culpa de nenhum dos condutores (art.506º do CC), cada um responde na medida do risco. Assim, a proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos a atender para a fixação da indemnização, no caso de colisão sem culpa, tem de ser estabelecida em função da contribuição dada em concreto por cada veículo. E o nº1 do art.506º é aplicável a todos os prejuízos indemnizáveis resultantes do acidente de viação.

No caso em apreço, na ausência de outros factos, a repartição do risco terá que ter em conta a desproporção existente entre um veículo automóvel e um velocípede sem motor, sendo aquele de muito maior peso e volume, é susceptível de provocar muito mais danos e mais graves que o velocípede. Tanto é que o condutor do RB não sofreu quaisquer danos na sua pessoa e parcos danos no seu veículo ( a considerarmos que os danos sofridos são os que espelham as fotografias juntas em audiência de discussão e julgamento e que se encontram a fls498 e 499 ) e o A. sofreu graves danos físicos que o obrigaram a internamento e a intervenção cirúrgica.

A Mma. Juíza a quo repartiu o risco em 2/3 para o veículo conduzido pelo R. e 1/3 para o veículo conduzido pelo A.

Em casos similares, no Ac. do TRC de de 31.12.2013, proferido no proc. 214/11 eno Ac. do TRC de 3/12/09, proferido no processo 57/09 distribuiu-se o risco em 25% para o condutor do velocípede e em 75% para o condutor do veículo automóvel. Também no recente Ac. do STJ, de 30.06.2016, proferido no processo 161/11, distribuiu-se o risco em 30% para o condutor do ciclomotor e 70% para o concutor do veículo automóvel. No caso, estando em causa um velocípede sem motor, veículo de menor risco relativamente ao ciclomotor, afigura-se adequada a repartição de 75% para o RB e 25% para o velocípede, como decidido nos Acs. citados do TRC.


Dos danos patrimoniais futuros
A fixação do valor a indemnizar é invariavelmente alvo de recurso, o que reflecte desde logo, o quão pouco pacífico é a fixação de uma indemnização.
Ambos os co-réus consideram muito elevado o valor que foi atribuído ao A. a título de danos patrimoniais futuros que os fixou em 45.000,00. O BB pugna pela fixação da quantia de 15.000,00 e o R. CC pugna pela atribuição da quantia de 10.000,00. O Fundo de Garantia defende que o Tribunal deve nortear a fixação da indemnização tendo em conta os valores que resultam da aplicação da Portaria 377/2008, de 26/05 com as alterações da Portaria 679/2009, de 25 de Junho porque reduzem a incerteza e a subjectividade da decisão.
No caso apurou-se que o A. ficou com um défice funcional permanente da integridade físico psíquica de 6 pontos.
Este défice pode afectar e diminuir a potencialidade de ganho por duas vias: pela perda da diminuição da remuneração ou pela implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou para desenvolver as várias tarefas, nomeadamente as do seu quotidiano.
No caso, não se apuraram quaisquer factos que permita concluir pela perda de rendimentos do lesado nem se apurou que a incapacidade funcional (ou dano biológico) de que o A. ficou a padecer possa vir a ter repercussões negativas na sua futura actividade profissional (resposta negativa ao artº 60º da base instrutória).
Contudo, sempre a incapacidade com que o A. ficou é de indemnizar. Uma pessoa com incapacidade, mesmo de reduzida expressão, está numa situação diferente e pior, do que outra sem qualquer incapacidade. E esse dano, em nosso entender e com o devido respeito por opinião contrária, não deve ser indemnizado ao abrigo do artº 496º do CC, por não se tratar de dano não patrimonial. A afectação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se impõe a título de dano não patrimonial (conforme se defende no Ac. do STJ, de 23.04.2009,relator Salvador da Costa, proferido no Proc. nº 292/04, disponível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte).
O dano resultante da atribuição de uma incapacidade é um dano futuro, tendo sido tratado o dano que consiste num défice funcional permanente sem rebate na vida profissional do lesado, pela jurisprudência, como dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física, constituindo um dano patrimonial a indemnizar segundo as regras do artºs562, 564º, nº 2 e 566º do CC (conforme se defende no Ac. do STJ de 23.04.2009, já citado).
Desde 1979 que a jurisprudência acolheu a solução de que a indemnização a pagar ao lesado deve, relativamente aos danos futuros “representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho”(conforme se defende no Ac. do STJ de 9.1.79, BMJ 283º, p. 260).

Posteriormente, em 1981, deflagrou um novo critério que não afastou a corrente que defendia o recurso às tabelas financeiras, e que chamou a atenção para que a indemnização fosse calculada tendo em atenção o tempo provável da vida activa da vítima, de modo a que o capital produtor do rendimento cubra a diferença entre a situação anterior até ao final da vida activa (nomeadamente, Ac. do STJ de 8/5/86, BMJ 357º, p. 396. Actualmente, tem-se defendido que não há que atender apenas ao período de vida activa do lesado, mas sim à esperançamédia da vida humana, atendendo que as suas necessidades básicas não se esgotam no dia em que deixa de trabalhar, por motivo da sua passagem à situação de reforma – cfr. Ac. do STJ de 14/09/2010 (relator Sousa Leite), proferido no Proc. nº 267/06, entendimento com o qual se concorda).

O Conselheiro Sousa Dinis, num estudo publicado na CJ/STJ – vol I, de 2001(o artigo denomina-se “Dano corporal em acidentes de viação – cálculo da indemnização em situações de morte, incapacidade total e incapacidade parcial”) apresenta uma fórmula matemática simples destinada a auxiliar no cálculo da indemnização, salientando que os cálculos matemáticos constituem meros auxiliares do julgador a corrigir de acordo com a factualidade do caso concreto e o recurso à equidade. Em seu entender pode facilmente encontrar-se o capital necessário que dê ao lesado ou os seus herdeiros o rendimento perdido, calculado a uma determinada taxa de juro, “…através de uma regra de três simples, não “afinando” o resultado obtido pelo recurso às tabelas financeiras (nem sempre acessíveis nem de consulta fácil) mas fazendo intervir no fim a equidade” (estudo citado, p. 9).

De acordo com este entendimento há que determinar qual o capital necessário para, à taxa de juro que se indicar, se obter o rendimento perdido. À quantia assim obtida há que proceder a uma redução, para evitar uma situação de enriquecimento sem causa, uma vez que o lesado, ou os seus herdeiros em caso de morte, vão receber de uma só vez o que receberiam parcelarmente. O desconto dependerá do nível de vida do país e até da sensibilidade do juiz, defendendo a redução de ¼. Se a idade da vítima for baixa a quantia encontrada poderá ser aumentada e quanto mais alta for a idade, mais a verba a atribuir será fixada num nível inferior. Em caso de incapacidade, ficciona-se uma situação de incapacidade total que constitui o ponto de partida e depois fixa-se a quantia considerada adequada.
No Ac. do STJ de 4.12.07 (relatado por Mário Cruz, proferido no proc. nº 07A3836) podemos encontrar outromeio de cálculo da indemnização por danos futuros e que pretende estabelecer limites mínimos, através de uma fórmula acessível à generalidade dos aplicadores do direito.
Outros entendimentos têm sido defendidos para o cálculo da indemnização por incapacidade. No Ac. do TRG, de 16.04.2009, defendeu-se “…a ponderação dos casos análogos tratados pela jurisprudência, satisfazendo assim um desiderato de justiça que aos tribunais cumpre assegurar” (cujo relator é Gouveia Barros, proferido no Proc. nº 197/2002) e assegurando a igualdade dos cidadãos.
Embora, não podendo deixar de reconhecer a utilidade do uso de fórmulas ou de critérios estabelecidos em tabelas, mormente no caso de se ter apurado a concreta perda de rendimentos, entendemos também, que os valores resultantes destas tabelas são meramente indicativos, devendo ser corrigidos depois de acordo com a equidade, aplicando-se o disposto no nº 3 do artº 566º do CC, constituindo o recurso à equidade a melhor opção, quando não ocorre perda de rendimentos.

A Portaria 377/2008, de 26/5 fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (artº 1/1 da referida Portaria).

As tabelas constantes da Portaria não são vinculativas para o Tribunal, conforme se decidiu no Ac. desta Relação de 28/05/2009 – proc. nº2596/08. Em conformidade com o disposto no artigo 1º, esta destina-se apenas a fixar critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, pelas entidades seguradoras (intenção que também é referida no preâmbulo). É assim apenas aplicável à regularização extrajudicial de sinistros, impondo às empresas de seguros regras e procedimentos, designadamente na avaliação dos danos dos lesados, de modo a permitir, de forma pronta e diligente, a assunção das suas responsabilidades e o pagamento das indemnizações e não tem tido acolhimento nos tribunais, não relevando assim nesta sede.

A Mma. Juíza a quo também recorreu à equidade para fixar o quantum indemnizatório, tendo ponderados os factos apurados relevantes para este fim: a percentagem de défice de que o A. ficou a padecer, a idade do autor à data do acidente – 16 anos - e a duração previsível da sua vida activa que estimou prolongar-se até aos 75 anos – os eventuais rendimentos auferidos pelo autor, partindo do salário mínimo nacional e não deixou de ponderar também, como da sentença consta, que o montante a fixar constitui um adiantamento de determinadas quantias que só seriam recebidas em data muito posterior, devendo ter-se em consideração o benefício da antecipação.
No Ac. do TRG de 03.07.2014, proferido no proc.333/12, no qual interviemos como adjunta, manteve-se a indemnização fixada pela 1ª instância em 14.305,00 a um lesado que nada contribuiu para a produção do acidente, com 37 anos à data do acidente, que ficou afectado de uma défice funcional permanente 6 pontos; que auferia um rendimento mensal à data do acidente de € 481,87, como trabalhador da recolha do lixo, e de € 160,00 como coveiro e exercendo ainda actividade agrícola que lhe permitia poupar a quantia de € 50,00 mensalmente. Nesse caso apurou-se que o Autor mantinha dores nos tornozelos e no joelho esquerdo e tinha dificuldades na marcha prolongada e em permanecer muito tempo de pé e correr, podendo realizar os trabalhos referidos no acórdão, mas com dificuldade acentuada, padecendo, relativamente a eles, da mesma incapacidade de 6 pontos.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/05/2014, com o n° processo 779/11 foi arbitrado uma indemnização de 17.500,00 a uma lesada com 19 anos de idade e com uma IPG de 7 pontos.
No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22/03/2011, com o n° processo 90/06.2 TBPTL.G1, fixou-se em 20.000,00 a indemnização por danos patrimoniais futuros, sofrido por um lesado com uma IPP de 8%, com 49 anos de idade à data da consolidação das lesões e um rendimento anual de 14.000,00 euros.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/01/2014 com o n° processo 9347/11.0 T2SNT.L1-6, foi atribuída uma indemnização de 25.000,00 por danos patrimoniais futuros decorrentes de uma IPG de 6 pontos a uma lesada com 40 anos de idade, com um rendimento mensal do trabalho de 1.926,53.
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/05/2013 com o n° de processo 1721/08.5 TBAVR.C1, foi atribuída a um lesado uma indemnização de 15.000,00 por danos patrimoniais futuros com uma IPG de 2 pontos e 38 anos de idade e que era professor à data do sinistro e à sua mulher, com uma IGP de 4 pontos e idade próxima e que se encontrava sem remuneração, a indemnização de 11.000,00.

Ponderadas as circunstâncias do caso concreto, e tendo por referência as decisões jurisprudenciais em casos em que o sinistrado ficou a sofrer de um défice idêntico ao dos autos, considerando ainda a pouca idade do A. à data do sinistro, o que não poderá deixar de se repercutir no valor da indemnização, aumentando-o, pois que esta incapacidade vai acompanhá-lo por muitos mais anos, sendo neste momento difícil perspectivar os seus rendimentos por ser estudante, mas cujo montante se estima poder vir a ser superior ao rendimento mínimo mensal garantido, dado os estudos do A., entendemos como mais adequada uma indemnização no montante de 27.500,00 euros. Considerando a divisão acima feita, a propósito do concurso de cada um dos veículos para os danos de 25% para o A. e 75% para o R. CC), a indemnização devida ao A. é de 20.625,00.

Dos danos não patrimoniais
Na sentença recorrida fixou-se a quantia de 45.000,00.
Defende o apelante BB que os danos não patrimoniais deveriam ter sido fixados em montante superior a 10.000,00 e o apelante CC reclama a quantia de 7.500,00 euros.
A lei não fornece uma definição do que deve entender-se por danos não patrimoniais, mas tem-se entendido que danos não patrimoniais “são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente(…)”(como se refere no Ac. do STJ de 25.11.2009, proferido no proc.397/03.Neste acórdão são referidos diversos acórdãos do STJ, onde se discutiram montantes indemnizatórios).

Para Dario Martins de Almeida (Manual de Acidentes de Viação, 2ª edição, Coimbra:Almedina, 1980, p. 267), «dano não patrimonial é todo aquele que afecta a personalidade moral, nos seus valores específicos».
O dano não patrimonial assume vários modos de expressão: o chamado quantum doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, no qual ter-se-à que considerar a extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; o “dano estético” que simboliza o prejuízo anátomo-funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil que afecta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária.
Há que ter presente que o A. em consequência directa e imediata do embate sofreu:
. escoriações da face e dor abdominal;
. extensa laceração esplénica, atingindo cerca de ¾ do total, com fragmentação do tecido esplénico;
. laceração do 1/3 superior do rim esquerdo;
. volumosohemiperitoneu;
. fractura de 4 dentes.
Foi conduzido de urgência ao Hospital onde foi submetido a análises sanguíneas e outros exames e para tratamento da laceração esplénica e do hemoperitoneu foi submetido no mesmo dia do acidente a uma intervenção cirúrgica para remoção total do baço e manteve-se internado entre 11 de Agosto de 2009 e 19 de Agosto de 2009, período durante o qual esteve dependente de terceira pessoa, passando depois a deslocar-se ao Centro de Saúde de Serzedelo para efectuar os tratamentos de enfermagem necessários. Em 2 de Novembro de 2009, quase dois meses após o acidente, foi acometido de dor abdominal no flanco esquerdo e teve de ser conduzido ao S.U. do Hospital onde foi submetido a ecografia.
A data da consolidação médico legal das lesões foi fixada em 10.09.2009 – cerca de um mês após o evento traumático.
Em resultado das lesões o A. ficou sem baço e com um pequeno foco de atrofia parenquimatosa na vertente ântero-posterior do rim esquerdo com natureza residual, com duas cicatrizes, uma com 1,5 cms e outra com 24 cms, ambas no abdómen e teve que colocar uma coroa no dente 21 e sofreu ainda fractura de mais três dentes.
O quantum doloris foi fixado no grau 4, numaescala de 7 graus de gravidade crescente, ou seja, em nível que se pode considerar acima da média e sofreu um dano estético permanente de 3 também numa escala de gravidade crescente de 7 graus. O A. sofreu ainda um rude golpe ao saber que lhe tinha sido extraído o baço tendo desgosto pela perda do baço e pela atrofia do rim e desgosto pela cicatrizes que possui. Há que ter presente que o A. era um jovem de 16 anos à data do acidente e que este constituiu um evento traumático. O A. conduzia um velocípede que colidiu com um veículo automóvel, em circunstâncias que não se apuraram e foi projectado para o chão. As circunstâncias em que ocorreu o acidente dos autos devem, pois, na ótica do tribunal, contribuir decisivamente para a intensificação do montante da indemnização a arbitrar ao Autor. O A. foi submetido a uma intervenção cirúrgica, esteve internado, sofreu fortes dores, ficou sem baço, com um dos rins com ligeira atrofia e com um dano estético permanente. Uma cicatriz de 24 cms no abdómen é uma cicatriz bastante visível e para um jovem, numa época de culto do corpo, não pode deixar de causar, como se apurou, um desgosto.
No Ac. do TRG de 11.07.2012 (proferido no proc. 1401/10), fixou-se a quantia de 14.000,00 a um sinistrado que sofreu fractura da clavícula direita e do polegar esquerdo; tendo sofrido um internamento hospitalar de quatro dias, regressou a casa e permaneceu acamado mais duas semanas; foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao polegar esquerdo; andou durante dois meses com o ombro direito imobilizado, precisando do auxílio de terceira pessoa, até para se alimentar; teve de se deslocar por diversas vezes ao Hospital de Santa Maria, no Porto, a fim de aí receber tratamentos; ainda continua a sentir dores quando move o ombro direito e na base do polegar esquerdo, sofrendo ainda dores cervicais e lombares ocasionais, o que se agrava com as mudanças do tempo – a perícia médico-legal calculou o quantum doloris no grau 4, numa escala que vai até 7; no momento do acidente e nos instantes que o precederam receou pela própria vida. Resultou ainda provado que o A. não teve culpa nenhuma na produção do evento danoso, que só ocorreu por negligência do condutor do outro veículo; antes do acidente era saudável e as sequelas que lhe resultaram das lesões causam-lhe desgosto.
No Ac. do TRG 19.06.2012 (proferido no proc. 430/09) manteve-se a indemnização fixada pela 1ª instância no montante de 10.000,00, ao A. que não teve culpa nenhuma na produção do evento danoso, que só ocorreu por negligência da condutora do veículo atropelante; era uma pessoa saudável, dinâmico e de grande vigor físico; sentiu um grande nervosismo e ansiedade, com perturbação do seu descanso, da sua paz interior e da estabilidade da sua vida familiar; teve o braço esquerdo imobilizado por suspensão ao pescoço durante 96 dias, com os incómodos que daí decorrem para a execução das mais pequenas tarefas da vida diária; ficou totalmente incapaz para o trabalho desde a data do acidente – 25/04/2007 – até 21/03/2008; sentia dores intensas nos braço e ombro esquerdos quando precisa de os levantar na execução de um qualquer trabalho.
No Acórdão do TRG de 03/07/2014 com o n° de processo 333/12.3 TCGMR.G1, foi arbitrado uma indemnização de 20.000,00 a um lesado com 38 anos de idade, vítima de atropelamento de um acidente de viação com contornos especialmente violentos e traumatizantes, a quem um pesado passou por cima das pernas, sofreu diversas fraturas, nomeadamente do tornozelo esquerdo e do tornozelo direito, que constituem lesões fortemente limitativas do seu modo de locomoção, que é um aspeto essencial, quer para o exercício de uma atividade profissional, quer para a prática da generalidade dos atos da sua vida quotidiana e que tiveram uma repercussão permanente, apresentando o Autor rigidez dos tornozelos e do joelho e dano estético.O Autor foi internado; permaneceu em casa dependente da esposa; foi novamente internado para intervenção cirúrgica; foi seguido em ambulatório; fez fisioterapia e reeducação; tudo isto, ao longo de um significativo período de tempo – pelo menos, 422 dias e suportou um quantum doloris de 4 numa escala de 1 a 7.
No Acórdão do TRG de 22/03/2011 com o n° de processo 90/06.2 TBPTL.G1, fixou-se uma indemnização por danos não patrimoniaisna quantia de 12.500,00 a um lesado, com 49 anos e que sofreu traumatismos lombares, dorsais e cervicais, nos membros inferiores e no membro superior esquerdo e um período de incapacidade temporária de oito meses.
No Acórdão do TRP de 05/05/2014 com o n° de processo 779/11.4 TBPNF.P1 atribuiu-se uma indemnização de 12.500,00 a uma lesada de 19 anos, com uma IPG de 7 pontos e que ficou imobilizada com colar cervical durante 2 meses, em consequência da lesão apresenta cervicalgias com contraturaparavertebral cervical, mais acentuada à direita, com dor à apalpação, sem irradiação da mesma; limitação da mobilidade na flexão anterior, extensão, rotação direita, inclinação direita e contraturaparavertebral da região dorsal, antes do acidente gozava de saúde e encontrava-se no pleno gozo das suas capacidades físicas e mentais, era uma jovem robusta, dinâmica e muito trabalhadora, desenvolvia a actividade de dança e de futebol, o que lhe dava satisfação pessoal e bem-estar físico; depois do acidente passou a sentir constantemente dores ao ombro direito, na face posterior do pescoço e região da omoplata direita; e, diminuição de força muscular nos membros inferiores, o que sucede ao longo do dia e em repouso; sente dores constantes na face posterior do pescoço e região da omoplata direita com a permanência na mesma posição melhorando com a posição de decúbito; em consequência das dores que sente a autora deixou de praticar natação; as dores que sente impossibilitam-na de praticar dança e futebol; por sentir dores no pescoço a autora passou a ter dificuldades em passar a ferro, estender roupa, lavar a loiça, lavar o chão, fazer a cama, levantar e suster objetos; a autora sente-se diminuída nas suas capacidades físico-motoras, no seu bem-estar pessoal, o que a faz sentir triste e deprimida e a tornou facilmente nervosa e irritável o que afecta as suas relações sociais e familiares e que se agrava por saber que essas lesões são irreversíveis; quando retomou o trabalho de costureira após o período de baixa sentiu dores que a obrigaram a parar de trabalhar e foi despedida.
No Acórdão do TRL de 16/01/2014 com o n° processo 9347/11.0 T2SNT.11-6 in wwwdgsipt, fixou-se uma indemnização de 25.000,00 a uma lesada de 40 anos de idade e uma IGP de 6 pontos e que foi atropelada quando retirava uma das suas filhas do interior do seu veículo, por condutor que se pôs em fuga, deixando-a inanimada, com duas crianças de 9 anos e 9 meses no interior do veículo, ficando a A. com lesões que determinaram internamento durante 9 dias, duas cirurgias, prolongados tratamentos de fisioterapia e a impossibilidade de se bastar a si própria e à sua família, tendo de se alojar em casa dos pais e sogros e confiar a outrem a filha mais velha, ficando ainda impossibilitada da prática desportiva a que se dedicava, com cicatrizes que determinaram um dano estético fixado em dois pontos e um quantum doloris no grau 4 e um prejuízo de afirmação pessoal fixável no grau três, todos numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
No Acórdão do TRG de 23/01/2014 com o n° processo 334/10.6 TBMNC.G1 fixou-se uma indemnização de €15.000,00 por Danos não Patrimoniais a uma lesado de um acidente de viação, que não ficou com qualquer défice funcional permanente, mas que sofreu traumatismo no tórax, face, nariz, hematoma do músculo tríceps de um braço e fratura de dois dedos do pé, imobilização com aparelho gessado durante seis semanas, repouso forçado com pé elevado durante uma semana, necessidade do uso de canadianas durante alguns meses, submissão a fisioterapia, consultas, exames e injecções, dores muito intensas principalmente durante as primeiras duas semanas e tristeza, insónia, perda de apetite e vergonha pelas limitações físicas.
Tudo ponderado, norteando-nos pelo critérios supra referidos e considerando o que tem vindo a ser decidido nos Tribunais da Relação, nomeadamente ao nível desta Relação, consideramos excessiva a indemnização atribuída ao A. que reduzimos para a quantia de 20.000,00, não aceitando os valores propostos pela R. que, em nosso entender, não cumprem a sua função compensatória. Uma vez que se fixou a repartição do risco em 25% para o A., o valor da indemnização a atribuir ao A. é de 15.000,00.

Do pedido formulado no articulado superveniente
O A. apresentou articulado superveniente a fls 424 e 425 e ampliou o pedido, requerendo a condenação solidária dos réus a pagar-lhe uma indemnização a liquidar ulteriormente, nos termos do artº 358º, nº 2 do CPC pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que vier a sofrer em resultado da:
1º substituição da restauração a compósito no dente 11 por uma coroa cerâmica;
2º da substituição dessa coroa cerâmica e da que já está colocada no dente 21 uma vez ultrapassada a duração média de uma e de outra, duração essa que deverá ser fixada em 6 anos após cada colocação;
3º da substituição das restaurações a compósito efectuadas nos dentes 22 e 32 quando essa substituição se tornar necessária, substituição que deverá ser fixada entre 3 a 5 anos após cada restauração.
Este articulado e ampliação foram admitidos.
Face à alteração da resposta aosartigos 92º e 93º da matéria de facto impõe-se a procedência do requerido, quanto aos danos patrimoniais somente, pois que não se vislumbram nem se provaram quaisquer danos não patrimoniais.

Dos juros de mora
Entende o R. CC que não são devidos juros de mora, pois que os valores foram actualizados.
Lida a sentença em momento algum da mesma é feita referência à actualização do valor dos danos, pelo que, na ausência de referência expressa a essa actualização, não se pode entender que a mesma foi feita. Também na fixação dos montantes agora fixados não procedemos à sua actualização, pelo que os juros de mora são devidos.

Da responsabilidade solidária
Alega o apelante AA que pediu a condenação solidária de ambos os RR. quer na conclusão da petição inicial quer na conclusão do articulado superveniente, condenação solidária que se impõe por força do disposto nos artigos 47º, nº1, 49º, nº 1, 62º, nº1 do DL 291/2007, de 21 de Agosto e, no entanto, a sentença recorrida não condenou os RR. solidariamente.
A responsabilidade do Fundo resulta, prima facie, do incumprimento da obrigação de segurar, pelo proprietário do veículo, no caso o R. CC.
Estamos perante um caso de solidariedade imprópria ou imperfeita, na medida em que, externamente, a responsabilidade dos obrigados é solidária. Assim, obtida sentença favorável, o lesado pode exigir de qualquer deles a satisfação total do seu crédito ( cfr. se defende no Ac. do TRE de 11.11.2009, proferido no proc. 3/08).
Satisfeita a indemnização pelo BB, este fica sub-rogado nos direitos do lesado, sendo solidariamente responsáveis, pelo pagamento ao BB, o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de segurar - art. 54° nºs 1 e 3 do Dec. Lei 291/2007, de 21 de Agosto. Impõem-se, consequentemente, a condenação solidária de ambos os RR.

IV – Decisão
Pelo exposto acordam os juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação do A. e dos RR. e consequentemente, revogam a sentença recorrida e, condenam os RR. solidariamente a pagar ao A. a quantia de 36.340,52, sendo 20.625,00 a título de danos patrimoniais futuros (dano biológico) e 15.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a data da citação até integral pagamento.
Mais acordam em condenar os RR. solidariamente a pagar ao A. o valor que se vier a liquidar em sede de incidente de liquidação de sentença, necessário para levar a cabo a necessária substituição da restauração efectuada no dente 11 por coroa em cerâmica e a pagar as substituições desta coroa cerâmica e da que já tem colocada no dente 21,quando se tornarem necessárias, uma vez ultrapassada a duração média de cada uma - 6 anos após cada colocação - e o valor necessário às reparações/substituições das restaurações nos dentes 22 e 32, quando essa substituição se tornar necessária, substituição essa a proceder entre 3/5 anos após cada restauração.

Sumário:

Na colisão sem culpa de nenhum dos condutores, cada um responde em função da contribuição dada em concreto por cada veículo. E o nº1 do art.506º é aplicável a todos os prejuízos indemnizáveis resultantes do acidente de viação.

Na ausência de outros factos, a repartição do risco terá que ter em conta a desproporção existente entre um veículo automóvel e um velocípede sem motor, sendo aquele de muito maior peso e volume, susceptível de provocar muito mais danos e mais graves que o velocípede, devendo o risco ser repartido na proporção de 75% para o condutor do veículo automóvel e 25% para o condutor do velocípede.

Mostra-se adequada a atribuição de uma indemnização no montante de 27.500,00 euros, a título de indemnização por dano patrimonial futuro, ao lesado que à data do sinistro tinha 16 anos, o que não poderá deixar de se repercutir no valor da indemnização, aumentando-o, pois que esta incapacidade vai acompanhá-lo por muitos mais anos, sendo neste momento difícil estimar os seus rendimentos por ser estudante, mas cujo montante se perspectiva vir a ser superior ao rendimento mínimo mensal garantido, dados os seus estudos.

Mostra-se adequada a atribuição de uma indemnização no montante de 20.000,00 ao lesado que foi submetido a intervenção cirúrgica, esteve internado, e em resultado das lesões sofridas ficou com duas cicatrizes de 1,5 e 24 cms, ambas no abdómen e teve que colocar uma coroa no dente 21 e sofreu ainda fractura de mais três dentes, quantum doloris no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, ou seja, em nível que se pode considerar acima da média e sofreu um dano estético permanente de 3 também numa escala de gravidade crescente de 7 graus, que sofreu um rude golpe ao saber que lhe tinha sido extraído o baço tendo desgosto pela perda do baço e pela atrofia do rim e desgosto pela cicatrizes que possui.

A responsabilidade do Fundo e do proprietário do veículo pelo proprietário do veículoexternamente é solidária, estando-se perante solidariedade imprópria ou imperfeita. Assim, obtida sentença favorável, o lesado pode exigir de qualquer deles a satisfação total do seu crédito.

Custas na 1ª instância na parte já liquidada por autor e réu na proporção do decaimento.
Custas da apelação do A., pelo A. e pelos RR., na proporção do decaimento.
Custas da apelação do R. Fundo de Garantia, pelo A. e pelo Fundo de Garantia na proporção do decaimento.
Custas da apelação do R.CC, pelo A. e pelo R. CC na proporção do decaimento.
Notifique.
Guimarães, 2 de março de 2017

(Helena Gomes de Melo)

(João Peres Coelho)

Consigna-se que a Exmª 1ª Adjunta (Srª Juíza Desembargadora Higina Orvalho Castelo) votou em conformidade a decisão exarada supra, que só não assina por não se encontrar presente