Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1095/08-1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I – Sendo o réu uma pessoa colectiva, e destinando-se a acção a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento, a acção tanto pode ser proposta no tribunal do domicílio do réu, como no tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, de acordo com a opção do credor, nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 1095/08-1
Agravo.
Tribunal Judicial de Ponte de Lima -1º Juízo

I - “AA ..., Ldª, instaurou contra a ré “Companhia de Seguros B..., S . A, acção de processo comum sob a forma sumária, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 9.819,32, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação.

Para tanto alegou que é uma sociedade que se dedica ao transporte nacional e internacional.
No âmbito dessa actividade foi contratada pela empresa “CC...” para efectuar o transporte de uma máquina da empresa DD... com sede em Tarragona, Espanha, com destino à empresa EE ..., com sede em Oliveira de Azemeis.
No dia 6 de Junho o motorista da autora, carregou a máquina num veículo a esta pertencente, bem apertada e amarrada.

Pelas 18 h e 20 m na Plaza de Stª Maria em Tarragona, ao descrever uma rotunda as cintas rebentaram e a máquina caiu na via de trânsito.
A máquina ficou danificada , tendo sido posteriormente reparada, reparação suportada pela autora, bem como o respectivo transporte .
Para poder efectuar transportes internacionais, a autora obrigatoriamente tinha que ter um seguro que cubra a sua responsabilidade pelos danos causados aos objectos transportados.
Contrato esse que a autora tinha celebrado com a ré, pelo que a mesma é assim, responsável pelo pagamento à autora da referida quantia.

Citada a ré esta contestou, conforme resulta de fls. 26, tendo excepcionado a prescrição do direito da autora, bem como impugnou os factos por esta alegados.

A fls. 57 dos autos foi então proferido despacho, em que oficiosamente se conheceu da incompetência territorial da comarca de Ponte de Lima e se considerou competente a comarca de Lisboa.

Inconformada a autora interpôs recurso, cujas alegações de fls. 85 a 89, terminam com as seguintes conclusões:

Estava vedado ao Mmº Juiz a quo o conhecimento oficioso de tal incompetência.
A Lei n.º 14/06 alterou a redacção do artigo 74º, e a alínea a) do n.º 1 do artigo 110º do C. P. C.
Entendemos que é para essa primeira parte do n.º 1 do artigo 74º onde se estipula ser obrigatória a demanda no Tribunal do domicílio do réu, que remete a alínea a) do artigo 110º.
Na segunda parte do referido artigo 74º o legislador concedeu ao credor a possibilidade de opção por outro tribunal que não o domicílio do réu.
Tendo o credor a possibilidade de escolha, não pode o tribunal conhecer oficiosamente da incompetência.
Na presente acção a recorrente pretende obter uma indemnização decorrente da responsabilidade contratual.
O lugar do cumprimento da obrigação é em Ponte de Lima, sendo aí que a indemnização deveria ser paga, caso venha a ser atribuída.
O douto despacho violou os artigos 3º, n.º 3 do artigo 74º, 110º, n.º 1 a) e 265º, n.º 1 e 2 do C.P.C., e 772º e 774º do C. C.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Nos termos do artigo 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do artigo 660º do mesmo código.
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A Lei n.º 14/2006 alterou o n.º 1 do artigo 74º do Código de Processo Civil, que passou a estipular que “ a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento, é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana”.
Assim, quando o réu é uma pessoa singular, o tribunal competente será o do seu domicílio, ou um tribunal localizado na área metropolitana de Lisboa, quando tanto o credor como o devedor tenham domicílio nessa área metropolitana.
Quando o réu é uma pessoa colectiva, pode o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou pelo tribunal do domicílio do réu.

A mesma lei alterou a alínea a) do n.º 1 do artigo 110º, que passou a dispor que : “ a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos seguintes:
a) nas causas a que se referem os artigos 73º, a 1ª parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 74º, os artigos 83º, 88º e 89º , o n.º 1 do artigo 90º, a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 94º”.
Como se refere na exposição de motivos da proposta de Lei n.º 47/X que esteve na origem da aprovação da citada Lei, “ ... a adopção desta medida assenta na constatação de que grande parte da litigância cível se concentra nos principais centros urbanos de Lisboa e do Porto, onde se situam as sedes dos litigantes de massa, isto é, das empresas que, com vista à recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento contratual , recorrem aos tribunais de forma massiva e geograficamente concentrada.
Ao introduzir a regra da competência territorial da comarca do demandado para este tipo de acções, reforça-se o valor constitucional da defesa do consumidor – porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo –lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo – e obtém-se um maior equilíbrio da distribuição territorial da litigância cível.
O demandante poderá, no entanto, optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o demandado seja pessoa colectiva ...”.
O objectivo do legislador foi a introdução da regra da competência territorial do tribunal da comarca do demandado, nas acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento, de modo a obstar à concentração da litigância cível em Lisboa e Porto.
No caso dos autos a acção destina-se a exigir o cumprimento do contrato celebrado entre a autora e a ré.
À luz do novo regime legal, o tribunal competente, quanto ao território para dirimir os litígios emergentes do contrato celebrado é ou o da sede da ré – comarca de Lisboa – ou o da comarca de Ponte de Lima – sede da autora -, porque a lei deixa ao credor a possibilidade de optar pelo tribunal do lugar do cumprimento da obrigação, lugar esse, que por aplicação do artigo 774º do Código Civil, é o do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.
E não se diga, que não tem aplicação ao caso a norma prevista no artigo 774º do Código Civil.
Em termos genéricos, diz-se pecuniária a obrigação que, tendo por objecto uma prestação em dinheiro, visa proporcionar ao credor o valor que as respectivas espécies possuam como tais (estes dois requisitos são cumulativos). A obrigação é pecuniária quando na fixação da prestação se atende ao valor da moeda devida.
Ora, o que a autora pretende através da acção, é o cumprimento por parte da ré do contrato de seguro que celebrou, pretendendo que a mesma a indemnize e lhe pague a quantia de € 9.819,32, ou seja, o montante da indemnização que a autora pagou ao dono da máquina, e que no seu entender, está abrangido pelas cláusulas do referido contrato.

Estando em causa um seguro de danos, a obrigação da ré é uma obrigação de indemnização, mas necessariamente pecuniária, pelo que tem aplicação a norma supletiva a que alude o artigo 774º do Código Civil, pelo que a acção respectiva pode ser instaurada na comarca do domicílio do credor, por ser este o lugar do cumprimento.
E face ao disposto na segunda parte do citado artigo 74º, o credor pode optar uma vez que o réu é uma pessoa colectiva.
No caso, e uma vez que a obrigação, de acordo com a lei, deve ser cumprida em Ponte de Lima, não podemos deixar de considerar, para efeitos do artigo 74º que a autora já fez a sua opção, sendo, assim, competente territorialmente a comarca de Ponte de Lima.
Deve assim ser revogado o despacho, que deve ser substituído por outro que faça prosseguir a acção, os seus trâmites normais.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em conceder provimento ao agravo e, em consequência, revogam o despacho recorrido que deve ser substituído por outro, nos termos acima referidos.
Sem custas.

Guimarães, 12 de Junho de 2008