Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CARVALHO MARTINS | ||
Descritores: | EFEITOS COMINAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/06/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO COM PROVIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1. O efeito cominatório pleno — presunção (ou ficção) criada pelo legislador de que o demandado confessa (concorda com) a pretensão que contra ele é deduzida, e de que não se defende — só deverá operar quando a lei expressamente o preveja. 2. Da conjugação do art. 480.° com o disposto no n.° 1 do art. 228.°, CPC, decorre que «a citação é o acto jurídico pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção, se intima o réu a comparecer em juízo e se adverte de que, não respondendo, recai sob a sanção possivelmente grave de se considerarem confessados os factos articulados pelo autor». 3. O réu não tem, evidentemente, o dever de contestar. Tem, apenas, o ónus da contestação, isto é, a necessidade de assumir um comportamento de defesa para evitar a desvantagem consistente em, com a sua omissão, serem dados como provados, por admissão, os factos alegados pelo autor. O que, inevitavelmente, se consuma. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I - A Causa: Nos presentes autos de acção sumária que correm por apenso ao processo de falência n° 3035/03.8TBBCL, em que é falida “P... — Indústria de Transformação de Plásticos, Lda”, veio “M... — Sociedade de Locação Financeira, S.A.” requerer a restituição dos bens descritos nas verbas n° 9, 15, 18 e 22 do auto de apreensão de bens a favor da massa falida, os quais devem assim ser desafectados da mesma. Regularmente citados, a massa falida e os credores não contestaram. Oportunamente, foi proferida a seguinte decisão: Conforme decorre da factualidade dada como assente, os bens objecto dos contratos de locação financeira celebrados entre a Autora e a falida, contratos esses objecto de resolução por parte da Autora com fundamento na falta de pagamento das rendas por parte da falida, não se encontram apreendidos a favor da massa falida. Assim sendo, a acção terá necessariamente de improceder. Nestes termos, julgo totalmente improcedente a presente acção. B... LEASING S.A., anteriormente denominada M... SLF S.A., Autora no Apenso “L” dos Autos à margem identificados em que é Ré P... IDA, não se conformando com a sentença de fls., dela veio interpor recurso, alegando e concluindo que I. A falta de contestação do Exm° Liquidatário Judicial e credores, e atento ao disposto ao art° 207° do DL 315/98 de 20.10 e art°s 784° e 480° do CPC, importa a confissão dos factos articulados pelo autor / recorrente e constitui prova plena dos mesmos. II. Toda a matéria factual alegada pelo autor / recorrente na sua P1, ficou devidamente provada nos autos recorridos, por aplicação do disposto nos art°s art° 207° do DL 3 15/98 de 20.10 e art°s 784° e 480º do CPC. Não foram produzidas contra alegações. II. Os Fundamentos: Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Matéria de Facto assente na 1ª instância e que consta da sentença recorrida: 1. Factos Provados: 1.1. Teor do contrato de locação financeira n°40613, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 5 a 6, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido. 1.2. Com referência ao contrato a que se alude em 1.1., a falida não procedeu ao pagamento das rendas n° 12 e 15 a 30, no valor unitário de 975,95 Euros. 1.3. Teor do contrato de locação financeira n° 41608, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 11 a 12, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido. 1.4. Com referência ao contrato a que se alude em 1.3., a falida não procedeu ao pagamento de parte da renda n° 13, estando em dívida o valor de 536,07 Euros, bem como das rendas n° 14 a 28, no valor unitário de 1.373,52 Euros. 1.5. A Autora procedeu à resolução dos contratos a que se alude em 1.1. e 1.3., através de cartas registadas com aviso de recepção, as quais foram recepcionadas pela falida, cartas que se encontram juntas aos autos a fis. 9 e 14 por cópia, aqui se dando por integralmente reproduzido o respectivo teor. 2. Factos não Provados: 2.1. Os bens descritos nos contratos a que se alude em 1.1. e 1.3., são os mesmos que se encontram descritos nas verbas n° 9, 15, 18 e 22 do auto de apreensão de bens a favor da massa falida. Considera-se, ainda, provados, de acordo com o disposto no art. 712º, do CPC, que o recorrente promoveu acção, nos termos do art° 205º e ss do DL 315/98 de 20.10, relativamente a bens de sua propriedade e que se encontram arrolados para a massa falida; devidamente citados (art° 205° n° 1 do DL 315/98 de 20.10), o Exm° Liquidatário Judicial e credores, não apresentaram qualquer contestação; sendo que, ainda assim, entendeu o Meretíssimo Juiz a quo que não se encontra assente que os bens, relativamente aos quais o recorrente promoveu acção, nos termos do art° 205° e ss do DL 315/98 de 20.10, e arrolados para a massa falida, sejam pertença do recorrente, sem que, para tal, tenha promovido ou efectuado qualquer diligência para obter tal conclusão. Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660º, do mesmo Código. Das conclusões, ressaltam as seguintes questões: I. A falta de contestação do Exm° Liquidatário Judicial e credores, e atento ao disposto ao art° 207° do DL 315/98 de 20.10 e art°s 784° e 480° do CPC, importa a confissão dos factos articulados pelo autor / recorrente e constitui prova plena dos mesmos? II. Toda a matéria factual alegada pelo autor / recorrente na sua PI, ficou devidamente provada nos autos recorridos, por aplicação do disposto nos art°s art° 207° do DL 3 15/98 de 20.10 e art°s 784° e 480º do CPC? Apreciando, de acordo com os elementos que os Autos evidenciam, refira-se que o efeito cominatório pleno — presunção (ou ficção) criada pelo legislador de que o demandado confessa (concorda com) a pretensão que contra ele é deduzida, e de que não se defende — só deverá operar quando a lei expressamente o preveja. (Ac. RP, de 23.9.1993: BMJ, 429.°-879). Ora, O CPC de 1961 acolheu substancialmente as soluções de 1939: seria indeferida a petição se se verificasse um dos casos previstos nas alíneas a) e b), bem como na 1 parte da alínea c), do art. 474-1 (indeferimento liminar da petição), ou se o juiz reconhecesse que o autor pretendia a realização de um fim proibido por lei; nos outros casos, em revelia operante, funcionaria o efeito cominatório pleno, com imediata condenação do réu no pedido, salvo se a vontade das partes fosse ineficaz para produzir o efeito jurídico pretendido através da acção. O n.° 3 dispunha que, nos casos a que se referiam as alíneas a) e b) do art. 485, a cominação era aplicada ao réu que não tivesse contestado, desde que não fosse incapaz ou pessoa moral (ou colectiva, após a modificação de 1967, por adopção da terminologia do Código Civil), continuando a acção quanto aos outros, a não ser que se tratasse de litisconsórcio necessário ou quando o não contestante fosse um simples garante da obrigação (caso este não previsto no CPC de 1939). A revisão de 1995-1996 eliminou, como regra, o despacho liminar (art. 234) e aboliu as cominações plenas. Passou a aplicar-se ao processo sumário o disposto nos arts. 483 a 485, com a especialidade constante do presente artigo (sobre a regulamentação anterior à revisão de 1995-1996, remete-se para ANTUNES VARELA, Manual cit., ps. 736-740; veja-se igualmente o ac. do TC n.° 279/2000, AcTC, 47º vol., p. 409, sobre a inconstitucionalidade do art. 784 CPC, na redacção anterior à revisão de 1995-1996). Sendo a revelia operante, o tribunal, depois de verificar, face à inacção do réu (não apresentação de contestação, não constituição de mandatário, abstenção de qualquer intervenção nos autos), que a citação foi feita com as formalidades legais, mandando-a repetir quando encontre irregularidades (art. 483), considerará os factos alegados pelo autor como reconhecidos pelo réu (art. 484-1). Se tais factos determinarem a procedência da acção, não se aplicam os n. 2 e 3 do art. 484, podendo o juiz limitar-se a condenar o réu no pedido, com adesão à fundamentação invocada pelo autor na petição inicial. Elimina-se assim a concessão de prazo para alegações às partes e dispensa-se excepcionalmente (cf. art. 158-2) o juiz de fundamentar sumariamente o pedido, como é exigido no processo ordinário (art. 484-3, in fine), admitindo-se a fundamentação por remissão (LOPES DO REGO, Comentários cit., art. 784, 1 e II). O juiz pode, porém, absolver o réu da instância, se faltarem pressuposto processuais insupríveis, e deverá absolvê-lo do pedido, se os factos alegados pelo autor forem insuficientes para fundamentar o efeito jurídico pretendido (José Lebre de Freitas, CPC, Anotado, Vol.3º,pp. 218-219). Circunstancialmente, porém, evidencia-se, de forma obsidiante, que o recorrente promoveu acção de separação e restituição nos termos do art° 205º e ss do DL 315/98 de 20.10, relativamente a bens de sua propriedade e que se encontram arrolados para a massa falida; que, devidamente citados (art° 205° n° 1 do DL 315/98 de 20.10), o Exm° Liquidatário Judicial e credores, não apresentaram qualquer contestação; sendo que, ainda assim, entendeu o Meretíssimo Juiz a quo que não se encontra provado que os bens, relativamente aos quais o recorrente promoveu acção de separação e restituição, nos termos do art° 205° e s’s do DL 315/98 de 20.10, e arrolados para a massa falida, sejam de propriedade do recorrente, sem que, para tal, efectivamente, tenha promovido, ou efectuado, qualquer diligência de prova para obter tal conclusão. Da conjugação do art. 480.° com o disposto no n.° 1 do art. 228.°, CPC, decorre que «a citação é o acto jurídico pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção, se intima o réu a comparecer em juízo e se adverte de que, não respondendo, recai sob a sanção possivelmente grave de se considerarem confessados os factos articulados pelo autor» (A. VARELA, RLJ, 130°-101). O réu não tem, evidentemente, o dever de contestar. Tem, apenas, o ónus da contestação, isto é, a necessidade de assumir um comportamento de defesa para evitar a desvantagem consistente em, com a sua omissão, serem dados como provados, por admissão, os factos alegados pelo autor. (ALBERTO DOS REIS, CPC anotado cit., II, ps. 400-401). O que, inevitavelmente, se consuma. Razão por que colhem resposta afirmativa as questões formuladas. Pode, assim, concluir-se que: 1. O efeito cominatório pleno — presunção (ou ficção) criada pelo legislador de que o demandado confessa (concorda com) a pretensão que contra ele é deduzida, e de que não se defende — só deverá operar quando a lei expressamente o preveja. 2. Da conjugação do art. 480.° com o disposto no n.° 1 do art. 228.°, CPC, decorre que «a citação é o acto jurídico pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção, se intima o réu a comparecer em juízo e se adverte de que, não respondendo, recai sob a sanção possivelmente grave de se considerarem confessados os factos articulados pelo autor». 3. O réu não tem, evidentemente, o dever de contestar. Tem, apenas, o ónus da contestação, isto é, a necessidade de assumir um comportamento de defesa para evitar a desvantagem consistente em, com a sua omissão, serem dados como provados, por admissão, os factos alegados pelo autor. O que, inevitavelmente, se consuma. III. A Decisão: Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso interposto, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que considera como não provada que os bens arrolados para a massa falida são de propriedade da autora recorrente, ordenando-se, em consequência, a restituição à autora/recorrente dos bens que descritos no auto de arrolamento sob as verbas n°5 9, 15, 18 e 22, atento ao disposto nos art°207° do DL 315/98 de 20.10 e art°s 784° e 480° do CPC. Sem Custas. Guimarães, 06/07/2005. (A. Carvalho Martins – Relator) (António Magalhães – 1º Adjunto) (Carvalho Guerra – 2º Adjunto) |