Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
43/09.9GAGMR.G1
Relator: MARIA AUGUSTA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Às penas de prisão aplicadas por crimes de tráfico de estupefacientes devem aplicar-se os mesmos critérios de suspensão da execução da pena que se aplicam às penas aplicadas por outros crimes
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

No processo comum singular nº43/09.9GAGMR Da 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães, foi o arguido MARCO R... condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº21º, nº1 do Dec-Lei nº15/93, de 22/01, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
Foi ainda ordenada a destruição do produto estupefaciente apreendido, declarada perdida a favor do Estado a quantia de € 895,00 e ordenada a restituição ao arguido dos objectos apreendidos nos autos.

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Inconformado, o arguido recorreu, terminando a sua motivação com conclusões das quais resulta serem as seguintes as questões a decidir:
1. Saber se foram incorrectamente julgados os factos provados sob os nºs1, 2, 4, 6, 7, 8, 9, 10, por violação do princípio da livre apreciação da prova;
2. Saber se a pena deve ser suspensa na sua execução.

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Admitido o recurso, a ele respondeu o MºPº e a assistente, ambos concluindo pela sua improcedência.

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Nesta instância, a Exmª Procuradora–Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual conclui pela mesma forma.

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Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do C.P.P..

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir:

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A.­ Matéria de facto provada com relevo para a decisão da causa:

1. O arguido Marco R... dedicou-se, pelo menos, desde data não apurada de 2007 e, pelo menos, até 24 de Março de 2010, dia em que foi detido no âmbito dos presentes autos, à venda de produtos estupefacientes, designadamente, cocaína e heroína

2. Para levar a cabo tal actividade, o arguido adquiria quantidades não apuradas de droga, em locais e a pessoas não identificadas, contactava os consumidores e guardava na sua residência, o produto estupefaciente adquirido, e efectuava o seu corte, pesagem e embalagem para depois proceder à respectiva venda junto dos consumidores.

3. A partir de 26 de Outubro de 2009, o arguido colectou-se e iniciou a exploração de um café, inicialmente denominado “E...” e posteriormente “Café Snackbar G...”, sito na Rua da L... , em Vizela.

4. Desta forma, e para além de ser contactado pelos consumidores através de telefone, era também nesse estabelecimento que aqueles o procuravam a fim de adquirirem estupefacientes.

5. Para as suas deslocações, designadamente para a aquisição e posterior entrega de droga, o arguido utilizava os veículos automóveis de matrícula 45-30-..., marca Opel, modelo Astra, 36-66-..., marca Toyota, modelo MR2 e 23-58-..., marca Fiat, modelo Punto.

6. Ao longo daquele período, e no desenvolvimento da descrita actividade, o arguido vendeu, por diversas vezes, inúmeras quantidades de droga a vários consumidores, que previamente o contactavam para o efeito.

7. Designadamente, em dia e mês não concretamente apurado do ano de 2007, o arguido vendeu a Maria C..., pelo menos uma vez, pelo preço unitário de € 35,00, quantidades de heroína não concretamente apuradas, mas entre uma a duas gramas, a qual previamente contactou o arguido Marco, telefonando para o n.º 91530890..., a fim de combinar qual o produto e quantidade pretendidas, bem como o local de encontro para efectuar a transacção.

8. Em diversos dias não determinados, mas pelo menos até dia não concretamente apurado de Novembro de 2007, o arguido vendeu a Adão F..., por diversas vezes, quantidades de heroína não concretamente apuradas, mas entre uma a duas gramas, pelo preço unitário de € 35,00, o qual previamente contactava o arguido Marco, telefonando para os números 91530890... e 91310240..., a fim de combinar qual o produto e quantidade pretendidas, bem como o local de encontro para efectuar a transacção.

9. De igual modo, o arguido vendeu a Eliseu P... e a Marco PM..., por diversas vezes, vários pacotes de heroína, pelo preço de 35,00 euros por grama.

10. Em datas não concretamente apuradas dos anos de 2008 e 2009, e por diversas vezes, o arguido vendeu a Joaquim S... várias doses de heroína pelo preço de 20,00 euros a grama, o qual, para o efeito, se deslocava ao café explorado pelo arguido.

11. Na sequência da busca domiciliária efectuada, pelas 07H10, do dia 24 de Março de 2010, à residência do arguido foi encontrado, no interior do mecanismo que comporta o rolo do estore da janela da casa de banho, nove pacotes em plástico transparente contendo no seu interior heroína, com um peso bruto de 31,8 gramas suficiente para 318 doses individuais e (5) cinco pacotes de cocaína, com um peso bruto de 4,2 gramas suficiente para 21 doses individuais (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 490 e 491).

12. No decorrer da busca foi encontrado no quarto do arguido:

- um telemóvel de marca Nokia, modelo 5530 Xpress Music, de cor branca/azul, com o IMEI 354200/03/027584/4, com o cartão da TMN n.º 925039350 e o PIN 2987;

- um telemóvel de marca Motorolla, modelo V3 ROHS, de cor rosa, com o IMEI 352236018458277, com o cartão da TMN n.º 927355438 e o PIN 9056;

- um telemóvel de marca Samsung, modelo SGH B130, de cor preta, com o IMEI 359040/02/435229/9 com o cartão OPTIMUS de n.º desconhecido;

- oitocentos e noventa e cinco euros em notas do Banco Central Europeu, sendo 5 notas de cinquenta euros, 14 notas de vinte euros, 26 notas de dez euros e 21 notas de cinco euros (cfr. auto de busca de fls. 490 e 491).

13. No estabelecimento de café explorado pelo arguido foi encontrado, na sequência a busca aí realizada, pelas 07H30 do mesmo dia 24 de Março de 2010, no interior da gaveta do móvel da cozinha, um telemóvel da marca Vodafone com o IMEI 359314011230663252959831 e respectivo cartão e ainda um cartão da operadora OPTIMUS, referente ao n.º 93473147... (cfr. auto de busca de fls. 512 a 514).

14. A quantia em dinheiro encontrada na posse do arguido provinha dos lucros da venda de estupefacientes.

15. Ao agir como descrito, o arguido sabia quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que adquiria e que detinha para posterior venda.

16. O arguido sabia ainda que a posse, detenção, cedência e venda de tais produtos são proibidos por lei.

17. O arguido agiu de forma livre e consciente e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

18. Por decisão de 19 de Outubro de 2009, transitada em julgado em 18 de Novembro de 2009, o arguido MARCO R... foi condenado na pena única de 350 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 21 de Setembro de 2008, dos crimes de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artº. 347º do C. Penal, de injúria agravada, p. e p. pelos artºs. 181º e 184º do C. Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artºs. 86º/1 d). e 3º/2 g). da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.

19. O processo de desenvolvimento de Marco R... decorreu na família de origem, constituída pelos pais e irmã mais nova, agregado de frágeis recursos socio-económicos, cuja dinâmica relacional e afectiva foi descrita como negativamente condicionada pelas atitudes agressivas do progenitor, designadamente para com a mãe do arguido, e por comportamentos que o levaram a cumprir pena de prisão.

20. Após os 17 anos de idade passou a residir com os avós e uma tia materna, com quem sempre manteve um relacionamento afectivo próximo e permanente, atendendo à proximidade das suas residências, e fê-lo devido ao ambiente agressivo que o progenitor à data gerava no agregado familiar.

21. A trajectória escolar do arguido foi tipificada pelo abandono precoce após concluir o 4º ano de escolaridade, com 14 anos de idade, e o início da vida activa, em trabalhos indiferenciados, designadamente em Cafés.

22. Aos 15 anos retomou os estudos, conciliando-os com a actividade laboral, concluindo com aprovação o 6º ano de escolaridade.

23. Na tentativa de alcançar melhores condições de vida empregou-se na empresa de estamparia, V... & Companhia Lda., em Caldas de Vizela, onde após três anos de trabalho não lhe foi renovado o contrato laboral. Desde então, passou a trabalhar com um tio, barbeiro, até ser chamado a cumprir o Serviço Militar Obrigatório, o qual teve a duração de quatro meses.

24. De regresso a Caldas de Vizela, reiniciou a actividade profissional na área têxtil, na empresa Felpos D..., onde se manteve três anos em exercício.

25. Posteriormente, inactivo durante meses consecutivos, recebeu com o subsídio de desemprego, findo o qual, conseguiu colocação laboral numa outra empresa de estamparia, e depois, na empresa L... - Componentes para Calçado, Lda, em Vizela. Em 2003, passou a trabalhar como servente da construção civil.

26. Em data não concretamente apurada, o arguido arrendou um Bar, G..., (Bar Dançante) em Salgueiral, Guimarães, o qual é socialmente referenciado pelas queixas que a vizinhança apresentava às autoridades policiais, pelo barulho em horário nocturno, e que levavam as competentes autoridades policiais a deslocarem-se ao local.

27. Considerando esta situação constrangedora e prejudicial para o negócio, após cinco meses de trabalho fechou o Bar e, posteriormente, arrendou uma outra área comercial, passando a explorar o Café E..., o qual passou a ser conhecido e denominado pelo Café Sanck-Bar G..., na Rua da Lage, em Vizela.

28. O seu gosto e habituação pelo no consumo de bebidas alcoólicas ocorreu na transição para a maioridade e algum tempo depois, pela adição de drogas consideradas leves. Esta problemática interferiu negativamente no relacionamento de namoro que manteve durante oito anos, e que terá terminado devido designadamente aos comportamentos agressivos que o arguido, por vezes, dirigia a esta.

29. Desde aproximadamente 2007, que encetou um novo relacionamento marital com uma cidadã de nacionalidade brasileira, residindo o casal num apartamento arrendado próximo do Estabelecimento Prisional de Guimarães, e nos últimos dois anos na Rua dos Bombeiros, próximo do Café Sanck-Bar G..., sob o pagamento de renda mensal de 300€.

30. A ex-companheira Roberta Ferraz é consumidora de estupefacientes e foi em convívio permanente com ela, que com 31 anos intensificou e agravou o consumo de estupefacientes, passando para adição de drogas ditas duras.

31. Desde a data referida em II.A.3., o arguido tomou à exploração o Café Snack-Bar G..., que arrendou por € 350,00 mensais, tendo um empregado, das 15 às 22 horas a auferir 400 € mensais.

33. Desde que passou a viver em união de facto, a sua ex-companheira, consumidora de estupefacientes, deixou de trabalhar em Bares de Alterne e, desempregada, passou a dedicar-se às lides domésticas e a colaborar com nas limpezas do Café Snack-Bar G....

34. O arguido dedicava alguns dos seus tempos livres, após o fecho do estabelecimento e aos fins-de-semana, a frequentar Bares, Discotecas e Dancetarias, ou casas de alterne.

35. O arguido nunca considerou necessário submeter-se a tratamento de desintoxicação e recuperação a qualquer uma das suas adições - alcoólica e de substancias psicoativas, pelo que não recorreu a nenhuma consulta ou instituição vocacionada para tal.

36. O arguido perspectiva regressar ao agregado de origem e mantém com a mãe, irmã, tia e avó materna, uma relação de afectividade, existindo entre todos sentimentos de solidariedade.

37. No meio social, quer do seu agregado de origem, quer da sua última residência, o arguido é descrito como um indivíduo educado, respeitador e trabalhador.

38. O arguido Marco R... Ribeiro deu entrada no Estabelecimento Prisional de Braga a 25 de Março de 2010, tendo o arguido recorrido a uma tia para o substituir no Café Snack-Bar G....

39. Após essa detenção, a Roberta B... abandonou o arguido.

40. À data dos factos, o arguido Marco R... encontrava-se a consumir estupefacientes e mantinha hábitos de consumo, por vezes excessivo, de bebidas alcoólicas.

41. O arguido revela diminuto poder reflexivo e consequencial face aos efeitos negativos das suas adições na definição de um projecto de vida integrador e demonstra falta de motivação para se submeter a um processo de tratamento de recuperação.

42. A família do Marco R... continua a manifestar apoio incondicional ao arguido, sendo que este dispõe de recursos familiares, sociais e competências profissionais.

43. Por carta datada de 9 de Agosto de 2010, a M... informou o arguido que, não tendo havido qualquer intenção de liquidar a quantia de € 1.449,78 em dívida do cartão de crédito Barclaycard nº.4228650670023001, irá recomendar ao seu cliente a resolução do processo pela via judicial competente.

44. Em 13 de Novembro de 2007, o arguido apresentou queixa na Esquadra de Guimarães da G.N.R. por furto do veículo automóvel de matrícula 36-66-..., marca Toyota, de cor vermelha.

45. Por carta datada de 15 de Março de 2010, a B... Go, I.F.C., S.A. informou o arguido que, não tendo este procedido ao pagamento do valor em débito, se procedeu ao preenchimento da livrança de caução subscrita, com vencimento em 26 de Março de 2010, no valor de € 21.316,75

46. A agente de execução Filomena R... remeteu uma missiva ao arguido com os seguintes dizeres: “Agradeço contacto por parte de V. Excia. para o nº. móvel 918081070, tão breve quanto possível, no intuito de combinar dia e hora para entrega das chaves e remoção do veículo matrícula 36-66-..., marca Toyota, modelo MR. Se não o apresentar, será solicitado força policial para o efeito”.


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B. Factos não provados:

1. A embalagem referida em II.A.2 era em doses individuais.

2. O referido em II.A.3 ocorreu a fim facilitar o exercício de tal actividade, e com o intuito de ludibriar as autoridades policiais.

3. Em datas não concretamente apuradas, mas incluindo durante o ano de 2009, e pelo menos até Março de 2010, os arguidos venderam, por diversas vezes, 5 gramas de cocaína a António Eduardo Oliveira Pereira, pelo preço de 250,00 euros, o qual, para tanto, previamente contactava o arguido Marco, telefonando para o n.º 914808052, a fim de combinar qual o produto e quantidade pretendidas, bem como o local de encontro para efectuar a transacção.

4. Também em dias não apurados, mas pelo menos desde Novembro de 2009 até Março de 2010, o arguido vendeu a Miguel S... panfletos de cocaína pelo valor de 5,00 euros e panfletos de heroína, por 5,00 euros, os quais, para o efeito, se deslocavam ao café explorado pelo arguido.

5. O arguido vendeu a Eliseu P... e a Marco PM..., por diversas vezes, vários pacotes de cocaína pelo preço de 60,00 euros por grama.

6. No mesmo período e por diversas vezes o arguido vendeu a Joaquim S... doses de cocaína por 50,00 euros a grama.

7. O arguido não exercia qualquer actividade profissional que justificasse a posse dos veículos em que circulava, nem os telemóveis que detinha.

8. Os telemóveis e veículos que o arguido detinha tinham sido adquiridos com os lucros da venda de estupefacientes.


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C. Motivação da decisão de facto:

Para a convicção dos julgadores e no que tange a toda a matéria, provada e não provada, foram relevantes todos os meios de prova legalmente admissíveis, nomeadamente, os documentais juntos aos autos e que foram examinados em audiência e os depoimentos das testemunhas produzidos em audiência.

Assim e no que concerne à factualidade constante da acusação e dada como provada a convicção dos julgadores assentou na apreciação conjugada das declarações do arguido (que confessou parcialmente os factos, assumindo a aquisição, a posse e a detenção do produto estupefaciente que foi apreendido na sua residência e a respectiva venda) com o teor das escutas telefónicas com os depoimentos de várias testemunhas que, sendo consumidores à data dos factos em apreço, confirmaram ter adquirido produtos estupefacientes ao arguido e descreveram o modo, o tempo e o local onde o faziam, discriminando também o respectivo preço de aquisição.

Desde logo, a testemunha Maria C..., que foi consumidora de heroína durante cerca de dez anos e até há cerca de meio ano, a qual descreveu a forma como, por uma vez, adquiriu ao arguido aquele estupefaciente: tinha o número de telemóvel do Marco R... e telefonou-lhe, tendo este marcado o encontro junto à Baiona, em Vizela, tendo aquele aparecido a conduzir um Toyota vermelho, de tipo desportivo.

Todavia, a Maria C... garantiu que, várias vezes, pelo menos seis, acompanhou o seu amigo Adão F..., no automóvel deste, quando este se encontrava com o Marco R... para lhe adquirir uma grama de heroína, por cerca de 25,00 € ou 30,00 €.

Tal versão foi, aliás, confirmada pela testemunha Adão F... (embora só em sede de acareação se tenha percebido por que razão quantificou, primeiramente, em vinte vezes as compras ao arguido acompanhado da dita Maria C...) o qual também comprava, sozinho, ao Marco R... uma ou duas gramas de heroína, sendo que pagava € 70,00 por duas gramas desse estupefaciente.

Tanto a Maria C... como o Adão F... referiram que foram agredidos pelo arguido Marco R..., em consequência de dívidas relacionadas com a venda de droga (o que só corrobora a ocorrência dos factos imputados na acusação) mas não se divisou nesses depoimentos, atento o modo como foram prestados – o que só a imediação permite apreender – qualquer rancor ou intuito vingativo contra o arguido. Os seus depoimentos mereceram, por isso, a credibilidade dos julgadores, nada se tendo apurado que os beliscasse minimamente.

De resto, a alegada entrada nas urgências em consequência da agressão com correntes imputada ao arguido a que aludiu a testemunha Adão F... foi também documentalmente comprovada a fls.1108, sendo certo que a respectiva data permitiu situar, com mais precisão, no tempo, o mês em que cessaram as aquisições de heroína ao arguido.

Também a testemunha Eliseu P..., consumidor habitual de heroína e ocasionalmente também de cocaína, há cerca de cinco anos, confirmou, espontaneamente, ter adquirido ao arguido, pelo menos por uma ou duas vezes, nos finais de 2009 e já em 2010, uma grama de heroína (em cada ocasião), pagando-lhe € 35,00. Mais especificou o local concreto em que se encontrou com o arguido vindo este a conduzir uma carrinha branca, sendo que se apurou que o arguido detinha, efectivamente, uma carrinha dessa cor - cfr. fotografia de fls.419.

O mesmo Eliseu P... salientou mais uma particularidade do modo como o arguido transaccionava a droga, pois que referiu que o Marco R... não vendia a heroína em pacotes de € 5,00 (como era habitual a testemunha adquirir a outras pessoas), apenas vendendo a heroína às gramas, o que disse ser melhor e ficar mais barato para si.

De igual forma, o Marco M..., conhecido por “espreita”, amigo do arguido há cerca de vinte anos e consumidor de heroína de 1994/95, acabou por assumir que fumava heroína com o arguido, dividindo com ele uma meia grama, entregando dinheiro ao arguido para pagamento da heroína que este lhe cedia.

O Joaquim S..., que disse conhecer o arguido há mais de dez anos e consumir heroína há mais de vinte anos (e só ocasionalmente heroína), assumiu ter adquirido heroína ao arguido, pelo menos por três vezes, ao preço de 20,00 euros a grama, sendo que para o efeito se deslocava ao café explorado pelo arguido para aí combinarem o local de entrega do produto estupefaciente. Mais referiu não ter conhecimento que o arguido vendesse heroína embalada em pacote (dose individual), pois que só vendia à grama, o que implicava a aquisição de maiores quantidades, mas a custo inferior (o que relevou, decisivamente, para o referido em II.B.1).

Também estes últimos depoimentos mereceram a credibilidade dos julgadores em face do modo descomprometido e desinteressado como foram prestados, sendo mesmo corroborados pelas declarações do arguido que confirmou ter vendido heroína às referidas testemunhas: Eliseu P..., Marco M... e Joaquim S....

O Eliseu P..., o Marco M... e o Joaquim S... negaram, contudo, que adquirissem cocaína ao arguido, o que determinou a não prova do referido em II.B.5 e em II.B.6.

É certo que alguns consumidores, também arrolados como testemunhas, negaram a compra de estupefacientes ao arguido Marco R..., como foi o caso de António Eduardo O. Pereira, Rui António da Silva e até de Miguel F....

Todavia, o primeiro fê-lo sem convicção e de modo nada convincente referindo que, apesar de estar em Espanha, quando vinha a Portugal adquiria cocaína no Porto, isto durante o ano de 2002.

Já o segundo viu o seu depoimento desmentido pelo teor da intersecção telefónica com o produto nº. 391 (fls.659) quando afirmou que, pretendendo ir comer ao café do arguido, pediu-lhe “comida”, negando ter pedido “molho” (termo que, segundo a testemunha Norberto M... significava droga).

A testemunha Miguel F... também não foi totalmente convincente no seu depoimento em audiência quando negou ter adquirido droga ao arguido.

No entanto, face à inexistência de outros meios de prova seguros e inequívocos não foi superada a dúvida sobre o modo, o quando e se, efectivamente, tais testemunhas adquiriram estupefacientes ao arguido. Por outro lado, a testemunha Joana Patrícia Sousa não chegou a ser inquirida como testemunha na audiência de julgamento. Em face disso, julgaram-se como não provados os pontos II.B.3 e II.B.4.

A convicção do tribunal baseou-se, ainda, nos depoimentos das testemunhas Norberto M..., Daniel M..., Nelson M..., Lourenço F..., André S... e Manuel A..., agentes da GNR que intervieram na investigação criminal, os quais descreveram as diligências efectuadas, devidamente documentadas nos autos, nomeadamente vigilâncias e escutas telefónicas, as quais foram analisadas em audiência.

O referido Norberto M..., que tinha a seu cargo a direcção da investigação, afirmou que o arguido nunca foi visto pela GNR a traficar, mas salientou diversas circunstâncias invulgares no comportamento do arguido, as quais foram por si constatadas no decurso das vigilâncias e das escutas por si efectuadas: o arguido entrava em casa onde permanecia por curtos períodos de tempo, mas punha sempre o carro na garagem; falava ao telemóvel de modo pouco perceptível, tudo indicando que usava códigos com os demais interlocutores (sendo certo que das escutas transcritas, por exemplo, a fls.672 – produto nº.409 – resulta que a própria companheira por vezes não o compreendia); o modo como se comportava quando conduzia induzia a adopção de cautelas com eventuais seguimentos, pois que parava diversas vezes, fazia duas vezes a mesma rotundas; mudanças sucessivas de números de telemóvel utilizados (o que também faz indiciar a intenção de ludibriar eventuais tentativas de intercepções telefónicas).

As testemunhas Norberto M... e Daniel M... aludiram ainda aos vários veículos conduzidos pelo arguido e salientaram também o facto de não ser conhecida qualquer actividade laboral ou propiciadora de rendimento ao arguido antes de este começar a explorar o café E... (posteriormente denominado Café G...), sendo vasta a documentação que consta dos autos e que, formalmente, o comprova inequivocamente (cfr. informação da Seg. Social a fls.30 e cadastro tributário junto a fls.226).

Todavia, como infra se dirá, dos depoimentos dos familiares do arguido resultou a comprovação de que o arguido exerceu outras actividades laborais, embora em datas não concretamente apuradas.

O mesmo Norberto M... descreveu a busca realizada à casa habitada pelo arguido e confirmou os objectos e os estupefacientes apreendidos, o que ficou documentado no respectivo auto de fls.490 e seguintes. Também a testemunha Lourenço F... participou na busca e confirmou que a droga encontrada estava dividida em pacotes (no caso da cocaína, de 1 grama, sendo os de heroína de 3 ou 4 gramas), o que, de acordo com a sua experiência de seis anos de investigação no NIC de Guimarães e tomando em conta tal quantidade, faz crer que quem adquiria ao arguido também destinava o produto a revenda (ou, como também referiu o Norberto M..., poderia haver vários consumidores que se juntavam para lhe adquirir) – o que também relevou para a não prova do facto referido em II.B.1..

A testemunha André Silva referiu ter constatado, das vigilâncias que efectuou, que várias pessoas entravam e saíam do Café G... aí permanecendo por cerca de apenas trinta segundos, período de tempo totalmente incompatível com o consumo de qualquer produto próprio de um estabelecimento de cafetaria.

Ora, este tipo de comportamento detectado e presenciado pelos agentes policiais, associado ao resultado da busca efectuado, conjugado com os depoimentos testemunhais, supra melhor analisados e, obviamente, com as próprias declarações do arguido não deixou qualquer dúvida nos julgadores de que o arguido praticou a factualidade vertida em II.A.1 a II.A.10 e II.A.14 a II.A.17.

Com efeito, o arguido declarou ter começado a consumir heroína em 2007 e que começou a comprar heroína à grama, por cerca de € 20,00, ganhando cerca de € 10,00 em cada grama que vendia, calculando que conseguia vender duas a quatro gramas por semana que acondicionava, disse, “a olho”. Como já supra se referiu, o arguido confirmou ter vendido heroína a três das testemunhas inquiridas, assumiu ter colocado a droga no local onde a mesma foi encontrada e confirmou que os termos utilizados por si utilizados nas conversas telefónicas com a sua ex-companheira se referiam à droga (cfr. transcrições de fls.406, 407, 664, 669, 670, 674 e 675).

Mais referiu que, pelo menos por quatro vezes, chegou a comprar 30 gramas de heroína pelo preço de € 600,00, o que não deixa de ser significativo quanto ao volume de transacções efectuadas (visto que o seu consumo, em conjunto com a sua ex-companheira, não excedia os quatro pacotes diários) e é compatível com as quantidades apreendidas na sua residência.

Nas suas declarações o arguido explicou, ainda, a proveniência dos telemóveis apreendidos, afirmou que teve de recorrer ao crédito para adquirir o Toyota MR2, tendo também afirmado que retirava cerca de € 1.000,00 da exploração do café G..., embora já tivesse dívidas antes de iniciar tal exploração.

Em face disso, considerando também a prova documental junta na última sessão de julgamento pela defesa e perante a insuficiência da demais prova produzida em audiência nesse particular, os julgadores ficaram na dúvida quanto à origem dos telemóveis apreendidos e dos veículos utilizados pelo arguido, sendo certo que, essa dúvida, porque insuperável, foi resolvida a favor do arguido, em cumprimento do princípio in dubio pro reu, do que resultou a não prova do mencionado em II.B.7 e II.B.8.

Todavia, no que tange às quantias apreendidas ao arguido, ponderadas as declarações deste, a sua proveniência só pode encontrar-se na venda de estupefacientes, vistas as regras da experiência e as despesas apresentadas pelo arguido.

Com efeito, se este tirava cerca de € 1.000,00 mensais pela exploração do café e se pagou € 600,00 pela aquisição de 30 gramas de heroína (tendo na sua posse quantidade superior) não se encontra qualquer outra explicação verosímil e credível para a posse de tal quantidade de dinheiro (e não se contabilizam aqui as normais despesas diárias com alimentação e combustíveis) senão a de que a mesma provinha da actividade de venda de produtos estupefacientes, o que determinou a prova do vertido em II.A.14.

O c.r.c. junto a fls.1093 e 1094 comprova os antecedentes criminais do arguido descritos em II.A.18.

Para a prova das condições pessoais do arguido e vertidas em II.A.19 a II.A.41, o Tribunal lançou mão do teor do relatório social de fls.1060 e seguintes e conjugação com os depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa do arguido e suas familiares.

As testemunhas Maria F..., tia do arguido, Sílvia R..., irmã do arguido, e Maria A..., mãe do arguido, aludiram às condições pessoais do arguido e à sua infância difícil, exaltando, concomitantemente, o facto de o Marco R... ter começado a trabalhar muito cedo. De resto, o mesmo se diga quanto ao depoimento da testemunha Maria C..., tia do arguido, a qual também realçou que o arguido está mudado, física e psicologicamente, e tem agora outros objectivos, desde logo, o de “levar uma vida direitinha”.

As testemunhas Maria F..., tia do arguido, Sílvia R..., irmã do arguido afirmaram ter conhecimento que os veículos Toyota e Opel Astra que o arguido detinha foram adquiridos com recurso ao crédito bancário, não tendo, porém, a testemunha Maria A..., mãe do arguido, fornecido qualquer justificação para o modo como o arguido conseguiu tais créditos quando é incontornável o facto de o mesmo não ter qualquer rendimento declarado entre 2001 e mais de metade do ano de 2009 (cfr. fls.226 e seguintes).

Não obstante, as testemunhas arroladas pela defesa do arguido salientaram o facto de ser normal na área desta Comarca muitas empresas não fazerem descontos, nem inscreverem os seus trabalhadores na Segurança Social, pelo que, em face também do constante em sede de relatório social, deu-se crédito às afirmações das mencionadas testemunhas de que o arguido sempre trabalhou após ter deixado os estudos, circunstância que também contribuiu para a supra referida dúvida quanto à origem dos telemóveis e dos veículos utilizados pelo arguido, dado que também se desconhece a data em que os mesmos foram adquiridos.

Se tais testemunhos foram relevantes para a prova das condições pessoais do arguido, em conjugação com o teor do relatório social de fls.1060 e seguintes, esses depoimentos em nada infirmaram a prova da factualidade vertida em II.A.1 a II.A.10 e II.A.14, pois que tais familiares declararam desconhecer qualquer actividade de tráfico de estupefacientes por banda do arguido.

A prova do referido em II.A.42 a II.A.46 resulta do teor da documentação junta pela defesa, na última sessão da audiência de julgamento, sendo certo que não foi feita qualquer prova cabal e inequívoca do vertido em II.B.2..

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1ª Questão:
Saber se foram incorrectamente julgados os factos provados p os factos provados sob os nºs1, 2, 4, 6, 7, 8, 9, 10, por violação do princípio da livre apreciação da prova;
Argumenta o arguido que relativamente aos factos provados sob os nºs1, 2 e 6 «parece não resultar da prova produzida que se possa extrair a conclusão quer do período inicial de venda - 2007, quer que o arguido guardava o produto estupefaciente em casa e efectuava o seu corte, pesagem, e embalagem para depois proceder à venda».
Embora, com efeito, nenhuma testemunha tenha afirmado, com a necessária segurança, ter comprado produtos estupefacientes ao arguido no ano de 2007, é ele próprio que o confessa: «comecei a consumir no ano de 2007, pronto e…a comprar pacotes. Nunca ia comprar mais de 4 gramas, para mim, para o meu consumo e para a ralar. Mas eu, depois comecei a conhecer aí uns…pronto, uns toxicodependentes, alguns, e a…cedi, mas enquanto comprava, por exemplo, 2 gramas ia consumir com eles e realmente cedia…..meia grama, uns pacotes que era para ajuda do meu consumo.» (negrito nosso).
É ainda o arguido que confessa «guardar» (não esconder), o produto em casa, «no coisa da janela da casa de banho», porque entrava lá muita gente, designadamente o senhorio, que andava com obras nos canos de esgotos e tinha livre acesso à casa.
Quanto à sua pesagem, apesar de não terem sido encontradas balanças nem plásticos na busca, é, uma vez mais, o arguido quem confessa que ele ou a sua companheira, procediam à divisão do produto. Assim, explica: «Os pacotes, pronto…eu..eu não pesava nem nada, atirava assim…a olho, pronto, era a cinco euros». E, mais adiante, acrescenta, referindo-se à companheira: «Realmente, às vezes estava no café e pedia-lhe para ela preparar … um pacote de quatro, que ela sabe o que era, que era um pacote de quatro equivalia a 4 doses e a … e depois eu passava em casa, pegava naquilo … que ela não tinha balança para pesar….ela pegava…mais ou menos para eu andar…mais ou menos quanto é que eu tinha…pegava num amigo meu e íamos fumar, não é?...E..e ele, às vezes, ficava com duas…com duas doses, por exemplo.».

Quanto ao facto dado como provado sob o nº4 de que os consumidores também o procuravam no café que explorava, a testemunha Joaquim S... quando lhe é perguntado se ia lá comprar, responde (minutos 7:14 a 7:46) que nunca comprou dentro do café nem à porta mas «mais cá p’ra baixo». Ao café ia tomar café e combinar encontrarem-se «mais em baixo» Minuto 6:57 a 7:24:«…passava e depois encontrávamo-nos cá por baixo, a meio da tarde, ou assim». «Ia lá tomar um café ou coisa assim…lá ao café». «Nunca comprei lá dentro». «Cá p’ra baixo, mais cá ‘pra baixo». e, às vezes, nem era preciso falar para o arguido saber ao que ia.
Perante este depoimento, ao qual o Tribunal a quo deu total credibilidade, é manifesto que o arguido era procurado no café que explorava. Não foi dado como provado que o arguido vendesse estupefacientes no café, como ele dá a entender que dos factos resulta.

Relativamente aos factos provados sob os nºs 7 e 8 considera o arguido que nem do depoimento da testemunha Mª de Fátima nem do depoimento da testemunha Adão resulta que lhes tenha vendido estupefaciente no ano de 2007 e ao preço de € 35,00/grama.
Quanto ao ano da venda, embora ambas as testemunhas tenham tido grandes confusões/hesitações quanto ao período em que decorreram as compras ao arguido, a Mª de Fátima acaba por concluir tratar-se de 2007/2008 (minuto 9:36 a 9:48 e 14:36 a 15:03) e, na acareação, acabaram por fixar-se no ano de 2008 (cfr. minuto 4:47 a 4:53).
Quanto ao preço por grama, a testemunha Mª de Fátima fala em € 20,00/grama (minuto13:02 a 13:07) e em € 25,00/€ 30,00/grama (minuto 3:42 a 4:02). Contudo, como decorre do seu depoimento, pelo menos, meia dúzia de vezes foi com a testemunha Adão comprar heroína ao arguido para os dois mas não saia do veículo. Era o dão Pedro quem «negociava» a compra.
Ora, esta testemunha, sem hesitação, afirma que comprava dois gramas de heroína por € 70,00 (cfr. Minuto 10:02 a 11:24).
Também a testemunha Eliseu P... afirma ter comprado heroína ao arguido a € 35,00/grama (minuto3:12 a 3:20).
De resto, basta uma simples leitura das «transcrições dos depoimentos das testemunhas» Mas que, na realidade, não correspondem exactamente ao que consta das gravações – não são a versão integral das declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento. de fls.1230/1461, para se constatar que assim é.

Passemos aos factos provados sob os nºs9 e 10 – vendas a Eliseu P..., Marco PM... e Rogério S...:
Nesta parte e tal como consta da fundamentação de facto do acórdão, a testemunha Eliseu apenas admitiu ter comprado 1 ou 2 vezes heroína ao arguido (cfr. minuto 2:48 a 2:57).
Também a testemunha Marco referiu que o arguido o «desenrascou» 2 ou 3 vezes (minuto 2:51 e minuto 4:05).
Por fim, a testemunha Rogério S... afirma ter-lhe comprado 2 ou 3 vezes (cfr. minuto 3:29 a 3:31).

Perante o exposto:
- mantém-se a redacção dos nºs1, 2, 4, 6;
- o nº7 dos factos provados passará a ter a seguinte redacção:
Em dia e mês não concretamente apurados do ano de 2008, Maria C..., contactou o arguido através do telemóvel nº91530890..., a fim de combinar qual o produto estupefaciente e quantidade pretendidas, bem como o local de encontro para efectuar a transacção. Porém, nesse dia, o arguido ficou com o dinheiro mas não lhe entregou a heroína pretendida. A Mª de Fátima, através de Adão , adquiriu ao arguido, por diversas vezes, durante esse ano, 1 ou 2 gramas de heroína, de cada vez, para os dois.
- o nº8 dos factos provados passará a ter a seguinte redacção:
Durante o ano de 2008, o arguido vendeu a Adão F..., por diversas vezes, 1 ou 2 gramas de heroína de cada vez, em total não apurado, pelo preço de € 35,00 o grama. Para o efeito, o Adão contactava-o através dos telemóveis nºs91530890... e 91310240..., combinando, então, qual o produto e quantidades pretendidas bem como o local onde seria efectuada a transacção.
- o nº9 dos factos provados passará a ter a seguinte redacção:
De igual modo, o arguido vendeu heroína a Eliseu P..., pelo menos, por duas vezes, ao preço de € 35,00/grama e a Marco PM..., pelo menos três vezes.
- o nº10 dos factos provados passará a ter a seguinte redacção:
Em datas não concretamente apuradas dos anos de 2008 e 2009, o arguido vendeu, pelo menos por três vezes, heroína a Joaquim S..., pelo preço de € 20,00/grama.


2ª Questão:
Saber se a pena deve ser suspensa na sua execução:
O arguido aceita a medida da pena que lhe foi fixada – 4 anos e 6 meses de prisão. Pretende apenas que esta seja suspensa na sua execução com os seguintes argumentos:
- nunca foi condenado por crimes desta natureza;
- a prática do crime deveu-se ao consumo de estupefacientes;
- iniciou o consumo com o relacionamento com a companheira Roberta;
- já não tem qualquer relacionamento com esta, a qual se encontra em parte incerta do Brasil;
- tem o apoio incondicional da família;
- tem casa para onde ir morar, mantém o estabelecimento comercial e pode dele retirar os rendimentos necessários à sua subsistência;
- a comunidade onde se insere tem de si um juízo favorável.

Quanto à suspensão da pena, o artº50 do C.P. dispõe:
1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. (...)
3. (...)
4. (...)
5. O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a 1 ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Dado nenhum problema se levantar quanto à verificação do pressuposto formal da aplicação da suspensão da execução da pena – a pena aplicada é de 4 anos e 6 meses -, passemos à apreciação do pressuposto material.
Como ensina Figueiredo Dias Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime – pág.342/343, §518 pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (...). Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e á sua conduta anterior e posterior ao facto.
Esse prognóstico consiste na esperança de que o agente ficará devidamente avisado com a sentença e não cometerá nenhum outro delito Cfr. Hans-Heinrich Jeschenck – Tratado de Derecho Penal – Editorial Comares – Granada – 4ª Ed., pág.760. e, prossegue aquele autor, é reportado ao momento da decisão e não ao momento da prática do facto, razão pela qual devem ser tidos em consideração, influenciando-o negativa ou positivamente, designadamente, crimes cometidos posteriormente ao crime(s) objecto do processo e circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham já tomadas em consideração (...) em sede de medida da pena.
Também a este propósito, escreve este último autor Obra citada, pág.761., o prognóstico requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitam uma conclusão acerca do comportamento futuro do agente, nas quais se incluem, entre outras, a sua personalidade (inteligência e carácter), a sua vida anterior (as condenações anteriores por crime de igual ou diferente espécie), as circunstâncias do delito (motivações e fins), a conduta depois dos factos (a reparação e o arrependimento), as circunstâncias de vida (profissão, estado civil, família) e os presumíveis efeitos da suspensão.
Como se escreve no Ac. da Relação do Porto, de 09/02/2009 http://www.dgsi.pt/jtrp., citando o Ac. do STJ de 09/01/2002, na base de uma decisão de suspender a execução de uma pena está sempre uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial; porém, o juízo de prognose que o tribunal faz não tem carácter discricionário, e muito menos arbitrário. O tribunal, ao decretar a medida, terá que reflectir sobre a personalidade do agente, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta ante et post crimen e sobre o circunstancialismo envolvente da infracção(sublinhado nosso).
Também,no acórdão desta Relação de Guimarães, de 12/01/2009 http://www.dgsi.pt/jtrg., se escreve: Para a aplicação da pena de substituição, que é indiscutivelmente um poder –dever, é pois, necessário que se possa concluir que o arguido presumivelmente não voltará a delinquir.
Tal conclusão tem de assentar num juízo de prognose antecipado, que seja favorável ao arguido.
O juízo deve assentar essencialmente na prevenção especial.
Sempre que haja razões fundadas e sérias para acreditar que o agente, por si só evitará o cometimento de novos crimes, deve decretar-se a suspensão.
Quando pelo contrário, se deva duvidar dessa capacidade, há-de denegar-se a suspensão.
É, pois, face à factualidade assente que o juízo de prognose há-de ditar que, com toda a probabilidade, o arguido não voltará a delinquir.
A averiguação da referida probabilidade deve ser feita em concreto, passando em revista a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta que manteve antes e depois dos factos, e as circunstâncias em que o praticou.
Acresce que devem ainda ter-se em conta as necessidades de prevenção manifestadas no sentimento jurídico da comunidade. Com efeito, como refere Figueiredo Dias, uma pena alternativa ou de substituição “não poderá ser aplicada, se com ela sofrer inapelavelmente …«o sentimento de reprovação social do crime»”. vd. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime , Aequitas, pág. 334.(sublinhado nosso).
Assim e para concluir, como ensina Jeschenck Obra citada, pág.761., o tribunal deve estar disposto a correr um risco aceitável, pelo que se tiver dúvidas sobre a capacidade do agente para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver negativamente a questão do prognóstico.
Note-se que a finalidade politico-criminal da suspensão da pena é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (...) Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência»” Figueiredo Dias, obra citada, pág.343, §519.

Isto posto, passemos à apreciação do caso concreto:
O Tribunal a quo, citando jurisprudência do STJ, segundo a qual «na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefaciente deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade» e considerando que «uma parte significativa da população prisional portuguesa cumpre pena, directa ou indirectamente, relacionada com o tráfico e o consumo de estupefacientes» e ainda que, «segundo o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, as mortes provocadas pelo consumo de estupefacientes subiram 45% entre 2006 e 2007, situando-se no preocupante patamar de 314 óbitos, o valor mais elevado desde 2001», conclui serem muito elevadas as necessidades de prevenção geral, pelo que «só em casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão», acrescentando:
«A suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum (e de tráfico agravado de estupefacientes) em que não se verifiquem razões ponderosas, seria atentatório da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditas as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção.
A comunidade exige dos aplicadores do direito alguma intransigência e firmeza no que diz respeito ao tratamento dos casos de crimes de tráfico de estupefacientes seja pelo valor do bem jurídico tutelado, seja pelo sentimento de insegurança que provocam, seja pelos delitos que em paralelo se lhe associam.».
Como se vê, o Tribunal a quo faz alargadas considerações genéricas sobre as razões por que não deve ser suspensa a pena nos crimes de tráfico de droga mas sobre as condições de vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste limita-se a escrever o seguinte:
«Com efeito, as particulares condições pessoais do arguido e apoio familiar de que dispõe não podem ser invocados a favor arguido no vector da prevenção geral e para efeitos de suspensão da pena, porquanto tais circunstâncias já se verificavam à data dos factos e não serviram para afastar o arguido da prática de actos criminosos.».

A jurisprudência do STJ, no que a esta questão e a este crime se refere, vai, maioritariamente, segundo cremos, no sentido defendido pelo Tribunal a quo.
Porém, não concordamos com a argumentação neles expendida para afastar a suspensão da execução da pena por razões de prevenção geral pelos motivos muito sucinta e claramente expostos no Ac. da Rel. de Lisboa, de 14/01/2010 http://www.dgsi.pt/jtrl., que passamos a citar: «Quanto à prevenção geral, a jurisprudência que se opõe à suspensão da execução deste tipo de penas, acentua particularmente o seu papel “… na repressão ao crime de tráfico de estupefacientes tendo em vista a tutela dos bens jurídicos com referência à vida de jovens e estabilidade familiar e a saúde e segurança da comunidade, como expressivamente decorre do objectivo nacional estratégico referido na Resolução de Conselho de Ministros 46/99, de 26-05. Nisto se incluem " os correios internacionais de droga" – que fazem correr o risco de transformar Portugal – para além de uma plataforma giratória que de alguma forma já é – como um off-shore europeu do comércio transatlântico da cocaína.” e que a “…necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.”.
Não podemos concordar com esta argumentação porque, por um lado, não compete aos tribunais definir ou participar em estratégias de prevenção e combate à criminalidade, uma vez que tal matéria é da competência da Assembleia da República, do Governo, do Ministério Público e dos Órgãos de Polícia Criminal, nos termos do disposto nos art.ºs 165º/1-b), c) e d), 198º/1-b), 202º e 219º/1 da CRP[9], no art.º 1º/1 da Lei 53/2008[10], de 29/08, e nos art.ºs 1º, 4º, 7º, 11º e 12º da Lei 17/2006[11], de 23/05.
Por outro lado, sendo o legislador, certamente conhecedor das penas que os tribunais vinham aplicando aos condenados por tráfico de droga, na modalidade conhecida como “correio de droga”, nos termos do art.º 21º do DL 15/93, de 22/01, situando-se muitas delas entre os 3 e os 5 anos de prisão[12], por ocasião da última reforma do Código Penal[13], optou por alargar a possibilidade da suspensão da execução das penas de prisão até aos 5 anos, sem fazer qualquer ressalva relativamente a este tipo de crimes. Há, pois, que concluir que o legislador quis que às penas de prisão aplicadas por tráfico de droga se aplicassem os mesmos critérios que aos restantes crimes, para aferir da possibilidade de suspensão da sua execução, nos termos do disposto no art.º 9º do CC[14].
Em nosso entender, há que ponderar, caso a caso, com base unicamente em razões de prevenção geral e especial e de acordo com os factos apurados.
Assim:
São fortes as exigências de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico Figueiredo Dias, obra citada, pág.344, §520. que se fazem sentir pois ficou provado que o arguido se dedicou à venda de heroína e cocaína, sendo a primeira a droga com maior disseminação e com consequências mais graves para a saúde, desde 2007 e até ser detido, em 24/03/2010 e é um dos crimes que maior preocupação e impacto causa a nível comunitário, acima de tudo pela criminalidade que lhe anda associada. Por outro lado, a quantidade de heroína que lhe foi apreendida aquando da sua detenção já é de algum relevo, tanto mais que, também lhe foi apreendida a quantia de € 895,00, proveniente da venda de estupefacientes.
São também muito elevadas as exigências de prevenção especial. Apesar de o arguido, cuja infância e adolescência foram marcadas pelo comportamento agressivo do seu progenitor, ter apoio familiar, perspectivas de trabalho (cfr. factos provados sob os nºs36 e 38), ser considerado educado, respeitador e trabalhador no meio em que vive (cfr. nº37) e do seu certificado de registo criminal constar apenas uma condenação em multa pela prática de crime de resistência e coacção sobre funcionário, consome bebidas alcoólicas e drogas «leves» desde a maioridade (facto provado sob o nº28) e desde que, em 2007, encetou um relacionamento com uma cidadã de nacionalidade brasileira, intensificou e agravou o consumo de estupefacientes, passando a consumir drogas duras (facto provado sob o nº29), nunca tendo considerado necessário submeter-se a tratamento de desintoxicação e recuperação quer do álcool quer das outras drogas (facto provado sob o nº35), além de que se dedicou ao tráfico de drogas (heroína e cocaína) durante cerca de 3 anos, não se tratando, por isso, de actividade esporádica.
Perante tal personalidade, condições de vida, comportamento global e natureza do crime, entendemos ser um risco demasiado elevado confiar em que a ameaça da pena, mesmo sujeita a regime de prova e com imposição de regras de conduta dirigidas ao afastamento do arguido do consumo de estupefacientes, tenha reflexos sobre o seu comportamento futuro evitando a repetição de comportamentos delituosos (prevenção especial) cfr. Acs do STJ de 23/04/08 - http://www.stj.pt., citado pelo Exmº Des. Cruz Bucho, no Acórdão nº1889/04.0PBGMR.G1 - http://www.dgsi.pt/jtrg.. .
O nosso «prognóstico» é, pois, negativo.


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DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes deste Tribunal:
1. a) manter a redacção dos nºs1, 2, 4, 6 dos factos provados;
b) alterar pela seguinte forma a redacção dos artºs7, 8, 9 e 10 dos factos provados:
- nº7: Em dia e mês não concretamente apurados do ano de 2008, Maria C..., contactou o arguido através do telemóvel nº91530890..., a fim de combinar qual o produto estupefaciente e quantidade pretendidas, bem como o local de encontro para efectuar a transacção. Porém, nesse dia, o arguido ficou com o dinheiro mas não lhe entregou a heroína pretendida. A Mª de Fátima, através de Adão , adquiriu ao arguido, por diversas vezes, durante esse ano, 1 ou 2 gramas de heroína, de cada vez, para os dois.
- nº8: Durante o ano de 2008, o arguido vendeu a Adão F..., por diversas vezes, 1 ou 2 gramas de heroína de cada vez, em total não apurado, pelo preço de € 35,00 o grama. Para o efeito, o Adão contactava-o através dos telemóveis nºs91530890... e 91310240..., combinando, então, qual o produto e quantidades pretendidas bem como o local onde seria efectuada a transacção.
- nº9: De igual modo, o arguido vendeu heroína a Eliseu P..., pelo menos, por duas vezes, ao preço de € 35,00/grama e a Marco PM..., pelo menos três vezes.
- nº10: Em datas não concretamente apuradas dos anos de 2008 e 2009, o arguido vendeu, pelo menos por três vezes, heroína a Joaquim S..., pelo preço de € 20,00/grama.
2. Quanto ao mais, confirmar a decisão recorrida.
3. Fixar em 6 UCs a taxa de justiça a suportar pelo recorrente.

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Guimarães, 22/02/2011