Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | CRUZ BUCHO | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/10/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - Para efeitos de suspensão da execução da pena (artigo 50º do Código Penal) o juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para a realização das finalidades da pena, reporta-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime. II - Entre nós, há muito que se vem assinalando que a restrição do benefício da suspensão aos delinquentes primários não tem fundamento. A existência de condenação ou condenações anteriores não é, assim, impeditiva a priori da concessão da suspensão, embora se exija nestes casos uma particular fundamentação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: * I- RelatórioNa 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães, no âmbito do processo comum colectivo n.º 1889/04.0PBGMR, por acórdão de 23 de Outubro de 2009, o arguido Victor V..., com os demais sinais dos autos, foi condenado: pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, 204º, n.º 1, al. a), por referência ao art.º 202º alínea a), todos do Código Penal, na pena de 1(um) ano de prisão; pela prática de um crime de furto simples, p.º e p.º pelo artigo 203º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; pela prática de um crime de falsificação de documento qualificado, p. e p. pelos artºs. 256º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, por referência ao art.º 255º, alínea c), ambos do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão; pela prática de um crime continuado de falsificação de documento qualificado, p. e p. pelos artºs. 256º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, por referência ao art.º 255º, alínea c), ambos do Código Penal, na pena de 1(um) ano de prisão, pela prática de um crime continuado de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs. 256º, n.º 1, alínea a), por referência ao art.º 255º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 8 (oito) oito meses de prisão, pela prática de um crime continuado de burla qualificada, p. e p. pelos artºs. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 1, por referência ao art.º 202º, alínea a) e n.º 2, alínea b), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão. Inconformado com tal acórdão, o arguido dela interpôs recurso invocando a violação “dos artigos 40º, 70º, 71º, 50º, 51º, 52º e 53º do Código Penal revisto” concluindo no sentido de a “pena de prisão ser suspensa na sua execução, ainda que eventualmente, sujeitando-se o arguido/recorrente a deveres, regras de conduta e/ou regime de prova” * O Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.* O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 1009.* Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que “o recurso do arguido pode ser provido.”* Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência pelo que cumpre conhecer. * II- Fundamentação1. É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo: A) Factos provados (transcrição): I. «O arguido Victor V... foi, durante o mês de Setembro de 2004, funcionário da empresa de construção civil pertencente a Miguel F...; Enquanto trabalhou naquela firma, o arguido foi observando e inteirando-se do modo de funcionamento e das respectivas rotinas, designadamente quanto à utilização do veículo ligeiro de mercadorias, da marca MITSUBISHI, modelo L200, de cor azul, com a matrícula 03-04-..., no valor de 7.000,00€ (sete mil euros); O referido veículo, pertencente a Miguel F..., era habitualmente utilizado por José O... e ficava diariamente estacionado na via pública, na Rua P... Selho, Guimarães, com as portas destrancadas e com as chaves guardadas no interior do cinzeiro, pelo que o arguido delineou um plano para se apoderar do mesmo; Na execução de tal plano, no dia 12 de Novembro de 2004, a hora concretamente não apurada, mas entre as 7h30m e as 18h00m, o arguido Victor V... deslocou-se à Rua P... Selho, Guimarães, local onde se encontrava estacionado o veículo de matrícula 03-04-..., com as portas fechadas, mas destrancadas, como habitualmente; De seguida, o arguido abeirou-se do mesmo, abriu a porta do lado do condutor, por onde entrou, retirou as chaves do interior do cinzeiro e colocou o veículo em funcionamento, retirando-o daquele local e conduzindo-o até à cidade de Braga; Nas mencionadas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido Victor V... também retirou, contra a vontade do respectivo proprietário, José O..., a carteira em pele, de cor preta, contendo no seu interior o bilhete de identidade, a carta de condução, o cartão de identificação fiscal, o cartão de eleitor e um cheque do BE... relativo à conta n.º 604364990008, de que José O... é titular, objectos esses que se encontravam no interior da viatura de matrícula 03-04-...; No dia seguinte, o arguido vendeu o referido veículo para peças, a um armazém de sucata pertencente a Domingos V..., sito na Rua do M..., Braga, pelo preço de 2.500,00€, tendo recebido logo a quantia de 1.000,00€, ficando os restantes 1.500,00€ de ser liquidados quando o arguido entregasse os documentos do veículo, o que nunca veio a suceder; Em 11 de Março de 2005, o veículo de matrícula 03-04-... foi entregue por Domingos V... às autoridades policiais, que o restituíram ao seu proprietário Miguel F...; O arguido Victor V... agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de fazer seu o veículo, a carteira e os documentos acima referidos, não obstante saber que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade dos seus legítimos proprietários, os ofendidos Miguel F... e José O..., bem como que tal conduta era proibida e punida por lei. II. Na posse dos documentos de identificação de José O..., o arguido planeou utilizá-los em proveito próprio, passando a assumir a identidade de José O..., de modo a conseguir benefícios económicos com estes; Assim, na concretização desse plano, em data não concretamente apurada mas entre 12/11/2004 e 07/12/2004, o arguido retirou a fotografia de José O... aposta no bilhete de identidade deste com o n.º 7625318, emitido a 01/03/2001, válido até 01/11/2011, através de corte no laminado plástico para remoção da fotografia original e colocou no mesmo local a sua fotografia; Uma vez concretizada a referida alteração de fotografias, o arguido passou a exibir e a usar o bilhete de identidade pertencente a José O..., mas com a fotografia do arguido, fazendo crer às pessoas a quem exibia tal documento que aquele bilhete de identidade era seu e correspondiam à verdade os respectivos elementos de identificação, designadamente, o nome, filiação, data de nascimento e residência, fazendo-se passar por José O...; Apesar de saber que o bilhete de identidade n.º 7625318 pertencia a José O..., o arguido não se coibiu de retirar a fotografia deste e de a substituir por uma fotografia sua, a fim de convencer as pessoas a quem apresentasse tal documento de identificação que aquele bilhete de identidade lhe pertencia, abalando assim a fé pública que revestem os documentos de identificação e a forma de os autenticar; O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, conhecedor que a sua conduta era proibida e punida por lei. III. Quando o arguido Victor V... retirou e se apropriou da carteira pertencente a José O..., constatou que no seu interior se encontrava, além do mais, um talão da Caixa Geral de Depósitos e um cheque do Banco E..., ambos em nome de José O...; Decidiu então, o arguido, tomar nota dos respectivos números das contas de que José O... é titular nessas instituições bancárias, a fim de proceder a levantamentos das quantias em numerário que lhe fossem permitidos pelos saldos existentes naquelas contas bancárias; Na posse de tais números das contas, bem como do bilhete de identidade supra mencionado - pertencente a José O..., mas com a sua fotografia -, no período compreendido entre 07/12/2004 e 04/03/2005, o arguido Victor V... dirigiu-se a diversas agências bancárias do Banco E... e da Caixa Geral de Depósitos, onde apresentou aquele bilhete de identidade alterado, fazendo crer aos funcionários a quem o exibiu que o mesmo lhe pertencia e que era o José O..., de modo a proceder a levantamentos de quantias em dinheiro da conta do B.E. n.º 604364990008 e das contas da Caixa Geral de Depósitos nºs. 036310636161 e 0363089335965, pertencentes ao ofendido José O...; Assim, em 07/12/2004, o arguido dirigiu-se ao balcão do BE... da Póvoa de Lanhoso, onde solicitou o levantamento da quantia 2.240,00€ da conta n.º 604364990008, tendo-lhe para o efeito sido entregue pelo funcionário bancário que o atendeu, o respectivo talão de levantamento de caixa, que o arguido assinou, escrevendo com o seu punho o nome de José O..., recebendo assim aquela quantia que guardou, integrando-a no seu património e gastando-a em proveito próprio; Em 09/12/2004, o arguido dirigiu-se novamente ao balcão do BE... da Póvoa de Lanhoso, onde solicitou o levantamento da quantia 3.990,00€ da conta n.º 604364990008, tendo-lhe para o efeito sido entregue pelo funcionário bancário que o atendeu, o respectivo talão de levantamento de caixa, que o arguido assinou, escrevendo com o seu punho o nome de José O..., recebendo assim aquela quantia que guardou, integrando-a no seu património e gastando-a em proveito próprio; No dia 13/12/2004, o arguido dirigiu-se ao Balcão do BE... em Ermesinde, onde solicitou o levantamento da quantia 2.250,00€ da conta n.º 604364990008, tendo-lhe para o efeito sido entregue pelo funcionário bancário que o atendeu, o respectivo talão de levantamento de caixa, que o arguido assinou, escrevendo com o seu punho o nome de José O..., recebendo assim aquela quantia que guardou, integrando-a no seu património e gastando-a em proveito próprio; No dia 15/12/2004, o arguido dirigiu-se ao Balcão do BE... em Nogueira/Maia, onde solicitou o levantamento da quantia 2.036,53€ da conta n.º 604364990008, tendo-lhe para o efeito sido entregue pelo funcionário bancário que o atendeu, o respectivo talão de levantamento de caixa, que o arguido assinou, escrevendo com o seu punho o nome de José O..., recebendo assim aquela quantia que guardou, integrando-a no seu património e gastando-a em proveito próprio; No dia 27/12/2004, o arguido dirigiu-se ao Balcão do BE... em Valongo, onde solicitou o levantamento da quantia 2.983,95€ da conta n.º 604364990008, tendo-lhe para o efeito sido entregue pelo funcionário bancário que o atendeu, o respectivo talão de levantamento de caixa, que o arguido assinou, escrevendo com o seu punho o nome de José O..., recebendo assim aquela quantia que guardou, integrando-a no seu património e gastando-a em proveito próprio; No dia 06/01/2005, o arguido dirigiu-se ao Balcão da Caixa Geral de Depósitos em Guimarães, onde solicitou o levantamento da quantia 5.000,00€ da conta a prazo n.º 0363089335965, tendo-lhe para o efeito sido entregue pelo funcionário bancário que o atendeu, o respectivo talão de levantamento de caixa, que o arguido assinou, escrevendo com o seu punho o nome de José O..., recebendo assim aquela quantia que guardou, integrando-a no seu património e gastando-a em proveito próprio; Em 13/01/2005, o arguido dirigiu-se ao Balcão da Caixa Geral de Depósitos em Guimarães, onde solicitou o levantamento da quantia 4.000,00€ da conta a prazo n.º 0363089335965, tendo-lhe para o efeito sido entregue pelo funcionário bancário que o atendeu, o respectivo talão de levantamento de caixa, que o arguido assinou, escrevendo com o seu punho o nome de José O..., recebendo assim aquela quantia que guardou, integrando-a no seu património e gastando-a em proveito próprio; No dia 14/02/2005, o arguido dirigiu-se ao Balcão da Caixa Geral de Depósitos em Merelim, Trofa, onde solicitou o levantamento da quantia 5.000,00€ da conta à ordem n.º 0363106036500, tendo-lhe para o efeito sido entregue pelo funcionário bancário que o atendeu, o respectivo talão de levantamento de caixa, que o arguido assinou, escrevendo com o seu punho o nome de José O..., recebendo assim aquela quantia que guardou, integrando-a no seu património e gastando-a em proveito próprio; Em 18/02/2005, o arguido dirigiu-se novamente ao Balcão da Caixa Geral de Depósitos em Póvoa de Lanhoso, onde solicitou o levantamento da quantia 3.000,00€ da conta à ordem n.º 0363106036500, tendo-lhe para o efeito sido entregue pelo funcionário bancário que o atendeu, o respectivo talão de levantamento de caixa, que o arguido assinou, escrevendo com o seu punho o nome de José O..., recebendo assim aquela quantia que guardou, integrando-a no seu património e gastando-a em proveito próprio; Em 25/02/2005, o arguido dirigiu-se ao Balcão da Caixa Geral de Depósitos em Aveiro, onde solicitou o levantamento da quantia 4.000,00€ da conta à ordem n.º 0363106036500, tendo-lhe para o efeito sido entregue pelo funcionário bancário que o atendeu, o respectivo talão de levantamento de caixa, que o arguido assinou, escrevendo com o seu punho o nome de José O..., recebendo assim aquela quantia que guardou, integrando-a no seu património e gastando-a em proveito próprio; No dia 04/03/2005, o arguido dirigiu-se ao Balcão da Caixa Geral de Depósitos em Aveiro, onde solicitou o levantamento da quantia 5.000,00€ da conta à ordem n.º 0363106036500, tendo-lhe para o efeito sido entregue pelo funcionário bancário que o atendeu, o respectivo talão de levantamento de caixa, que o arguido assinou, escrevendo com o seu punho o nome de José O..., recebendo assim aquela quantia que guardou, integrando-a no seu património e gastando-a em proveito próprio; O arguido, com o conhecimento de que não podia escrever com o seu próprio punho o nome de José O..., não se absteve de o fazer no espaço reservado à assinatura nos talões de levantamentos de caixa, com intenção de convencer que se tratava da assinatura deste; Apesar de saber que o bilhete de identidade n.º 7625318 pertencia a José O..., o arguido não se coibiu de o utilizar com uma fotografia sua, a fim de convencer os vários funcionários que o atenderam nas diferentes agências do BE... e da Caixa Geral de Depósitos, a quem apresentou tal documento de identificação, que aquele bilhete de identidade lhe pertencia, bem como que era o legítimo titular daquelas contas bancárias, abalando assim a fé pública que revestem os documentos de identificação e a forma de os autenticar; Ao apresentar o bilhete de identidade supra mencionado o arguido agiu com a intenção de convencer os funcionários do BE... e da Caixa Geral de Depósitos que era o José O..., que aquele bilhete de identidade era seu e que era o legítimo titular das contas existentes naquelas instituições bancárias em nome daquele; Actuou o arguido com o propósito de os mesmos funcionários lhe entregarem, nos períodos supra descritos, os vários montantes em numerário no valor global de 39.500,48€ que se encontravam depositados nas mencionadas contas, obtendo, deste modo, para si um enriquecimento ilegítimo; O arguido actuou voluntária, livre e conscientemente, conhecedor de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. IV. Depois de efectuar os dois primeiros levantamentos em dinheiro na agência do BE... na Póvoa de Lanhoso, nos dias 7 e 9 de Dezembro de 2004, e na posse de tais montantes, o arguido decidiu arrendar o 1.º andar de uma casa de habitação sita na Rua de A..., n.º 1493, freguesia de T..., concelho de Vila Nova de Famalicão, pertencente a Armindo B...; Identificando-se como sendo José O..., o arguido Victor acordou com Armindo B... arrendar o referido andar pela renda mensal de 200,00€, arrendamento esse que seria reduzido a escrito tendo, para o efeito, exibido ao Armindo B... o bilhete de identidade de José O... - mas com a sua fotografia -, bem como o cartão de contribuinte deste, facultando-lhe uma fotocópia de tais documentos; Em poder de tais elementos de identificação, o Armindo B..., convencido da identidade do arguido apresentada com tais documentos, mandou redigir o contrato de arrendamento referente àquele andar, fazendo constar como segundo outorgante o nome de José O...; Tal contrato foi assinado por ambos, no dia 9 de Dezembro de 2004, tendo o arguido, mais uma vez, escrito com o seu punho o nome de José O... no local destinado à assinatura do segundo outorgante; Embora tivesse conhecimento de que não podia escrever com o seu próprio punho o nome de José O..., o arguido não se absteve de o fazer com intenção de convencer que se tratava da assinatura deste; Apesar de saber que o bilhete de identidade n.º 7625318 pertencia a José O..., o arguido não se coibiu de o utilizar com uma fotografia sua, a fim de convencer o Armindo B..., a quem apresentou tal documento de identificação e forneceu fotocópia do mesmo, que aquele bilhete de identidade lhe pertencia, abalando assim a fé pública que revestem os documentos de identificação e a forma de os autenticar; Ao apresentar e ao facultar uma fotocópia do bilhete de identidade supra mencionado e do cartão de contribuinte fiscal, o arguido agiu com a intenção de convencer o Armindo B... que era o José O... e que aquele bilhete de identidade era seu; O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, conhecendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. V. Após efectuar mais alguns levantamentos em dinheiro nas diversas agências do BE..., e na posse de tais montantes, em dia não apurado do mês de Dezembro de 2004, o arguido decidiu adquirir o motociclo da marca “Yamaha”, modelo XT 350, de matrícula ...-41-37, pertencente a Ricardo P...; Identificando-se como sendo José O..., o arguido Victor acordou com Ricardo P... comprar o referido motociclo pelo preço de 1.500,00 € que pagou em numerário; Para poder registar o veículo em nome de José O..., o arguido Victor V... preencheu o correspondente requerimento/declaração para registo de propriedade, onde escreveu com o seu punho o nome de José O... no local destinado à assinatura do comprador, após o que o apresentou ao Ricardo P... que também o assinou no local destinado à assinatura do vendedor. Embora tivesse conhecimento de que não podia escrever com o seu próprio punho o nome de José O..., o arguido não se absteve de o fazer com intenção de convencer que se tratava da assinatura deste. O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, conhecedor de que a sua conduta era proibida e punida por lei. VI. Em data concretamente não apurada, mas anterior a 15 de Dezembro de 2004, o arguido Victor V... decidiu adquirir para si um veículo automóvel utilizando, mais uma vez, os documentos de identificação do José O..., de modo a conseguir com os mesmos a atribuição de um crédito, em nome do José O..., para financiar tal aquisição para depois não ter de o pagar; Na prossecução desse desígnio, em dia não apurado da primeira semana de Dezembro de 2004, o arguido Victor V... dirigiu-se ao Stand de Automóveis “Auto I..., Lda.”, sito na Rua C..., V..., Barcelos, onde se apresentou ao vendedor como sendo José O... e manifestou o seu interesse em adquirir o veículo da marca Kia, modelo Sportage, com a matrícula 15-22-..., no valor de 8.935,00€, através de crédito bancário, tendo-lhe então o vendedor entregue as propostas de compra e concessão de crédito; Nessa altura, o arguido Victor V... recebeu aqueles documentos e informou o vendedor que posteriormente entregaria aqueles contratos devidamente preenchidos e assinados, bem como os demais documentos necessários para instruir tal pedido de concessão de crédito; Deste modo, e para atingir os fins pretendidos, o arguido Victor V... preencheu a mencionada proposta de concessão de crédito do “F... rédito”, onde escreveu com o seu punho o nome de José O... no local destinado à assinatura do mutuário/contraente; Do mesmo modo, o arguido preencheu o recibo de remunerações do José O..., fazendo constar que o mesmo auferia a quantia mensal de 671,48 €, o que não correspondia à verdade, e escreveu pelo seu punho o nome de José O... no local destinado à assinatura; Na posse destes documentos, por si preenchidos e assinados, e das fotocópias do bilhete de identidade e cartão de contribuinte, o arguido dirigiu-se ao Stand e entregou-os ao vendedor que, posteriormente, os remeteu para a instituição “F... rédito” para aprovação de um crédito de 8.500,00€, a ser pago em 60 prestações mensais, para aquisição do referido veículo de matrícula 15-22-...; Depois de analisada a mencionada documentação e convencidos de que tais documentos eram verdadeiros, foi o referido crédito concedido e o dinheiro entregue ao vendedor do automóvel por aquela instituição de crédito; No dia 14 de Dezembro de 2004, o arguido, utilizando novamente os documentos de identificação do José O..., celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel com a Companhia “F... Seguros”, referente ao veículo de matrícula 15-22-..., no qual escreveu com o seu punho o nome de José O..., no local destinado à assinatura do tomador do seguro; No dia 15 de Dezembro de 2004, o arguido deslocou-se ao Stand “Auto I..., Lda.” para levantar o veículo de matrícula 15-22-..., passando assim, a partir dessa data, a andar com ele como se fosse seu; As prestações do crédito concedido nunca foram pagas à aludida instituição F... rédito; Embora tivesse conhecimento de que não podia escrever com o seu próprio punho o nome de José O..., o arguido não se absteve de o fazer, com intenção de convencer que se tratava da assinatura deste; Apesar de saber que o bilhete de identidade n.º 7625318 pertencia a José O..., o arguido não se coibiu de o utilizar com uma fotografia sua, a fim de convencer o vendedor do Stand e os funcionários da “F... rédito” a quem apresentou tal documento de identificação e forneceu fotocópia do mesmo, que aquele bilhete de identidade lhe pertencia, abalando assim a fé pública que revestem os documentos de identificação e a forma de os autenticar; Agiu o arguido com intenção de fazer constar dos documentos supra referidos, o nome e a assinatura do ofendido José O..., para convencer o vendedor do Stand e os funcionários da F... rédito, de que tinha sido o José O... quem os havia preenchido e assinado, bem como que auferia um vencimento que permitia cumprir as obrigações decorrentes do contrato de concessão de crédito; Ao celebrar o contrato de crédito com a instituição F... rédito em nome de José O..., agiu o arguido com a intenção de não pagar as prestações de tal crédito e de fazer recair sobre o José O... todas as consequências decorrentes desse incumprimento, obtendo, deste modo, para si, um benefício pecuniário ilegítimo, de montante igual ao crédito concedido, a que sabia não ter direito; O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, conhecedor de que a sua conduta era proibida e punida por lei. * No período compreendido entre 1 de Outubro de 2004 e 10 de Março de 2005, o arguido Victor V... não exerceu actividade profissional remunerada, não dispondo de fonte de rendimento para prover ao seu sustento, fazendo da prática dos supra descritos factos, a que se dedicou, o seu único meio de rendimento, razão pela qual decidiu praticá-los.* Mais se provou que:- O arguido já havia sofrido, à data da prática dos factos, três condenações transitadas em julgado pela prática dos crimes de furto simples, tendo ainda sofrido, com trânsito em julgado posterior à prática dos factos a que se reporta o presente processo, quatro condenações pela prática do crime de furto simples, duas condenações pela prática do crime de burla simples, uma condenação pela prática do crime de falsificação de documento, uma condenação pela prática, em concurso real, de um crime de falsificação de documento e de burla qualificada e uma condenação pela prática, em concurso real, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento e de burla qualificada; - O arguido esteve a cumprir pena privativa de liberdade até ao dia 10.02.2009 no Estabelecimento Prisional de Braga, à ordem do processo n.º 336/03.9GAAMR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Vila verde, no qual foi condenado a uma pena de 16 meses de prisão, encontrando-se actualmente em liberdade condicional e sujeito a regime de prova no âmbito de sentença cumulatória proferida no PCS n.º 1052/04.0TABRG que o condenou a uma pena de 20 meses de prisão suspensa por 20 meses; - Depois de sair do E.P.B. o arguido arranjou trabalho na construção civil, como trolha, na empresa “E... e F..., S.A.”, onde trabalha desde 23.03.2009, auferindo o salário mensal de € 486,00; - O arguido está actualmente casado e reside em casa arrendada pela renda mensal de € 150,00 com a mulher que trabalha como empregada de hotelaria, auferindo cerca de € 500,00 mensais; - O arguido ajuda economicamente a mãe e o padrasto que se encontram reformados por invalidez; - Confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados, manifestando-se arrependido. * B) Matéria de facto não provada (transcrição): «Não há factos não provados da acusação.» * C) Motivação da decisão de facto (transcrição):«A convicção do tribunal fundou -se na confissão integral e sem reservas, pelo arguido, dos factos que lhe vêm imputados na acusação pública. O apuramento das condições económicas e pessoais do arguido resultou das sua declarações, das declarações em audiência das testemunhas abonatórias que indicou, do documento (cópia de contrato de trabalho) junto com a contestação, bem como do relatório social para determinação de sanção junto a fls. 881 e ss.. Os antecedentes criminais, do CRC junto a fls. 642 e ss. dos autos. » * 2. Conforme é sabido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98)Neste recurso a única questão a apreciar e decidir consiste em saber se a pena única em que o arguido foi condenado deve ou não ser suspensa na sua execução. * 3. Da suspensão da execução da pena§1.Nos termos do n.º1 do artigo 50º do Código Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” O citado artigo 50º atribui, deste modo, ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo e prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (cfr. Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena”, Rev. de Leg. e Jur. ano 124º, pág. 68, e Direito Penal Português, -As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, §518, págs.342-343) Como justamente se salientou no Ac. do S.T.J. de 8-5-1997 (Proc.º n.º 1293/96) “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”. * §2. No acórdão recorrido, com o aval do Ministério Público em 1ª instância, justificou-se a não suspensão da execução da pena única nos seguintes termos (transcrição):«Do cúmulo jurídico Nos termos do disposto nos arts. 77º, ns. 1 e 2, do Código Penal, tendo presente a moldura abstracta do cúmulo de 3 anos a 6 anos e 9 meses de prisão, condena-se o arguido na pena única de cúmulo jurídico de 4 anos e 3 meses de prisão. * A existência de antecedentes criminais do arguido pela prática do crime de furto, as várias condenações posteriores aos factos que lhe são imputados nestes autos (que incluem já condenações em pena de prisão suspensa e efectiva) pela prática de ilícitos de furto, burla e falsificação, a circunstância do arguido ter, com várias condenações de permeio, um percurso criminoso que se estende desde meados 2001 até meados de 2006 e a gravidade dos factos a que se reporta o presente processo, levam o tribunal a considerar que a simples possibilidade de vir a cumprir um novo período de privação da liberdade não é ameaça suficiente para o afastar da prática de novos crimes, para além de que a satisfação das necessidades de reprovação e prevenção do crime nos parece opôr-se a essa possibilidade. Assim, entende-se que a pena de prisão aplicada não deverá ser suspensa na sua execução (cfr. art.º 50º, do CP).* A punição dos crimes na redacção do CP posterior à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007 de 04.09Por força da entrada em vigor, no dia 15.09.2007, da supra identificada lei, introduziram-se alterações na redacção de alguns artigos do Código Penal que, de acordo com o disposto no seu artigo 2º, n.º 4, deverão de ser consideradas desde que destas resulte um regime concretamente mais favorável para o arguido. Ora, na actual redacção do CP mantêm-se as molduras penais do crime praticados pelo arguido e todos os demais pressupostos que conduziram à fixação das penas parcelares e de cúmulo jurídico, supra mencionadas. Também se mantêm inalterados os pressupostos da suspensão de execução da pena de prisão na actual redacção do art.º 50º, n.º 1 do CP, pelo que nada há a alterar ao que ficou exposto sobre a inadequação da medida ao caso concreto. Deste modo, nada há a acrescentar ou alterar, por força do regime actualmente vigente, ao que resulta da antecedente exposição.» * §3. Deve começar por assinalar-se que é incorrecto afirmar-se que “Também se mantêm inalterados os pressupostos da suspensão de execução da pena de prisão na actual redacção do art.º 50º, n.º 1 do Código Penal”.A citada Lei n.º 59/2007, veio introduzir alterações profundas ao regime da suspensão da execução da pena, alargando o âmbito do pressuposto formal desta pena de substituição (“prisão aplicada em medida não superior a 5 anos”, quando anteriormente esse limite era de 3 anos) e alterando o prazo de duração da suspensão, que passou agora a ter duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano. Quer isto dizer que de acordo com o regime penal vigente à data da prática do factos era legalmente impossível a suspensão da execução da pena única de prisão porque superior a 3 anos. Pese embora a forma incorrecta como foi feita a comparação de regimes, devido à remissão efectuada, são apesar de tudo perceptíveis as razões ou fundamentos que levaram o colectivo a não suspender a execução da pena Não podemos, porém, sufragar essa argumentação. * §4. Impõe-se uma primeira advertência.O juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para a realização das finalidades da pena, reporta-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime. Como refere Figueiredo Dias, “A lei torna deste modo claro que, na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do acto. Por isso, crimes posteriores àquele que constitui objecto do processo, eventualmente cometidos pelo agente, podem e devem ser tomados em consideração e influenciar negativamente a prognose. Como positivamente a podem influenciar circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham sido já tomadas em consideração (…) em sede de medida da pena” (Direito Penal Português, -As Consequências Jurídicas do Crime, cit., pág. 343 §518; cfr. no mesmo sentido os Acs. do STJ de 11 de Maio de 1995, proc.º 47577-3ª, de 24 de Maio de 2001, in Col. Jur-Acs do STJ, ano IX, pág. 20, de 12 de Dezembro de 2002, proc.º n.º 4196/02-5ª, SASTJ, n.º 66, 64, de 24-2-2010, proc.º n.º 59/06.GAPFR, rel. Raul Borges, in www.dgsi.pt). * §5. Conforme resulta do citado artigo 50º, n.º1 do Código Penal, a pena de substituição em causa deve ser aplicada, na sugestiva formulação do Sr. Cons.º Oliveira Mendes (cfr. v.g. Acs do STJ de 23-4-2008, proc.º n.º 08P912 e de 28-5-2008, proc.º n.º 08P1129, ambos in www. dgsi.pt): «a) Sempre que o julgador se convença, face à personalidade do condenado, suas condições de vida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos (prevenção especial) e; «b) Desde que não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade (prevenção geral)». Como sublinha o Prof. Figueiredo Dias, “Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime”. Já determinámos que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise” (Direito penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 344).» Embora reconhecendo que neste domínio “os interesses a prosseguir, seja a prevenção geral de integração seja da prevenção especial de socialização, interagem em verdadeira tensão dialética” (Ac. da Rel. do Porto de 17-12-2008, proc.º n.º 0816924, rel. Des.º Melo Lima, in www.dgsi.pt), encaremos primeiro a questão sob o prisma da prevenção especial. Conforme é sabido “o juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, subjacente à decisão de suspender a execução da pena, pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequente ressocialização (em liberdade do arguido” - Ac. STJ 1-3-2007, proc.º n.º 254/07-5, rel. Simas Santos, in www.dgsi.pt Essencial é que se estabeleça uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado - Ac. do STJ de 8-5-2002, in Col. de Jur-Acs do STJ, ano X, tomo 5, pág. 192. Será que no caso em apreço será possível estabelecer essa relação de confiança? Estamos em crer que a resposta a tal questão deve ser afirmativa. É certo que o arguido tem no seu cadastro a prática de vários crimes. Conforme resultou provado, “O arguido já havia sofrido, à data da prática dos factos, três condenações transitadas em julgado pela prática dos crimes de furto simples, tendo ainda sofrido, com trânsito em julgado posterior à prática dos factos a que se reporta o presente processo, quatro condenações pela prática do crime de furto simples, duas condenações pela prática do crime de burla simples, uma condenação pela prática do crime de falsificação de documento, uma condenação pela prática, em concurso real, de um crime de falsificação de documento e de burla qualificada e uma condenação pela prática, em concurso real, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento e de burla qualificada” Mas, entre nós, há muito que se assinalou que a restrição do benefício da suspensão aos delinquentes primários não tem fundamento (cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal vol. II, págs. 396-405). Como mais modernamente acentua o Prof. Figueiredo Dias, embora se compreenda que nestes casos o prognóstico favorável se torne mais difícil e questionável e se exija para a sua concessão uma particular fundamentação “(…) a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão” (Direito Penal Português, -As Consequências Jurídicas do Crime, cit., §519, pág. 344). Esta é igualmente a posição do nosso mais Alto Tribunal. Assim, os acórdãos do STJ de 17 de Fevereiro de 2000 (proc.º n.º 1162/99-5ª, SASTJ, n.º38,82) e de 12 de Dezembro de 2002 (proc.º n.º 4196/02-5, SASTJ, n.º66,64) sublinharam ambos que “A circunstância de um arguido ser reincidente não obsta decisivamente à possibilidade de se lhe suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos, se se tiver como justificado formular a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. E, conforme se assinala no citado acórdão do S.T.J de 24-5-2001 “O Supremo Tribunal de justiça tem doutrinado que, por via de regra, não será possível formar o juízo de prognose favorável de que se falou, em relação ao arguido, não primário, na ausência de confissão aberta onde possam ser encontradas razões da sua conduta e sem arrependimento sincero em que ele pode demonstrar que rejeita o mal praticado por forma a convencer que não voltar a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica” Tudo isto para salientar que a circunstância de o recorrente não ser um delinquente primário não obsta, só por si, à formulação do juízo de prognose favorável e à consequente suspensão da execução da pena. Ora, como bem assinala o Exmo PGA no seu esclarecido parecer, o arguido beneficia de um conjunto de importantes circunstâncias. Desde logo a confissão integral e sem reservas que muito contribuiu para a descoberta da verdade e para a desejável celeridade. Note-se que estavam em causa seis crimes, dois de furto qualificado, um de falsificação de documento autêntico, outro de falsificação de documento sob a forma continuada e um último de burla qualificada também sob a forma continuada, que o Ministério público prescindiu de todas as testemunhas arroladas na acusação e que, como consta da respectiva acta, a audiência de julgamento demorou apenas quarenta e cinco minutos. O arguido confessou também o pedido de indemnização civil que contra ele fora formulado nestes autos. Depois, associada a essas confissões surge, conforme resultou provado, o arrependimento do arguido. Conforme resulta do respectivo relatório social o arguido teve um percurso de vida muito complicado marcado desde muito cedo pela instabilidade familiar, tendo inclusivamente presenciado o suicídio do seu progenitor, quando tinha nove anos de idade. Acresce que o arguido se encontra inserido no mundo do trabalho e fortemente enquadrado familiarmente. Com efeito, o arguido esteve preso desde 19 de Maio de 2008 até 10.02.2009, encontrando-se desde esta data em liberdade condicional sujeito a regime de prova, “no âmbito de sentença cumulatória proferida no PCS n.º 1052/04.0TABRG que o condenou a uma pena de 20 meses de prisão suspensa por 20 meses”. Depois de sair do E.P. o arguido arranjou trabalho na construção civil, como trolha, na empresa “E... e F..., S.A.”, onde trabalha desde 23.03.2009, e onde já trabalhava antes de preso, auferindo o salário mensal de € 486,00. O arguido está actualmente casado e reside em casa arrendada pela renda mensal de € 150,00 com a mulher que trabalha como empregada de hotelaria, auferindo cerca de € 500,00 mensais. O arguido ajuda economicamente a mãe e o padrasto que se encontram reformados por invalidez. Sobre o forte enquadramento familiar do arguido é bem elucidativo o seguinte excerto do relatório social, “Sem conotação alguma com problemas judiciais, hábitos de consumo de estupefacientes, ou comportamentos passíveis de censura jurídico-moral, a família de Vítor Vieira, apesar do constrangimento e angústia, uniu-se em torno do seu processo de reinserção social, logo após a sua saída em liberdade” A tudo isto acresce a informação prestada pelo IRS e constante daquele relatório social: “O acompanhamento que vem sendo efectuado por estes serviços de reinserção social, no âmbito do processo 1052/04.0TABRG do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, tem decorrido com normalidade. Tem mantido um comportamento adequado, tal como temos vindo a confirmar junto de familiares, vizinhos, entidade empregadora e GNR local, bem como tem exercido com regularidade, assiduidade e responsabilidade a sua profissão” §6. Analisando agora a questão do ponto de vista da prevenção geral, perguntar-se-á se à suspensão da execução da prisão se opõem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, isto é “considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.” Por outras palavras, o sentimento jurídico da comunidade impõe que o arguido cumpra em clausura a pena que lhe foi aplicada, por só assim se cumprirem as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico? Também neste domínio não podemos sufragar o entendimento do tribunal recorrido. Sem dúvida que os factos por que o arguido foi julgado e condenado são graves. Importa, porém, não esquecer que aqueles factos ocorreram entre 12 de Novembro de 2004 e 4 de Março de 2005, isto é, há mais de 5 anos e que o arguido não delinquiu há mais de quatro anos. Ora este tempo decorrido atenua necessariamente as necessidades de prevenção geral. A distância no tempo, para além de limites razoáveis, esbate a utilidade e a função da prevenção geral, “com a imagem dos valores afectados mais recentrada no círculo restrito de proximidade dos intervenientes” (Ac. do STJ de 2-2-2005, proc.º n.º 04P4107, rel. Cons.º Henriques Gaspar), com necessários reflexos na proporcionalidade entre meios (a natureza e a medida da pena) e os fins (prevenção geral primária) – cfr. também os Acs. do STJ de 25-9-2008, proc.º n.º 07P792, Cons.º Souto Moura, in www.dgsi.pt. e de 30-4-2008, proc.º n.º 574/08, sum.º in www.pgdlisboa.pt No caso em apreço, repete-se, os factos ocorreram entre 12 de Novembro de 2004 e 4 de Março de 2005. Depois, como bem se acentua no relatório social no meio residencial não se vislumbra qualquer sentimento de rejeição à sua presença no local. A uma tal distância e verificado aquele circunstancialismo, a prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, não reclama necessariamente a imediata privação da liberdade do arguido, ficando garantida com a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução. * §7. Estão assim reunidas as condições para, na procedência do recurso, decretar a suspensão da execução da pena de prisão a que o arguido/recorrente foi condenado. Como bem assinala o Exmo PGA: «Em suma, um arguido que confessa integralmente os factos, tem bom enquadramento familiar e profissional, e o cumprimento da pena, em liberdade, não é de molde a causar alarme ou insegurança social, tem condições para beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão. Uma suspensão, prolongada por vários anos, pode constituir um incentivo à recuperação do arguido. E a sociedade não perde o controlo sobre o arguido durante o período da eventual suspensão: a suspensão constitui como que uma espada pendente sobre a cabeça daquele. A suspensão pressupõe, sempre, algum risco, diremos mesmo, em casos como o presente, alguma ousadia. Mas talvez valha a pena correr tal risco, se se conseguir ganhar um cidadão e eliminar um criminoso.» Era esta, também, a conclusão do ilustres técnicos subscritores do bem elaborado relatório social junto aos autos: «Face ao exposto, parece-nos que apesar do passado problemático assumido, a situação de reclusão poderá ter constituído um ponto de viragem e de consciencialização do percurso assumido até ao momento, demonstrando alguma motivação em reorientar o seu comportamento. Actualmente, não têm sido detectadas necessidades criminógenas que poderão pôr em causa o processo de reinserção social em curso. Para tal beneficia de um conjunto de recursos familiares, sociais e profissionais que se assumem como factores de protecção essenciais em todo este processo. Assim, e caso haja lugar a condenação no presente processo, sugerimos a aplicação de uma medida não privativa de liberdade com acompanhamento, caso a moldura penal o permita.» §7. Uma última nota para sublinhar que por força do preceituado no n.º3 do artigo 53º do Código Penal, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o regime de prova é ordenado sempre que a pena de prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos. Assim, atendendo à medida da pena aplicada a suspensão será acompanhada de regime de prova, a organizar na 1ª instância * III- DecisãoEm face do exposto acordam os juízes desta Relação, na procedência do recurso, em suspender a execução da pena única de prisão imposta ao arguido, por igual período de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, com sujeição a regime de prova assente em plano individual de readaptação social a elaborar no tribunal a quo. Sem tributação. * Guimarães, 10 de Maio de 2010 |