Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3856/15.9T8BRG.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
MORA DO DEVEDOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Mostra-se justa, adequada e equitativa a fixação da compensação pelos danos de natureza não patrimonial no montante de € 30.000,00, no caso de um homem que aos 46 anos sofre um acidente, ficando com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos, já que, para além do mais, apesar dos tratamentos a que se submeteu, ficou a padecer de gonalgia no joelho direito, ligeira rigidez da anca (anca dolorosa) e rigidez do joelho (concretizada em flexão limitada a 90º).
II – A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo autor, traduzido em limitação funcional (11 pontos de IPG), deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional presente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequelas das lesões sofridas, garantindo assim um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido.
III – A obrigação de reparar o dano com o atraso no cumprimento da obrigação de indemnização é exigível, em princípio, desde o momento em que o devedor se considera constituído em mora (arts. 804º/1 e 2 e 806º/1 do CC). E esse momento é o da sua citação para a acção (art. 805º/3 do CC).
IV – Ao valor da indemnização dos danos patrimoniais apontado deve, por isso, acrescer o valor da indemnização, contada desde a citação da recorrida para a acção, correspondente aos juros legais: 4% ao ano (Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril).
V – No tocante aos danos não patrimoniais e em todos os casos em que se procede a uma decisão actualizadora, dado que o seu cálculo da compensação é feito de forma actualizada, i.e., por referência à data do proferimento da decisão, a indemnização moratória apenas é devida desde a prolacção da decisão actualizadora e não desde a data da citação (Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002).
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

J, residente na Rua de Alvarães, nº …, … – … Alvarães, Viana do Castelo, veio instaurar a presente acção(1) emergente de acidente de viação, sob a forma comum, contra F, com sede no Largo do Calhariz, nº … – … Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe:
a) a indemnização global líquida de € 221.532,68, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento - € 100.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais dos Autores;
b) a indemnização que, por força dos factos alegados nos artigos 244º a 278º da petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior (artigo 564º/2 do Código Civil) ou vier a ser liquidada em execução de sentença (artigos 358º/1 e 2 e 609º/2 do Código de Processo Civil).
Fundamenta a sua pretensão indemnizatória no facto de, em virtude de acidente causado pelo condutor de veículo seguro na Ré, ter sofrido diversas lesões, com os consequentes prejuízos patrimoniais - nomeadamente, resultantes de perdas salariais no período de incapacidade total para o trabalho e da afectação da sua capacidade de ganho - e não patrimoniais.

A Ré contestou, impugnando, por desconhecimento, os alegados danos, bem como alegou ter já pago ao Autor, a título de perdas salariais, a quantia de € 7.130,86, facto este que o mesmo veio a reconhecer em audiência de julgamento.

Foi proferido despacho saneador com enunciação do objecto do litígio e temas de prova, relativamente aos quais não incidiu qualquer reclamação.
Realizou-se a audiência final, com observância do pertinente formalismo legal.

No final foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de € 50.869,14, acrescida do valor correspondente aos juros moratórios, à taxa de 4%, a partir daquela data, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do remanescente do pedido já liquidado, bem como a indemnização que, por força dos factos elencados em yyyyy) a bbbbbb) viesse a ser fixada em decisão ulterior, absolvendo-a do pedido quanto aos restantes danos. Fixando as custas por A. e Ré, provisoriamente, na proporção de 77% e 23%.
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Inconformado com essa sentença, apresentou o A. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

. - não se questiona, no presente recurso, a parte da douta sentença recorrida, em que a mesma se pronuncia sobre a culpa na produção do sinistro, em relação ao condutor do veículo automóvel segurado na Recorrida F;
. - já que, de acordo com a prova produzida e com os factos provados, essa culpa é exclusivamente imputável ao condutor do veículo automóvel segurado na Recorrida F;
. - discorda, porém, o Autor/Recorrente em relação ao montante compensatório que lhe foi atribuído, a titulo de danos de natureza não patrimonial;
4a. - o valor de € 30.000,00, fixado pela douta sentença recorrida, é insuficiente para compensar os danos a este titulo sofridos pelo Autor/Recorrente, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes;
5a. - pelo que adequada e justa se reputa a quantia de € 50.000,00 que ora se reclama;
6a. - o valor € 17.500,00, fixado a título de indemnização pela Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho de 11,00 pontos - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica, de 11 pontos - é insuficiente para ressarcir o Autor/Recorrente dos danos, a este título, sofridos;
7a. - o Autor/Recorrente contava, à data do sinistro dos presentes autos, 46 anos de idade, ficou a padecer de uma IPP de 11,00 pontos (Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica, de 11 pontos) e a expectativa de vida activa, para os homens, cifra-se nos 77,00 anos de idade;
9a. - o montante de € 17.500,00, fixado a este titulo, é, assim, insuficiente;
10a. - justo e equitativo é o valor de € 75.000,00, que ora se reclama;
11a. - sobre todas as quantias índemnizat6rias e compensatórias, devem incidir os juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a prelecção da sentença, em primeira instância, até efectivo pagamento, sobre o montante compensatório relativo aos danos de natureza não patrimonial e desde a data da citação, até efectivo pagamento, sobre todas as restantes quantias indemnizatórias;
12a. - quanto ao restante não posto em crise, nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância -Instância Central, 1ª· Secção Cível, J2, de Braga;
13a. - decidindo de modo diverso, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496°., nº 1, 562°., 564°., nºs. 1 e 2 e 805°., do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se, em sua substituição, Douto Acórdão, que esteja em conformidade com as conclusões supra-formuladas, com o que se fará, J U S T I Ç A.
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Foram apresentadas contra-alegações pela R., que se encontram finalizadas com a apresentação das seguintes conclusões:

1. O presente recurso versa, exclusivamente, sobre matéria de direito. Concretamente, o presente recurso tem como objecto o valor fixado a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros, bem como o valor fixado a título de compensação pelos danos de natureza não patrimonial. Por fim, o recurso visa a alteração da sentença na parte em que determina a data a partir da qual são devidos juros de mora.
DAS RAZÕES DE DISCORDÂNCIA
DO QUANTUM ARBITRADO A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
2. Para aferição de tal montante indemnizatório, importará analisar os seguintes aspectos:
- o recorrente tinha, à data da consolidação das sequelas, 46 anos;
- o sinistro determinou-lhe uma IPP quantificada em 11 pontos;
- como cantoneiro, o sinistrado auferia € 508,89;
- a fazer biscates (cujo rendimento nunca declarou), o sinistrado auferia mais cerca de € 200,00.
3. Ora, antes de mais, e como bem esclarece a sentença em crise, deverá considerar-se que: “o rendimento no período correspondente à reforma seria sempre inferior ao rendimento auferido no período de vida ativa, bem como, no caso particular dos “biscates”, que esse rendimento não seria nunca refletido numa futura reforma e sempre estaria destinado a desaparecer a partir do momento em que as capacidades físicas do autor não lhe permitissem continuar a desenvolver essas actividades complementares”.
4. Ainda que o Julgador considere, como considerou, a esperança média de vida do lesado (e não a sua esperança de vida activa), sempre hão-de considerar-se, igualmente, os factores que determinam que os rendimentos de qualquer reformado sejam inferiores aos do mesmo indivíduo, ao longo da sua vida activa, tanto mais quando quase 1/3 desses rendimentos não são declarados e nunca serão reflectidos no valor da reforma.
5. Assim, considerando os rendimentos do sinistrado, a sua idade e a incapacidade de que ficou a padecer, é mais do que razoável o valor fixado pelo Tribunal a quo.
DO VALOR FIXADO PARA COMPENSAÇÃO DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS
6. A sentença em crise fixou em € 30.000,00 a quantia destinada a compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo ora recorrente. Contudo, estende o mesmo que aquele valor peca por defeito, devendo ser fixado em € 50.000,00.
7. A recorrida não podia discordar mais, desde logo porque tal quantia está muito desfasada com as que vêm sendo arbitradas pela jurisprudência mais recente.
8. O Julgador a quo começa, precisamente, por comparar a situação dos autos, com a do Ac. do Tribunal ad quem, datado de 03/07/2014, em que foi fixada a quantia de € 20.000,00, a um sinistrado de 37 anos de idade, que ficou a padecer de um défice de 6 pontos, também foi submetido a cirurgia e teve um período de recuperação de 422 dias. In casu, apesar de o sinistrado dos autos ter mais dez anos que o daqueloutro, entendeu o Tribunal ser de arbitrar a quantia de € 30.000,00 atento o défice funcional superior.
9. Também a título de exemplo, veja-se o Ac. do STJ, de 21/03/2013, que considerou justa a quantia de € 40.000,00 para compensar um sinistrado que, com 48 anos de idade, ficou a padecer de incapacidade permanente fixada em 15%.
10. Em suma: também quanto a esta quantia deve ser mantida a sentença em crise.
DOS JUROS
11. Aplica-se ao caso sub iudice, quanto a todos os valores fixados, o vertido no AUJ 4/2002. Assim, os juros serão sempre devidos desde a data da sentença e não da citação.
12. Também nesta parte tem de improceder o presente recurso.
TERMOS EM QUE:
Deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se, integralmente, a sentença em crise, com o que se fará a acostumada JUSTIÇA!
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A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que:
I) - se reaprecie a questão dos montantes indemnizatório/compensatório atribuídos ao A. a título de indemnização por danos não patrimoniais e pela IPP;
II) - se reaprecie a questão da forma como foram calculados os juros.
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3 – OS FACTOS

1 - FACTOS PROVADOS:
a) No dia 9 de Janeiro de 2014, pelas 17,30 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Estrada Nacional nº. 13, ao quilómetro nº. 48,350, na freguesia de Marinhas, concelho de Esposende;
b) Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos automóveis:
1º. – o ciclomotor de matrícula HG;
2º. – o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ;
c) O ciclomotor de matrícula HG era propriedade de A, residente na Travessa da Fonte, nº. …, lugar de Goios, … MARINHAS, ESPOSENDE;
d) E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, era conduzido pelo Autor J;
e) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ era propriedade de S, residente na Rua da Igreja, nº. …, … SÃO BARTOLOMEU DO MAR, ESPOSENDE;
f) E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, era por ela própria conduzido;
g) A Estrada Nacional nº. 13, no local do sinistro, configura um traçado retilíneo.
h) Com uma extensão superior a mil (1.000,00) metros.
i) A sua faixa de rodagem tem uma largura de 09,20 metros.
j) O seu piso era pavimentado a asfalto.
k) O tempo estava bom e seco.
l) E o pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13 encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação.
m) Pelas suas duas (02,00) margens, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13 apresentava bermas.
n) Também pavimentadas a asfalto.
o) Com uma largura de 0,80 metros cada uma.
p) Também pavimentadas a asfalto.
q) O tempo estava bom e seco.
r) E o pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13 e das suas duas (02,00) bermas encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação.
s) Essas bermas asfálticas encontravam-se e encontram-se delimitadas em relação à faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13, através de linha pintadas a cor branca sem quaisquer soluções de continuidade: LINHAS DELIMITADORAS CONTÍNUAS – MARCAS M19.
t) No preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, a Estrada Nacional nº. 13 configura um cruzamento.
u) Pois, quer pelo seu lado direito, quer pelo seu lado esquerdo, tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Esposende-Viana do Castelo, confluem, com ela, de forma a configurar ângulos rectos, duas (02,00) vias públicas.
v) As quais, uma delas, no sentido Poente-Nascente e outra no sentido Nascente-Poente, dão acesso, da Estrada Nacional nº. 13, ao interior do lugar de Rio de Moinhos, freguesia de Marinhas, concelho de Esposende.
w) No preciso local desse cruzamento, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13 apresentava à data do sinistro, na região do eixo divisório da sua faixa de rodagem, uma zona de “RAIAS OBLÍQUAS DELIMITADAS POR LINHAS CONTÍNUAS”: MARCA M 17a.
x) As quais apresentavam, à data do sinistro, uma solução de continuidade, com uma largura de dez (10,00) metros.
y) Correspondente à largura da embocadura/confluência da faixa de rodagem das vias públicas, que ali confluem com a Estrada Nacional nº. 13.
z) Para permitir aos condutores que circulam pela Estrada Nacional nº. 13, em qualquer dos seus dois (02,00) sentidos de marcha, a possibilidade de efetuarem a manobra de mudança de direção à sua esquerda.
aa) E prosseguirem a sua marcha, quer no sentido Nascente-Poente, quer no sentido Poente-Nascente, através das faixas de rodagem das vias públicas que ali confluem com a Estrada Nacional nº. 13, em direção ao interior do lugar de Rio de Moinhos, freguesia de Marinhas, concelho de Esposende.
bb) E para permitir aos condutores que procedem das vias públicas que confluem com a Estrada Nacional nº. 13, a possibilidade de penetrarem na faixa de rodagem desta via – Estrada Nacional nº. 13 - efetuarem a manobra de mudança de direção à sua esquerda e prosseguirem a sua marcha, ao longo da Estrada Nacional nº. 13, quer no sentido Sul-Norte, em direção à cidade de Viana do Castelo, quer no sentido Norte-Sul, em direção à vila de Esposende.
cc) No local do sinistro e antes de lá chegar, a uma distância de trinta (30,00) metros, para quem circula pela Estrada Nacional nº. 13, em qualquer dos seus dois (02,00) sentidos de marcha, a “Zona de Raias Oblíquas, delimitadas por Linhas Contínuas” torna-se mais estreita.
dd) E, no espaço deixado por essa “Zona de Raias Oblíquas, delimitadas por Linhas Contínuas”, existia e existe um espaço delimitado, à sua esquerda, tendo em conta os dois (02,00) indicados sentidos de marcha – Sul-Norte (Esposende-Viana do Castelo) e Norte-Sul (Viana do Castelo-Esposende) -, por uma “LINHA CONTÍNUA”- MARCA M1.
ee) E por uma “LINHA DESCONTÍNUA” - Marca M2 –, à sua direita.
ff) Esse espaço configura o que vulgarmente se denomina “FAIXA DE ABRANDAMENTO”.
gg) No topo desses dois (02,00) espaços – “FAIXAS DE ABRANDAMENTO” -, nos seus extremos Norte (para quem circula no sentido Sul-Norte, ou seja, Esposende-Viana do Castelo) e Sul (para quem circula no sentido Norte-Sul, ou seja, Viana do Castelo-Esposende), junto ao espaço correspondente ao local do cruzamento configurado pelas duas (02,00) vias públicas que ali confluem com a Estrada Nacional nº. 13, em frente à embocadura dessas duas (02,00) vias - que confluem com a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13 -, existia e existe uma barra, pintada a cor branca: ”LINHA DE PARAGEM” – MARCA M8.
hh) Imediatamente antes dessa “LINHA DE PARAGEM” – MARCA M8 -, existente nas referidas “FAIXAS DE ABRANDAMENTO”, para quem circula no sentido Norte-Sul (Viana do Castelo-Esposende) e para quem circula no sentido Sul-Norte (Esposende-Viana do Castelo) existia e existe, pintada, a cor branca, a inscrição “STOP” – SINAL B2.
ii) Essas “FAIXAS DE ABRANDAMENTO” tinham e têm uma largura de 3,00 metros.
jj) E destinam-se ao trânsito de veículos automóveis que circulam pela Estrada Nacional nº. 13, no sentido Norte-Sul (Viana do Castelo-Esposende) e Sul-Norte (Esposende-Viana do Castelo).
kk) E cujos condutores pretendem efetuar a manobra de mudança de direção à sua esquerda.
ll) E prosseguir a sua marcha, através da faixa de rodagem das duas (02,00) vias públicas que ali confluem com a Estrada Nacional nº. 13, pelas suas duas (02,00) margens.
mm) Cada uma das hemi-faixas de rodagem da Estrada Nacional nº. 13 tinha e tem uma largura de 03,10 metros.
nn) Uma dessas hemi-faixas de rodagem, a situada do lado Nascente, destina-se ao trânsito automóvel que desenvolva a sua marcha no sentido Sul-Norte, ou seja, Esposende-Viana do Castelo.
oo) A outra dessas hemi-faixas de rodagem, a situada do lado Poente, destina-se ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha, no sentido Norte-Sul, ou seja, Viana do Castelo-Esposende.
pp) A visibilidade, no local do sinistro, era, como é, muito boa.
qq) Pois, para quem lá se encontra situado, consegue avistar-se a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13 e suas duas (02,00) bermas, em toda a sua largura, em qualquer dos seus dois (2,00) sentidos de marcha, ao longo de uma distância superior a quinhentos (500,00) metros.
rr) Essas distâncias são ditadas pela existência de curvas, uma cada extremo – Norte (lado de Viana do Castelo) e Sul (lado de Esposende) - do sector de reta que a Estrada Nacional nº. 13 configura no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação.
ss) De resto, para quem circula pela Estrada Nacional nº. 13, em qualquer dos seus dois (2,00) sentidos de marcha, consegue avistar-se a sua faixa de rodagem e suas duas (02,00) bermas, em toda a sua largura, em direção ao local da deflagração do sinistro, numa altura em que se encontra, ainda, a uma distância superior a quinhentos (500,00) metros, antes de lá chegar.
tt) No dia 9 de Janeiro de 2014, pelas 17,30 horas, o Autor – J – conduzia o ciclomotor de matrícula HG pela Estrada Nacional nº. 13.
uu) O ciclomotor de matrícula HG desenvolvia a sua marcha no sentido Sul-Norte, ou seja, Esposende-Viana do Castelo.
vv) O ciclomotor de matrícula HG desenvolvia a sua marcha rigorosamente pela metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: Sul-Norte, ou seja, Esposende-Viana do Castelo.
ww) Com os seus rodados a uma distância não superior a 0,50 metros da linha delimitativa da berma do mesmo lado.
xx) Com o seu farol frontal ligado e aceso, comutado na posição de “médios”.
yy) E animado de uma velocidade muito reduzida.
zz) Não superior a quarenta (40,00) quilómetros por hora.
aaa) Ao chegar ao preciso local onde a Estrada Nacional nº. 13 configura o cruzamento supra referido – ao quilómetro nº. 48,350, na freguesia de Marinhas, concelho de Esposende –, depois de o Autor – J – ter travado, como travou, o ciclomotor que tripulava.
bbb) O ciclomotor de matrícula HG foi embater, como embateu, contra o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ, tripulado pela S.
ccc) Momentos antes da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem aos presentes autos, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ transitava, também, pela Estrada Nacional nº. 13.
ddd) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ desenvolvia, porém, a sua marcha no sentido inverso ao seguido pelo ciclomotor de matrícula HG, tripulado pelo Autor J.
eee) Ou seja, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ desenvolvia a sua marcha, no sentido Norte-Sul: Viana do Castelo-Esposende.
fff) Inicialmente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ transitava pela metade direita da faixa de rodagem da referida via – Estrada Nacional nº. … -, tendo em conta esse seu indicado sentido de marcha: Norte-Sul, ou seja, Viana do Castelo-Esposende.
ggg) A condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ – S - pretendia efetuar a manobra de mudança de direção à sua esquerda.
hhh) Penetrar com o ligeiro de passageiros de matrícula UJ, na via pública que conflui com a Estrada Nacional nº. 13, pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido Norte-Sul, ou seja, Viana do Castelo-Esposende.
iii) E prosseguir a sua marcha, através desta via, no sentido Poente-Nascente, em direção ao interior do lugar de Rio de Moinhos, freguesia de Marinhas, concelho de Esposende.
jjj) A condutora do ligeiro de passageiros de matrícula UJ – S – penetrou, com o referido veículo automóvel, que tripulava, na “FAIXA DE ABRANDAMENTO”, situada do lado Norte (do lado de Viana do Castelo), em relação ao local do supra referido cruzamento que a Estrada Nacional nº. 13 configura no preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação.
kkk) E, ao chegar ao topo, do lado Sul, da referida “FAIXA DE ABRANDAMENTO”, a S imobilizou e parou, completamente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ, por si tripulado.
lll) De tal modo que, quando se encontrava assim imobilizado e parado, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ encontrava-se com a sua parte frontal junto à “LINHA DE PARAGEM” – MARCA M8.
mmm) E, quando se encontrava assim imobilizado e parado, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ encontrava-se, também, com a sua parte frontal junto à inscrição “STOP”, pintada a cor branca no pavimento asfáltico na “FAIXA DE ABRANDAMENTO” – SINAL B2.
nnn) A S, porém, conduzia de forma completamente distraída.
ooo) Pois não prestava qualquer atenção à atividade – condução - que desempenhava.
ppp) Nem aos restantes veículos automóveis, motociclos ou ciclomotores que, na altura, transitavam pela Estrada Nacional nº. 13.
qqq) A S não acionou o sinal sonoro - “buzina” -, do ligeiro de passageiros de matrícula UJ.
rrr) Não pôs em funcionamento o sinal luminoso - “pisca” -, do lado esquerdo, do veículo automóvel que tripulava: ligeiro de passageiros de matrícula UJ.
sss) Pelo contrário, sem efetuar, como não efetuou, qualquer sinal luminoso – “pisca” – ou acústico – “buzina”, a S arrancou, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ.
ttt) De modo a descrever, como efetivamente passou a descrever, uma trajectória oblíqua, em relação ao sentido de onde provinha e em relação ao eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13, a S penetrou, com o ligeiro de passageiros de matrícula UJ, na metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13, tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Esposende-Viana do Castelo.
uuu) Prosseguiu, depois, sempre a sua marcha e invadiu, completamente, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ, a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13, tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Esposende-Viana do Castelo.
vvv) Atravessou, completamente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ na metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13, tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Esposende-Viana do Castelo.
www) A S, desse modo, colocou o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ, na linha de trajetória seguida pelo ciclomotor de matrícula HG, tripulado pelo Autor J.
xxx) Ao qual cortou, completamente, a linha de trânsito.
yyy) E, nesse preciso momento, a S foi embater com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ, contra o ciclomotor de matrícula HG, tripulado pelo Autor J.
zzz) A S arrancou com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ e iniciou a sua marcha numa altura em que o ciclomotor de matrícula HG se encontrava a uma distância não superior a cinco (05,00) metros dela.
aaaa) O Autor – J – travou, a fundo, e guinou o ciclomotor de matrícula HG, para o seu lado direito, na tentativa de evitar o acidente.
bbbb) O embate ocorreu totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 13, tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Esposende-Viana do Castelo.
cccc) E essa colisão verificou-se entre a parte frontal – roda da frente – do ciclomotor de matrícula HG (tripulado pelo Autor J) e a parte lateral direita frente, ao nível da roda e do guarda-lamas, do mesmo lado, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ (tripulado pela S).
dddd) COMO CONSEQUÊNCIA DIRECTA E NECESSÁRIA DO ACIDENTE E DA QUEDA QUE SE LHE SEGUIU, resultaram, para o Autor – J - fratura diafisária cominutiva do fémur direito, traumatismo da mão direita, com lesão ligamentar do dedo polegar direito, fratura dos ossos próprios de nariz, fratura dos ossos da parede interna da órbita direita, perda de quatro (04,00) dentes da arcada dentária superior direita (maxilar superior direito), dentes 13, 12, 11 e 21, com mobilidade grau II nos dentes 22 e 23, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo todo.
eeee) O Autor foi transportado, de ambulância, para o Hospital de Braga, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respetivo serviço de Urgência.
ffff) Foram-lhe, aí, efetuados exames radiológicos às regiões do seu corpo atingidas.
gggg) Foi-lhe, aí, efetuada uma T.A.C. craniana.
hhhh) Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários, nomeadamente, analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e soro.
iiii) E, dada a gravidade das lesões sofridas, o Autor ficou internado, no Hospital de Braga, ao longo de um período de tempo de cinco (05,00) dias, até ao dia 13 de Janeiro de 2014.
jjjj) Durante esse período de tempo de internamento – de cinco (05,00) dias -, no Hospital de Braga, o Autor fez análises clínicas.
kkkk) Foi-lhe ministrada uma anestesia geral.
llll) E foi submetido a uma intervenção cirúrgica, à região do fémur direito fraturado, consubstanciada na redução fechada e encavilhamento endomedular, com a introdução de uma cavilha, 13 mmx400mm, versaneil femural, no fémur do membro inferior direito, com parafuso proximal dinâmico e parafuso distal estático.
mmmm) E foi-lhe aplicada uma tala metálica, nos ossos do nariz – tala nasal e tamponamento nasal.
nnnn) No dia 13 de Janeiro de 2014, o Autor obteve alta do Hospital de Braga.
oooo) E, nessa mesma data – 13 de Janeiro de 2014 – foi transferido para a Unidade Local de Saúde do Alto Minho. EPE – ULSAM, EPE -, de Viana do Castelo.
pppp) Onde se manteve, internado, ao longo de um período de tempo de três (03,00) dias, no Serviço de Ortopedia, até ao dia 15 de Janeiro de 2014.
qqqq) Na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE -, de Viana do Castelo, o Autor foi submetido a exame radiológico a todas as regiões do seu corpo atingidas.
rrrr) E manteve-se sob vigilância, após cirurgia realizada no Hospital de Braga.
ssss) No Hospital de Braga, na incisão cirúrgica da região do fémur direito – coxa direita –, foram-lhe aplicados trinta e dois (32,00) agrafes metálicos.
tttt) No dia 15 de Janeiro de 2014, o Autor obteve alta hospitalar da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE –, de Viana do Castelo.
uuuu) E regressou à sua casa de habitação, sita na Rua de Alvarães, nº. 1103 – R/C, 4905-200 ALVARÃES, VIANA DO CASTELO, onde se manteve, doente, combalido e retido no leito, ao longo de um período de tempo de um (01,00) mês.
vvvv) Ao longo desse período de tempo de um mês de acamamento, na sua casa de habitação, o Autor tomou todas as suas refeições, no leito, servidas por uma terceira pessoa.
wwww) E foi, também, no leito, que, ao longo do referido período de tempo de um mês, fez as suas necessidades, com o auxílio de uma arrastadeira, facultada por uma terceira pessoa.
xxxx) Ao fim desse período de tempo de um mês de acamamento, na sua casa de habitação, o Autor passou a levantar-se do leito, para uma cadeira de rodas, a qual se viu na necessidade de usar ao longo de mais de um mês.
yyyy) Ao fim desse período de tempo, o Autor passou a caminhar a pé, com um par de canadianas, como auxiliar de locomoção, durante cerca de um ano.
zzzz) O Autor foi avaliado, quanto ao dano corporal sofrido, nos Serviços Clínicos da Ré companhia de Seguros F, na cidade do Porto – HPP-Porto, na Boavista, aonde se deslocou.
aaaaa) Foi prescrito ao Autor tratamento de fisioterapia, que o mesmo efetuou;
bbbbb) A consolidação médico-legal das lesões deu-se a 26 de Fevereiro de 2015;
ccccc) No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu um enorme susto, receou pela própria vida.
ddddd) O Autor sofreu dores intensas, em todas as regiões do seu corpo atingidas, nomeadamente, na face, no nariz, no membro inferior direito, na mão direita e no dedo polegar direito, que o afligiram ao longo de um período de tempo superior a um ano, sendo o respetivo “quantum doloris” fixável no grau 4/7.
eeeee) Na presente data, o Autor continua a ter dores e tê-las-á, ao longo de toda a sua vida;
fffff) Como QUEIXAS das lesões sofridas, o Autor apresenta:
- a nível funcional:
. gonalgia direita, com limitação funcional relevante;
. anca direita dolorosa;
- atos da vida diária:
. limitação dolorosa nos atos da vida diária, nomeadamente para realizar carga, por dor a nível da anca e joelho direitos;
. não pode correr;
. não pode jogar futebol;
. dificuldade ao andar de bicicleta;
- vida profissional ou de formação:
. dificuldades acrescidas nas tarefas que impliquem transportar objetos.
ggggg) Como SEQUELAS das lesões sofridas:
- membro inferior direito:
. três cicatrizes cirúrgica com, respetivamente, 8, 3 e 4 cm, localizadas na face exterior da coxa direita;
. ligeira rigidez da anca direita e atrofia de 2 cm a nível da coxa, considerada médico-legalmente, ao nível da Tabela Nacional de Incapacidades, como anca dolorosa (Mf1302);
. gonalgia direita (Mf1310);
. rigidez do joelho direito – 0/90 (Mc01616);
- dismorfia do nariz;
hhhhh) As sequelas resultantes do acidente implicam esforços suplementares no exercício das suas atividades habituais (à data do acidente) como operário por conta da Junta de Freguesia de Alvarães, de trabalhos agrícolas, de limpezas de terrenos e de matos, de mecânico de motociclos e de ciclomotores e de recolha de sucata;
iiiii) O Autor nasceu no dia 19 de Março de 1968;
jjjjj) Era um homem saudável, ágil, forte e robusto.
kkkkk) As sequelas de que ficou a padecer causam-lhe desgosto.
lllll) As lesões sofridas determinaram-lhe 91 dias com Défice Funcional Temporário Total, e um período de 324 dias com Défice Funcional Temporário Parcial;
mmmmm) E um período de tempo de doença de quatrocentos e quinze (415,00) dias, com igual período de tempo com Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total.
nnnnn) Sofreu um “dano Estético” de grau 2, numa escala de 0 a 7.
ooooo) E ficou a padecer de um Défice Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos, de acordo com a Tabela Nacional das Incapacidades, com Repercussão Permanente na Atividade Profissional, traduzida tal repercussão nos referidos esforços suplementares;
ppppp) À data da ocorrência do acidente, o Autor exercia a profissão de cantoneiro, por conta da Junta de Freguesia de Alvarães, concelho de Viana do Castelo, num programa coordenado com o IEFP – Instituto de Emprego e Formação Profissional;
qqqqq) E auferia, como rendimento do seu trabalho, o rendimento médio mensal de:
a) ordenado-base 419,22 €;
b) subsídio de alimentação 89,67 €.
Soma 508,89 €;
rrrrr) Acrescido dos correspondentes subsídios de férias e de Natal;
sssss) O Autor não voltou a trabalhar na Junta de Freguesia de Alvarães, concelho de Viana do Castelo.
ttttt) O Autor, nas horas livres deixadas pelo desempenho da sua profissão de cantoneiro por conta da Junta de Freguesia de Alvarães, concelho de Viana do Castelo dedicava-se – como se dedica, ainda - à execução de trabalhos vários, no regime de biscates, em trabalhos de limpezas de matos e de ervas daninhas, em terrenos de cultivo e de montes.
uuuuu) Dedicava-se, como se dedica, ainda, a trabalhos simples de mecânica, em motociclos e ciclomotores, no rés-do-chão da sua casa de habitação.
vvvvv) E dedicava-se, como se dedica, ainda, à recolha de sucata e ferro velho e sua venda a sucateiros.
wwwww) Do conjunto destas suas atividades, o Autor auferia um rendimento suplementar do seu trabalho de cerca de 200 € por mês, com o que reforçava o seu orçamento familiar.
xxxxx) O Autor é portador do material de osteossíntese – vareta endomedular e parafusos – que lhe foram aplicados no fémur direito fracturado.
yyyyy) Em consequência das lesões decorrentes do acidente de viação, o Autor teve necessidade de efetuar exondontia de dentes e restos dentários (raízes) no maxilar superior;
zzzzz) À data da propositura da ação, o Autor tinha necessidade de colocar próteses e implantes dentários, para suprir a falta dos anteriores superiores 13, 12, 11 e 21, para colmatar a mobilidade grau II, nos dentes 22 e 23, e para suprir a falta de outros dentes (tudo num máximo de 7) que, em consequência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, lhe foram arrancados, no maxilar superior (em Maio de 2014), bem como de colocar uma ponte metalocerâmica sobre os implantes, com os inerentes custos, de deslocações, inclusive, e perdas de tempo de trabalho.
aaaaaa) O Autor vai ter necessidade de se submeter, duas vezes por ano, ao longo de toda a sua vida, a consultas médicas da especialidade de Estomatologia, para vigilância da sua cavidade bucal, incluindo limpezas, desinfeções e vigilância das próteses e dos implantes, com os inerentes custos, de deslocações, inclusive, e perdas de tempo de trabalho.
bbbbbb) Poderá vir a ter necessidade de substituir os implantes dentários, com os inerentes custos, de deslocações, inclusive, e perdas de tempo de trabalho.
cccccc) Para a Ré F estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UJ, identificado nos autos como causador do acidente, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº. …, em vigor à data da ocorrência dos factos.
dddddd) A Ré liquidou ao Autor, a título de perdas salariais, a quantia de 7.130,86 €.
*
2 - FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão, não se tendo provado, designadamente, que:
a) O Autor tenha sofrido outras lesões, para além das elencadas nos factos provados, tais como traumatismo da coluna lombar, traumatismo da coluna dorsal e traumatismo da coluna cervical;
b) O Autor se queixe e padeça de:
. coxalgia irregular;
. dores muito intensas ao nível do fémur direito;
. instabilidade e limitação dolorosa dos movimentos do membro inferior esquerdo;
. limitação da abertura e fecho da boca;
. dificuldade na mastigação;
. dor persistente em todos os movimentos do membro inferior direito, ao esforço e nas mudanças climatéricas;
. claudicação acentuada na marcha;
. dificuldade ao subir e ao descer escadas;
. dificuldade/impossibilidade em caminhar em caminhos com pavimentos inclinados, oblíquos e irregulares;
c) Tenha sofrido um “Coeficiente de Dano” de grau 3, numa escala de 0 a 4.
d) O Autor não se encontrasse ainda completamente curado, nem clinicamente estabilizado (à data da propositura da ação, ou seja, em Agosto de 2015).
f) No futuro, o Autor vá, seguramente, necessitar de extrair o material metálico – osteossíntese -, de que ainda é portador no fémur direito fraturado.
g) O Autor vá, por essa razão, no futuro, ter necessidade de se submeter a uma ou mais intervenções cirúrgicas ao fémur direito e a outras regiões do seu corpo.
h) O Autor vá necessitar de se submeter a tratamentos e sessões de fisioterapia, ao longo de toda a sua vida.
i) E, a final, vá ver a Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho, de que se encontra afetado, ainda mais agravada.
j) O Autor tenha efetuado as seguintes despesas, ainda não reembolsadas:
. taxas moderadoras 15,00 €;
. medicamentos 50,00 €;
. deslocações múltiplas, em veículo próprio à cidade de Viana do Castelo, para tratar de assuntos relacionados com o acidente dos presentes autos e com o presente processo 250,00 €.
*
3 – MOTIVAÇÃO:
Para a decisão do Tribunal sobre toda a matéria relativa às consequências físicas e psíquicas do acidente para o Autor foi determinante o conteúdo dos elementos clínicos juntos aos autos e o teor da perícia de fls. 260 a 263, em conjugação com os depoimentos de D, companheira do Autor, que cuidou do mesmo enquanto ele esteve acamado, testemunha que, para além do mais, confirmou as dores, a deslocação em cadeira de rodas e, posteriormente, com utilização de canadianas, bem como tratamentos de fisioterapia e deslocações ao Hospital da Companhia de Seguros, sendo de sublinhar que a decisão de, relativamente a certos pontos, não considerar integralmente provada matéria alegada a este respeito não obstante as referências a tal matéria contidas nos depoimentos das referidas testemunhas, se ficou a dever à falta de confirmação de tais consequências pelo aludido relatório pericial, elemento de prova este que, pela sua objetividade (abstraindo da particular sensibilidade ou capacidade da vítima para suportar as dores que a perícia reconhece e das limitações que essa eventual particular sensibilidade lhe possam acarretar) e base científica, obviamente se sobrepõe à prova testemunhal.
Cumpre, neste ponto, alertar para a circunstância de a perícia, nas respetivas conclusões, incorrer em lapso manifesto ao indicar um período de 779 dias de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total e um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 688 dias: na verdade, tendo em conta a data da consolidação médico-legal das lesões ali indicada na primeira conclusão - 26.02.2015 -, em conformidade total com data alegada pelo próprio Autor, o número de dias de incapacidade total para o trabalho é de 415 dias, tal como também alegado pelo próprio Autor, e o Período de Défice Funcional Temporário Parcial corresponde a de 324 dias, verificando-se que o lapso em causa decorre do facto de na “Discussão”, o Perito Médico ter considerado como data da consolidação médico-legal 26.02.2016 e não 26.02.2015, como ele mesmo começa por dizer ser a data da referida consolidação.
Neste ponto importa ainda enfatizar que, nas conclusões periciais, nada aponta para a necessidade de nova cirurgia, de tratamentos futuros de fisioterapia ou de quaisquer outras intervenções médicas relacionadas com as sequelas médico-legalmente apuradas sendo certo que, face ao relatório apresentado, nenhum pedido de esclarecimento foi efetuado.
Relativamente à questão dos dentes, considerou-se os depoimentos de JF e P, dentistas que efetuaram a exodontia de dentes ao Autor, a colocação de implantes e da ponte metalocerâmica, sem, porém, deixar de ter como referência fundamental o teor de fls. 78 e 78-verso, onde, sublinhe-se, no primeiro orçamento se fala da necessidade de colocação de, apenas, 5 a 7 implantes, com determinado custo, e, no segundo, já depois da extração de dentes efetuada, se mantêm os valores orçamentados (exceção feita à necessidade de um novo TAC e de uma Ortopantomografia), o que pressupõe a correção da necessidade de implantes anteriormente prevista.
É ainda de salientar que, no que toca ao salário do Autor se considerou o teor de fls. 122-verso a fls. 124-verso, e o depoimento da companheira do Autor que confirmou o trabalho do mesmo na Junta de Freguesia.
Quanto à recolha de sucata, o depoimento de PC, amigo do Autor há vários anos e que com ele “andava à sucata”, revelou-se suficientemente rico em pormenores sobre o modo e as circunstâncias em que ambos procediam à recolha da dita sucata, a que preço vendiam o quilo de sucata e a regularidade com que o faziam, para que o Tribunal possa nele basear uma convicção quanto à efetiva realização pelo Autor da aludida atividade, como complemento principal do rendimento auferido na Junta de Freguesia onde trabalhava como cantoneiro. Já quanto ao montante que de tal atividade cada um deles retirava, fortes dúvidas se suscitam: a referida testemunha disse que os valores semanais resultantes dessa atividade variavam de 100 € a 200 € por semana, valor a dividir pelos dois, mas a verdade é que se torna difícil acreditar que apenas duas pessoas, com uma motorizada de pouca potência, pudessem acarretar as quantidades que, face ao preço por quilo de ferro indicado pela própria testemunha (que chegou a referir 0,03 € por quilo), era necessário ser recolhido para atingir o valor semanal de 100 € (o mais baixo dos indicados).
E este depoimento - e os restantes que, embora com menor detalhe, contêm referências a esta atividade do Autor - não se mostram suportados por qualquer prova documental (nomeadamente faturas de algumas das vendas de sucata) que nos ajude a clarificar esta questão.
Ponderando, porém, que para se dedicarem a tal atividade, aparentemente diária, o rendimento daí retirado teria que justificar o esforço feito, bem como os apontados valores do quilo de sucata, é de aceitar que o valor auferido pelo Autor com tal atividade pudesse atingir, em média, aproximadamente, 150 € por mês.
E como, tanto esta testemunha como a companheira do Autor, disseram que essa era a atividade extra que mais rendimento proporcionava ao Autor, é de admitir que as restantes atividades a que este se dedicava - atividades a que também se referiram as testemunhas M, colega de trabalho do Autor na Junta de Freguesia, e JN, amigo do Autor há cerca de 10 anos, que atestaram que o mesmo arranjava motos para os amigos e limpava terrenos a quem lhe pedia -, nitidamente mais irregulares e reduzidas - segundo a testemunha PC, “biscates nas motos” era “só para amigos”, referindo um valor de 20/30 € por arranjo, sendo ainda certo que durante os dias úteis o Autor estava a trabalhar na Junta e à noite fazia recolha de sucata, o que, necessariamente, não lhe deixava tempo para muitos mais trabalhos -, lhe pudessem ocasionar um rendimento acrescido de mais 50 € por mês, com o que, no total, lograria um rendimento suplementar de cerca de 200 €.
Relativamente à data de nascimento do Autor, atendeu-se ao documento de fls. 121.
Quanto a toda a restante matéria que se não considerou provada e a que ainda não se fez menção expressa, a decisão ficou a dever-se à ausência de prova minimamente consistente que a sustentasse.

[transcrição de fls. 280 a 296].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

Comecemos pelo ponto I) do recurso do A.
Está aqui em causa a reapreciação da questão dos montantes indemnizatório/compensatório atribuídos ao A. a título de indemnização por danos não patrimoniais e pela IPP.

A) montante compensatório atribuído ao A. a titulo de danos de natureza não patrimonial fixado em € 30.000,00
Foi quantificado na sentença pelo tribunal a quo, quanto aos danos não patrimoniais a atribuir ao A., tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes - em consequência do acidente a que se referem os autos, o Autor ficou com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos, já que, para além do mais, apesar dos tratamentos a que se submeteu, ficou a padecer de gonalgia no joelho direito, ligeira rigidez da anca (anca dolorosa) e rigidez do joelho (concretizada em flexão limitada a 90º) -, a compensação de € 30.000,00.
Para tanto, ponderou-se que o referido dano na integridade físico-psíquica do Autor, de carácter permanente quantificado em 11 pontos, se repercutirá, por natureza, como já se frisou, em diversas áreas da sua existência - aqui se recordando que o Autor sofre de limitação dolorosa nos atos da vida diária, nomeadamente, para realizar carga, por dor a nível da anca e joelho direitos, não pode correr, não pode jogar futebol e tem dificuldade ao andar de bicicleta - e que esse mesmo dano se prolongará por toda a vida do lesado (aqui se recordando que o lesado tinha 46 anos de idade à data da consolidação das lesões pelo que, com muita probabilidade, sofrerá, em razão de tais sequelas, durante mais de 25 anos), ponderando que, ao lado do já referido dano, outros danos de natureza não patrimonial devem ser compensados, quais sejam, as dores sofridas aquando do acidente e durante o longo período de recuperação funcional (num total de 415 dias, sendo, destes, 91 dias com Défice Funcional Temporário Total), aqui se recordando que o respetivo “quantum” foi fixado no grau 4/7, o facto de o lesado ter estado acamado e dependente de uma terceira pessoa durante um mês, ter-se deslocado, com cadeira de rodas, durante mais de um mês e, de canadianas, cerca de um ano, a intensidade do traumatismo e os tratamentos efetuados - onde se inclui uma cirurgia e internamento hospitalar de 7 dias -, bem como o dano estético fixável no grau 2, numa escala de 1 a 7, justificam uma reparação conjunta da totalidade dos danos não patrimoniais, incluindo o referido dano biológico sofrido, imputável às sequelas do acidente, através de uma compensação no montante de 30.000 €.
Montante relativamente ao qual se insurge o apelante, entendendo pecar o mesmo por defeito, reclamando ser adequada e justa a quantia de € 50.000,00.
Com o que discorda a recorrida, desde logo porque tal quantia está muito desfasada com as que vêm sendo arbitradas pela jurisprudência mais recente.
Quid iuris?
No tocante à fixação do dano não patrimonial, são estes os princípios tidos para nós, como “sagrados”, e que logramos aplicar em outras instâncias recursivas cujo objecto se fixa no valor indemnizatório.
1. No cálculo do valor indemnizatório por danos resultantes de acidente de viacção intervêm, sobretudo, critérios de equidade - mas fundados nas circunstâncias do caso concreto -, de proporcionalidade - em função da gravidade do dano -, de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida.
2. A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista, não obedecendo o seu cálculo a uma qualquer fórmula matemática, podendo por isso, variar de acordo com a sensibilidade do julgador ao caso da vida que as partes lhe apresentam.
3. Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.
4. Os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização. Ou seja, o recurso à equidade não obsta à ponderação, como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judiciais relativas a casos semelhantes, transitadas em julgado, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.
Avançando.
Nos termos do art. 496º/1 do CC, são apenas ressarcíveis os danos não patrimoniais suficientemente graves para merecerem a tutela do direito.
A indemnização atribuída por danos de natureza não patrimonial respeita apenas aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, como é o caso da ofensa dos direitos à integridade física, saúde e qualidade de vida, entre outros – já se escrevia no Acórdão do STJ de 12-07-1988, que os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser seleccionados com extremo rigor, devendo atender-se apenas aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito –.
A gravidade mede-se por um padrão objectivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas – neste preciso sentido, A. Varela, Obrigações, pág. 428 –.
Como é sabido, tratando-se de danos de natureza infungível, não sendo possível a reconstituição da situação que existia anteriormente ao evento danoso, procura-se apenas proporcionar ao beneficiário, através da indemnização, o gozo de possíveis situações de bem-estar decorrentes da utilização desse dinheiro.
No caso dos autos, a 1.ª instância considerou estes danos com gravidade suficiente para lhes arbitrar uma indemnização. O que não é contestado pelas partes, mas tão só o seu quantum.
Nesta questão da fixação dos danos não patrimoniais, deveremos, desde logo e como modo de comparação, lançar mão das indemnizações fixadas pelos Tribunais a propósito do dano em que não sobreveio a morte.
Vejamos, algumas decisões, proferidas pelos nossos Tribunais, acerca da fixação dos danos não patrimoniais:
- no Ac. RP de 20-03-2012, proferido no processo JTRP000 e em que foi relator M. Pinto dos Santos, foi fixada na verba de € 5.000,00 a compensação por danos não patrimoniais sofridos por um homem com 50 anos que sofreu múltiplas fracturas sem desvio do côndilo femoral, extensa fractura do côndilo femoral interno, contusão do prato tibial externo e da cabeça do perónio, tendo sofrido dores e perda de sangue, ficou portador de cicatrizes dolorosas, uma IPG de 3 pontos, tendo sido sujeito a vários tratamentos médicos e de fisioterapia, um QD de 3/7 e um prejuízo da afirmação pessoal de 3/5;
- no Ac. RG de 09-06-2011, disponível em http://www.dgsi.pt. onde se decidiu ser adequado o montante de € 6.000 para compensar os danos morais de um sinistrado que sofreu, em consequência de atropelamento, dores cervicais e hematoma na cabeça, teve de ser seguido por médicos durante cerca de um ano, tendo de fazer natação e ingerir anti-inflamatórios, sofreu dores durante todo esse período que o impediram de desfrutar em plenitude das actividades lúdicas e sociais, viveu momentos de angústia, depressão, nervos, stress emocional e muitas vezes exasperação, além de ter ficado portador de sequelas definitivas que lhe determinaram, aos 50 anos, uma incapacidade permanente de 3 pontos, com repercussão na sua actividade profissional;
- no Ac. do STJ de 31-05-2012, proferido no âmbito do processo nº 1145/07.1lVLSB.L1.S1, da 7a Secção, foi fixada em € 10.000,00 a indemnização a título de danos não patrimoniais a atribuir a uma lesada que sofreu fractura múltipla do braço direito, fractura do úmero, que foi sujeita a duas intervenções cirúrgicas, que teve de comparecer a diversas consultas (mais de 10) e sessões de tratamento (32 sessões de fisioterapia) e que ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral de 8 %;
- no Ac. RP de 22-01-2013, proferido no âmbito do processo nº 13492/05.2TBMAI.P1, foi fixada uma indemnização de € 12.500,00 a título de danos morais, a uma sinistrada que ficou a padecer de cervicalgia residual com contractura dos paravertebrais e trapézios, rigidez na mobilização cervical, dorsalgia residual, dificuldade na permanência prolongada no trabalho com computador, por cansaço muscular fácil, que ficou a padecer de uma IPG de 10 (dez) pontos, a que acrescem mais 2 (dois) pontos a título de dano futuro, que irá necessitar de fazer fisioterapia durante toda a vida, que sofreu um quantum doloris de grau 4/7, que passou a sofrer de tonturas, enjoos e desequilíbrios, que perdeu a capacidade de concentração, tornando-se ríspida e agressiva;
- o Ac. da RP de 11-05-2011, proferido no âmbito do processo nº 513/0S.6PBMTS.P1, fixou uma indemnização de € 7.000,00, a um lesado que sofreu traumatismo craniano, equimose da face externa do joelho direito, cervicodorsalgias e artralgias no tornozelo direito; tais lesões determinaram, 319 dias de incapacidade temporária geral parcial, um quantum doloris de grau 3 e uma incapacidade permanente geral de 5 pontos, sendo que o lesado ficou com perda de auto-estima e de sociabilidade;
- “Se o autor, vítima de acidente de viação cuja culpa exclusiva foi atribuída ao outro interveniente no sinistro, “desde a data do acidente jamais deixou de ter dores na bacia, dores que o incomodam e obrigam a tomar medicação para tolerar essas dores, tem, por via dessa lesão na bacia, dificuldades em arranjar posição para dormir, o que lhe afecta negativamente o sono, o descanso e o lazer, no momento do acidente passou por enorme pânico e teve medo de morrer, e, nos meses que se lhe seguiram, sofreu dores intensas, angústias, temores e medos, tem atribuída uma I.P.G. de 2% e um quantum doloris de grau 4, na escala de 0 a 7”, é equitativo, a título de indemnização por danos não patrimoniais, fixar-lhe uma indemnização de € 7.500,00 – Ac. da RG de 11-05-2010;
- “O quantum doloris (grau 4 em 7), a perda de vários dentes e demais tratamentos dentários, uma cicatriz notória no lábio superior e a dificuldade interior em lidar com tal situação, justificam a atribuição à lesada Autora de uma indemnização de € 15.000, a título de danos não patrimoniais – Ac. da RP de 15-01-2013;
- O autor sofreu fractura da vértebra D12 e da 1ª falange do 5º dedo do pé direito, foi sujeito a tratamentos hospitalares, andou com colete durante cerca de quatro meses, fez hidroterapia durante cerca de três meses, sofreu traumatismo no dorso lombar com a referida fractura de D12, escoriações nos membros inferiores, membros superiores e nádega esquerda. Padeceu internamentos hospitalares, deitado em leito duro e imobilizado com colete de Jewete-L, efectuou discectomia L4 e L5, sente dor em pressão na região dorsal e lombar posterior, quando está sentado ou de pé, na mesma posição durante cerca de 20 minutos, padeceu dores que o impediam de andar, o que o determinou a deslocar-se à urgência hospitalar, tem dores nos membros inferiores, sobretudo na face externa e anterior da coxa direita até ao joelho, que o impedem de dormir, sente desconforto e rigidez da coluna vertebral ao fazer movimentos, ao apanhar objectos do chão, pegar em objectos pesados e permanecer sentado no posto de trabalho por mais de 20 minutos e padeceu de um período de incapacidade temporária durante um ano e quatro meses e uma IPG de 15% (alíneas I) a N) e S) a Y) dos factos provados). Tratamentos, intervenções cirúrgicas e internamentos que lhe provocaram dores e sofrimento num quantum doloris fixável em grau 5, num máximo de 7. Sofreu desgosto, susto e angústia de não saber se poderia morrer em resultado do acidente, medos de poder ficar paraplégico e desgosto por se ver parcialmente incapacitado para o resto da sua vida e com cicatrizes (alíneas AA) a AB) dos factos apurados)…foi fixada a quantia de € 30.000 – Ac. da RP de 29-05-2012;
- no acórdão do STJ de 5 de Fevereiro de 2004, foi atribuída a indemnização de € 24.939,89 a um lesado que, tendo 52 anos à data do acidente, ficou afectado de um IPP de 35% e sofreu lesões muito graves que o obrigaram a diversas intervenções cirúrgicas e implicaram limitações muito sérias à sua mobilidade;
- num outro Ac. do STJ de 25 de Junho de 2009 – Na Colectânea de Jurisprudência do Supremo II, pág. 128, escreveu-se: «Não pode considerar-se excessiva a fixação em € 40.000,00 da indemnização devida a título de danos não patrimoniais relativamente a jovem de 21 anos, do sexo feminino, estudante, vítima de acidente de viação, que esteve internada em sucessivos hospitais e por tempo considerável, ficando afectada de uma incapacidade absoluta durante 12 meses, e se viu sujeita a diversas intervenções cirúrgicas e sucessivos tratamentos, que sofreu danos físicos extensos que deixaram sequelas irreversíveis e gravosas, quer físicas, quer emocionais, ficando afectada de uma Incapacidade Permanente Parcial de 50% com aumento previsto de 3%»;
- no Ac. do STJ de 4 de Dezembro de 2007, foi arbitrado o montante de € 35.000,00 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em coma e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%;
- também no Ac. do STJ de 7-06-2011, foi atribuída uma indemnização de € 23.000,00 a um sinistrado que ficou com ferimentos a nível da face, couro cabeludo, tórax, região dorsal e membro superior direito. Esteve internado12 dias, apresentando traumatismo torácico com pneumotórax bilateral, fractura D4, D5 e D6 e fractura da clavícula direita. Ficou a padecer de uma IPG de 16%, sendo as sequelas descritas compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicando esforços suplementares. E mesmo após a alta dos hospitais, andou em tratamento ambulatório, durante vários meses para lhe ser prestada assistência e tratamentos médicos por diversos especialistas, pois apresentava sinais e sintomas de disfunção, temporo-mandibular, tendo sido submetido a extracções e intervenções dentárias. Esteve, em consequência do acidente, com Incapacidade Temporária Geral quase três meses; com Incapacidade Temporária Geral Parcial, cerca de 7 meses e com Incapacidade Temporária Profissional Total, cerca de 10 meses. Ficou ainda demonstrado que sofreu um quantum doloris fixável em grau 4 e que ainda hoje sente dores, tomando, por vezes, analgésicos para suportar as mesmas. Teve de se deslocar várias vezes ao Porto para tratamentos e teve de usar um colete ortopédico durante cerca de 2 meses. À data do acidente era um jovem saudável e alegre, trabalhando, como sócio gerente e, em consequência do mesmo, sentiu-se e sente-se angustiado;
- no Ac. da RP de 31-03-2009 – retirado da Colectânea de Jurisprudência, Tomo II, pág. 219 -, a vítima foi compensada com uma indemnização de € 45.000,00 pelos danos não patrimoniais. Tinha 54 anos de idade na data da sentença, ficou com uma incapacidade permanente de 25% e com um pretium doloris relativo a grau 5 numa escala de 7, cicatrizes visíveis no crânio e nas pernas determinantes de prejuízo de imagem e, por isso, também sexual, tendo ficado ainda dependente de terceiro para o desempenho de várias tarefas domésticas. Neste acórdão foi citada vária jurisprudência de que se destaca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-01-2003, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. III, pág. 149, onde se ponderou que “tendo a Autora ficado em estado de coma e com gravíssimas lesões por todo o corpo e sido submetida a diversas intervenções cirúrgicas, com tratamentos prolongados, e ficando ela com profundas e desfigurantes cicatrizes por todo o corpo e, devido às sequelas de que ficou a padecer, completamente impossibilitada de exercer a sua profissão, será ajustada a verba de 7.500.000$00 (€ 37.409,84) como compensação dos danos não patrimoniais sofridos”;
- finalmente, no Ac. do STJ de 10-10-2012 conheceu-se de um caso identificado com o seguinte quadro essencial: acidente que originou lesões múltiplas, nomeadamente gravosas lesões ortopédicas, insuficientemente ultrapassadas, face às sequelas permanentes para a capacidade de movimentação da lesada;- afectação relevante e irremediável do padrão de vida de sinistrado jovem, com praticamente 20 anos de idade, associada, desde logo, ao grau de incapacidade fixado (susceptível de, em prazo não muito dilatado, alcançar os 22%) - com repercussões negativas, não apenas ao nível da actividade profissional, mas também ao nível da vida e afirmação pessoal; várias cicatrizes, geradoras do consequente dano estético; - internamentos e tratamentos médico-cirúrgicos muito prolongados, com imobilização e períodos de total incapacidade do doente e envolvendo dores e sofrimentos físicos e psicológicos muito intensos. Foi ali atribuída à vítima a indemnização de € 45.000,00 pelos danos morais.
Tudo considerado, a solução do tribunal a quo merece, nesta parte, o nosso integral acolhimento.

B) danos sofridos pelo A. pela Incapacidade Parcial Permanente para o trabalho de 11,00 pontos - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica, de 11 pontos -, com indemnização fixada em € 17.500,00
Foi quantificado na sentença pelo tribunal a quo, quanto aos danos pela Incapacidade Parcial Permanente para o trabalho de 11,00 pontos sofridos pelo A., a compensação de € 17.500.00.
Para tanto, considerou-se que os esforços suplementares médico legalmente reconhecidos e tendo ainda presente que, nos dias de hoje, dificilmente se obtém juros de 2%, no caso do Autor, sabendo-se que o mesmo tinha, à data da consolidação das sequelas (26.02.2015), 46 anos de idade (nasceu em 19.03.1968) - a data a considerar para efeito de reparação da aludida perda da capacidade de ganho é a data da consolidação médico-legal das lesões, não podendo, pois, considerar-se, para efeito do cálculo em questão e sob pena de duplicação de indemnizações, a idade do Autor à data do acidente, mas sim a idade do Autor à data da alta -, que, à data da ocorrência do acidente, aquele exercia a profissão de cantoneiro e auferia, em virtude do seu trabalho, o rendimento médio mensal de 508,89 €, acrescido dos correspondentes subsídios de férias e de Natal, e que, para além disso, o Autor, nas horas livres deixadas pelo desempenho da sua profissão de cantoneiro por conta da Junta de Freguesia de Alvarães, concelho de Viana do Castelo dedicava-se – como se dedica, ainda - à execução de trabalhos vários, no regime de biscates, em trabalhos de limpezas de matos e de ervas daninhas, em terrenos de cultivo e de montes e a trabalhos simples de mecânica, em motociclos e ciclomotores, no rés-do-chão da sua casa de habitação, bem como à recolha de sucata e ferro velho e sua venda a sucateiros e que, do conjunto destas suas atividades, o Autor auferia um rendimento suplementar do seu trabalho de cerca de 200 € por mês, com o que reforçava o seu orçamento familiar, a esperança média de vida dos homens (e não apenas a duração da vida profissional ativa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma), mas também o facto de se ter por certo que, no futuro, independentemente da ocorrência ou não de um acidente, o rendimento auferido no período correspondente à reforma seria sempre inferior ao rendimento auferido no período de vida ativa, bem como, no caso particular dos “biscates”, que esse rendimento não seria nunca refletido numa futura reforma e sempre estaria destinado a desparecer a partir do momento em que as capacidades físicas do Autor não lhe permitissem continuar a desenvolver essas atividades complementares, e, por último, a desvalorização da moeda, a perda de capacidades funcionais sofrida pelo Autor, deverá ser ressarcida, ao nível patrimonial, com a quantia de 17.500 €.
Montante relativamente ao qual se insurge o apelante, por entender ser tal valor insuficiente para o ressarcir dos danos sofridos a esse título, reputando justo e equitativo o valor de € 75.000,00.
Com o que discorda a recorrida, considerando os rendimentos do sinistrado, a sua idade e a incapacidade de que ficou a padecer, entendendo ser mais do que razoável o valor fixado pelo Tribunal a quo.
Que dizer?
Iremos seguir aqui de perto o Ac. TRG de 03-07-2014, P. 333/12.3TCGMR.G1, in www.dgsi.pt, porque com ele nos identificamos.
Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros cessantes, nos termos do art. 564º do CC, está fundamentalmente em causa o método de cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da respectiva indemnização.
Nos casos em que os lesados ficam com sequelas permanentes, como é o caso dos autos, veio-se sedimentando a jurisprudência nos seguintes pontos:
- em primeiro lugar lançava-se mão da Tabela Nacional de Incapacidades e fixava-se um grau percentual de “incapacidade para o trabalho”;
- depois, tendo em conta tal grau, atentava-se nos proventos auferidos pelo sinistrado e calculava-se o que, desse rendimento, era atingido pela incapacidade. Este atingimento podia não ter lugar efectivamente (e, na maior parte dos casos, não tinha), mas relevava-se praticamente como se tivesse;
- por fim, procurava-se encontrar um capital que, de rendimento – normalmente juros – proporcionasse o que, efectiva ou teoricamente, deixou de se auferir e se extinguisse no fim presumível de vida activa da pessoa visada.
Este modo de proceder suscitou fortes críticas, que «assentavam, fundamentalmente, na incongruência que significava o direito civil recorrer a tabelas que foram gizadas apenas para os casos de acidentes de trabalho e, bem assim, nas discrepâncias que resultavam do recurso sistemático aos proventos auferidos pelo sinistrado, quando, na esmagadora maioria dos casos, inexistia prejuízo concretizado a estes relativo. Em termos práticos, sem qualquer prejuízo concretizado, quem ganhava bem, era inusitadamente beneficiado em detrimento de quem ganhava mal ou nada ganhava. Nem uns nem outros tinham prejuízos efectivos, mas aqueles viam-se perante uma parcela indemnizatória abissalmente diferente da destes.»(2)
Desta incongruência se deu conta o legislador do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23-10, afirmando no preâmbulo:
“O que se torna hoje de todo inaceitável é que seja a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI)… utilizada não apenas no contexto das situações especificamente referidas à avaliação de incapacidade laboral, para a qual foi efectivamente perspectivada, mas também por vezes, e incorrectamente, como tabela de referência noutros domínios do direito em que avaliação de incapacidades se pode suscitar, para colmatar a ausência de regulamentação específica que lhes seja directamente aplicável. Trata-se de situação que urge corrigir pelos erros periciais que implica…potencialmente geradora de significativas injustiças.”
Nessa conformidade, fixou duas tabelas: uma que denominou “Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” e outra que apelidou “Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”.
Na primeira estabeleceu graus de incapacidade em percentagens que traduzem “a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção…” (n.º3 do Anexo I) e, na segunda, ainda que continue a referir-se a “incapacidade” desligou-se completamente da ideia de actividade laboral (efectiva ou possível) do lesado. Não fixou percentagens, mas antes “pontos” para cuja fixação, dentro dos parâmetros relativos a cada sequela, o perito deve “ter em conta a sua intensidade e gravidade, do ponto de vista físico e bio-funcional, bem como o sexo e idade, sempre que estas duas variáveis não estiverem contempladas em eventual tabela indemnizatória” (n.º1 do Anexo II).
Porém, como se observa no citado acórdão do STJ de 18-12-2013:
«A este avanço do legislador no campo médico-legal, não correspondeu avanço no sentido de fixar o valor indemnizatório relativo a cada ponto.»
Aparecem-nos valores no Anexo IV da Portaria n.º377/2008, de 26 de Maio.
Esta Portaria, como nela mesma se reconhece, não visa mais do que possibilitar a elaboração da “proposta razoável” imposta pelo Decreto-lei n.º 377/2008, de 26-6 e acolhe a figura dos “pontos” com referência ao dano biológico, cuja autonomização em ordem a constituir uma parcela indemnizatória própria, não tem tido acolhimento nos tribunais (…).
Não releva, pois, para aqui.
Ficou, assim, o juiz civil mais debilitado. Por um lado, a distinção das Tabelas, bem fundamentada na parte transcrita do preâmbulo do Decreto-Lei nº 352/2007, de 23-10, afastou-o do, já de si incongruente, recurso à “incapacidade para o trabalho”; por outro, deixou-o “com os pontos na mão”, em aturada ponderação sobre o que lhes fazer. (…).
O legislador tinha conhecimento da maneira como vinham a ser calculadas as indemnizações em direito civil.
Em matéria tão importante, não seria pela via da estatuição médico-legal, que levaria a cabo uma – ainda que intensamente justificada – alteração do modo de cálculo das indemnizações por danos patrimoniais futuros. (…).
Não cremos, por isso e sem prejuízo da atenção aos inconvenientes do modo de cálculo que vinha sendo seguido com base na Tabela Nacional de Incapacidades, supra salientados, que haja, para já, razões profundas de alteração.»
Deste modo, chegamos ao velho cálculo em que a indemnização a arbitrar por danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida(3) (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma)(4).
Na verdade, as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
No entanto, para evitar um total subjectivismo, o qual, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade, o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado(5).
Todavia, «e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros).»(6)
Aplicando estas considerações - que subscrevemos na íntegra - ao caso dos autos, verifica-se que:
- o lesado tinha 46 anos à data da consolidação das sequelas, tendo, pois, uma esperança média de vida de cerca de 31 anos;
- foi-lhe atribuída um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11 pontos;
- auferia um rendimento médio mensal à data do acidente de € 508,89 (x 14 meses), como cantoneiro por conta da Junta de Freguesia de Alvarães;
- nas horas livres deixadas pelo desempenho da sua profissão de cantoneiro dedicava-se à execução de trabalhos vários, no regime de biscates, em trabalhos de limpezas de matos e de ervas daninhas, em terrenos de cultivo e de montes, dedicando-se, também, a trabalhos simples de mecânica, em motociclos e ciclomotores, no rés-do-chão da sua casa de habitação, bem como dedicava-se, ainda, à recolha de sucata e ferro velho e sua venda a sucateiros, auferindo do conjunto destas suas actividades, um rendimento suplementar do seu trabalho de cerca de € 200 por mês, com o que reforçava o seu orçamento familiar.
Valorando adequadamente esta factualidade, considera-se ser apropriado e equitativo a indemnização no valor de € 20.000,00. Aliás, no que respeita à estrita e prudencial aplicação das tabelas financeiras correntes, baseadas apenas na remuneração auferida à data do acidente e no grau de incapacidade funcional fixado ao autor, temperada com o apelo aos indispensáveis juízos de equidade, chegaríamos a um valor de cerca de € 15.700,00 resultante do seguinte cálculo:
- € 9.524,46 (remuneração anual) x 20,00043 (factor)(7) x 11% = € 20.954,26;
- a este montante haveria hipoteticamente que subtrair 1/4, percentagem dos rendimentos que o lesado gastaria consigo próprio: € 20.954,26 – 1/4 = € 15.715,70.
Independentemente de se concordar ou não com este raciocínio, importa salientar, porém, que a aplicação, mesmo corrigida, das referidas tabelas financeiras não inclui uma integral ponderação do dano biológico sofrido pelo lesado, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre - e, portanto, sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas psíquicas, deverá compensá-lo - para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente – também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido.
Isso porque «a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais»(8).
Nesta perspectiva, deve ser aditado ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado (11 pontos), uma quantia que constitua justa compensação do mencionado dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, arredadas definitivamente pela capitis deminutio de que passou a padecer o recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal do lesado, considerando-se, em termos de equidade, que representa compensação adequada desse dano biológico o valor de € 4.000,00 que acrescido aos referidos € 15.715,70, perfaz o valor de € 19.715,70. Daí, os tais € 20.000,00 supra referidos.

Procede, assim, parcialmente, nesta parte a apelação do A.
* * * *

Passemos, agora ao ponto II) do recurso do A.
Está aqui em causa a reapreciação da questão da forma como foram calculados os juros.
Nesta parte, o tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes termos:
“(…) na compensação pelos danos não patrimoniais e em todos os casos em que se procede a uma decisão atualizadora (nomeadamente naqueles em que, por força do recurso à equidade, se ponderou já, entre outros fatores, a inflação) não se justifica tal solução, uma vez que, nesses casos, não se está perante uma dívida de valor. Com efeito, em tais situações, no momento da fixação da indemnização, o juiz deve ter em conta a desvalorização da moeda, o que, no caso, já foi feito relativamente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais do Autor.
Se se contassem juros, aquele beneficiaria duma duplicação relativamente ao tempo que mediou entre a citação e a sentença. Acumularia juros e atualização monetária o que é inaceitável (neste sentido, os Ac.s do STJ de 22.10.2009, processo n.º 3138/06.7TBMTS.P1.S1, 17.12.2009, processo n.º 197/2002/G1.S1, 7.1.2010, processo n.º 5095/04.5TBVNG P1.S1 e de 20.1.2010, processo n.º 380/1991.P2.S1).
Assim sendo, em todas as indemnizações em que já se ponderou a desvalorização apenas se justificará a condenação em juros com referência ao tempo posterior à data da decisão e até efetivo pagamento da indemnização.
Neste mesmo sentido decidiu o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/2002.
A taxa supletiva de juros a considerar é de 4% - Portaria 263/99, de 12 de Abril.”.
Entendendo o apelante que:
Os juros de mora são devidos:
a) sobre a quantia relativa à compensação por danos de natureza não patrimonial, desde a data da prolacção da sentença, em primeira instância, até efectivo pagamento;
b) sobre todas as restantes quantias indemnizatória, desde a data da citação, até efectivo pagamento.”.
Com o que discorda a recorrida, que entende que:
Aplica-se ao caso sub iudice, quanto a todos os valores fixados, o vertido no AUJ 4/2002. Assim, os juros serão sempre devidos desde a data da sentença e não da citação.”.
Quid iuris?
Sobre esta questão do cálculo dos juros, diga-se, desde já, que a solução do tribunal a quo merece o nosso integral acolhimento, que aqui damos outra vez por reproduzida, a fim de evitar repetições.
Todavia, apesar da distinção feita quanto ao cálculo dos juros relativamente à compensação pelos danos não patrimoniais e em todos os casos em que se procede a uma decisão actualizadora e a indemnização pelos outros danos patrimoniais, verifica-se que a sentença na decisão não fez aplicação em conformidade relativamente a todas as diferentes parcelas que integram o montante liquidado da condenação, uma vez que quanto à indemnização a título de perdas salariais no valor de € 3.369,14, os juros de mora são devidos desde a data da citação.
Assiste, pois, apenas nesta parte, razão ao apelante, pelo que procede, em conformidade, o recurso.
*

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Mostra-se justa, adequada e equitativa a fixação da compensação pelos danos de natureza não patrimonial no montante de € 30.000,00, no caso de um homem que aos 46 anos sofre um acidente, ficando com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos, já que, para além do mais, apesar dos tratamentos a que se submeteu, ficou a padecer de gonalgia no joelho direito, ligeira rigidez da anca (anca dolorosa) e rigidez do joelho (concretizada em flexão limitada a 90º).
II – A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo autor, traduzido em limitação funcional (11 pontos de IPG), deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional presente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequelas das lesões sofridas, garantindo assim um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido.
III – A obrigação de reparar o dano com o atraso no cumprimento da obrigação de indemnização é exigível, em princípio, desde o momento em que o devedor se considera constituído em mora (arts. 804º/1 e 2 e 806º/1 do CC). E esse momento é o da sua citação para a acção (art. 805º/3 do CC).
IV – Ao valor da indemnização dos danos patrimoniais apontado deve, por isso, acrescer o valor da indemnização, contada desde a citação da recorrida para a acção, correspondente aos juros legais: 4% ao ano (Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril).
V – No tocante aos danos não patrimoniais e em todos os casos em que se procede a uma decisão actualizadora, dado que o seu cálculo da compensação é feito de forma actualizada, i.e., por referência à data do proferimento da decisão, a indemnização moratória apenas é devida desde a prolacção da decisão actualizadora e não desde a data da citação (Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002).
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, no parcial provimento do recurso do A., revogando parcialmente a sentença da 1ª instância, acordam os juízes desta secção cível em:
I – Julgar improcedente a apelação deduzida pelo A. quanto à questão a decidir I) na parte da reapreciação do montante compensatório de € 30.000,00 atribuído ao A. por danos não patrimoniais;
II – Julgar parcialmente procedente a apelação deduzida pelo A. quanto à questão a decidir I) na parte do montante indemnizatório pela IPP que se fixa em € 20.000,00;
III – Julgar parcialmente procedente a apelação deduzida pelo A. quanto à questão a decidir II) - a questão da forma como foram calculados os juros -, sendo os juros de mora devidos desde a data da citação na parte quanto à indemnização a título de perdas salariais no valor de € 3.369,14;
IV – As custas do recurso são a cargo do A., na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.

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Guimarães, 23-03-2017

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(José Cravo)

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(António Figueiredo de Almeida)

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(Maria Cristina Cerdeira)

1 - Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Braga – JC Cível – Juiz 2
2 - Vd. Ac. do STJ de 18-12-2013, proc. 150/10.5TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
3 - Actualmente a esperança de vida para os homens, fazendo fé nos dados constantes da Pordata, situa-se nos setenta e sete anos vírgula quatro.
4 - Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 07-02-2013, proc. 3557/07.1TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
5 - Tem recebido aplicação frequente a tabela descrita no Ac. do STJ de 04-12-2007, proc. 07A3836, in www.dgsi.pt., assente numa taxa de juro de 3%.
6 - Cfr. Ac. do STJ de 10-10-2012, proc. 632/2001.G1.S1, in www.dgsi.pt.
7 - Como se diz no acima citado acórdão do STJ de 04-12-2007, a fórmula tem como suporte a aplicação do programa informático Excell à formula utilizada pelo STJ do acórdão de 5-5-1994, tendo sido construída tendo como referência a atribuição de 3 % ao factor aí indicado como taxa de juros previsível no médio e longo prazo.
8 - Ac. do STJ de 10-10-2012, supra citado.