Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANA CRISTINA DUARTE | ||
Descritores: | MASSA INSOLVENTE APREENSÃO BENS IMPENHORÁVEIS PLANO POUPANÇA REFORMA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/18/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1 - O não cumprimento por parte da apelante do disposto no artigo 640, n.º 1 b) e n.º 2 a) do Código de Processo Civil, implica, nos termos desse mesmo artigo, a imediata rejeição do recurso na parte respetiva. 2 – O valor de resgate de um Plano Poupança Reforma (PPR) é penhorável a qualquer momento, apenas nele influindo as consequências a nível fiscal do resgate antecipado. 3 – Fazendo parte do património penhorável do insolvente, aquele valor de reembolso deve ser apreendido para a massa insolvente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO L… e L…, ambas menores, representadas por sua mãe T… deduziram ação declarativa contra “F…, SA”, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes a totalidade do valor do plano de poupança subscrito pelo seu falecido pai C… com a ré, referente à apólice de seguro de vida PPR, do Ramo Vida, produto PPR F…, apólice n.º …, cujo valor total as autoras ainda não conseguiram apurar com rigor e exactidão, o que se relega para liquidação em execução de sentença. Contestou o réu, aceitando a existência do seguro, mas alegando que, uma vez que o tomador do mesmo, à data da sua morte, tinha sido declarado insolvente, o direito de resgate no âmbito deste contrato de seguro, passou a caber à massa insolvente e não às herdeiras do segurado. Requereu a intervenção principal provocada da massa insolvente de C…, representada por A…, administrador da insolvência. Finalmente, alegou que o valor a entregar no âmbito da apólice em questão é de € 526,36, uma vez que apenas foi pago um único prémio no valor de € 502,00. Replicaram as autoras, sustentando o seu direito e pugnando pela improcedência do incidente de intervenção principal provocada. Por despacho de 02.03.2012 foi admitido o chamamento requerido e citado o interveniente, que nada disse. Teve lugar a audiência prévia, com despacho saneador e fixação do objeto do processo e dos temas da prova. Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido. Discordando da sentença, dela interpuseram recurso as autoras, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes Conclusões: 1ª O tribunal a quo fez errada decisão da matéria de facto e incorrecta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto. 2a Deve dar-se como provado que: "11. C… no âmbito da apólice referida em 6. entregou à R. em 31/12/2008, o prémio de € 502,00."; "12. C… subscreveu certificados nominativos do fundo autónomo na modalidade de seguro de ramo vida da ré em valores superiores ao referido em 11." . 3a Tudo atendendo à prova séria, credível, congruente, objetiva, imparcial, competente, com razão de ciência produzida nos autos, mas incorretamente apreciada pelo tribunal a quo, como a seguir se detalha. 4a Desde logo a PROVA DOCUMENTAL composta pelo Documento 3 junto com a p.i.:e Documento 4 junto com a pj .. 5ª Do Documento 1 junto com a contestação da R. resulta que as invocadas Condições Gerais da Apólice invocadas pela R. na sua contestação nem sequer se mostram assinadas pelo segurado, pelo que no conjunta da prova produzida deverias tais documentos ser valorados em sentido favorável à versão das AA. e desfavorável à versão da R .. 6ª As testemunhas M… e P… foram arroladas pela R., sendo suas funcionárias, declararam apenas ter conhecimento do assunto em discussão nos autos apenas por consulta dos documentos escritos e digitalizados no sistema informático da R., daí que nenhum conhecimento directo tinham em concreto e real da matéria em discussão nos autos, pelo que as testemunhas nenhum conhecimento real, concreto e objectivo demonstraram sobre a matéria em discussão nos autos. 7ª Desta maneira, o seu depoimento para além de carecer de razão de ciência, não foi seguro, nem coerente e, como tal, nunca podem estes depoimentos servir para dar como provados os factos ora impugnados e não provados os que constam da sentença recorrida. 8ª De tal modo que no conjunto da prova produzida os depoimentos em causa não se reportaram de forma coerente, nem com razão de ciência á apólice em causa, nem á entrega efectuada por C… no valor de 502,00 e como prémio total e único. 9ª O Tribunal recorrido fez incorreta decisão da matéria de facto. 10ª No caso dos autos resultou provada a factualidade constante da sentença de 1. a 10. dos Factos Provados, comportando a alteração da decisão da matéria facto como pugnado neste recurso: "11. C…. no âmbito da apólice referida em 6. entregou à R. em 31/12/2008, o prémio de € 502,00." e "12. C… subscreveu certificados nominativos do fundo autónomo na modalidade de seguro de ramo vida da ré em valores superiores ao referido em 11.". 11ª Por morte do segurado participante do PPR, o reembolso da totalidade do valor do plano de poupança pode ser exigido pelos herdeiros legitimários - artigo 4°, n.º 7, a) e 5°, n" 1, a) primeira parte do Decreto - Lei 158/2002, de 2 de Julho. 12ª Neste caso as aqui AA., mas, por direito próprio e não por via sucessória. 13ª Na verdade, tal direito das AA. tem que considerar-se como um autêntico direito subjectivo. 14ª Como o poder jurídico, reconhecido pela ordem jurídica a uma pessoa, de livremente exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo (acção) ou negativo (omissão) ou de por um acto livre de vontade, só de per si ou integrado num acto de uma autoridade pública, produzir determinados efeitos jurídicos que inevitavelmente se impõem a outra pessoa (contraparte ou adversário). 15ª Tal direito está dependente da vontade do seu titular, como manifestação de actuação de autonomia privada. 16ª Mais: o direito das AA. é um direito subjectivo propriamente dito, ao qual se contrapõe o dever jurídico da contraparte, enquanto necessidade ou vinculação a realizar o comportamento a que tem direito o titular activo da relação jurídica, podendo mesmo falar-se num poder de exigir por parte do titular do dito direito, dado que se a contraparte não cumpre o dever jurídico a que está adstrita, o titular do direito subjectivo pode obter dos tribunais e autoridades subordinadas a estes providências coercitivas aptas a satisfazer o seu interesse. 17ª Tudo como ensinamentos do Prof. Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 44 Edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, págs. 175 e ss .. 18ª Sendo a situação dos autos análoga, com as devidas e necessárias adaptações, ao direito à indemnização por danos não patrimoniais por morte da vítima consagrado no artigo 4960 do C.C., em que o direito à indemnização cabe não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio, Cfr. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, VaI. I, ~ Edição, Coimbra Editora, págs. 630 e ss .. 19ª Por isso, o direito de resgatar as quantias devidas pela R. não pertence à Massa Insolvente do falecido, mas sim às AA .. 20ª A R. deve às AA. a totalidade do valor do plano de poupança subscrito pelo seu falecido pai com a R. referente à Apólice de Seguro de Vida PPR, do Ramo Vida, Produto PPR F…, Apólice n° …. 21ª Cujo valor total as AA. ainda não conseguiram apurar com rigor e exactidão, o que deve ser relegado para liquidação em execução de sentença, mas a que se atribui o montante de 30 000,00 € para efeitos de fixação do valor da acção - artigo 609°, n° 2 do NCPC. 22ª ° que se pede e a R. deve ser condenada a pagar às AA., acrescido de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento, ao abrigo, entre outras, das disposições conjugadas dos artigos 1°, 3°, n02, 4°, n" 7 e 5°, n" 1, a) primeira parte do Decreto-Lei 158/2002, de 2 de Julho. 23ª ° Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 1°,3°, n° 2,4°, n° 7 e 5°, n" 1, a) primeira parte do D.L. 158/2002, de 2 de Julho e 609°, n° 2 do NCPC .. Sem prescindir, subsidiariamente, para o caso da alteração da matéria de facto como pugnado neste recurso não resultar procedente, mais se invoca o que segue: 24ª No caso dos autos resultou provada a factualidade constantes dos Factos Provados 1. A 11. da sentença recorrida. 25ª Por morte do segurado participante do PPR, o reembolso da totalidade do valor do plano de poupança pode ser exigido pelos herdeiros legitimários - artigo 4°, n° 7, a) e 5°, n° 1, a) primeira parte do Decreto - Lei 158/2002, de 2 de Julho. 26ª Neste caso as aqui AA., mas, por direito próprio e não por via sucessória. 27ª Na verdade, tal direito das AA. tem que considerar-se como um autêntico direito subjectivo. 28ª Como o poder jurídico, reconhecido pela ordem jurídica a uma pessoa, de livremente exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo (acção) ou negativo (omissão) ou de por um acto livre de vontade, só de per si ou integrado num acto de uma autoridade pública, produzir determinados efeitos jurídicos que inevitavelmente se impõem a outra pessoa (contraparte ou adversário). 29ª Tal direito está dependente da vontade do seu titular, como manifestação de actuação de autonomia privada. 30ª Mais: o direito das AA. é um direito subjectivo propriamente dito, ao qual se contrapõe o dever jurídico da contraparte, enquanto necessidade ou vinculação a realizar o comportamento a que tem direito o titular activo da relação jurídica, podendo mesmo falar-se num poder de exigir por parte do titular do dito direito, dado que se a contraparte não cumpre o dever jurídico a que está adstrita, o titular do direito subjectivo pode obter dos tribunais e autoridades subordinadas a estes providências coercitivas aptas a satisfazer o seu interesse. 31ª Tudo como ensinamentos do Prof. Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 4?' Edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, págs. 175 e ss .. 32º Sendo a situação dos autos análoga, com as devidas e necessárias adaptações, ao direito à indemnização por danos não patrimoniais por morte da vítima consagrado no artigo 4960 do C.C., em que o direito à indemnização cabe não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio, Cfr.loão de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, VoI. 1,98 Edição, Coimbra Editora, págs. 630 e ss .. 33a Por isso, o direito de resgatar as quantias devidas pela R. não pertence à Massa Insolvente do falecido, mas sim às AA.. 34a A R. deve às AA. a totalidade do valor do plano de poupança subscrito pelo seu falecido pai com a R. referente à Apólice de Seguro de Vida PPR, do Ramo Vida, Produto PPR F…, Apólice n.º…. 35a O que se pede e a R. deve ser condenada a pagar às AA., acrescido de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento, ao abrigo, entre outras, das disposições conjugadas dos artigos 10,30, n02, 4°, n" 7 e 5°, n° 1, a) primeira parte do Decreto-Lei 158/2002, de 2 de Julho. 36ª O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 1°,30, n° 2, 4°, na 7 e 5°, n? 1, a) primeira parte do D.L. 158/2002, de 2 de Julho. TERMOS EM QUE, Se requer a Vossas Excelências que se dignem julgar procedente o presente recurso e, em consequência, se dignem revogar a sentença recorrida em conformidade com as alegações e conclusões supra pois só assim, farão, como sempre, um ato de JUSTIÇA. Contra alegou a ré, pugnando pela improcedência do recurso. O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Foram colhidos os vistos legais. As questões a resolver são as seguintes: - impugnação da matéria de facto; - titularidade do direito de resgate da apólice em causa. II. FUNDAMENTAÇÃO Na sentença foram considerados os seguintes factos: Factos Provados: 1. Da escritura pública denominada “Habilitação” consta que “no dia quinze de Dezembro de dois mil e dez, na freguesia de Lordelo, concelho de Vila Real, faleceu C…, natural de Moçambique, com a sua última residência habitual na praceta …, concelho de Vila Real, no estado de divorciado. Que o falecido não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado como únicas herdeiras legitimarias, duas filhas, residentes no Bairro… em Vila Real e que são: Um – L…, solteira, menor, de dez anos de idade, natural da dita freguesia de São Pedro. Dois – L…, solteira, menor, de sete anos de idade, natural da freguesia de Mateus, concelho de Vila Real. E que não há outras pessoas que segundo a lei prefiram às mencionadas herdeiras ou que com elas concorram à sucessão”. 2. A Ré dedica-se à actividade de seguros, proporcionando aos seus clientes a realização de contratos de seguro do ramo vida, assim como aplicações de Planos de Poupança Reforma tendo por objecto proporcionar a constituição de planos complementares à Segurança Social, em benefício do subscritor ou do seu agregado familiar, nas situações de reforma, invalidez ou outras situações tais como a morte. 3. C… celebrou com a ré um contrato de seguro do ramo Vida na modalidade de Plano Poupança-reforma (PPR). 4. A ré assumiu a qualidade de Seguradora e o C… a qualidade de Tomador de Seguro. 5. O produto contratado por C… com a ré denominou-se PPR F… – Plano Poupança reforma. 6. Titulado pela apólice …. 7. C…, enquanto pessoa singular, subscreveu certificados nominativos do fundo de poupança-reforma, na forma de fundo autónomo da modalidade de seguro do ramo vida da ré. 8. O património de tal fundo de poupança é constituído por valores mobiliários, participações em instituições de investimento colectivo, instrumentos representativos de dívida de curto prazo, depósitos bancários ou outros activos de natureza monetária. 9. Por sentença datada de 23-11-2010 foi declarada a insolvência de C… no processo de insolvência n.º 1756/10.8TBVRL que corre termos no 1º Juízo deste tribunal. 10. Por despacho proferido a 5-9-2011 nos autos de insolvência n.º 1756/10.8TBVRL que corre termos no 1º Juízo deste tribunal foi deferido o complemento da sentença de insolvência. 11.C… no âmbito da apólice referida em 6. entregou à Ré em 31/12/2008, o prémio no valor global de € 502,00. Factos Não Provados: a) C… subscreveu certificados nominativos do fundo autónomo na modalidade de seguro de ramo vida da ré em valores superiores ao referido em 11. Põem as apelantes em causa a decisão da matéria de facto quanto ao n.º 11 dos factos provados e à alínea a) dos factos não provados, pretendendo que se deve dar como provado que C…, no âmbito da apólice referida em 6. entregou à ré, em 31/12/2008, o prémio de € 502,00 (apenas se retirando a expressão “de valor global” do ponto 11. dos factos provados) e que subscreveu certificados nominativos do fundo autónomo na modalidade de seguro de ramo vida da ré em valores superiores ao referido em 11. Para o efeito, baseiam-se na prova documental - doc 3 e 4 junto com a petição inicial e documento 1 junto com a contestação – e alegam que as testemunhas M… e P…, arroladas pela ré e suas funcionárias, declararam apenas ter conhecimento do assunto em discussão por consulta dos documentos escritos e digitalizados no sistema informático da ré, pelo que, nenhum conhecimento real, concreto e objetivo demonstraram sobre a matéria em discussão nos autos. Vejamos, então. Quem pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto tem obrigações a seu cargo, que não foram cumpridas. As apelantes não dão cumprimento ao disposto no artigo 640, n.º 1 b) e n.º 2 a) do Código de Processo Civil, o que implica, nos termos desse mesmo artigo, a imediata rejeição do recurso na parte respetiva. Não se encontram reunidos os pressupostos legais para se proceder à reapreciação da prova quanto ao conjunto de factos posto em causa. O artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil estabelecia os requisitos para a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e no seu n.º 2 dizia-se que, tendo havido gravação da prova testemunhal, "incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição." A mesma solução foi adoptada pelo n.º 2 do artigo 640.º do novo Código de Processo Civil. Com este n.º 2 "introduziu-se mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto" impondo-se que "se, pelo modo como foi feita a gravação e elaborada a acta, for possível (exigível) ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos, o ónus de alegação, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto apoiada em tais depoimentos, (…) a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda (…)." E "o incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento." – Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, pág. 136 e 138. E acrescenta o mesmo autor, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 128 e 129: “Pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. (…) Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”. Com efeito, "impugnando o recorrente a decisão sobre a matéria de facto, encontra-se sujeito a alguns ónus que deve satisfazer, sob pena de rejeição do recurso", sendo um deles o de "indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda (…) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a indicação precisa e separada dos depoimentos" - Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 181. Neste sentido, veja-se Acórdão desta Relação de 30/01/2014 (Processo n.º 273733/11.1YIPRT.G1), in www.dgsi.pt, onde se invoca o preâmbulo do Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto no sentido de resolver alguma dúvida que subsistisse a este propósito, pois é claro ao mencionar que "é ainda de referir a alteração das regras que regem o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto, determinando que cabe ao recorrente, sempre que os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, proceder à identificação da passagem da gravação em que funde essa impugnação, sem prejuízo da possibilidade de proceder, se assim o quiser, à respectiva transcrição". E prossegue: “Como é sabido, o «texto [da lei] é o ponto de partida da interpretação. Como tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer "correspondência" ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva, (…) se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma.» (Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 18.ª Reimpressão, pág. 182). Sendo assim, a expressão "sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição", que é antecedida pela imposição da obrigação de "indicar com exactidão as passagens da gravação", tem que ser interpretada no sentido de que o legislador, bem ou mal (e, salvo melhor juízo, a solução desenhada não parece ser a que melhor salvaguarda os fins tidos em vista) entendeu que a possibilidade de se "proceder à respectiva transcrição" não era suficiente para se poder ter como feita a indicação "com exactidão [d]as passagens da gravação". E convém não esquecer que "exactidão" significa "observância rigorosa de um (…) dever" (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Cândido Figueiredo, Vol. I, 16.ª Edição, pág. 1143) "cuidado escrupuloso" (Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2009, pág. 688), "precisão" (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, www.priberam.pt). Neste contexto, atento o actual sistema de gravação dos depoimentos, terá que se concluir que a indicação "com exactidão [d]as passagens da gravação em que se funda" concretiza-se mencionando, no mínimo, o minuto em que cada uma de tais "passagens" tem o seu início. A parte, se "assim o quiser", para além disso poderá também, não porque esteja obrigada, mas porque nisso vê alguma utilidade, "proceder (…) à (…) transcrição" das "passagens" que considera importantes. Portanto, a "transcrição" das "passagens" não constitui, de todo, uma alternativa à indicação "com exactidão [d]as passagens da gravação". E essa indicação "com exactidão [d]as passagens" também não se pode ter por feita quando somente se menciona a hora de início e do fim de cada depoimento. Esta exigência visa, principalmente no caso dos depoimentos longos, permitir ouvir, fácil e rapidamente, "as passagens da gravação em que se funda" a impugnação de forma a, num primeiro momento, se avaliar se tais "passagens" são, por si só, idóneas a delas se extrair conclusão diversa da extraída pelo tribunal a quo, sem prejuízo de, em caso afirmativo, depois ter que se ir para lá desses trechos, pois só assim se poderá formular um juízo definitivo. E ao obrigar o recorrente a, neste aspecto, melhor fundamentar o seu recurso, pretende-se evitar o uso abusivo e injustificado da faculdade de impugnar a decisão relativa à matéria de facto”. Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/2/2014, Proc. nº 26/10.6TTBRR.L1-4, acessível in www.dgsi.pt.: “A recente posição do legislador do Código de Processo Civil de 2013, mantendo e reforçando tais ónus e cominações no seu art. 640.º, evidencia a desconformidade relativamente à lei, quer no seu elemento literal, quer no sistemático, quer no histórico-actualista, de interpretações complacentes e facilitistas, que degeneram em violação do princípio da igualdade das partes (ao não tratar diferentemente o cumprimento ostensivamente defeituoso da lei adjectiva), do princípio do contraditório (por impor à parte contrária um esforço excessivo e não previsto na tarefa de defesa, imputável ao transgressor) e do princípio da colaboração com o tribunal (por razões análogas, mas reportadas ao julgador).” No caso presente, as apelantes, pretendendo a alteração de dois concretos pontos da matéria de facto e invocando, para tal, a prova testemunhal oferecida, não só não indicam com exatidão as passagens da gravação em que fundamentam a sua pretensão, como nem sequer se reportam a momentos certos dos seus depoimentos, nem fazem qualquer transcrição, limitando-se a dizer que as referidas testemunhas apenas tinham conhecimento dos factos por consulta dos dossiers existentes na ré. Tal é insuficiente para a pretendida alteração da matéria de facto, implicando o incumprimento do ónus supra referido, a imediata rejeição do recurso na parte atinente à impugnação da matéria de facto. Veja-se, ainda, que os documentos referidos nas alegações, tendo sido considerados na motivação da decisão de facto, em nada contribuem para a alteração pretendida. Um deles é a declaração para efeitos fiscais, emitida pela ré, reportada ao ano de 2008 e que apenas prova a entrega por parte do falecido do valor de € 502,00 (valor que ficou a constar do n.º 11 dos factos provados) e o outro é a resposta da ré à carta enviada pelas autoras a pedir o resgate da apólice, em que se limita a pedir documentos necessários para instruir o processo de pedido de reembolso. Quanto às Condições Gerais da Apólice juntas com a contestação, o facto de as mesmas não se encontrarem assinadas pelo tomador do seguro, não tem qualquer relevância em sede da matéria de facto, não só porque, o que é usualmente assinado é a proposta de seguro e esta encontra-se assinada, como porque as apelantes nenhumas ilações tiram daquele facto. Cabendo, aliás, às autoras a prova de outras entregas de dinheiro em anos sucessivos, poderiam tê-lo feito através da junção de documentos semelhantes ao documento n.º 3 junto com a petição inicial (declaração para efeitos fiscais) relativos aos anos subsequentes, ou de qualquer outra prova, como cópias de cheques ou transferências bancárias, ou recibos da seguradora, o que nada foi feito. Não há, assim, qualquer motivo para se alterar o decidido quanto à matéria de facto. A questão jurídica que cumpre analisar é a de saber quem tem direito ao montante devido pelo resgate da apólice em causa, sabendo-se que o tomador do seguro havia sido declarado insolvente por sentença datada de 23/11/2010 e faleceu em 15/12/2010: as suas filhas, como suas herdeiras (indicadas na apólice como beneficiárias em caso de morte) ou a massa insolvente. Nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 1 do CIRE “A massa insolvente…, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”. Quando se refere todo o património do devedor, tem-se em vista “todos os bens e direitos que tenham alcance patrimonial e sejam conversíveis em dinheiro (…) Excluem-se da massa insolvente os direitos de natureza não patrimonial, como os direitos de personalidade, bem como os direitos de natureza patrimonial caracterizados pela impenhorabilidade absoluta e os bens isentos de penhora” – Luís M. Martins, Processo de Insolvência, 2.ª edição, pág. 166. É que o processo de insolvência é um processo de execução universal, que tem como objeto apreender todo o património do insolvente, liquidá-lo e repartir o produto pelos credores, sendo que todo o património do devedor fica à disposição da generalidade dos credores Veja-se o Ac. do STJ de 30/06/2011, no proc. 191/08.2TBSJM – H.P1.S1, in www.dgsi.pt, onde, a propósito da apreensão do vencimento do insolvente, se diz, de forma bastante assertiva: «A verdade, porém, é que o legislador pronunciou-se expressamente sobre a questão e em termos que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não permitem dúvidas de qual fosse a sua vontade. Com efeito, o art.º 46º nº 1 do CIRE estabelece que a massa insolvente abarca todo o património do devedor à data da declaração da insolvência e todos os bens adquiridos na pendência do processo. O seu nº 2 ressalva os bens impenhoráveis, os quais só integrarão essa massa por vontade do insolvente e se a impenhorabilidade não for absoluta. O que significa que os bens penhoráveis integram a massa insolvente. Ora, a parte penhorável de um vencimento não é um bem relativamente impenhorável. É um bem penhorável. A qualificação de um bem como relativamente impenhorável não resulta apenas da natureza do mesmo bem, como pretende a Relação, mas desta conjugada com uma sua quota. Daqui decorre que, atendendo a que a impenhorabilidade relativa de um vencimento é de 2 terços – art.º 824º nº 1 do C. P. Civil – é a esta parte que se refere o nº 2 do citado art.º 46º. E só integrará a massa insolvente se o insolvente quiser. O restante é um bem penhorável que deve obrigatoriamente fazer parte da referida massa, conforme o nº 1 do art.º 46º. Aliás, é esclarecedora a expressão utilizada pelo legislador a fazer a dita ressalva no citado nº 2: “os bens isentos de penhora”». Na doutrina, Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2009, pág. 340), pronunciam-se com clareza no sentido da apreensão dos rendimentos obtidos na pendência do processo, para a massa, com salvaguarda dos impenhoráveis; e L. M. Teles de Menezes Leitão, (Direito da Insolvência, Almedina, Janeiro 2009, pág. 203 e Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2012, em anotação ao art. 46º, pg.94), entende que acima dos valores considerados impenhoráveis pelo artigo 824.º do CPC, os bens ou rendimentos que sejam adquiridos pelo devedor, nele expressamente incluindo a parte da remuneração do trabalhador que não seja impenhorável, entram para a massa insolvente. Vários arestos, no entanto, têm sido contrários a esta ideia da apreensão do vencimento ou da parte penhorável do vencimento para a massa insolvente. Damos conta, por todos, e com vasta indicação jurisprudencial, do Acórdão da Relação do Porto de 05/03/2013, processo n.º 654/12.5TBESP-D.P1, in www.dgsi.pt. Acontece que, no nosso caso, não está em questão a parte penhorável do vencimento do insolvente, mas sim um seguro por ele efetuado e o seu valor de reembolso. Ora, um PPR, pode ser penhorado a qualquer momento, sendo depositado o valor de resgate do mesmo, ainda que em momento anterior à data da sua duração contratualmente fixada, pois, para além dos casos normais de reembolso do valor dos planos de poupança previstos no n.º 1 do artigo 4º do DL n.º 158/2002 de 02/07, é também possível exigir-se o reembolso do valor de um PPR a qualquer tempo, apenas com consequências a nível fiscal, conforme decorre do n.º 5 do citado artigo 4º. Assim, sendo possível resgatar um PPR nos termos expostos e com um valor certo, é também possível a penhora, num dado momento, desse mesmo PPR, pelo valor que o mesmo teria caso fosse resgatado pelo seu tomador. Ora, tendo em conta a possibilidade de penhora de um PPR e o que dispõem aqueles artigos 1.º e 46.º do CIRE, parece não restarem dúvidas quanto ao facto de o valor de resgate do mesmo pertencer à massa insolvente, o que determina a improcedência do recurso das apelantes. Sumário: 1 - O não cumprimento por parte da apelante do disposto no artigo 640, n.º 1 b) e n.º 2 a) do Código de Processo Civil, implica, nos termos desse mesmo artigo, a imediata rejeição do recurso na parte respetiva. 2 – O valor de resgate de um Plano Poupança Reforma (PPR) é penhorável a qualquer momento, apenas nele influindo as consequências a nível fiscal do resgate antecipado. 3 – Fazendo parte do património penhorável do insolvente, aquele valor de reembolso deve ser apreendido para a massa insolvente. III. DECISÃO Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelas apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam. Guimarães, 18 de junho de 2015 Ana Cristina Duarte Fernando Fernandes Freitas Maria Purificação Carvalho |