Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ESPINHEIRA BALTAR | ||
Descritores: | CONTRATO NULIDADE PARCIAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/10/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. Um contrato divisível, parcialmente nulo, não afecta a globalidade do contrato se se não provar que não seria concluído sem a parte viciada (artigo 292 do Civil). 2. A ré, enquanto instituição de crédito, ao elaborar um documento que titule uma operação financeira, é responsável, civilmente, pela falsificação de uma assinatura de um dos intervenientes, porquanto violou regras de segurança no controle das assinaturas, o que lhe é censurável. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães José A e Maria F intentaram contra Caixa E, Electrodomésticos P (EPI), José M e Maria F a presente acção declarativa sob a forma ordinária, na qual pedem: que se declare nulo e sem qualquer efeito o contrato de mútuo referido no artigo 22.º da Petição Inicial; caso assim não se entenda, que se declare nula e sem qualquer efeito a fiança dos Autores; que, em qualquer dos casos, sejam condenados solidariamente os Réus a pagar a cada um dos Autores a quantia de € 10.000,00, a título de danos morais; que sejam solidariamente condenados os Réus a pagar a indemnização por perdas e danos que se vier a liquidar em execução de sentença. Alegam, em síntese, que: - A Ré “Electrodomésticos P”, é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, que opera na área das telecomunicações, da qual o Réu José M é sócio gerente e representante legal; - A referida Ré, para fazer face a encargos oriundos do exercício da sua actividade profissional, necessitou de obter um financiamento e procurou-o junto da Caixa E; - Assim, mediante a outorga de um contrato de mútuo, a Ré “EPI” obteve da Caixa E um empréstimo num valor que rondava os € 80 000,00; - Todavia, a Ré “EPI”, logo após os primeiros meses de vigência do contrato deixou de pagar as contraprestações mensais a que se vinculou, não tendo condições económicas que lhe possibilitassem a retoma desses pagamentos; - Pelo que a Ré Caixa E, para renegociar o empréstimo concedido, exigiu-lhe uma fiança capaz de garantir a quantia mutuada; - Então, a Ré “EPI”, através do seu sócio gerente, o Réu José M, em Maio de 2007, solicitou ao Autor marido, que aceitasse assumir a qualidade fiador no referido contrato; - O autor marido, irmão da Ré Maria F, tendo em conta as relações familiares que os unia, anuiu à pretensão, mas com a condição de a Autora sua mulher não entrar na fiança; - E, reiterando a condição de só ele, Autor marido, desacompanhado da sua mulher, assumir o cumprimento da obrigação caso a devedora não cumprisse, prontificou-se a assinar a fiança; - Assim, o Réu José M entregou ao Autor a minuta do contrato em que figurava como mutuante a Ré Caixa E, como mutuária a Ré EPI e como fiadores os Réus José M e mulher, Maria R, e ele próprio, José A; - Tendo ele aposto a sua assinatura na última página do contrato, no lugar destinado ao fiador, rubricado as demais folhas do mesmo e, de seguida, devolvido o documento, não figurando o nome da sua mulher, a autora Maria de F nessa minuta do documento que assinou; - Em meados de Abril de 2008, os Autores receberam uma notificação vinda dos serviços jurídicos da Ré Caixa E, referenciando o contrato n.º 312-32-00000-9, dando-lhes conta que iria ser intentada uma acção judicial para recuperar os créditos devidos pelo seu incumprimento; - Então, o Autor marido dirigiu-se ao Caixa E agência de Vila Verde e foi-lhe apresentado um contrato que não era aquele que ele havia assinado, pois que no contrato que lhe estava a ser exibido figuravam como fiadores ele próprio e a sua mulher; - Esse contrato não foi assinado pelo Autor ou pela Autora, não sendo do punho desta a assinatura aposta no lugar destinado à fiança da Autora nem as rubricas apostas no canto superior das folhas do contrato; - Também não são do punho do Autor as rúbricas apostas no canto superior direito das páginas um e três do contrato; - O Autor marido não acederia em ser fiador da Ré “EPI” caso soubesse que a sua mulher, a Autora Maria F, intervinha na fiança, o que era do conhecimento dos demais Réus; - Que também sabiam, incluindo a entidade bancária, que a assinatura e rubricas referentes à Autora mulher não eram do seu punho, assim como as rubricas apostas nas folhas um e três do contrato como pertencendo ao autor marido, também, não tinham, sido feitas pelo Autor; - A Ré “EPI” não cumpriu com os pagamentos a que se terá vinculado no contrato junto aos autos, o que motivou a comunicação do incumprimento contratual ao Banco de Portugal; - Figurando os Autores como fiadores no contrato em mérito, também eles, para o Banco de Portugal, são tidos como numa situação de mora contratual e figuram na listagem de incidentes bancários, facto que traz prejuízos e incómodos aos autores; - O Autor marido é bancário de profissão, funcionário da Caixa G, com uma carreira de mais de 20 (vinte) anos, não tendo até à data qualquer actuação em seu desabono, o que faz dele um funcionário de elevado porte, com rectidão de carácter, muito bem conceituado e reputado; - A Autora mulher é titular de quotas em quatro sociedades, denominadas “A. R. e M. F. A, Lda.”, “P – Comércio de Automóveis, Lda.”, “Ginásio R, Lda.” e “O – Academia de Manutenção Física e Musculação, Lda.”; - No exercício da actividade comercial dessas sociedades é necessário o recurso ao crédito bancário; - A sociedade “A. R. e M. F. A., Lda.”, tem por objecto a indústria de construção civil, empreitadas de obras públicas, compra e venda de bens imóveis e actividade de promoção imobiliária, a qual exige avultados investimentos e o recurso ao crédito bancário, o que, em face da situação de incumprimento em que a Autora está, por causa do contrato em mérito, lhe é de todo impossível; - Por via disso, esta sociedade está no momento sem obras em curso, não pode dar início a obras que tinha preparadas para arrancar e viu-se na necessidade de mandar suspender projectos em fase de aprovação e viu ser-lhe reduzida uma conta caucionada de € 250.000,00 para € 100.000,00; - À sociedade “P – Comércio de Automóveis, Lda.”, foi exigido pelo Banco B um reforço de garantias às responsabilidades existentes em seu nome, efectuado pela entrega em penhora da quantia de € 40.000,00; - Todas as aludidas sociedades são pequenas e médias empresas e estão impedidas de concorrer aos apoios e incentivos estatais disponibilizados para PMES, dado que um dos requisitos para tal é o de os seus titulares não terem registados incidentes de mora junto do Banco de Portugal; - Os Autores são pessoas de elevadíssima estrutura moral, que honram os compromissos assumidos, considerados por todos aqueles que são das suas relações pessoais e profissionais e por todos aqueles que os conhecem; - Em virtude dos factos relatados na Petição Inicial, os Autores têm passado por um estado de ansiedade, tendo ficado profundamente abatidos em termos psicológicos. A Ré Caixa E contestou, impugnando parcialmente os factos alegados na Petição Inicial. * Os Autores replicaram, impugnando a matéria alegada na Contestação. * Por despacho de fls. 459 e 460 foi julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente à Ré Maria Fernanda Domingues Rodrigues, em virtude do trânsito em julgado da sentença que declarou a sua insolvência. * Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal. Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “Nestes termos e face ao exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência: a) Declaro nulo e sem qualquer efeito o contrato de referido no artigo 22.º da Petição Inicial; b) Condeno solidariamente os Réus, Caixa E, EPI, Lda., e José M a pagar à Autora, Maria F, a quantia de € 7.500,00; c) Absolvo os Réus do restante peticionado. Inconformada com o decidido a ré Caixa E interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso interposto da decisão do Mmo Juiz a quo que declarou nulo e sem qualquer efeito o contrato de mútuo em causa nos autos e condenou solidariamente os Réus a pagar à Autora a quantia de € 7.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. II. Salvo o devido respeito, que é muito, a douta sentença recorrida padece de patente erro no que concerne à subsunção dos factos (provados) ao direito, sofrendo ainda de nulidade por falta de fundamentação porquanto não especifica os elementos de facto e de direito que justificam a decisão que declara, sem mais, a nulidade do contrato de mútuo. III. Assim, com interesse para uma boa decisão da causa importa reter a seguinte factualidade dada como não provada: a. - Que, a A. mulher não figurasse na minuta de documento que assinou - vide quesito 7,º da base instrutória b. - Que, as rubricas, apostas no sobredito documento não fossem feitas pelos AA. - ut. artigos 14.º e 15.º da base instrutória. c. - Que, o Réu, ora Recorrente, soubesse ou conhecesse de qualquer falsidade das assinaturas apostas. IV. Dando como estabilizado que a assinatura aposta no documento/contrato sub judice não foi feita pelo punho da A. mulher, a verdade é que, tal como resulta do acervo fáctico trazido aos autos, a existir falsidade daquela assinatura sempre a Recorrente a desconheceu. V. Donde, merecer todo o reparo, configurando até violação dos limites da condenação - cfr. Artigo 609.º do C.P.C. - a conclusão vertida na douta sentença recorrida, que aponta para a imputação ao Recorrente de uma actuação que "se situou abaixo do cuidado exigível", porquanto não sustentada em qualquer alegação (p.ex. de falsificação grosseira ou equivalente) e prova para o efeito. VI. Do que se infere que ao Recorrente jamais poderá ser imputado qualquer comportamento ilícito, e, por maioria de razão, qualquer comportamento que pudesse ser, na sua totalidade, dominado ou dominável pela sua vontade. VII. Partir da premissa da existência de uma assinatura falsificada para a conclusão da não alegada negligência da sua verificação, representa grave erro de silogismo. Significa a construção de uma convicção que não foi feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, fundamentada e com o devido substrato lógico. VIII. Igual erro de julgamento resulta da consideração, sem mais, da nulidade do contrato dos autos. IX. Com efeito, resulta provado nos autos que a assinatura aposta no contrato não foi feita pelo punho da A. mulher, assim como se mostra assente que tal contrato foi assinado por todos os demais intervenientes naquele contrato. X. A nulidade é figura que fere e acarreta a invalidade dos negócios jurídicos afectados de a) ilegitimidade; b) vício de forma; c) ilicitude da motivação; d) inexistência jurídica; e) falta de seriedade; f) reserva mental; g) vício da causa e h) inidoneidade do objecto. XI. Sucede, no entanto, que, no caso sub judice, a existir nulidade, esta afecta apenas e tão só uma parte do seu conteúdo, a saber, a fiança prestada pela A. mulher e já não todo o restante negócio jurídico, que é não só valido, como também querido pelas restantes contratantes. XII. Estatui o artigo 292.º do C.C. que a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada. XIII. Reduzir um negócio significa assim circunscrever a nulidade de que ele enferma a uma parte do seu conteúdo, ficando a valer a parte restante, o que, in casu, significaria circunscrever a nulidade à prestação da fiança da A. mulher, ficando a valer o alegado mútuo e demais fianças prestadas. XIV. Fiel ao princípio" utile per inutle non vitiatur" o que aquele normativo consagra é o princípio da redução tendo como excepção a invalidade total, a qual terá sempre de resultar de uma indivisibilidade objectiva e subjectiva e mesmo nestes casos, sempre carecendo a parte no negócio que pretenda a invalidade total, de alegar e provar que o negócio não teria sido concluído sem a parte inválida, ou seja, que o negócio só teria sido concluído se pudesse valer na sua globalidade, alegação e prova essas ostensivamente inexistentes nos autos. XV. Donde e em suma, a considerar-se a invalidade (nulidade) da fiança prestada pela A. mulher, sempre a douta sentença a quo deveria ter considerado como válido e legítimo o negócio remanescente (mútuo e demais fianças) e não a consideração da nulidade total de negócio, como erroneamente o faz. XVI. A douta sentença recorrida peca ainda por violação do disposto no artigo 607.º do C.P.C., na medida em que, no que respeita à nulidade decretada, nenhuma fundamentação lhe subjaz. XVII. De facto, dando como assente a falsidade da assinatura da A. mulher, o Mmo. Juiz conclui, sem mais, pela nulidade de um negócio jurídico, sem que se digne referir quais os concretos factos que lhe permitiram extrair essa conclusão e sem que se digne indicar quais as normas jurídicas que o conduziram a uma tal decisão. XVIII. A sentença recorrida assenta, neste particular segmento, no total vazio da fundamentação, em violação expressa do disposto no artigo 607.º, n,º 4 do C.P.C., encerrando, assim, uma nulidade nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 615.º do CPC. XIX. Violou assim o Mmo. Juiz a quo o disposto no artigo 292.º do Código Civil e ainda o disposto nos artigos 607.º, 609.º e 615.º do C.P.C. TERMOS EM QUE, Revogando-se a douta decisão recorrida, dando provimento ao presente recurso substituindo a sentença proferida por outra que absolva a Recorrente do pedido … Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido. Das conclusões ressaltam as seguintes questões: 1 Se a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito no que tange à declaração de nulidade do contrato de mútuo com fiança – artigo 615 conjugado como o artigo 607 n.º 4 do CPC. 2 Se a falsidade da assinatura de um dos fiadores do contrato de mútuo outorgado gera a nulidade total do contrato. 3 Se há responsabilidade da apelante na falsificação da assinatura do contrato de mútuo com fiança no que tange a um dos fiadores. Foi dada como provada e não provada a seguinte matéria de facto: a) Factos provados. 1- A Ré “EPI, Lda.”, é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, que opera na área das telecomunicações – Cfr., a alínea A) dos Factos Assentes. 2- Da qual o Réu José M é sócio gerente e seu representante legal – Cfr., a alínea B) dos Factos Assentes. 3- A Ré sociedade para fazer face a encargos oriundos do exercício da sua actividade profissional necessitou de obter um financiamento e procurou-o junto da Caixa E – Cfr., a alínea C) dos Factos Assentes. 4- Mediante a outorga de um contrato de mútuo, a Ré “EPI” obteve da Caixa E um empréstimo num valor que rondava os € 80 000,00 (oitenta mil euros) – Cfr., a alínea D) dos Factos Assentes. 5- A Ré “EPI”, na qualidade de mutuária, logo após os primeiros meses de vigência do contrato deixou de pagar as contraprestações mensais a que se vinculou – Cfr., a alínea E) dos Factos Assentes. 6- Não tinha condições económicas que lhe possibilitassem a retoma desses pagamentos – Cfr., a alínea F) dos Factos Assentes. 7- A Ré Caixa E, para renegociar o empréstimo concedido, desta feita exigiu-lhe uma fiança capaz de garantir a quantia mutuada – Cfr., a alínea G) dos Factos Assentes. 8- A Ré EPI, através do seu sócio gerente, o Réu José M, em Maio de 2007, solicitou ao Autor marido, que aceitasse assumir a qualidade fiador no referido contrato – Cfr., quesito 1.º da Base Instrutória. 9- O Autor marido, irmão da Ré Maria R, tendo em conta as relações familiares que os unia, anuiu à pretensão, mas com a condição de a Autora sua mulher não entrar na fiança – Cfr., quesito 2.º da Base Instrutória. 10- Reiterando a condição de só ele, Autor marido, desacompanhado da sua mulher assumir o cumprimento da obrigação, caso a devedora não cumprisse, prontificou-se a assinar a fiança – Cfr., quesito 3.º da Base Instrutória. 11- Posteriormente, o Réu José M entregou-lhe a minuta do contrato em que figurava como mutuante a Ré Caixa E, como mutuária a Ré EPI e como fiadores os Réus José M e mulher Maria R, e ele próprio José A – Cfr., quesito 4.º da Base Instrutória. 12- Tendo ele aposto a sua assinatura na última página do contrato, no lugar destinado ao fiador, rubricado as demais folhas do mesmo e, de seguida, devolvido o documento – Cfr., quesitos 5.º e 6.º da Base Instrutória. 13- A Ré mutuária não cumpriu com os pagamentos a que se terá vinculado no contrato junto aos autos – Cfr., a alínea H) dos Factos Assentes. 14- O que motivou a comunicação do incumprimento contratual ao Banco de Portugal – Cfr., a alínea I) dos Factos Assentes. 15- O Autor marido dirigiu-se à Caixa E, agência de Vila Verde, onde lhe foi exibido um contrato no qual figuravam como fiadores ele próprio e a sua mulher – Cfr., quesitos 8.º e 9.º da Base Instrutória. 16- O contrato identificado nos artigos 20º a 26º da petição inicial não foi assinado pela Autora mulher, fosse a que título fosse – Cfr., quesitos 11.º e 12.º da Base Instrutória. 17- A assinatura aposta no lugar destinado à fiança da Autora não é do seu punho – Cfr., quesito 13.º da Base Instrutória. 18- O referido nos pontos 9 e 10 era do conhecimento dos Réus – Cfr., quesito 17.º da Base Instrutória. 19- Figurando os Autores como fiadores no contrato em mérito, também eles, para o Banco de Portugal, são tidos como numa situação de mora contratual e figuram na listagem de incidentes bancários – Cfr., a alínea J) dos Factos Assentes. 20- O facto referido em 19 traz incómodos aos Autores – Cfr., quesito 19.º da Base Instrutória. 21- O Autor marido é bancário de profissão, funcionário da Caixa G, com uma carreira de mais de 20 (vinte) anos – Cfr., a alínea K) dos Factos Assentes. 22- O Autor não teve até à data qualquer actuação em seu desabono, o que faz dele um funcionário de elevado porte, com rectidão de carácter, muito bem conceituado e reputado – Cfr., quesito 20.º da Base Instrutória. 23- A Autora mulher era, à data da entrada da acção, titular de quotas em quatro sociedades – Cfr., a alínea L) dos Factos Assentes. 24- Era, nessa data, titular de uma quota com o valor nominal de € 2.500,00 na sociedade por quotas de responsabilidade limitada que usa a denominação social de “A. R. e M. F. A, Lda.”, cujo capital social é de € 5 000,00 – Cfr., a alínea M) dos Factos Assentes. 25- Era titular de uma quota com o valor nominal de € 12.469,94 (doze mil quatrocentos e sessenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos) na sociedade por quotas de responsabilidade limitada que usa a denominação social de “P – Comércio de Automóveis, Lda.”, cujo capital social é de € 24.939,88 – Cfr., a alínea N) dos Factos Assentes. 26- Era titular de uma quota com o valor nominal de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros) na sociedade por quotas de responsabilidade limitada que usa a denominação social de “Ginásio R, Lda.” – Cfr., a alínea O) dos Factos Assentes. 27- Era titular de uma quota com o valor nominal de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) na sociedade por quotas que usa a denominação social “O – Academia de Manutenção Física e Musculação, Lda.”, sociedade por quotas de responsabilidade limitada com sede, com sede na Praça das Fontainhas, nº 49, em Braga – Cfr., a alínea P) dos Factos Assentes. 28- No exercício da actividade comercial das entidades referidas em 24 a 27 é necessário o recurso ao crédito bancário – Cfr., quesito 21.º da Base Instrutória. 29- Predominantemente a sociedade “A. R. e M. F. A, Ldª”, que tem por objecto a indústria de construção civil, empreitadas de obras públicas, compra e venda de bens imóveis e actividade de promoção imobiliária, actividade que exige avultados investimentos e o recurso ao crédito bancário – Cfr., quesito 22.º da Base Instrutória. 30- O que, em face da situação referida em 19, se tornou impossível – Cfr., quesito 23.º da Base Instrutória. 31- Esta sociedade não pôde dar início a obras que tinha preparadas para arrancar e viu-se na necessidade de mandar suspender projectos em fase de aprovação – Cfr., quesito 24.º da Base Instrutória. 32- Viu ser-lhe reduzida uma conta caucionada de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) para € 100.000,00 (cem mil euros – Cfr., quesito 25.º da Base Instrutória. 33- À sociedade “P – Comércio de Automóveis, Lda.”, foi exigido pelo Banco B um reforço de garantias às responsabilidades existentes em seu nome, efectuado pela entrega em penhora da quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) – Cfr., quesito 26.º da Base Instrutória. 34- As sociedades de que a Autora é sócia gerente não puderam concorrer aos apoios e incentivos estatais disponibilizados para PMES em virtude do referido em 19 – Cfr., quesito 27.º da Base Instrutória. 35- Os Autores são pessoas de elevadíssima estrutura moral, que honram os compromissos assumidos, considerados por todos aqueles que são das suas relações pessoais e profissionais e por todos aqueles que os conhecem – Cfr., quesito 29.º da Base Instrutória. 36- Em virtude dos factos supra relatados, os autores têm passado por um estado de ansiedade, tendo ficado profundamente abatidos em termos psicológicos – Cfr., quesito 30.º da Base Instrutória. 37- Em 27.10.2011 foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade “A. R.”. 38- Em 12.03.2009 foi registada a cessação de funções de gerente e a transmissão da quota que a Autora detinha na sociedade “P”. 39- Em 28.02.2013 foi registada a extinção da sociedade “O”. b) Factos não provados. Quesito 7.º da Base Instrutória. Quesito 8.º da Base Instrutória, salvo na parte que resulta do ponto 15 dos Factos Provados. Quesito 10.º da Base Instrutória. Quesitos 11.º e 12.º da Base Instrutória, salvo na parte que resulta do ponto 16 dos Factos Provados. Quesitos 14.º e 15.º da Base Instrutória. Quesito 16.º da Base Instrutória, salvo na parte que resulta dos pontos 9 e 10 dos Factos Provados. Quesito 17.º da Base Instrutória, salvo na parte que resulta do ponto 18 dos Factos Provados. Quesito 18.º da Base Instrutória. Quesito 23.º da Base Instrutória, salvo na parte que resulta do ponto 30 dos Factos Provados. Quesito 24.º da Base Instrutória, salvo na parte que resulta do ponto 31 dos Factos Provados. * Considera-se meramente conclusiva a referência a “prejuízos” constante do quesito 19.º e a matéria do quesito 28.º. Vamos conhecer das questões enunciadas. 1 A apelante suscita a nulidade da sentença por omissão de fundamentação de facto e de direito no que tange à declaração de nulidade do contrato de mútuo com fiança assente na falsificação da assinatura de um dos fiadores, invocando a violação do artigo 607 n.º 4 conjugado com o artigo 615, ambos do CPC. Analisando a decisão recorrida, o tribunal recorrido elencou a matéria de facto provada e não provada e subsumiu-a ao direito aplicável segundo a sua perspectiva. E, ao fazê-lo, julgamos que cumpriu o disposto no artigo 607 n.º 4 do CPC. Na verdade, enunciou as questões a decidir e decidiu-as tendo em conta os princípios e normas jurídicas que considerou aplicáveis a cada uma delas. E, no que tange à falsificação da assinatura de um dos outorgantes, concluiu pela nulidade do contrato em discussão, por violação do disposto no artigo 246 do C.Civil, por falta de “..substrato intelectual e volitivo por parte do declarante aparente – no caso a Autora – a declaração não produz qualquer efeito, ou seja, é nulo..” citando inclusive, doutrina, como seja Pires de Lima e Antunes Varela in Civil anotado Vol. I, 4.ª edição pag. 232 em anotação ao artigo 246 do Civil e A. Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil, II, 4.ª Edição, pag. 826. Assim não violou o dever de fundamentação de facto e de direito. Além disso, esse dever é cumprido desde que haja fundamentação, mesmo que seja deficiente. Só não será cumprido o disposto no artigo 615 n.º 1 al. b) do CPC se houver omissão total de fundamentação, o que não aconteceu no caso. 2 O tribunal recorrido decidiu que a falsificação da assinatura da autora Maria F gerou a nulidade do contrato de mútuo com fiança. A apelante insurge-se contra o decidido argumentando que não se verifica a nulidade e, no caso afirmativo, sendo o contrato em causa divisível, está-se perante uma nulidade parcial do contrato, que não atinge a sua totalidade, uma vez que não foi alegado e provado que o contrato não seria celebrado sem a parte viciada, invocando o disposto no artigo 292 do Civil. Julgamos que a falsificação da assinatura da autora Maria de F implica a falta de declaração negocial e não a divergência entre a declaração e a vontade de acção, como se depreende dos fundamentos invocados na decisão recorrida, ao apoiar-se no disposto no artigo 246 do C Civil. Na verdade, a autora não interveio no negócio na medida em que o não subscreveu, como ficou provado que a assinatura que nele consta não foi aposta pelo seu punho. Daí que não tenha emitido qualquer declaração negocial. E sem declaração não pode haver negócio relativamente à pessoa que não a prestou. Daí que estejamos em presença de inexistência de contrato relativamente à autora e não da sua nulidade. O que quer dizer que o contrato em discussão não produz qualquer efeito relativamente à autora por nele não ter intervindo, sendo vinculativo quantos aos seus intervenientes, ou seja, quanto aqueles que o subscreveram, como o autor marido e todos os réus, incluindo a apelante. Mas mesmo que se entenda que se está perante uma situação de nulidade, como o decidiu o tribunal recorrido, o contrato em causa é divisível. Na verdade, no mesmo documento foram celebrados dois acordos, um referente a um contrato de mútuo entre a apelante e a ré sociedade EPI, Lda. e outro de fiança entre a apelante e os autores e os réus José M e Maria R. Segundo o artigo 292 do C Civil a nulidade parcial de um contrato não afecta a parte não viciada, se não forem alegados e provados factos, por quem tiver interesse na nulidade total, de que o contrato não seria outorgado sem a parte viciada. Este normativo prevê uma presunção de nulidade parcial do negócio ilidível pela prova de que não seria outorgado sem a parte viciada. E esta prova ou ilisão da presunção terá de ser feita por quem tiver interesse na nulidade total do contrato. No caso em apreço, apenas foram provados factos da nulidade parcial do contrato (falsificação da assinatura da autora mulher), pelo que esta nunca atingiria a totalidade do mesmo (Inocêncio Galvão Teles, Manual do Contratos em Geral, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2002, pag. 372 e 373). 3 O tribunal condenou a ré a pagar à autora Maria F a quantia de 7.500€, a título de indemnização por danos morais, por ter violado o seu direito de crédito, com base na responsabilidade extracontratual assente na omissão de controlo devido na outorga do contrato de mútuo, em que permitiu a falsificação de uma assinatura, que não se verificaria se houvesse maior cuidado. A ré insurge-se contra o decidido argumentando que não se provou a imputação da falsificação da assinatura à ré, provou-se que a desconhecia, pelo que não poderia inferir que tivesse um comportamento negligente na forma como foi assinado o documento e controladas as assinaturas dos autores e réus, sem mais factos. O que se discute, neste ponto, é a responsabilização da ré por ter permitido que alguém, que não a autora, tenha subscrito o contrato de mútuo com fiança, pondo em causa o bom nome da autora e o seu direito de crédito, com o incumprimento de um contrato, que não subscreveu, que foi comunicado ao Banco de Portugal pela ré. Estamos perante uma situação em que a ré criou o documento junto a fls. 17 a 24 e 244 a 248 (contrato particular n,º 312/32.000006-9) que corresponde ao contrato de mútuo com fiança em discussão e enveredou pela sua assinatura pelos intervenientes. Documento este em que a assinatura da autora Maria F é forjada, isto é, não é do seu punho. Outrem a apôs sem legitimidade para o fazer. Esta situação não poderia ter acontecido, porque a ré, enquanto produtora do documento, controlou a sua criação e a recolha das respectivas assinaturas. Teve a direcção do facto. A falsificação só se deveu à violação de regras de segurança por parte da ré na feitura do documento. O facto de não se ter provado que a ré foi a autora da falsificação não deixa de ter praticado um acto ilícito enquanto permitiu que tal acontecesse por violação de regras de segurança na elaboração do documento, que depois foi usado, devido ao incumprimento, para o comunicar ao Banco de Portugal, o que afectou o direito de crédito da autora. Este acto é-lhe censurável, enquanto instituição de crédito, que tem o dever acrescido de fabricar documentos genuínos, criadores de confiança no sistema financeiro. Se há uma necessidade de realizar, com celeridade, as operações financeiras, também se impõe uma necessidade de segurança nos documentos que as titulam, de molde a criar confiança nos intervenientes directos, indirectos e no comércio jurídico. E a genuinidade dos documentos, no seu todo, é elemento fundamental de credibilidade e de segurança nas transacções efectuadas. Daí que se imponha às instituições de crédito um cuidado acrescido na elaboração dos documentos que titulam e provam as transacções realizadas, não permitindo, que, na sua génese, se falsifiquem assinaturas. É da sua responsabilidade a conferência presencial, ou por semelhança, da assinatura de todos os intervenientes, porque está na posse de todos os dados indispensáveis para que tal não aconteça. E se tiver dúvidas pode solicitar os dados de identificação que entender para as suprir. O não fazer ou não conferir devidamente a genuinidade das assinaturas é um erro grave para a instituição e que terá de arcar com todas as consequências que daí possam advir. O contrário seria descredibilizar a instituição e o sistema financeiro. Daí que, neste caso, a falsificação da assinatura da autora Maria F seja da responsabilidade da ré apelante enquanto dirigiu todo o processo de elaboração do documento e conferiu as assinaturas nele apostas. Actuou com negligência. Concluindo: 1. Um contrato divisível, parcialmente nulo, não afecta a globalidade do contrato se se não provar que não seria concluído sem a parte viciada (artigo 292 do Civil). 2. A ré, enquanto instituição de crédito, ao elaborar um documento que titule uma operação financeira, é responsável, civilmente, pela falsificação de uma assinatura de um dos intervenientes, porquanto violou regras de segurança no controle das assinaturas, o que lhe é censurável. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente, revogam a decisão recorrida no segmento que declarou nulo a totalidade do contrato, e declaram-no inexistente quanto à autora Maria F e existente relativamente aos outros intervenientes. No restante mantêm a decisão recorrida. Custas pela apelante e apelados na proporção de ½. Guimarães, Apelação 329.09.2TBVVD.G1 – 2ª Acção Ordinária Tribunal Judicial Comarca Braga – Relator Des. Espinheira Baltar Adjuntos Henrique Andrade e Eva Almeida |