Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1631/05-1
Relator: MIGUEZ GARCIA
Descritores: CRIME
ABUSO DE CONFIANÇA
ELEMENTO SUBJECTIVO
DOLO
PEDIDO CÍVEL
ABSOLVIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECLARADA A CONDUTA ATÍPICA E ABSOLVER O ARGUIDO
Sumário: I – O crime de abuso de confiança “ é, segundo a sua essência típica, apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio: é, vistas as coisas por outro prisma, violação da propriedade alheia através de apropriação, sem quebra de posse ou detenção” (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, II, pág. 94), uma definição e que leva já consigo, acentua Costa Andrade, RLJ nºs 3931 e 3932, pág. 315, “ a acção e o resultado típicos da infracção”.
II – O agente apropria-se de coisa móvel alheia por descaminho ou dissipação, como se dizia no domínio do Código de 1886, decidindo já então o Supremo, em jurisprudência uniforme, que o crime se consumava quando o agente, que recebera, por título lícito não translativo da propriedade, dinheiro ou coisa móvel para lhes dar determinado destino, deles se apropria, passando a agir “animo domini”.
III – E já então igualmente se reclamava que “a inversão do título carece de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores de que o agente já está a dispor da coisa como se dono fosse” (Maia Gonçalves. Código Penal Português. 3ª ed., 1977. pág. 775), necessidade que a doutrina estrangeira não deixa igualmente de acentuar, já que a simples decisão que permanece no íntimo não responde à ilegítima apropriação de coisa móvel que ao agente foi entregue, tornando-se necessária uma manifestação externa, reconhecível de fora, uma “indizielle Publizität” (cf. M-Schroeder. apud Eser, Strafrecht IV, pág. 383, e 1997, pág. 472).
IV – Apropriação significa assim a intenção, “manifestada através de um comportamento que a realiza ou executa, de passar a dispor da coisa como própria, comportando-se em relação a ela uti dominus” (Costa Andrade) ou, como ensinava o Prof. Eduardo Correia (”O efeito da entrega como elemento constitutivo do crime de abuso de confiança”, RDES, ano VII (1954), pág. 57; e Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 93°, pág. 35), “porque o agente já detém a coisa por efeito da entrega, a apropriação há-de radicar-se, eminentemente, numa certa intenção, numa certa atitude subjectiva nova, o dispor da coisa como própria, a intenção de se comportar relativamente a ela como proprietário, uti dominus”.
V - Exige-se porém que o animus se exteriorize, através de um comportamento que o revele e execute.
VI – No que agora interessa, essa disposição do agente se apropriar da coisa que recebeu por título não translativo da propriedade pode ser revelada por um conduta externa incompatível com a vontade de restituir ou de dar o destino certo à coisa: “venda, desvio, ocultação ou negativa expressa de não devolvê-Ia a quem de direito, na expressão de Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, Parte Especial, vol. 2, 17ª ed., p.286.
VII – No entanto, a sentença o que deu corno provado e que o arguido, que recebeu aquelas coisas por título não translativo da propriedade, as não devolveu, e daí infere-se, mas de forma incorrecta e meramente conclusiva, que ele se apropriou e as fez suas, o que não pode aceitar-se, pois da simples não devolução não se retira a disposição de consumar o crime, apropriando-se o agente da coisa.
VIII – Uma das atitudes onde se manifesta claramente a correspondente intenção é a recusa de restituição, entendida como implicando a vontade de se comportar o agente como proprietário, mas verifica-se que a sentença não desmonta consistentemente qualquer atitude desse género e, o que é pior, limita-se a seguir de princípio a fim a infeliz redacção da peça acusatória, que já enveredara por idêntica simplificação.
IX – Não se podendo concluir que o arguido se apropriou do que recebera para determinado fim, falta um dos elementos típicos do crime do artigo 205°, n° 1, do Código Penal, terá de declarar-se a conduta atípica, tendo, por isso, o arguido de ser absolvido da acusação, o que determina igualmente a absolvição do pedido de indemnização, por não revelarem os autos a existência de danos ocasionados por um crime (artigo 74°, n° 1, do CPP).
X – Na verdade, se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377°, nº 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, que aqui se não verifica, ainda que no limite se possa vir a detectar um enriquecimento sem causa, tal como decorre do assento n° 7/99. de 17 de Junho de 1999, publicado no DR I série-A de 3 de Agosto de 1 999.
Decisão Texto Integral: Acordam em audiência no Tribunal da Relação de Guimarães

"A" foi julgado no Tribunal Judicial de Braga e condenado, por sentença de 12 de Maio de 2005, pela autoria de um crime de abuso de confiança do artigo 205º, nº 1, do Código Penal, na pena de cem dias de multa à taxa diária de 4 euros e a pagar à demandante "B" a quantia de 1072,42 euros de indemnização, para o que foram determinantes os seguintes factos, resultantes do julgamento:
1. Desde o dia 1 de Junho de 2002 até Outubro de 2002, o arguido foi funcionário da ofendida "B", do ramo da publicidade e comunicação, recebendo um ordenado base e comissões consoante as vendas que efectuasse.
2. Apenas para desempenho de tais funções, a ofendida atribuiu ao arguido, entre outros, os seguintes bens e equipamentos: a) uma máquina fotográfica digital da marca Olympus, no valor de 748,20 euros; b) um telemóvel da marca Nokia, no valor de 99,76 euros; dois cartões da marca Vodafone, no valor de 99,76 euros; catálogos de venda e mostruários, no valor de 124,70 euros.
3. Estes bens foram-lhe entregues aquando da celebração do contrato de trabalho, em 1 de Junho de 2002, juntamente com uma viatura da marca Opel, de matrícula 97-18-BC.
4. No dia 3 de Outubro de 2002, sem aviso prévio, o arguido deixou de comparecer na empresa, restituindo apenas a viatura e apropriando-se dos restantes bens que jamais devolveu.
5. Ao fazer seus e utilizar em próprio benefícios referidos bens, sabia o arguido que os mesmos lhe não pertenciam e que apenas lhe haviam sido entregues em razão das funções por si exercidas.
6. Sabia também que actuava contra a vontade do legítimo dono e que causava à ofendida um prejuízo patrimonial em montante equivalente àquele com o que se locupletou, propósito que, de resto, quis e logrou concretizar.
7. Agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei.
8. O arguido não tem antecedentes criminais.
9. Frequenta um curso de formação profissional na área do tratamento de águas residuais, que lhe dará escolaridade equivalente à do 9º ano.
10. Recebe uma bolsa de formação de valor igual ao do salário mínimo nacional.
11. É solteiro e vive com os pais e um irmão.

Vem interposto recurso pelo arguido "A", por discordar do que se deu como provado nos pontos 2 a 7, reclamando a sua absolvição, inclusive do pedido de indemnização.
Na resposta, o MP sustenta que o recurso não merece provimento, sendo idêntica a posição do Ex.mo Procurador Geral Adjunto.

Colhidos os “vistos” legais, procedeu-se à audiência a que se refere o artigo 423º do Código de Processo Penal, com observância do formalismo respectivo.

No caso, as declarações orais produzidas em audiência foram gravadas e estão transcritas, pelo que, sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser modificada, se a prova tiver sido impugnada nos termos nos termos do artigo 412º, nº 3 (artigo 431º, alínea b), do CPP), o que demanda a especificação dos pontos de factos que o recorrente considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida.
No recurso, sem se aludir a qualquer dos indicados preceitos legais, vem impugnado o que se deu como provado sob os nºs 2, 3, 4, 5, 6 e 7.
No que respeita à matéria dos nºs 2 e 3:

“Apenas para desempenho de tais funções, a ofendida atribuiu ao arguido, entre outros, os seguintes bens e equipamentos: a) uma máquina fotográfica digital da marca Olympus, no valor de 748,20 euros; b) um telemóvel da marca Nokia, no valor de 99,76 euros; dois cartões da marca Vodafone, no valor de 99,76 euros; catálogos de venda e mostruários, no valor de 124,70 euros; estes bens foram-lhe entregues aquando da celebração do contrato de trabalho, em 1 de Junho de 2002, juntamente com uma viatura da marca Opel, de matrícula 97-18-BC”,

o recorrente recenseia declarações de Diana F... (“não foi entregue ao "A" uma máquina fotográfica”; “quem usava a máquina eram os sócios…mas tinha que pedir autorização a eles”; “"A" utilizava a máquina mas ligava com eles e perguntava se podia utilizar a máquina e eles entregavam a máquina ao "A"”; “ao final da tarde entregava a máquina e ela ficava nas instalações da firma”; “não levava a máquina fotográfica para casa”; “não foi entregue nenhum telemóvel ao "A" ele usava o cartão no telemóvel próprio”; “não lhe foi entregue um telemóvel porque eu estava presente”). Entende o recorrente que esta testemunha teve conhecimento directo e trabalhou conjuntamente com o arguido e na empresa ora ofendida; para além do arguido e dos representantes da ofendida era a única que tinha conhecimento directo de todos os factos aqui em discussão. Tem o recorrente por claramente demonstrado que para o desempenho do arguido apenas e só lhe foi entregue um cartão Vodafone e dois catálogos.
Ademais, o recorrente tem as próprias declarações dos sócios-gerentes da ofendida por “incoerentes e vagos” e “com uma memória assaz parcial”. Recenseia declarações de João C... (“não posso precisar se fui eu ou alguns dos meus sócios a entregar a máquina fotográfica, a máquina estava na empresa”) e de João P..., que entende entrar em contradição (“a entrega dos bens foi feita pelo sócio Carlos”; “não sei quem eventualmente possa ter entregue a máquina”.
Relativamente aos restantes pontos 4, 5, 6 e 7:

“No dia 3 de Outubro de 2002, sem aviso prévio, o arguido deixou de comparecer na empresa, restituindo apenas a viatura e apropriando-se dos restantes bens que jamais devolveu; ao fazer seus e utilizar em próprio benefícios referidos bens, sabia o arguido que os mesmos lhe não pertenciam e que apenas lhe haviam sido entregues em razão das funções por si exercidas; sabia também que actuava contra a vontade do legítimo dono e que causava à ofendida um prejuízo patrimonial em montante equivalente àquele com o que se locupletou, propósito que, de resto, quis e logrou concretizar; agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei”,

afirma não ser verdade que o arguido deixou a empresa sem aviso prévio, apropriando-se dos bens constantes da acusação, com excepção do cartão Vodafone que manteve em seu poder à espera que o contactassem.
Invoca declarações suas “claras e concisas” (“apenas me deram um cartão Vodafone que foi metido no meu telemóvel”; “os catálogos foram devolvidos com a viatura”; “deixei de trabalhar para a "B" no princípio de Outubro”; “saí porque me deviam dois meses de ordenado”; “fiquei com o cartão para que me contactassem e caso pagassem o que estava em atraso reiniciar o trabalho”; “nunca tive a intenção para mim pois já tinha cartão pessoal”; “havia alturas em que havia muito trabalho e pediam-me a mim para tirar fotografias”; “foi a pedido deles não cheguei lá e peguei na máquina”; “só os sócios é que tinham acesso à máquina”; “depois de utilizar a máquina duas ou três vezes devolvi-a”. E remete para declarações da testemunha Diana F... (“trabalhei na "B" ao mesmo tempo que o "A" e quando saí de lá a máquina estava no interior das instalações do escritório”: É de parecer que as testemunhas Óscar P... e Rui F... “não tinham conhecimento directo da situação”, o que retira de declarações proferidas (“não vi entregar os bens em causa pois não pertencia à empresa”; “isto foi-me transmitido pelo meu irmão”; “sei por ouvir dizer”.
Ora, o Tribunal, na sua motivação, disse expressamente que “a versão apresentada pelo arguido de que, por um lado, nunca teve a disponibilidade do uso da máquina fotográfica e do telemóvel, confirmando apenas a utilização do veículo e de um cartão Vodafone, não logrou infirmar a demais prova produzida, porquanto, se apresentou comprometida, incongruente e contraditória. Efectivamente, quer o arguido, quer a testemunha Diana F... que veio suportar a sua defesa, apresentaram, ao longo das suas declarações, versões contraditórias e incongruentes, de todo comprometidas com a posição assumida pelo arguido, o qual chegou a admitir ter conservado em seu poder o veículo e um cartão telemóvel porque não lhe haviam sido pagos os seus salários, o que não logrou convencer o tribunal pela sua falta de objectividade”.
Acontece, além disso, que “o tribunal contou com os depoimentos dos sócios gerentes da "B", José C... e João P..., os quais se afiguraram seguros, verdadeiros e credíveis, em total correspondência, aliás, com as mais elementares regras da razoabilidade, experiência e senso comum”, sendo certo que em matéria fáctica relevam as regras da experiência e a livre convicção (princípio da livre apreciação da prova), “salvo quando a lei dispuser diferentemente” (artigo 127º). Elemento decisivo é, neste contexto, a convicção pessoal do juiz sobre a culpabilidade ou não culpabilidade do arguido (artigo 368º, nº 2).
Por regra, a lei não impõe uma valoração vinculada de determinadas provas, sendo o juiz livre na sua apreciação, ainda que se encontre obrigado a justificá-la.
Nem o regime actual considera como predominante qualquer elemento de prova.
De modo que uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, esgotando, inclusivamente, a apreciação do material probatório apresentado no decurso da audiência e submetido às regras da contrariedade (artigo 327º, nº 2). As provas, quer se trate de prova representativa ou indiciária, têm em comum os mesmos critérios normativos da reconstrução do facto: em ambos os casos, a imputação deverá ser confirmada ou negada pelas provas, consideradas analiticamente e nas suas possíveis combinações. A convicção judicial pode basear-se em indícios, nas declarações do próprio arguido ou no depoimento de uma testemunha, independentemente dos argumentos ou razões apresentados em sentido contrário. O julgador não tem que preferir o depoimento da testemunha ajuramentada ao do declarante que não o foi; pode mesmo fundar o seu juízo no mérito das declarações do ofendido, ainda que contrastando com as das várias testemunhas apresentadas pelo assistente.
As provas em que o Tribunal recorrido se baseou não são proibidas, decorrem de uma legítima actividade probatória, por não existir nesta área um sistema legal ou tarifado de valoração da prova. Por outro lado, não compete ao Tribunal de recurso entrar onde se ponha em causa o princípio da livre convicção — a livre apreciação das provas— sob pena de subverter toda a valoração da prova de que se ocupou o Tribunal recorrido. Ao invés de censurar a decisão, acabaria o tribunal de recurso “por proceder a um juízo, mas com inversão das regras da audiência de julgamento, ou então, numa espécie de juízo por parâmetros” (Damião da Cunha).
Não há, por isso, que introduzir na sentença qualquer intervenção correctiva do tipo requerido pelo arguido.

A condenação, todavia, não pode subsistir, mas por outras razões, concretamente, por nos parecer que não se encontram provados todos os elementos típicos do crime em apreço. O crime de abuso de confiança “é, segundo a sua essência típica, apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio; é, vistas as coisas por outro prisma, violação da propriedade alheia através de apropriação, sem quebra de posse ou detenção” (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, II, pág. 94). Uma definição que leva já consigo, acentua Costa Andrade, RLJ nºs 3931 e 3932, pág. 315, “a acção e o resultado típicos da infracção”. O agente apropria-se de coisa móvel alheia por descaminho ou dissipação, como se dizia no domínio do Código de 1886, decidindo já então o Supremo, em jurisprudência uniforme, que o crime se consumava quando o agente, que recebera, por título lícito não translativo de propriedade, dinheiro ou coisa móvel, para lhes dar determinado destino, deles se apropria, passando a agir animo domini. E já então igualmente se reclamava que “a inversão do título carece de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores de que o agente já está a dispor da coisa como se dono fosse” (Maia Gonçalves, Código Penal Português, 3ª ed., 1977, pág. 775), necessidade que a doutrina estrangeira não deixa igualmente de acentuar, já que a simples decisão que permanece no íntimo não corresponde à ilegítima apropriação de coisa móvel que ao agente foi entregue, tornando-se necessária uma manifestação externa, reconhecível de fora, uma “indizielle Publizität” (cf. M-Schroeder, apud Eser, Strafrecht IV, pág. 49; e Otto, Jura 1996, pág. 383, e 1997, pág. 472). Apropriação significa assim a intenção, “manifestada através de um comportamento que a realiza ou executa, de passar a dispor da coisa como própria, comportando-se em relação a ela uti dominus” (Costa Andrade) ou, como ensinava o Prof. Eduardo Correia (“O efeito da entrega como elemento constitutivo do crime de abuso de confiança”, RDES, ano VII (1954), pág. 57; e Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 93º, pág. 35), “porque o agente já detém a coisa por efeito da entrega, a apropriação há-de radicar-se, eminentemente, numa certa intenção, numa certa atitude subjectiva nova, o dispor da coisa como própria, a intenção de se comportar relativamente a ela como proprietário, uti dominus”. Exige-se porém que o animus se exteriorize, através de um comportamento que o revele e execute.
No que agora interessa, essa disposição do agente se apropriar da coisa que recebeu por título não translativo da propriedade pode ser revelada por um conduta externa incompatível com a vontade de restituir ou de dar o destino certo à coisa: “venda, desvio, ocultação ou negativa expressa de não devolvê-la a quem de direito”, na expressão de Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal. Parte Especial, vol. 2, 17ª ed., p. 286.
No entanto, a sentença o que deu como provado é que o arguido, que recebeu aquelas coisas por título não translativo da propriedade, as não devolveu. E daí infere-se, mas de forma incorrecta e meramente conclusiva, que ele se apropriou e as fez suas, o que não pode aceitar-se, pois da simples não devolução não se retira a disposição de consumar o crime, apropriando-se o agente da coisa. Uma das atitudes onde se manifesta claramente a correspondente intenção é a recusa de restituição, entendida como implicando a vontade de se comportar o agente como proprietário. Mas a sentença não desmonta consistentemente qualquer atitude desse género e, o que é pior, limita-se a seguir de princípio a fim a infeliz redacção da peça acusatória, que já enveredara por idêntica simplificação.
Não se podendo concluir que o arguido se apropriou do que recebera para determinado fim, falta um dos elementos típicos do crime do artigo 205º, nº 1, do Código Penal. Tem por isso de ser absolvido da acusação, o que determina igualmente a absolvição do pedido de indemnização, por não revelarem os autos a existência de danos ocasionados por um crime (artigo 74º, nº 1, do CPP). Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377º, nº 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, que aqui se não verifica, ainda que no limite se possa vir a detectar um enriquecimento sem causa. É o que decorre do assento nº 7/99, de 17 de Junho de 1999, publicado no DR I série-A de 3 de Agosto de 1999.
Nestes termos, acordam em declarar a conduta atípica e absolver "A" da acusação do Ministério Público, bem como do pedido de indemnização,
Não são devidas custas.
Guimarães,