Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4380/03.8TBVCT-B.G1
Nº Convencional: JTRG000
Relator: AMÍLCAR ANDRADE
Descritores: DEVERES PARENTAIS
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DO MENOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – Nos processos de promoção e protecção devem sobrelevar os direitos e interesses da criança, inclusive sobre o princípio da prevalência da família;
II – No caso é a medida provisória de acolhimento em instituição a mais adequada, à luz do superior interesse dos menores, tendo em vista a remoção da situação de perigo em que aqueles se encontram.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

A progenitora dos menores B........, C........, D........, E........, F........ e G........ veio recorrer do despacho proferido pela Senhora Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo que decidiu, relativamente a tais menores, substituir a medida aplicada de apoio junto da mãe pela medida de acolhimento dos menores nas instituições melhor indicadas no ofício da Seg. Social de fls. 1203, com a colocação aí indicada respectivamente para cada menor. Mais decidiu, ao abrigo do disposto nos artigos 91º e 92º da LPPCJP, aplicar, com o mesmo carácter urgente e provisório, idêntica medida de acolhimento em instituição à menor G.........

Com efeito, discordando de tal despacho veio a recorrente apresentar as suas alegações, nas quais em síntese, sustenta não lhe parecer que entre a decisão de 1 de Julho e a decisão de 21 de Julho tenha havido circunstâncias que pudessem ter motivado a decisão em causa, com excepção dos argumentos da menor B........, a que o Tribunal deu credibilidade e que a recorrente considera que não o deveria ter feito.
Pede que na procedência do recurso se revogue a decisão recorrida, devendo os menores C........, D........, E........, F........ e G........ ser entregues aos cuidados da recorrente.

O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou as suas contra-alegações, nas quais preconizou o regresso dos menores ao lar, mas com a alteração da equipa de acompanhamento do agregado familiar em causa e a reinvenção de novas intervenções de assistência mormente através da colocação de uma espécie de “ama” a tempo inteiro junto da família.

A Senhora Juíza do Tribunal a quo sustentou o seu despacho.

Foram colhidos os vistos legais.

Fundamentação de facto

Nos presentes autos, mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

1) Os menores são filhos de H........ e de I........, nascidos respectivamente a 29/9/1975 e 15/10/1966.
2) A Segurança Social acompanha o agregado familiar destes menores desde Outubro de 2002, tendo-lhe sido atribuído o Rendimento Social de Inserção em Agosto de 2003, com retroactivos no valor de 1.725,64 euros, tendo passado a receber mensalmente a este título a quantia de 433,99 euros.
3) Enquanto aguardava o rendimento social de inserção o agregado foi apoiado pela Seg. Social e pelo Centro Social e Paroquial de S. Romão que recebeu os menores no Jardim de Infância e passou a garantir as refeições da mãe e dos menores, mesmo ao jantar, dando todos os dias a comida já preparada para as crianças levarem para casa.
4) Em Junho/03 um dos menores foi hospitalizado com uma pneumonia e nessa altura foi detectada sarna na mãe e no filho, e ainda uma gravidez de 7 meses não vigiada.
5) Nessa altura todos os menores e a mãe foram encaminhados para o Centro de Saúde, pois que todos tinham sarna e não tinham a vacinação em dia.
6) A mãe não cumpriu os tratamentos nem sequer deu seguimento às consultas de maternidade e deixou de levar as crianças ao infantário por causa da sarna.
7) Mesmo após ter recebido o rendimento social de inserção, a mãe continuou a não prestar os cuidados básicos aos menores, designadamente ao nível da alimentação, higiene e educação, não sabendo gerir o dinheiro que recebia daquele rendimento aplicando-o nos menores, e bem assim não sabendo gerir as ajudas em géneros (entre elas, refeições confeccionadas) que lhe eram concedidas por outras instituições.
8) ASSIM até à data da decisão urgente era frequente:
a) - A mãe dos menores deixar estragar as refeições que já lhe eram dadas confeccionadas;
b) - Não cuidar da assiduidade dos filhos na escola e no jardim de infância, em especial da menor B........ que à data da instauração do processo, e apesar desta já ter idade para a frequência do 50 ano, encontrava-se a frequentar o 2º ano de escolaridade por falta de apoio em casa e falta de assiduidade;
c) - Os menores andarem sujos, uma vez que a mãe não lhes dava banho e mal alimentados, saindo com eles para a rua em jejum ou apenas lhes dando pão ou batatas fritas durante todo o dia, confeccionando a mãe as refeições e muitas vezes nada tendo em casa para as alimentar;
d) - Os menores faltarem às consultas marcadas porque não dava jeito à mãe levá-las, ou não efectuar os tratamentos prescritos;
e) - A mãe recusar ou não cumprir as orientações das técnicas do serviço social que acompanhavam o agregado.
f) - A mãe não conseguir impor regras aos filhos, deixando-os comportarem-se como bem entendiam, sem com eles se zangar, tratando-os de igual para igual.

9) A menor F........, institucionalizada com apenas 19 dias de vida, nasceu em casa, na presença dos irmãos e foi alvo de uma gravidez não vigiada e dum parto em casa sem as condições mínimas para tal, uma vez que a mãe recusou-se a ir para a maternidade e o pai apenas chamou a ambulância depois do bebé ter nascido.
10) Já na maternidade foi diagnosticada sarna em estado activo na mãe.
11) A menor F........ com duas semanas de vida frequentava o café com a mãe, mal agasalhada.
12) O pai dos menores tem problemas alcoólicos e agredia fisicamente a mãe dos menores em frente a estes, sendo que desde há dois anos a esta parte não visita os seus filhos, desconhecendo-se o seu actual paradeiro.
13) Desde que estão institucionalizados, a mãe dos menores visita-os com alguma regularidade, quase diariamente, em visitas de cerca de 10 minutos, devido ao horário do seu trabalho e o horário de visitas da instituição. ,
14) Após o acolhimento dos menores na instituição, a mãe manteve uma relação com um novo companheiro de nome "Miguel" com quem passou a coabitar.
15) A mãe dos menores tem dificuldades relativamente ás suas capacidades de abstracção (capacidade de analisar informação de acordo com temas, conceptualizar significados, generalizar de acordo com categorias, formar hipóteses e raciocinar, utilizando pensamento dedutivo e indutivo, planear tarefas e antecipar resultados),
16) Estas limitações ao nível da capacidade de abstracção prejudicam a avaliação, interpretação e actuação da examinada perante um determinado problema.
17) A mãe dos menores revela dificuldades na compreensão de informação e estímulos complexos.
18) Tais dificuldades cognitivas da mãe dos menores limitam-lhe o exercício da parentalidade, nomeadamente na compreensão de algumas das suas exigências, quando nomeadamente assume que não sabia que era preciso justificar as faltas à escola da filha mais velha, revelando uma incapacidade de agir em conformidade com as necessidades dos menores ainda que com consciência das mesmas.
19) A mãe dos menores, após a aplicação da medida de acolhimento, tem vindo a recusar o apoio e orientações dos técnicos da Seg. Social.
20) Antes do acolhimento, era a menor B........ quem prestava e realizava as necessidades básicas aos seus três irmãos, em substituição da sua mãe, dando-lhes de comer, vestindo-os, mudando-lhes a fralda tomar conta deles sempre que a mãe se ausentava, o que sucedia com frequência, chegando a faltar à escola, tendo inclusivamente por este facto reprovado anos lectivos por faltas.
21) Os menores integraram-se sem qualquer dificuldade na instituição de acolhimento, dando mostras de um ajustamento globalmente positivo e adaptativo.
22) Todos os menores, como irmãos, mantêm um relacionamento afectivo próximo entre si, e bem assim, á excepção da F........, mantêm uma boa ligação afectiva com a progenitora, em especial o E........ que dela tem uma boa imagem e uma vinculação forte.
23) A mãe dos menores verbalizou-lhes em várias visitas 'que use forem para uns pais novos, nunca mais vos venho ver", provocando nos mesmos confusão, tristeza e ansiedade,
24) A menor B........ não reconhece na mãe a capacidade para providenciar as condições mínimas necessárias a um desenvolvimento salutar e integral dos seus filhos, designadamente prestação de cuidados básicos de saúde, alimentação, higiene pessoal e habitacional, segurança e supervisão, estimulação desenvolvi mental, considerando ainda que não tem capacidades e práticas educativas para providenciar um sistema de regras e implementar um sistema de reforços dos menores,
25) A menor B........ referiu temer que, voltando para casa da mãe, seja novamente privada à sua educação, uma vez que no passado teve de faltar várias vezes a escola para cuidar dos irmãos, temendo que caso a C........ volte a viver com a mãe, possa suceder-lhe o mesmo, ma vez que a mãe sozinha não consegue cuidar e exercer as suas responsabilidades parentais.
26) A menor B........ considera ainda que decorrido todo este período em que estão em acolhimento, a sua mãe não se conseguiu organizar e estruturar de modo a reunir as condições mínimas necessárias e desejadas para todos possam regressar a casa, entendendo que independentemente do amor que sentem pela mãe todos beneficiariam com a adopção.
27) A menor C........ refere como principal preocupação decorrente de uma eventual adopção o facto de não tornar a ver os seus irmãos.
28) Relativamente a sua mãe, esta menor adopta uma postura ambivalente oscilando entre uma eventual adopção e um possível regresso a casa, oscilando entre não estar a ser fiel à mãe (ao desejar ser adoptada), temendo que a mãe fique triste ou ofendida consigo, e por outro lado, não estar a ser fiel ao que deseja para seu futuro (ao desejar regressar para a mãe).
29) Também a menor C........ tem consciência de que a mãe não reúne as condições para lhe providenciar um crescimento e desenvolvimento, recordando que os bens mais básicos já lhe faltaram várias vezes e referindo ter medo que a mãe não possa dar "mais comida e mais fruta".
30) Nas visitas que faz ao menores, a C........ refere que a mãe lhe traz presentes, conversa do novo namorado ou diz-lhe para dizer que não quer ser adoptada, que às vezes vai para o colo da mãe, mas que só muito raramente aquela lhe pergunta pelo seu dia-a-dia, pela escola, pelos seus interesses e preferências.
31) Também a menor B........ entende que nas suas visitas a mãe fala maioritariamente do seu novo namorado, mas que não lhe faz perguntas sobre ela.
32) A menor F........ não apresenta ou não possui uma vinculação significativa com a mãe, evidenciando uma representação daquela unicamente associada com a dádiva de um presente aquando das visitas.
33) O menor E........ apresenta uma dependência emocional forte para com a mãe, sendo que nesta altura um corte neste relacionamento poderia conduzir a um desequilíbrio emocional do menor.
34) O menor D........ não apresenta uma vinculação ou dependência afectiva muito próxima com a mãe, referindo sentir carinho por ela, mas considerando que a mãe não tem condições para cuidar dele, exemplificando com o facto de "só lhe dar pão para comer".
35) Este menor demonstrou várias vezes, e ao longo do seu acolhimento na instituição, a vontade séria de ser adoptado.
36) Recentemente, a relação entre a menor B........ e a pessoa por quem foi acolhida, D. J........, fragilizou-se, em resultado desta última ter tido conhecimento de que há cerca de um mês a menor B........ manteve relações sexuais com um colega da escola.
37) A mãe dos menores exerce actualmente a sua profissão de jardineira na Junta da Freguesia da Meadela, com um contrato de dois anos, auferindo o equivalente ao salário mínimo nacional, mostrando-se mais assídua e com um desempenho regular.
38) A mãe dos menores recusou-se perante a Sra. Técnica da Segurança Social a dar informações sobre a sua actual situação económica, profissional e habitacional.
39) Actualmente, a mãe dos menores vive maritalmente com L........, há cerca de 4 meses, numa casa já arrendada anteriormente por este último, de tipologia T2. Este companheiro tem 64 anos de idade, é viúvo, está desempregado e desde o passado mês de Abril que não recebe o subsídio de desemprego, tendo apenas de rendimentos uma pensão de sobrevivência no valor de 138,10 euros.
40) A pessoa - J........ - que tem vindo a acolher a menor B........ padece de doença do foro oncológico.
41) Por acórdão da Relação de Guimarães datado de 6 de Dezembro de 2007, foi decidido os menores deveriam ser entregues à mãe, com medida de apoio pedagógico, social e económico junto desta, pelo prazo de um ano, mediante o cumprimento dos seguintes deveres:
a) Inscrever os menores E........ e F........ em jardim infantil e/ou pré-primária;
b) Assegurar a assiduidade escolar de seus filhos e zelar pela sua assistência médica, cuidando da actualização das respectivas vacinas;
c) Prover à higiene pessoal dos menores e à sua alimentação;
d) Manter a habitação limpa e cuidada;
e) Participar nos programas que lhe forem propostos pela Segurança Social e aceitar as orientações das respectivas técnicas, vocacionados para o melhor desempenho da responsabilidade parental.
42) Em 10 de Março de 2009, veio a Segurança Social juntar relatório social relativo aos menores nos termos do qual emitiu parecer final no sentido de ser revista antecipadamente a medida de apoio junto da mãe, devendo ser aplicada a medida de acolhimento institucional aos menores.
43)Procedeu-se à instrução do incidente de revisão antecipada com a realização das diligências necessárias, e, a final, veio a decidir-se prorrogar a medida de apoio junto da mãe dos menores por mais seis meses, com manutenção dos deveres fixados à mãe pelo Tribunal Superior.
44) Na sequência das diligências efectuadas no dia 16 de Julho de 2009, e do teor da informação social de fls. 1206 a 1209, veio o Digno M.P. suscitar incidente de revisão antecipada da medida aplicada, promovendo, nos termos do artigo 62º, nº2 e nº3, al. b), 91º, nº1 e 92º da lei 147/99 de 1/9:
a) a substituição da medida aplicada de apoio junto da mãe pela medida de acolhimento em instituição prevista no artigo 35º, nº1, al. f) da citada Lei, com a consequente retirada imediata dos menores juntos da mãe, e posterior colocação nas instituições identificadas no ofício da Seg. Social de fls. 1203.
b) relativamente à menor G........, até à data não abrangida por estes autos, a aplicação da mesma medida de acolhimento em instituição, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 92º da citada lei.
45)No passado dia 16 de Julho, a mãe dos menores relata ao Tribunal ter sido agredida pela sua filha mais velha, a menor B........, bem como pelo namorado desta última, desconhecendo o seu actual paradeiro e onde havia pernoitado, e admitindo não a conseguir controlar, pedindo que a mesma seja colocada num “lar”.
46) Ouvida a menor, no mesmo dia, a qual se apresentou voluntariamente em Tribunal, após ter sido contactada via telemóvel, veio a mesma relatar os seguintes factos novos que suscitaram o presente incidente: Esclareceu que apenas se limitou a defender das agressões da sua mãe, que se encontrava embriagada. Revelou que a mãe desde há alguns meses a esta parte tem consumos excessivos de álcool, sendo que recentemente bebeu num só dia um garrafa de vodka; que a mãe despende o dinheiro na aquisição desse álcool; que a mãe a obrigou a desistir do curso profissional para ir trabalhar por forma a arranjar mais dinheiro para casa; que a mãe consegue não controlar o dinheiro, tendo sempre várias contas em atraso; que quando se encontra alcoolizada, começa por ser meiga, mas logo se transforma numa pessoa agressiva, começando a gritar e a bater nela e nos irmãos, sendo a F........ mais agredida com frequência.
Refere que aplica o dinheiro que ganha, designadamente, no trabalho do restaurante, a comprar carne e mercearia para casa, porque não sabe onde a mãe gasta o dinheiro que recebe.
Mais referiu que a mãe ausenta-se durante a noite, e recentemente arranjou um novo companheiro que, logo no primeiro dia, foi viver lá para casa. A menor revela ainda ter entrado num ponto de saturação e de sentimento de impotência para ajudar a sua mãe, o que sempre tentou fazer até à data, protegendo-a, até porque sempre foi responsabilizada pela mãe se esta viesse a perder novamente os filhos.
47) Da informação social de fls. 1206 – 1209 resultam os seguintes novos factos desde a última revisão:
- a mãe dos menores tem sido vista frequentemente a sair de casa e a entrar em viaturas sempre acompanhada por diferentes elementos do sexo masculino;
- a mãe dos menores encontra-se exposta publicamente em vídeo de telemóvel no qual adopta comportamentos sexuais inadequados;
- tem um novo companheiro que se encontra a residir desde 21/6/2009 na casa da mãe dos menores;
- desde que os menores estão de férias o seu comportamento em casa e para com a mãe agravou-se: agridem-se mutuamente, arrastam-se pelo chão, penduram-se no mobiliário, atiram objectos pelo ar; demonstram um comportamento desafiante perante a mãe, a quem apelidam de “vaca” e “puta”, sendo que a mãe não os consegue controlar, adoptando posturas passivas e práticas educativas inadequadas;
- a mãe dos menores não os inscreveu na ACEP, conforme orientações da equipa de acompanhamento, alegando ter preferência por fazer actividades de lazer com os filhos;
- a mãe dos menores recusa-se a adoptar o método contraceptivo indicado –colocação de um implante, uma vez que não é capaz de fazer contracepção oral e dada a informação de possuir vários parceiros sexuais, tendo faltado à consulta para colocação desse mesmo implante;
- na casa dos menores têm sido vistos espalhados pelo chão vários maços de tabaco vazios e cervejas;
- a mãe dos menores possui uma dívida de €120,00 na mercearia, sendo que os menores D........ e E........ são vistos habitual e frequentemente a fazerem as compras;
- a casa tem mostrado sinais evidentes de falta de higiene: chão muito sujo; roupas espalhadas pela casa, cozinha com louça e panelas para lavar; fogão sujo, acumulação de lixo em caixotes e sacos plásticos;
- nos passados dias 25 e 26 de Junho os menores não tinham roupa par vestir, porque a mãe não as lavou, tendo apresentado explicações diferentes para tal facto;
segundo a menor B........ a mãe quando se acumula muita roupa suja opta por deitá-la fora;
- os menores, bem como a própria mãe continuam a apresentar-se com mau cheiro;
- a mãe dos menores não resolve o problema do esquentador avariado, continuando a recusar a colaboração das técnicas do GAF;
- a mãe recentemente não tinha fraldas, nem toalhetes para a menor G........, não utilizando pasta dérmica, tendo sido observado na menor eritema de fralda.

Do recurso
O âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas – arts. 684 nº 3 e 690 nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
A questão fundamental a decidir cinge-se em apurar se a medida de acolhimento institucional dos menores, aplicada pelo tribunal “a quo” se mostra acertada ou se deverá ser substituída pela medida de apoio junto dos pais, conforme pretende a recorrente.
Antes de mais, importa notar que as circunstâncias de facto em que a recorrente baseia a sua pretensão recursória pouco ou nada coincidem com aquelas que foram fixadas na douta sentença recorrida.
Na verdade, a recorrente considera que foram as declarações da menor B........ que determinaram a substituição da medida aplicada de apoio junto da mãe pela medida de acolhimento dos menores nas instalações melhor indicadas no ofício da Segurança Social de fls. 1203, o que fez com que, no dia 22 de Julho de 2009, os menores em causa fossem de novo retirados. E refere não compreender por que razão o tribunal deu credibilidade às declarações da menor.
E argumenta, por outro lado, que nunca foi provado o consumo de álcool por parte da recorrente, e que pela primeira vez é referida, pela menor, que a recorrente bate nos menores, o que nunca foi tal facto referido por ninguém nem pelas técnicas que acompanham o caso, nem pelos próprios menores.

No caso vertente, a recorrente não compreende que o tribunal tenha dado credibilidade às declarações da menor B......... O art. 655º., nº.1 do CPC consagra o princípio da livre apreciação da prova, o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. O princípio da livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verificam nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais ( artºs 350º, nº1, 358º, 371º e 376º, todos do Código Civil).

Como ensina o Professor Alberto dos Reis (CPC anotado, vol.IV, pág.356 e ss), «no seu critério de livre apreciação o tribunal pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ele tenham deposto, em sentido contrário, várias testemunhas. (…) Em face do artº 625º (hoje artº 655º,1) o juiz pode formar a sua convicção através do depoimento de testemunha auricular e em sentido contrário ao depoimento de testemunha ocular. No sistema de prova legal o tribunal tinha de considerar diminuído o valor do depoimento prestado por amigo ou por parente da parte que oferecera a testemunha; no sistema de prova livre nada obsta a que o julgador se determine na formação da sua convicção, precisamente pelo testemunho de parente ou amigo da parte a quem esse testemunho aproveita».

A credibilidade das testemunhas é livremente apreciada pelo tribunal, sem prejuízo da contradita a ter lugar nos termos dos artºs 640º e 641º do CPC.

Se a parte, contra a qual foi produzida a testemunha, pretender abalar a credibilidade do depoimento, tem o direito de lançar mão do incidente da contradita. Não mostram os autos que a Recorrente tenha lançado mão da contradita.

Por outro lado, o Tribunal a quo não se baseou apenas nas declarações da menor B........ mas também e sobretudo, na informação social de fls. 1206-1209, de onde resultam factos novos de relevo.

Ora, os poderes de alteração pela Relação da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto encontram-se circunscritos a três hipóteses:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou (cfr art.º 712º, n.º 1, do CPCivil).

Dispõe ainda o art.º 690.º-A, n.º 1, que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente indicar, sob pena de rejeição:

a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

A recorrente não concretiza meios de prova que, na sua perspectiva, levariam a juízos diversos dos proferidos pelo tribunal recorrido, não tendo o presente recurso minimamente observado os requisitos formais para tal. Não cumpriu o ónus imposto pelo artigo 690º-A do Código de Processo Civil ao recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto. Mesmo quando se entenda que, com a cobertura do princípio do inquisitório que vigora neste domínio processual (cfr. art.º 1.409.º, n.º 2, do CPCiv.) pode esta Relação investigar livremente os factos e fixá-los em termos diversos dos que constam da decisão recorrida, não se vê como, com os elementos de prova disponíveis, mormente os carreados pela informação social de fls. 1206-1209, tenha sido cometido qualquer erro notório de julgamento, antes se afigurando que o tribunal “a quo” fez uma leitura exacta da situação dos menores e do relacionamento (ou sua ausência) da recorrente com eles.

Atento o exposto, é em função da factualidade constante da decisão recorrida, supra enunciada, e apenas dela, que esta Relação aferirá da bondade do decidido em 1ª instância, de acordo com o disposto no artº 712º, nº 1 do CPCiv..

Vejamos, então, se a medida de acolhimento institucional dos menores, aplicada pelo tribunal “a quo” se mostra acertada ou se deverá ser substituída pela medida de apoio junto dos pais, conforme pretende a recorrente.

O artº 35 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) estabelece que as medidas de promoção e protecção são as seguintes:

a) Apoio junto dos pais; b) Apoio junto de outro familiar; c) Confiança a pessoa idónea; d) Apoio para a autonomia de vida; e) Acolhimento familiar; f) Acolhimento em instituição; g) Confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção.
Considerou o tribunal recorrido que «Os factos novos, supervenientes supra elencados permitem concluir que a manutenção destes menores junto da sua mãe acarreta um perigo actual e iminente para a sua integridade física, saúde, segurança, formação, educação e desenvolvimento integral» e os argumentos utilizados nesse sentido mostram-se convincentes.

Pondera-se na decisão recorrida, no que, ora, releva, que «ante este quadro de factos novos e recentes, perdeu-se qualquer elemento de esperança subjacente à decisão de fls. 1190-1196, no sentido de ainda ser possível, com outros métodos de trabalho, a preparação desta mãe para as práticas educativas e responsabilidades parentais. Salvo o devido respeito por opinião contrária, o quadro situacional actual destes menores veio confirmar o juízo de prognose com que a ora signatária, e os Srs. Juízes Sociais, fundamentaram na altura aquela que foi a decisão da 1ª instância. Repete-se, a esperança nesta mãe ruiu por completo, na medida em que persiste na falta de colaboração (…) Os factos supra elencados, e o historial desta mãe que o Tribunal já tão bem conhece, permitem novamente concluir e reiterar que não é possível preparar esta mãe no âmbito de uma educação parental em tempo útil para os seus filhos».

E mais adiante, salienta-se, de forma acertada: «Tal como já se havia deixado consignado na decisão proferida em 1ª instância, há cerca de dois anos:

“Não basta dizer que se quer todos os seus filhos de volta! É preciso ter ou criar também, além desse amor e carinho (de que ninguém duvida), todas as condições que permitam concluir que esta mãe vai poder exercer convenientemente as suas responsabilidades parentais perante estes cinco filhos.
Ora, a materialidade fáctica apurada permite concluir, por um lado, que esta mãe não reuniu ou criou durante este tempo que durou o acolhimento dos seus filhos – já lá vão quase quatro anos - as condições necessários para a todos receber.
Na verdade, ficou apurado que esta mãe revela dificuldades cognitivas que lhe limitam o exercício da parentalidade, nomeadamente na compreensão de algumas das suas exigências, quando nomeadamente assume que não sabia que era preciso justificar as faltas à escola da filha mais velha, revelando uma incapacidade de agir em conformidade com as necessidades dos menores ainda que com consciência das mesmas, sendo para ela normal e natural que os menores faltem à escola, que apenas comam pão todo o dia, que não tomem banho ou andem sujos, desde que estejam felizes.
Mais se apurou que é uma mãe que não impõe regras aos filhos, possuindo evidentes dificuldades ao nível educativo e de formação dos menores; e que recusa ou tem dificuldade em seguir o apoio e orientações dos técnicos da Seg. Social; que revela uma instabilidade emocional: já depois da decisão de acolhimento em instituição dos seus filhos teve um relacionamento, sendo que há 4 meses que se encontra a viver maritalmente com um senhor que tem o dobro da sua idade.
Ou seja, entende-se - ao contrário do que ingenuamente defende esta mãe – que a situação não é só de pobreza e de falta de recursos materiais, a incapacidade radica desde logo em si, na incapacidade ou falta de recursos internos que revela para gerir a vida de cinco filhos simultaneamente.
Aliás, quanto à falta de meios económicos resultou provado que não só os recebeu quando os solicitou (quer monetários, quer em géneros), como revelou que tinha dificuldades em aceitar as orientações das técnicas do serviço social que acompanhavam a sua situação - entendendo-se vítima de uma atitude persecutória - como tem vindo a recusar os apoios que lhe podem ser concedidos.
Por outro lado, entende-se que em face dos seus limitados recursos internos, num juízo de prognose, mesmo com um programa de formação e educação parental, esta mãe nunca vai ter condições - repete-se desde logo ao nível dos seus recursos internos – para cumprir as suas responsabilidades parentais perante todos os seus cinco filhos.”
Volvidos dois anos, este Tribunal confirma este juízo de prognose: a mãe dos menores não revela capacidades, nem tem condições para ter consigo os seus filhos, as suas intenções tão insistentemente por si relembradas no processo, não tiveram ao longo destes anos quaisquer efeitos práticos, bem pelo contrário, e tal como refere o Digno M.P.: a situação agrava-se de dia para dia a olhos vistos!
Apesar dos esforços desenvolvidos, a mãe dos menores demonstra passividade, falta de iniciativa, incapaz de resolver os problemas e para exercer as funções e responsabilidades parentais, ou seja, de impor regras, de exercer a sua autoridade, de educar os seus filhos e de actuar – hoje e no futuro – quando for necessário, para já não falar nas condutas pessoais desviantes que tem vindo assumir (troca sucessiva de companheiros; o consumo e abuso de bebidas alcoólicas com reflexos sérios no desempenho das funções parentais e relacionamento com o seus filhos)».
Assim, terá que se concluir como se fez na decisão recorrida que “ a manutenção destes menores junto da sua mãe acarreta um perigo actual e iminente para a sua integridade física, saúde, segurança, formação, educação e desenvolvimento integral”.
Logo, não é com a mãe que os menores devem ficar, verificando-se perigo grave para os menores, se tal suceder.
Não obstante a lei proteja e tutele a família natural - artigos 7º, 68º e 36º da CRP, reconhecendo aos pais «o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos», consente que estes sejam separados dos pais quando os progenitores não cumpram os seus deveres.
Por conseguinte, não merece qualquer crítica a decisão da 1ª Instância ao não considerar adequada à presente situação a medida de apoio junto da mãe dos menores.
É certo que a mãe dos menores quer manter os filhos junto de si.
Porém, o interesse da criança não se pode confundir com o interesse dos pais.
E neste tipo de situações o primeiro dos princípios orientadores – art. 4º al. a) da LPCJP – é precisamente o do interesse superior da criança, do qual decorre que a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
Como tal, situações há em que, apesar dos inegáveis laços de afectividade entre pais e filhos, aqueles, por não terem capacidade para os proteger e para lhes proporcionar as condições essenciais ao seu crescimento, colocam em grave perigo a segurança, a saúde, a educação e o desenvolvimento dos filhos.

Os pais não têm só direitos, têm também (ou principalmente) deveres parentais. A partir do momento em que os pais não podem ou não sabem ou não querem (com ou sem culpa da sua parte) cumprir com os seus deveres parentais não podem reclamar direitos sobre as crianças quando a satisfação destes põe em causa o futuro dessas mesmas crianças.
Ou seja, nos processos de promoção e protecção, se é certo que os direitos dos pais devem ser tidos em atenção, o que deve, porém, prevalecer são os direitos e interesses da criança.
Por outro lado, a situação de perigo para as crianças legitima, assim, a intervenção para a promoção dos seus direitos e protecção, justificando, no prosseguimento do interesse superior dos menores, a aplicação da providência que mais se apresente adequada à situação, de modo a afastar o perigo em que a mesma se encontra. Decidiu-se o Tribunal a quo pela medida provisória de acolhimento em instituição, prevista na alínea f) do n.º 1 do art. 35.º da LPCJP. O princípio do interesse superior da criança, que é fundamental observar, prevalece sobre o princípio da prevalência da família e revela-se até, numa perspectiva concreta dos autos, como incompatível.

Acresce, ainda, que os autos não mostram ser possível a aplicação de outra medida menos gravosa.
Nestas condições, e dada a natureza provisória da medida decretada, apresenta-se a mesma como necessária e adequada à situação de perigo das crianças que os autos demonstram sumariamente.
Improcede, por isso, o recurso.

DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento ao recurso de agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da agravante.

Guimarães, 26.11.2009
Amílcar Andrade
Manso Rainho
Carvalho Guerra