Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL ROCHA | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO PEDIDO ACESSÓRIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/07/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | A competência das acções de reivindicação intentadas contra as entidades privadas referidas no art.º 4.º n.º 1 alínea i) cabem aos tribunais judiciais, estendendo-se tal competência aos pedidos acessórios que decorrem da mesma da relação jurídica dos pedidos principais. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do tribunal da relação de Guimarães. RELATÓRIO B. e esposa C. identificados nos autos, intentaram a presente acção sob a forma comum, contra C.- , pedindo que: Que seja declarado e reconhecido o direito de propriedade dos AA sobre o prédio identificado na petição, ou seja um prédio rústico situado no lugar de …, descrito na Conservatória do Registo predial; Ser declarado e reconhecido o direito de propriedade dos AA sobre a água da nascente e de servidão do aqueduto da caixa e do tubo (aqueduto subterrâneo) descritos na pi; Ser a ré condenada a reconhecer estes direitos de propriedade e de servidão dos AA; Ser a Ré condenada a reparar o dano que causou no aludido tanque dos AA, repondo-o no seu estado de conservação e de limpeza: Ou, Ser a Ré condenada apagar aos AA, a quantia de €478,00acrescido de IVA para pagamento da reparação do Tanque; Ser a Ré condenada pagar aos AA a indemnização que vier a liquidar-se ,á razão de €2000.00 por ano, em execução de sentença, a titulo de danos não patrimoniais decorrentes da privação da água. Alegam em síntese que são proprietários do prédio ora em causa, onde existe um tanque e que é utilizado para represar a água que utilizam na rega e lima daquele prédio, água que, provém de uma nascente sendo que, também adquiriram o direito de servidão do aqueduto da caixa e do tubo subterrâneo que conduzem a água para o tanque do sue prédio. Mais alegam que, a Ré, fez obras de suporte da plataforma / muro da Auto- estrada de que é concessionária sendo que, ao fazer essas obras (perfurações e injecção de betão armado) provocaram danificação, do tanque, o qual deixou de represar a água resultando por isso a impossibilidade de produzir as culturas agrícolas que colhiam. Contestou a Ré que, excepcionou a incompetência material do Tribunal judicial de Cabeceira de Basto Instância local. Para tanto, alega que, sendo uma entidade privada o certo é que, está dotada de prerrogativas de autoridade pública, tendo por objectivo a prossecução do interesse público de acordo com as normas de direito administrativo. Assim invoca que, o tribunal competente para a presente causa é jurisdição administrativa, nos termos do art.º 4.º n.º 1 Alínea i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Responderam os Autores entendendo que é competente para a causa o tribunal judicial de Cabeceiras de Basto. Proferido o despacho saneador, conheceu-se da excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, aderindo aos fundamentes da Ré, julgando procedente a excepção dilatória em causa, absolvendo a Ré da instância. Inconformados os Autores apelaram de tal decisão, juntando alegações donde se extraem as seguintes conclusões: 1. Ao abrigo do art.º 644.º, n.º 2, alínea b), do CPC, os AA. interpõem a presente Apelação do douto despacho de 06/11/2015, que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal e, em consequência, absolveu a Ré da instância; 2. O Tribunal a quo aferiu o foro material competente para a apreciação e julgamento dos presentes Autos tendo em consideração o alegado pela Ré na Contestação e não, como devia, o alegado pelos AA. na Petição Inicial; 3. A competência material de um Tribunal afere-se pela questão ou questões que o autor coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, sendo irrelevante a formulação factual alegada pelo réu. 4. Na Petição Inicial, os AA. peticionam seja declarado e reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre a água da nascente e de servidão de aqueduto, da caixa e de tubo (aqueduto subterrâneo) melhor descrito sob os artigos 13.º a 21.º da Petição Inicial; seja a Ré condenada a reconhecer tais direitos de propriedade e de servidão dos AA.; seja a Ré condenada a reparar o dano que causou no tanque dos AA., repondo-o no seu estado de limpeza: ou seja a Ré condenada a pagar aos AA. a quantia de €4.780,00, acrescida de IVA, para pagamento da reparação do tanque; e seja a Ré condenada a pagar aos AA. a indemnização que vier a liquidar-se, à razão de €2.000,00 por ano, em execução de sentença, a título de danos patrimoniais decorrentes da privação da água; 5. Alegam, para tanto, serem legítimos proprietários do prédio descrito sob o artigo 1.º da Petição Inicial, onde existe, no seu lado poente, um tanque destinado a represar a água proveniente de uma nascente existente em prédio de terceiro, a qual é derivada para uma caixa em cimento e, desta, para um tubo, sendo conduzida subterraneamente até chegar ao aludido tanque e, depois, utilizada para rega e lima daquele prédio; 6. Mais alegam que a Ré no início do ano de 2014, fez obras na plataforma/muro da Auto-estrada, junto da portagem de…, a cerca de 60/70 metros do aludido tanque, as quais, pela sua natureza, danificaram o tanque, de modo que ficou inapto à sua função – represar as ditas águas; 7. As causas de pedir invocadas pelos AA., são o direito de propriedade e o direito de servidão de aqueduto, violados pela conduta da Ré (art.os 1305.º, 1311.º, 1386.º, n.º , alínea a), 1390.º, 1543.º, 1544.º, 1547.º, n.º 1, 1561.º, 1564.º, 1565.º e 1315.º, todos do Código Civil); 8.Trata-se de uma acção com causa de pedir complexa: por um lado, de reivindicação (art.º 1311.º), de defesa de outros direitos reais (art.º 1315.º) e consequentes direitos de sequela e de reposição natural; por outro lado, de responsabilidade civil extracontratual por acto ilício (art.os 483.º e ss. do Código Civil); 9. Com base na causa de pedir descrita na petição inicial apresentada, o litígio a resolver não decorre de uma relação jurídico administrativa enformada pelo direito administrativo, sendo um litígio a resolver com base no direito privado, pelo que os presentes autos não se inserem na competência dos Tribunais Administrativos, tal como a mesma é definida nos artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002 de 17 de Fevereiro; 10. O douto despacho recorrido viola o disposto no art.º 40.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) e no art.º 64.º, n.º 1 do CPC. 11. Para apreciação e julgar a presente acção, são materialmente competentes os Tribunais comuns, mormente a instância Local de Cabeceiras de Basto (da Comarca de Braga). Não conta dos autos qualquer resposta às alegações de recurso. Colhidos os vistos legais cumpre decidir. Fundamentação Objecto do recurso Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, a questão a decidir é a de saber qual é o tribunal competente para decidir a presente causa, se os tribunais judicial se os tribunais administrativos. A factualidade a ter em conta é a descrita no relatório. Decidindo, No que concerne à competência dos Tribunais Judiciais, estabelece a lei um princípio de competência residual, segundo o qual são da sua competência as causas não atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional (artigos 64º do Código de Processo Civil e 40. n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto) Estando em causa o confronto entre Tribunais Judiciais e Tribunais Administrativos, importa determinar quais as normas que regulam a competência destes últimos. A competência fixa-se, em princípio, no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, conforme decorre do art.º 38.º da lei 22º da Lei 62/2013 de 13 de Janeiro Tendo a acção sido proposta em 2015, é aplicável o regime legal do Estatuto dos Tribunais da Administrativos e fiscais, ( ETAF) ora em vigor. Para além das normas do ETAF na versão aplicável aos autos que a seguir convocaremos para a resolução da questão objecto do recurso, importa considerar, em primeiro lugar, o que dispõe o artº 212º nº 3 da Constituição da República Portuguesa. Dispõe esta norma constitucional que “Compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídico administrativas e fiscais”. Está em causa a aplicabilidade do art.º 4.º n.º 1 do ETAF que se refere á competência da jurisdição administrativa e fiscal, no caso concreto a aplicação da alínea i) da referida norma, que dispõem o seguinte: Art.º 4.º “1-Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: … i) Responsabilidade civil extra contratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público;” No caso dos Autos não se questiona a natureza da Ré, sociedade anónima, concessionária de um conjunto de lanços rodoviários na zona norte do País, que concretamente se dedica ao exercício de obra pública designadamente do projecto construção, financiamento, exploração e manutenção de lanços de auto-estradas, em regime de concessão de obra pública, dotada de prerrogativa de autoridade pública tendo por objectivo a prossecução do interesse público, estando sujeita ao regime das normas do direito administrativo designadamente as regras do regime jurídico das empreitadas de obras públicas não obstante serem uma entidade privada como decorre do contrato de concessão (dl n.º 248 –A99 alterado pelo DL n.º 44-e de5 de Maio e ainda pelo DL 109/2015). Assim sendo, o pomo da discórdia, é a de saber se está em causa a responsabilidade civil extracontratual. Na decisão recorrida decidiu-se ao abrigo do art.º 4.º n.º 1 alínea i) do ETAF que a competência para julgar a presente causa é a jurisdição administrativa, depreendendo-se que, o fundamento de tal decisão radicou no pedido de condenação da Ré, a indemnizar os Autores pelos danos alegadamente causados na sua propriedade, decorrentes das obras realizadas pela Ré, no âmbito da manutenção da auto estrada de que é concessionária Contudo, está em causa uma acção de reivindicação, no domínio dos direitos reais designadamente nos termos do art.º 1311.º, uma vez que se pede o reconhecimento dos direitos reais sendo que, a cumulação do pedido de reconhecimento dos ditos direito com a acumulação do pedido de indemnização apenas tem sentido no contexto da defesa da propriedade. Ora, no caso concreto, estamos em face de uma cumulação de pedidos: por um lado temos os pedido principais, ou seja a condenação da Ré a reconhecer os direitos de propriedade e de um direito de servidão e por outro lado temos os pedidos de indemnização, consequência dos pedidos principais, que decorrem das mesmas relações jurídicas, e que são meros pedidos acessórios sem qualquer autonomia, pelo que, deve estender-se a competência dos pedidos principais aos acessórios. Neste veja-se o sentido da jurisprudência do Tribunal de Conflitos, como decorre dos acórdãos n.º 02/14, de 25.3.2015 (onde se faz apelo à máxima “acessorium principale sequitur”), 015/14, de 30.10.2014 e 018/13, de 18.12.2013 e ainda os acórdãos da relação de Lisboa de 21/05/2015 e desta relação de 10 /09/2013 todos publicados em wwwdgsi.pt. Assim e pelo exposto, não é aplicável no caso o art.º 4.º nº1, alínea i) do ETAF, atribuindo-se a competência aos tribunais judiciais. Em conclusão: A competência das acções de reivindicação intentadas contra as entidades privadas referidas no art.º 4.º n.º 1 alínea i) cabem aos tribunais judiciais, estendendo-se tal competência aos pedidos acessórios que decorrem da mesma da relação jurídica dos pedidos principais. DECISÃO Pelo exposto acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, declarando-se que é competente em razão da matéria para julgar a presente causa o tribunal judicial de Cabeceiras de Basto onde foi intentada, devendo os autos prosseguirem sem prejuízo de outras questões que impeçam o conhecimento de mérito da causa. Sem custas |