Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1989/04-1
Relator: RICARDO SILVA
Descritores: PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/31/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário: I – Para se saber se é aplicável ao processo penal o disposto no n.° 6, do art. 698.°, do Código de Processo Civil, norma segundo a qual, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos para a apresentação das alegações, e uma vez que o legislador penal não previu nem consagrou qualquer tipo de acréscimo de tal prazo, a gestão estará em saber se a falta de tal previsão constitui ou não uma lacuna que deva ser integrada por apelo ao artigo 4º do C. P. Penal.
II – Tratar-se-á de determinar quanto à existência de uma lacuna chamada teleológica, ou seja que resulta da análise do escopo visado pelo legislador, ou seja, em face da ratio legis, categoria esta em que se costuma distinguir entre lacunas patentes e lacunas latentes, a 1ª quando a lei não contém qualquer regra que seja aplicável a certo caso ou grupo de casos, não obstante, segundo a sua própria teleologia imanente e a ser coerente consigo própria deverá conter tal regulamentação; enquanto a lacuna teleológica será latente ou oculta quando a lei contém na verdade uma regra aplicável a certa categoria de casos, mas por modo tal que, olhando ao próprio sentido e finalidade da lei, se verifica que essa categoria abrange uma subcategoria cuja particularidade ou especialidade, valorativamente relevante, não foi considerada.
III – A lacuna traduzir-se-ia aqui na ausência de uma disposição excepcional ou de uma disposição especial para essa subcategoria de casos.
IV – A norma do artigo 411º, do Código de Processo Penal não carece de qualquer integração nem entra em contradição com qualquer outra norma processual penal, pois define o prazo para a interposição de recurso e determina o momento a partir do qual se conta esse prazo.
V – A questão fica delimitada à indagação da existência de uma lacuna teleológica, ou seja, saber se a ausência de uma disposição especial concedendo um acréscimo ao prazo de interposição ae recurso quando vise a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto contraria o escopo visado pelo legislador, subjacente à regulamentação legal da matéria de recursos.
VI – Nesta perspectiva, em face da teleologia imanente a todo o complexo normativo que constitui o ordenamento processual penal, não pode ser afirmada a existência de uma lacuna.
VII – Na verdade, o legislador sublinhou, no preâmbulo do Código de Processo que uma das motivações que esteve na primeira linha dos trabalhos da reforma do processo penal foi a procura de uma maior celeridade e eficiência na administração da justiça penal, tendo pois sido propósito do legislador «reduzir ao mínimo a duração» dos processos penais, o que aflora em alterações e inovações introduzidas.
VIII – Para além do nº 2 do artº 107º do Código de Processo Penal, que permitia a prática do acto fora de prazo desde que se provasse justo impedimento, e do Decreto-Lei nº 317/95, de 28 de Novembro, que veio aditar-lhe o seu nº 5, permitindo o recurso ao regime do processo civil sobre os prazos, ( artigo 145.°, nºs 5 e 6, do Código de Processo Civil), o actual nº 6, introduzido pela Lei n.° 59/98, de 25 de Agosto, veio dar a possibilidade ao juiz de, em função da excepcional complexidade do processo, prorrogar certos e determinados prazos a requerimento do assistente, do arguido ou das partes civis.
IX – Ora, o legislador, em 1998, conhecedor do regime consagrado no processo civil, não entendeu incluir no referido nº 6 do artigo 107.° sequer a possibilidade de prorrogação do prazo fixado no artigo 411.°, n.° 1, para o recurso que vise a impugnação aã decisão proferida sobre matéria de facto, nem tem incluiu, no próprio artigo 411.°, sobre o qual se debruçou, alterando-o, norma correspondente ao n.° 6 do artigo 698.° do Código de Processo Civil.
X – Atendendo assim a que a disciplina em matéria de prazos visa corresponder à celeridade que se quis imprimir ao processo penal e ao facto de o legislador, recentemente, ter introduzido alterações na matéria, consagrando a possibilidade de prorrogação de prazos em casos taxativamente definidos, nos quais não incluiu a interposição de recurso em matéria de facto, parece-nos seguro concluir que a não previsão, ao nível do processo penal, de norma correspondente ao n.° 6 do artigo 698.o do Código de Processo Civil traduz uma opção legislativa, não podendo, pois, afirmar-se a existência de uma lacuna teleológica, pelo que, aos recursos em processo penal que visem a impugnação da decisão proferida em matéria de facto, não se aplica a norma do n.° 6 do artigo 698.° do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

I

1. No processo comum n.º 740/99.5GBBCL, DO 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, por sentença proferida em 2003/01/10 e na mesma data depositada, foram "A" e "B", ambos com os sinais dos autos, condenados, cada um, como co-autores e em concurso real de:

– dois crimes de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada p. e p. respectivamente pelos art.os 22º, 23º, 143º, n.º 1 e 146º, n.os 1 e 2, com referência ao art.º 132º, n.º 2, als. g) e h), todos do Código Penal, por cada um dos referidos crimes, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa;

- um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art.º 143º, n.º 1 e 146º, n.os 1 e 2, com referência ao art.º 132º, n.º 2, als. g) e h), todos do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa; e,

- um crime de dano p. e p. pelo art.º 212º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa;

- Em cúmulo das referidas penas, na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de € 3,00 (três euros) para a arguida e de € 5,00 (cinco euros) para o arguido, perfazendo as quantias totais de € 1200,00 (mil e duzentos euros) para a arguida e de € 2000,00 (dois mil euros) para o arguido.

E, em consequência da procedência parcial do pedido de indemnização civil contra os mesmos deduzido por "C", "D" e "E", também identificados no processo, foram eles condenados a pagar aos demandantes respectivamente:

- Ao "C" a quantia total de € 2 743,00 (dois mil setecentos e quarenta e três euros);

- Ao "D" a quantia total de €998,00 (novecentos e noventa e oito euros); e,

- Ao "E" a quantia total de € 1 746 (mil e setecentos e quarenta e seis euros), tudo, acrescido de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da notificação do pedido até integral pagamento;

2. Inconformados, os arguidos vieram interpor recurso dessa decisão.

3. Por despacho de 2003/02/21, não foram admitidos os recursos, com fundamento em terem sido interpostos depois de esgotado o prazo legal para tal, considerada, além do mais, a data do depósito da sentença.

4. Deste despacho reclamaram os recorrentes para o Ex.mo Presidente da Relação de Guimarães.

5. Por decisão de 2003/6/11, foi a reclamação deferida.

Esta decisão fundou-se, em resumo, em dois argumentos:

- O prazo para recorrer conta-se da data da notificação, sendo relevante, para esse efeito a comunicação postal do teor da sentença, quando for feita.

- O recorrente, quando o recurso verse sobre matéria de facto e a prova tenha sido gravada, dispõe do prazo adicional facultado pelo n.º 6 do art.º 698.º do Código de Processo Civil, ex vi do disposto no art.º 4.º, do Código de Processo Civil.

5. Em consequência foi lavrado novo despacho a admitir os recursos, em 2003/06/23.

6. O M.º P apresentou resposta no sentido de que os recursos não merecem provimento.

7. Igualmente os assistentes – e demandantes civis – paresentaram resposta no mesmo sentido.

8. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto retomou a questão do excesso de prazo na interposição dos recursos, lavrando parecer no sentido da sua rejeição.

9. A isto responderam os recorrentes, louvando-se, além do mais, na decisão do incidente de reclamação, já referido, e propugnando o prosseguimento do recurso.

10. No exame preliminar, o relator suscitou a questão prévia da rejeição dos recursos, em consequência de a sua interposição ter tido lugar após o termo do prazo legal para tal, nos termos do disposto nos art.os 420.º, n.º 1, e 414.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, para conhecimento da questão prévia, cumprindo decidir.


II.

Têm relevo para a decisão da questão suscitada – além do que já consta do relatório, supra - os seguintes factos, todos documentados nos autos:

– O arguido "A" esteve presente na audiência de julgamento, na data a leitura da sentença.

- Na mesma data, a arguida "B" não esteve presente na audiência de julgamento, por ter sido dispensada de estar presente, a requerimento seu, na sessão de audiência de julgamento de 2002/12/12 (() Cfr. a respectiva acta a fls. 229 e ss.).

- Na sessão da audiência de julgamento de 2003/01/10 os arguidos foram representados pelo seu defensor oficioso.

- Em 2003/01/13 foi remetida à arguida, por via postal simples com prova de depósito, notificação do conteúdo da sentença, com cópia da mesma (() Cfr. fls. 229 e ss.).

Vejamos.

Dispõe o art.º 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal:


«Artigo 411.º

(Interposição e notificação do recurso)


1. O prazo para interposição do recurso é de quinze dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria. No caso de decisão oral reproduzida em acta, o prazo conta-se a partir da data em que tiver ido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.

(...)»

Temos, assim, que o artigo em causa fixa em 15 (quinze) dias o prazo para interposição de recurso e prevê três situações distintas para a contagem do mesmo:

- Decisões em geral: o prazo conta-se a partir da notificação da decisão;

- Sentença escritas: o prazo conta-se do respectivo depósito na secretaria, ressalvados os casos especialmente previstos na lei, de contagem a partir da notificação;

- Decisões orais reproduzidas em acta: o prazo conta-se da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.

Ainda, relativamente às sentenças, dispõe o n.º 4, do art.º 372.º do Código de Processo Penal, que «a leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência».

Situações há que, pelas suas particularidades processuais, justificam a especial estipulação do momento em que a notificação tem lugar; casos, p. ex., dos art.os 333.º, n.º 5, 334.º, n.º 6 e 373.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal.

Pode dizer-se que, porém, que na maior parte dos casos, há coincidência entre a data das notificações resultantes da leitura pública da sentença e a data do depósito da mesma.

E em certas circunstâncias, a lei basta-se, para a dar a notificação como realizada, com a reunião das condições necessárias à sua efectiva materialização, em situação de normal cooperação dos notificandos.

São, p. ex., os casos dos art.os 372.º, n.º 4 e 373.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal.

M. Simas Santos / M. Leal-Henriques (() M. SIMAS SANTOS/ M. LEAL-HENRIQUES, Código de Processo Penal, Anotado, II Volume, 2.ª Edição, Rei dos Livros 2000, pags. 526

) fazem equivaler as expressões «dever(em) considerar-se presente(s)» dos art.os 372.º, n.º 4 e 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e «devesse(m) estar presente(s)». Referem, com efeito que «face à leitura da sentença em audiência têm de considerar-se dela notificados todos os sujeitos processuais (M.º P.º, arguido, assistente e partes civis) que tenham estado ou devessem estar presentes ao julgamento, incluindo o arguido afastado da sala de audiências (art.º 332.º, n.os 5 e 6) ou ausente nos termos art.º 334.º. Neste último caso, tem lugar notificação da sentença ao arguido, que foi julgado como ausente, fora dos casos previstos nos números 1 e 2 daquele artigo, logo que seja detido ou se apresente voluntariamente, contando a partir dessa notificação o prazo para recorrer (...) (n.º 8 do art.º 334.º).»

Assim, o arguido que não assiste à leitura de uma sentença porque se ausentou da audiência, a requerimento seu e no seu interesse, atento o disposto nos art.os 332.º, n.º 5, e 373.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal é notificado na mesma audiência, mediante a leitura pública da mesma perante o seu defensor.

Nesta ordem de razões, também nós entendemos que a notificação postal, quando efectuada posteriormente à verificação das circunstâncias acabadas de descrever, é um acto inútil (() Cfr., infra, o sumário, citado, do Acórdão da Relação de Guimarães de 2003/09/29, proferido no processo n.º 996/03, 2.ª secção.).

Por outro lado, em direito processual penal, o prazo para interposição do recurso das sentenças escritas de arguidos não ausentes conta-se, como vimos supra, não da notificação mas sim do depósito da sentença.

A regra da contagem do prazo para a interposição do recurso a partir do depósito da sentença traduz um aumento de garantias, relativamente à da contagem a partir da notificação. Por um lado, assegura que a sentença esteja, de facto, ao alcance das partes, de acordo com o disposto no art.º 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, e, por outro, afasta a insegurança decorrente da inserção, neste ponto tão sensível do processo, da notificação postal – nos casos em que esta tenha lugar - como marco inicial da contagem em causa, sendo como é sabido ser este meio, desde sempre, gerador de incidentes.

Do encadeamento das normas que integram os números do art.º 372.º, do Código de Processo Penal resulta que o depósito da sentença se liga com dois aspectos nucleares do tema aqui em questão: a leitura e correspondente publicitação da sentença; e a notificação da mesma aos intervenientes processuais com legitimidade para recorrer, associando-se-lhe o acesso material dos mesmos ao texto da sentença, para esse fim.

Partindo disto, nas condições por si estabelecidas a lei supera os aspectos formais da notificação (() Do que são exemplos os textos dos art.os 372.º, n.º 5 e 373.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal. ) da sentença e fixa, como início do prazo para recorrer o momento do depósito da sentença.

O depósito da sentença é, efectivamente, um momento processual insusceptível de se prestar a equívocos, por ser único e por a sua ocorrência material ser controlável de forma clara.

Não temos dúvidas, portanto, de que no caso de sentenças que não sejam exceptuadas por norma legal expressa, o prazo para recorrer se conta a partir do depósito da sentença e não de outro.

No sentido de o prazo para recorrer da sentença se contar da respectivo depósito na secretaria decidiu-se, p. ex., nos seguintes Acórdãos:

Acórdão do S. T. J. de 99/04/15, pub. in B. M. J. n.º 486, ano 1999, pag. 233, com a seguinte primeira proposição do respectivo sumário;

«I - Da conjugação do disposto nos artigos 411, n. 1, e 372, ns. 3, 4 e 5, do C. P. P., resulta que, se a sentença for lida em audiência, o prazo para a interposição do recurso conta-se da sua notificação ou do seu depósito. Assim, sob pena de não fazer sentido o referido duplo "terminus a quo" de tal prazo, deve entender-se que este se inicia, com a notificação da decisão, no caso em que os sujeitos processuais devem considerar-se presentes na audiência, e, a partir do depósito da sentença, se essa situação não ocorrer.

Acórdão da Relação de Lisboa de 2001-04-03, proferido no Proc. 36/01, 5ª Secção, com sumário publicado em http://www.pgdlisboa.pt:

«Tendo as partes sido notificadas da data da leitura da sentença e faltando nessa data uma delas, o prazo de interposição de recurso conta-se a partir da data da leitura e do respectivo depósito da sentença (cfr. art.º 411.º, n.º 1 do C. P. P.) e não da data em que é notificada a parte faltosa dessa sentença, uma vez que nos termos do art.º 372.º, n.º 4 do C. P. P. considera-se que a mesma esteve presente à respectiva leitura.»

2 – A partir de tal depósito se conta o prazo para a interposição do recurso do mesmo assistente, prazo que não foi suspenso ou interrompido pela falada notificação postal.»

Acórdão do S.T.J. de 97/05/08, proferido no processo n.º 278/97, com o seguinte sumário publicado: (() Ibidem, pág. 794.)

«1 - Sendo a decisão lida publicamente em audiência, não há que posteriormente proceder à notificação dos sujeitos processuais que devam considerar-se presentes naquela.

2 - Para os que não tendo estado ou não devam considerar-se presentes, o prazo para interposição de recurso conta-se desde depósito da decisão na secretaria.

3 - Não tendo o mandatário da assistente comparecido na audiência em que se procedeu à leitura do acórdão, tal não impede que aquela se tenha por pessoalmente notificada, pois a lei não impõe que essa notificação tenha de ser feita ao respectivo advogado.

4 - Deste modo, para o começo da contagem do prazo de recurso irreleva totalmente notificação postal dos sujeitos processuais, que aliás, constituí acto inútil.»

E, ainda, os seguintes Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, tanto quanto sabemos, inéditos

Acórdão de 2003/09/29, proferido no processo n.º 996/03 - 2ª secção, com a seguinte nota de síntese:

«I - Nos termos do n.º 1, do art. 411 do C. P. P., o prazo para interposição de recurso, quando a decisão é lida em audiência, conta-se a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria.

II - Encerrada a discussão de audiência e julgamento em 28/1/2003, foi designado, para a leitura da sentença, o dia 31 do mesmo mês e ano, tendo sido notificados desse despacho todos os presentes, incluindo o recorrente e o seu mandatário. A sentença foi lida no dia aprazado ( 31/1/2003) e depositada na secretaria em 3/2/2003.

III - Atenta a regra da continuidade dos prazos ( cfr. art. 144 do C.P.C. ex vi art. 104, n.º 1, do C. P. P.) os 15 dias para a interposição de recurso previstos no art. 411, n.º 1, do C. P. P., começaram a correr em 4 de Fevereiro de 2003.

IV - O prazo previsto no n.º 1, do art. 411, do C. P. P. é peremptório e a notificação da sentença efectuada ao assistente e ao seu mandatário por via postal não tem a virtualidade de estender aquele prazo. Essa notificação constituiu até um acto inútil, porquanto a leitura da sentença, na data em que para o efeito foi designada e comunicada, equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência, como é o caso do assistente e do seu mandatário ( cfr. art. 372.º, n.º 4, do C. P. P.).»

Acórdão de 2002/02/18 proferido no processo n.º 912/02 - 2ª Secção, com a seguinte nota de síntese:

«I - Dispõe o art. 411, n.º 1 do C. P. Penal que o prazo para a interposição do recurso é de 15 dias e conta-se da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria.

II - Porque a partir do depósito da secretaria a acórdão fica completamente acessível às partes, é a partir de tal data que começa a contar o prazo para a interposição do recurso - art. 372, n.º 5 do C. P. Penal.»

Em relação à contagem do prazo de interposição de recurso, refere, também, Gil Moreira dos Santos: (( ) Cfr. Gil Moreira dos Santos, O Direito Processual Penal, Edições Asa [2003], pág. 400.)

«O termo inicial do prazo de recurso está definido nos n.os 1 e 6 do artigo 411.º, e que é o da notificação da decisão. No caso desta ser uma sentença, a contagem faz-se da data do depósito na secretaria, ou, no caso de sentença contra arguido ausente, julgado como se presente, aquando da notificação, tal como decorre dos artigos 333.º, n.º 4 e 334.º, n.º 8.»

A outra questão de que depende a decisão é a de saber se é aplicável ao processo penal o disposto no n.º 6, do art. 698.º, do Código de Processo Civil. (() A partir deste ponto, seguimos a exposição do Acórdão da Relação do Porto de 30 de Outubro de 2002, proferido no processo n.º 738/2002, da 2.ª secção criminal.)

Segundo essa norma, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos para a apresentação das alegações.

O legislador penal não previu nem consagrou qualquer acréscimo do prazo para apresentação da motivação do recurso que vise impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto.

A questão está em saber se a falta de previsão de um acréscimo do prazo para interposição de recurso que vise a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto constitui uma lacuna que deva ser integrada por apelo ao artigo 4.º do C. P. P.

A lacuna é sempre uma incompletude, uma falta ou falha contrária ao plano do direito vigente (() Neste ponto, passamos a seguir Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Almedina, p.194 e ss., referindo-nos, apenas às chamadas lacunas da lei ou lacunas de regulamentação, sem tratarmos das lacunas no plano dos princípio e valores jurídicos gerais, as chamadas lacunas do direito, por tal não ser reclamado pela questão a resolver.).

No plano das próprias normas podem verificar-se lacunas quando a norma legal não pode ser aplicada sem que acresça uma nova determinação que a lei não contém. São as chamadas lacunas da lei ou lacunas de regulamentação ou, ainda, lacunas ao nível das próprias normas.

Próximas desta categoria estão as lacunas resultantes de contradições normativas, que podem ser contradições lógicas, contradições teleológicas e contradições valorativas das quais nascem as chamadas lacunas de colisão: um espaço jurídico à primeira vista duplamente ocupado fica a constituir um espaço jurídico desocupado, uma lacuna.

A mais importante das categorias das lacunas da lei são as lacunas teleológicas. São lacunas a determinar em face do escopo visado pelo legislador, ou seja, em face da ratio legis. Nesta categoria de lacunas a doutrina costuma distinguir entre lacunas patentes e lacunas latentes. Verifica-se um caso da primeira espécie sempre que a lei não contém qualquer regra que seja aplicável a certo caso ou grupo de casos, se bem que a mesma lei, segundo a sua própria teleologia imanente e a ser coerente consigo própria deverá conter tal regulamentação. A lacuna teleológica será latente ou oculta quando a lei contém na verdade uma regra aplicável a certa categoria de casos, mas por modo tal que, olhando ao próprio sentido e finalidade da lei, se verifica que essa categoria abrange uma subcategoria cuja particularidade ou especialidade, valorativamente relevante, não foi considerada. A lacuna traduzir-se-ia aqui na ausência de uma disposição excepcional ou de uma disposição especial para essa subcategoria de casos.

Postos estes subsídios doutrinários, requeridos pela questão que somos chamados a resolver, até porque o problema das lacunas não é apenas ou fundamentalmente o problema do seu preenchimento mas prioritariamente, e não menos importante, o problema da sua determinação ou descoberta, podemos já excluir a existência de uma lacuna ao nível da própria norma ou uma lacuna de colisão.

A norma do artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal não carece de qualquer integração nem entra em contradição com qualquer outra norma processual penal.

Define o prazo para a interposição de recurso e determina o momento a partir do qual se conta esse prazo e não entra em colisão com qualquer outra norma do ordenamento processual penal.

E assim a questão fica delimitada à indagação da existência de uma lacuna teleológica.

Ou seja, saber se a ausência de uma disposição especial concedendo um acréscimo ao prazo de interposição de recurso quando vise a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto contraria o escopo visado pelo legislador, subjacente à regulamentação legal da matéria de recursos.

Em face da teleologia imanente a todo o complexo normativo que constitui o ordenamento processual penal, não pode ser afirmada a existência de uma lacuna.

Na verdade, o legislador sublinhou, no preâmbulo do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro ( Cfr. Ponto III n.os 8 e 9.), na linha do sentido definido pela Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro ( Lei de autorização legislativa em matéria de processo penal, que sobre o sentido e extensão da autorização, estabelecia no artigo 2.º, n.º 2, 1): «Construção de um sistema processual que permita alcançar, na máxima medida possível e no mais curto prazo, as finalidades da realização da justiça, de preservação dos direitos fundamentais das pessoas e de paz social». ), que uma das motivações que esteve na primeira linha dos trabalhos da reforma do processo penal foi a procura de uma maior celeridade e eficiência na administração da justiça penal.

Na consideração que «a eficiência é, por um lado, o espelho da capacidade do ordenamento jurídico e do seu potencial de prevenção, que, sabe-se bem, tem muito mais a ver com a prontidão e a segurança das reacções criminais do que com o seu carácter mais ou menos drástico» e que «a celeridade é também reclamada pela consideração dos interesses do próprio arguido, não devendo levar-se a crédito do acaso o facto de a Constituição, sob influência da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, lhe ter conferido o estatuto de um autêntico direito fundamental».

Foi, por isso, propósito do legislador «reduzir ao mínimo a duração» dos processos penais. O propósito de aceleração processual aflora em alterações e inovações, umas directamente preordenadas à aceleração processual, outras apresentando pelo menos uma inquestionável valência neste sentido. «A favor directamente da aceleração processual» - destaca o legislador – «está sem dúvida a nova disciplina em matéria de prazos».

Por outro lado, os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, nos casos especificados nos n.os 2, 5 e 6 do artigo 107.º do Código de Processo Penal.

Na versão primitiva, o acto só poderia ser praticado fora de prazo desde que se provasse justo impedimento (n.º 2).

Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de Novembro, foi aditado o n.º 5, que veio permitir o recurso ao regime do processo civil sobre os prazos (artigo 145.º, n.os 5 e 6, do Código de Processo Civil).

O actual n.º 6 foi introduzido pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.

Com o novo n.º 6 é dada a possibilidade ao juiz de, em função da excepcional complexidade do processo, prorrogar certos e determinados prazos a requerimento do assistente, do arguido ou das partes civis.

Nos termos do n.º 6 a prorrogação dos prazos é excepcional e justificada pela especial complexidade do procedimento, tem de ser expressamente requerida (não pode ser oficiosamente concedida) e, ainda assim, a possibilidade de prorrogação só existe para certos prazos taxativamente definidos na lei [prazo do artigo 78.º (contestação do pedido cível), prazo do artigo 287.º (requerimento para abertura da instrução) e prazo do artigo 315.º (apresentação da contestação e rol de testemunhas para julgamento)].

Ora, o legislador, em 1998, conhecedor do regime consagrado no processo civil, não entendeu incluir no n.º 6 do artigo 107.º sequer a possibilidade de prorrogação do prazo fixado no artigo 411.º, n.º 1, para o recurso que vise a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, nem incluiu, no próprio artigo 411.º, sobre o qual se debruçou, alterando-o, norma correspondente ao n.º 6 do artigo 698.º do Código de Processo Civil.

Atendendo a que a disciplina em matéria de prazos visa corresponder à celeridade que se quis imprimir ao processo penal e ao facto de o legislador, recentemente, ter introduzido alterações na matéria, consagrando a possibilidade de prorrogação de prazos em casos taxativamente definidos nos quais não incluiu a interposição de recurso em matéria de facto, parece-nos seguro concluir que a não previsão, ao nível do processo penal, de norma correspondente ao n.º 6 do artigo 698.º do Código de Processo Civil traduz uma opção legislativa, não podendo, pois, afirmar-se a existência de uma lacuna teleológica.

Concluindo-se que aos recursos em processo penal, que visem a impugnação da decisão proferida em matéria de facto, não se aplica a norma do n.º 6 do artigo 698.º do Código de Processo Civil, é manifesto que o recurso foi interposto fora de tempo, por apresentado para além do prazo definido no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

O prazo – para ambos os arguidos - terminou no dia 27 de Janeiro de 2003 e, com pagamento de multa, no dia 30 de Janeiro de 2003.

O despacho de admissão do recurso, afirmando, implicitamente, a sua tempestividade, não vincula este tribunal (artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

- Nos termos do disposto no art.º 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal o recurso não é admitido (...) quando for interposto fora de tempo (...).

- E, finalmente, nos termos do disposto no art.º 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência ou que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artigo 414.º, n.º 2.


III.

Termos em que, por ter sido interposto fora de tempo, se acorda em rejeitar o recurso.

Vai cada um dos recorrentes condenado em 3 UC de taxa de justiça e, ainda, em 3 UC, nos termos do n.º 4 do referido artigo 420.º do Código de Processo Penal.