Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ROSA TCHING | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE SUBSTITUIÇÃO CAUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/12/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | 1º- A providência cautelar de restituição provisória de posse, judicialmente decretada, pode ser substituída por caução, desde que esta medida se mostre adequada, bastante e suficiente para prevenir, evitar e reparar o dano. 2º- É de aceitar, como critério orientador do juiz na decisão sobre a substituição por caução duma restituição provisória de posse, que esta só deve ocorrer nos casos em que se verifiquem ponderosos e aceitáveis interesses e razões do esbulhador, que possam superar o interesse típico da lei de reprimir a violência do esbulhador. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães "A" e mulher "B", vieram requerer sejam admitidos e prestar caução, mediante garantia bancária, pelo valor €5.000,00 (cinco mil euros), em ordem a obter a suspensão da providência de restituição provisória da posse decretada nos autos principais. Sustentaram, para tanto e em suma, que: 1º- no requerimento inicial não se mostram alegados nem quantificados quaisquer danos por parte dos requerentes da providência cautelar; 2º- estes não estão privados do uso do logradouro que alegam fazer parte integrante do andar arrendado; 3º- a requerente da providência cautelar "C" tem vindo a ocupar o espaço destinado à passagem com um veiculo automóvel impedido os ora requerentes "A" e mulher de acederem à parte restante do logradouro do prédio; 4º- estes, tendo planeado construir garagens na parte posterior do logradouro, estão impedidos de concretizar o projecto por tal facto; 5º- situação que lhes acarreta prejuízos porque o decorrer do tempo aumenta o preço da construção e porque não podem obter o rendimento que as garagens lhes podiam dar (valor que estimam em €500,00/mês); 6º- e, finalmente, que estando os ora requerentes, "A" e mulher, a executar obras de beneficiação no prédio onde se insere a fracção arrendada, pretendiam substituir o portão ou cancela por um novo, reparando e remodelando o muro. "C", José H... e Joaquim J..., notificados do teor do requerimento apresentado, propugnaram a rejeição do pedido da prestação de caução. Sustentaram, para tanto e em suma, que: a)- no presente caso a substituição da providência decretada por caução é inaceitável uma vez que a aceitação desta pretensão seria o mesmo que ficar total e definitivamente sem efeito não só a restituição ordenada, mas também inutilizada e anulada uma parte importante do objecto do arrendamento; b) - com a caução pretende-se que o logradouro deixe de ser usado nos termos e para os fins para que sempre foi usado. Foi proferida decisão que indeferiu a requerida prestação de caução, condenando os requerentes no pagamento das custas. Inconformados com esta decisão, dela agravaram os requerentes, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1°- Notificados da douta decisão que ordenou a restituição provisória da posse aos requerentes sem audiência prévia dos requeridos, estes optaram por deduzir oposição invocando razões de facto e de direito que, a proceder, se extingue o alegado direito dos requerentes à parcela do logradouro, objecto de restituição. 2°- Parcelarmente, os requerentes solicitaram que fosse admitida a prestação da caução, mediante garantia bancária, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), por forma a obter a suspensão da providência de restituição provisória da posse decretada nos autos principais. 3°- Todavia, a douta decisão ora posta em crise decidiu que o caso em apreço "... não configura nenhum daqueles casos em que ressaltam interesses do esbulhador - requerente que, pela sua ponderabilidade e aceitabilidade dos mesmos, suprem os interesses típicos da lei ao estabelecer a restituição provisória da posse". 4°- Ora, apesar do respeito devido, os recorrentes consideram que a douta decisão recorrida não ponderou correctamente os interesses em confronto nos presentes autos de restituição provisória da posse. 5°- Uma vez que, face ao disposto no n° 3, do artigo 387°, do Código Processo Civil, a providência cautelar pode ser substituída por caução, mesmo nos casos de restituição provisória da posse, ainda que excepcionalmente, desde que verificados os respectivos requisitos, a saber, a sua suficiência para prevenir a lesão ou para a sua reparação integral. 6°- Compulsando o requerimento inicial do procedimento cautelar, facilmente se conclui que os recorridos não alegam nem quantificam quaisquer danos nem pela douta decisão proferida que decretou a providência se mostra verificada uma lesão especialmente qualificada, consubstanciada em danos especialmente elevados em termos monetários ou que traduzam uma forte possibilidade de aniquilação do seu alegado direito. 7°- Pelo que, a substituição da restituição da posse por caução não põe em causa a reparação integral da lesão, uma vez que, mesmo com a prestação da caução, os requentes continuam a ter acesso ao dito logradouro, embora não de forma exclusiva. 8°- Logo, é sobre os ora recorrentes que impende o ónus de invocação das razões que justificam a manutenção da situação de facto por eles criada com o esbulho, e designadamente, os danos que acarretará a eles o cumprimento (ainda que provisório) da restituição. Ora, 9°- Como bem se alegou no requerimento para prestação de caução, os aqui recorrentes têm necessidade de aceder a uma parte do logradouro através da uma faixa de terreno a qual tem vindo a ser ocupada pelos ora recorridos com um veículo automóvel impedindo assim a passagem dos recorrentes de acederem à parte restante do logradouro do prédio 10°- Facto esse, que impede os recorrentes de realizar obras na parte posterior do logradouro, pelo facto de o acesso se encontrar obstruído pela recorrida "C", que abusivamente coloca veículos automóveis no local de passagem, situação que lhes acarreta prejuízos porque o decorrer do tempo aumenta o preço da construção e porque não podem obter o rendimento que as garagens lhes podiam dar, valor esse que se estima em € 500,00/mês. 11° Portanto, se aos ora recorridos a substituição da providência por caução não causa qualquer prejuízo, pois continuam a ter livre acesso ao logradouro, ainda que se aceite não terem acesso exclusivo, já aos recorrentes o mesmo não sucede. 12°- Uma vez que, e conforme se deixou alegado, os recorrentes, bem como outros proprietários do prédio onde se insere a fracção arrendada, precisam de passar pelo logradouro objecto da restituição para aceder ao logradouro onde se encontram as fossas, um poço e respectivas instalações eléctricas, bem como, para ali construírem as garagens que pretendem arrendar aos demais inquilinos do prédio. 13°- Logo, esta medida substitutiva apenas pretende assegurar um direito excepcional, ponderoso e aceitável de interesses e razões do esbulhador que superam os interesses típicos da lei ao estabelecer a restituição provisória de posse. 14°- Portanto, salvo o devido respeito, ao decidir-se de outro modo fez-se incorrecta subsunção jurídica dos factos ao n° 3 do artigo. 387° do Código Processo Cível”. A final pedem que seja dado provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-se por outro que reconheça a possibilidade de substituir a restituição provisória da posse por caução e julgue a caução prestada no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) como válida e idónea. Os requeridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Foi mantido o despacho recorrido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: FUNDAMENTAÇÃO: Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente. Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se decretada uma providência cautelar de restituição provisória da posse pode a mesma ser substituída por prestação de caução. Antes da Reforma operada ao Código de Processo Civil, pelo DL nº. 329-A/95, de 12-12 e pelo DL nº.180/96, de 25-9, era geralmente entendido, quer pela doutrina Vide, Alberto dos Reis, in, “Código de Processo Civil, Anotado”,vol. I, pág. 674 e Moitinho de Almeida, in,”Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis”,4ª ed. ,pág. 116. , quer pela jurisprudência Vide, entre outros, o Acórdão do STJ, de que não havia lugar à substituição da restituição provisória de posse por caução. Mas mesmo depois desta reforma, determinada corrente jurisprudencial, de que é reflexo o Acórdão do STJ, de 18.05.1999 In, CJ/STJ, Ano XXIV, tomo II, pág.97. , continuou a defender que as providências cautelares nominadas, com excepção do arresto de navios e do embargo de obra nova, não admitem a sua substituição por caução, porque, em regra, nelas estão em jogo direitos basilares da parte requerente com consagração constitucional. Assim, a restituição provisória de posse não pode ser substituída por caução, porquanto nela estamos em presença de um direito para cuja defesa cabe aquela medida específica e determinada. Uma outra, perfilhada por nós e sustentada, entre muitos outros, no Ac. do STJ, de 16.03.2000 Sumariado no Bol.nº.39 de Sumários do STJ., defende que a norma do art. 392º, nº.1 do C. P. Civil, é clara ao admitir a possibilidade de substituição de qualquer providência cautelar por caução, desde que em cada espécie em concreto esta medida se mostre adequada, bastante e suficiente para prevenir, evitar e reparar o dano. Importante é que, como se escreve no Acórdão da Relação de Évora, de 25.02.99 In, CJ, Ano XXIV, tomo I, pág. 278., a apreciação da admissibilidade da substituição das providências cautelares especificadas decretadas seja efectuada em concreto, com ponderação dos valores e interesses subjacentes à sua previsão legal, tendo em consideração o critério norteador contido no nº. 3 do art.387º do C. P. Civil, ou seja, a suficiência e a adequação da caução para prevenir a lesão ou repará-la integralmente. Neste sentido, ensina António Geraldes In,”Temas da Reforma do Processo Civil”,vol.III, 5 – Procedimento Cautelar Comum”,pág. 224. que “Entre as circunstâncias que poderão influir na decisão do juiz sobre a substituição em causa – devem integrar-se a natureza do direito acautelado, atento o seu conteúdo patrimonial e não patrimonial, as condições económicas do requerente ou do requerido, a natureza das actividades causadoras das lesões, a reparabilidade dos eventuais danos causados, etc.”. Escreve-se no Acórdão do STJ, de 12.12.75 In,BMJ,nº.252,pág. 106. que, com o requisito da adequação pretende a lei que a substituição respeite a finalidade prática que a providência se destinava alcançar. E refere-se no Acórdão do STJ, de 25.05.2000 In, CJ/STJ,Ano VIII,tomo II,pág. 83. que, através do requisito da suficiência procura a lei salvar de lesão o interesse acautelado pela providência e, depois, a cobertura da reparação integral dos interesses económicos do mesmo, os seus prejuízos resultantes da substituição. Por outro lado e no que respeita à natureza e finalidade da restituição provisória de posse, ensina o Prof. Alberto dos Reis In, “Código de Processo Civil, Anotado”,Vol. I, pág. 670. que “O benefício da providência é concedido, não em atenção a um perigo de dano iminente, mas como compensação da violência de que o possuidor foi vítima”. A restituição provisória de posse pune a violência do esbulhador e é independente da existência ou risco de existência de outros danos efectivos do esbulhado, para além da privação da coisa. Do mesmo modo, escreve António Geraldes In,obra citada, pág. 212. que, na restituição provisória da posse, “a lei sobrepõe, de modo mais radical, os interesses do requerente aos do requerido, ainda que isso possa determinar, na esfera jurídica deste, prejuízos consideravelmente superiores aos que se pretendem evitar”, constituindo a restituição uma medida que, de algum modo, tem carácter punitivo de comportamentos ilícitos”. E afirma ainda In, “Temas da Reforma do Processo Civil”,vol. IV 6. Procedimentos Cautelares Especificados,”,págs. 57 e 58., que se “parece descabida a substituição quando esteja em causa a posse que colida com o direito à habitação ou com o exercício de uma determinada actividade”, “já noutras situações, em que a actuação do esbulhador se apresente com menor gravidade e em que os valores em causa sejam de conteúdo eminentemente patrimonial, bem pode suceder que a fixação de uma caução seja ajustada a suportar as consequências nefastas derivadas do esbulho e da persistência da situação, na pendência da acção principal”. Daí que, na esteira da doutrina e jurisprudência citadas, se aceite como critério orientador, que a substituição por caução duma restituição provisória de posse só deve ocorrer nos casos em que se verifiquem ponderosos e aceitáveis interesses e razões do esbulhador, que possam superar o interesse típico da lei de reprimir a violência do esbulhador. Aplicando, agora, todos estes ensinamentos ao caso dos autos, há que ter em conta, que a providência cautelar decretada é a “restituição provisória dos requerentes à posse do logradouro à casa arrendada, com colocação pelos requeridos do portão ou cancela no exacto local donde o arrancaram “ e a abstenção dos requeridos “de usarem por qualquer forma, nomeadamente como passagem, o dito logradouro” (cfr. decisão proferidos nos autos de providência cautelar de que os presentes autos são apenso). E que os ora agravantes, como fundamento da pretendida substituição, no essencial, alegam, por um lado, que, tendo planeado construir uma garagem na parte posterior do logradouro, mercê da providência decretada, estão impedidos de concretizar o projecto, situação que lhes acarreta prejuízos, não só porque o decorrer do tempo aumenta o preço da construção, mas também pelo facto de não poderem obter o rendimento que as garagens lhes podiam dar, valor esse que estimam em 500,00€ por mês. E, por outro lado, que a substituição da providência por caução não causa qualquer prejuízo aos requerentes da providência, pois os mesmos continuam a ter livre acesso ao dito logradouro. Ora, começando por analisar este último aspecto, diremos, desde logo, que o que foi acautelado pela providência decretada não foi qualquer prejuízo patrimonial dos respectivos requerentes, mas sim a posse destes enquanto arrendatários de um prédio destinado a habitação e do qual faz parte integrante um logradouro que é usado exclusivamente por eles, tal como resulta dos factos dados como provados na decisão proferida nos autos de providência cautelar. Aliás, é precisamente para defesa desta posse que o art.1037º do C. Civil, estipula, no seu nº.1, que “ (…) o locador não pode praticar quaisquer actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário (…)”,estabelecendo o seu nº. 2 que “ o locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultado ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes”.: E porque assim é, torna-se bem claro que, no caso dos autos, a caução que os ora requerentes pretendem prestar em substituição da providência decretada não só não respeita o fim desta providência, como também não se mostra suficiente nem adequada para evitar a lesão dos requerentes da providência, pois que a destrói por completo, retirando a estes arrendatário a posse a que foram restituídos. De resto sempre se dirá que nem tão pouco se vê que os alegados prejuízos por parte dos agravantes-esbulhadores assumam especial relevo e interesse digno de protecção, porquanto nem sequer se mostra alegado que a construção da referidas garagens só é possível mediante utilização do dito logradouro. Não é, pois, de admitir a substituição da restituição provisória de posse por caução no caso dos presentes autos. Improcedem, pois, todas as conclusões dos agravantes. CONCLUSÃO: Do exposto, poderá extrair-se que: 1º- A providência cautelar de restituição provisória de posse, judicialmente decretada, pode ser substituída por caução, desde que esta medida se mostre adequada, bastante e suficiente para prevenir, evitar e reparar o dano. 2º- É de aceitar, como critério orientador do juiz na decisão sobre a substituição por caução duma restituição provisória de posse, que esta só deve ocorrer nos casos em que se verifiquem ponderosos e aceitáveis interesses e razões do esbulhador, que possam superar o interesse típico da lei de reprimir a violência do esbulhador. DECISÃO: Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e, consequentemente, mantém-se o despacho recorrido. Custas pelos agravantes. Guimarães, |