Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
815/17.0T8GMR-A.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
INDEFERIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir eventuais inexactidões dos resultados a que esta chegou.

II- A lei é, no entanto, clara ao expressar que não se trata de uma faculdade discricionária, sendo condição essencial ao deferimento do requerimento de realização de segunda perícia a respectiva fundamentação, cabendo ao requerente invocar, de modo fundamentado e concludente, as razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado.

III- Da apreciação da valia desses fundamentos dependerá o atendimento da pretensão formulada, ou antes o seu indeferimento, caso o juiz conclua pelo carácter impertinente ou dilatório da segunda perícia.

IV- Daqui decorre que, para além dos casos em que a parte requer a segunda perícia sem indicação de qualquer razão, é ainda de considerar incumprido o ónus da fundamentação a que se fez referência quando não sejam invocados elementos sérios, aptos a alicerçar a manifestada discordância relativamente ao resultado da primeira perícia.”
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Nos presentes autos em que são autora Maria e réus Manuela e António, foi proferido o seguinte despacho:

Requerimento ref.ª 5976748: Atendendo ao resultado da perícia, não sendo a competência técnica posta em causa, e que a realização de perícia por nova entidade teria sempre um valor probatório afetado, não se vislumbra fundamento nem qualquer utilidade na repetição da mesma, pelo que se indefere o requerido.

Inconformados os réus interpuseram recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

1. É nulo o despacho proferido sobre o indeferimento da realização de segunda perícia.
2. Não basta dizer-se que “Atendendo ao resultado da perícia, não sendo a competência técnica posta em causa, e que a realização de perícia por nova entidade teria sempre um valor probatório afetado, não se vislumbra fundamento, nem qualquer utilidade na repetição da mesma, pelo que se indefere o requerido”.
3. As razões aduzidas pelos Réus afiguram-se bastantes, ao abrigo do disposto no artigo 487.º do NCPC, para que fosse requerida e ordenada a realização da segunda perícia.
4. Impunha-se ao tribunal a quo demonstrar sem margem para dúvidas da desnecessidade de realização de segunda perícia, o que não foi feito.
5. Não pode o tribunal a quo, entender que o resultado da segunda perícia teria um valor probatório afetado face ao resultado da primeira, desde logo porque, desconhece qual o resultado que a segunda viria a ter.
6. Porquanto, saber que as razões e os fundamentos invocados têm razão de ser, é assunto que só depois da nova perícia se pode colocar.
7. Os Réus ao partirem e alegarem o resultado inconclusivo da perícia quanto à factualidade que a mesma visava provar e ao requerem nova perícia alegando que a realização da mesma poderá contribuir para a descoberta da verdade material e justa composição do litígio não estão, afinal, a colocar em causa a competência técnica da mesma?
8. Não se deve confiar, de forma ilimitada ou irrestrita, no efeito prático do ditame de que o juiz é o perito dos peritos. Dado que a prova pericial supõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é difícil que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objetivo para o qual não dispõe de meios subjetivos.
9. . Por mais que se afirme a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente na decisão da causa”, in Ac. TRC, Henrique Antunes, Proc. n.º 4857/07.6TBVIS.C1, 24-04-2012, publicado in www.dgsi.pt.
10. Foi violado o disposto nos artigos 487.º e 613.º n.º 3 ex vi artigo 615.º n.º 1 al. b), todos do NCPC.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Para a decisão importa ter em consideração que foi requerido exame para se apurar se a escrita da assinatura de Maria é ou não do seu punho.
O exame e relatório pericial foi elaborado pelo LEDEM – Laboratório de Exame de Documentos e Escrita Manual do Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências.
O resultado da perícia foi inconclusivo.

No seguimento os recorrentes vieram requerer a realização de segunda perícia, alegando ser imprescindível à descoberta da verdade material e justa composição do litígio, o apuramento de tal facto.

A prova pericial destina-se, como qualquer outro meio de prova, a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas partes (art.º 341.º do Código Civil), tendo por objecto a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não detém (art.º 388.º do Código Civil).
Convém ainda ter presente que, quanto maior for a densidade técnica das questões controvertidas sujeitas à prova pericial, mais dependerá o julgador do juízo científico que vier a ser formulado, tal como se afigura ocorrer no caso em apreço.
Nos termos do disposto no artigo 487º do Código de Processo Civil, “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado” (nº. 1), sendo que “a segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta” (nº. 3).
Resulta, assim, do citado artigo 487º, que qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia que, na verdade, não é uma nova perícia. Com efeito, tendo por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destinando-se a corrigir eventuais inexactidões dos resultados a que esta chegou, trata-se de uma repetição, estando uma e outra sujeitas à livre apreciação do julgador, regime este que decorre do preceituado nos artigos 488.º e 489.º.
A lei é no entanto clara ao expressar que não se trata de uma faculdade discricionária, sendo condição essencial ao deferimento do requerimento de realização de segunda perícia a respectiva fundamentação, cabendo ao requerente invocar, de modo fundamentado e concludente, as razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado. Da apreciação da valia desses fundamentos dependerá o atendimento da pretensão formulada, ou antes o seu indeferimento, caso o juiz conclua pelo carácter impertinente ou dilatório da segunda perícia.
Daqui decorre que, para além dos casos em que a parte requer a segunda perícia sem indicação de qualquer razão, é ainda de considerar incumprido o ónus da fundamentação a que se fez referência quando não sejam invocados elementos sérios, aptos a alicerçar a manifestada discordância relativamente ao resultado da primeira perícia.
No caso dos autos, os recorrentes no seu requerimento não individualizam as razões da sua divergência relativamente ao resultado da primeira perícia nem apresentam as razões da sua discordância.
Deste modo, não estão verificados os requisitos a que alude o art. 487º, nº 1, do citado código para que seja realizada uma segunda perícia.
E isto porque o pedido de segunda perícia tem de ser fundamentado com as razões por que a parte discorda da primeira perícia. Não basta requerê-la, sendo exigido a quem a requerer que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente (cfr. Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., pág. 554; no mesmo sentido cfr. acórdão da RG de 7/05/2013, proc. nº. 590-A/2002, acessível em www.dgsi.pt).
No seguimento da doutrina e jurisprudência citadas, em primeiro lugar, o requerente deve especificar os pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objecto da segunda; em seguida, deve indicar os motivos pelos quais discorda, “mas já não lhe será exigível que demonstre ou sustente o eventual sucesso do resultado que pretende obter, tanto mais que este dependerá, necessariamente, da realização da nova perícia” (cfr. acórdão da RG de 17/01/2013, proc. nº. 785/06.0TBVLN-A, acessível em www.dgsi.pt).
Ora os recorrentes não fundamentaram no seu requerimento as razões por que discordam da primeira perícia, nem as razões pela qual discordam da perícia já realizada.

III –Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 18 de Janeiro de 2018-

Sumário:

I- A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir eventuais inexactidões dos resultados a que esta chegou.
II- A lei é, no entanto, clara ao expressar que não se trata de uma faculdade discricionária, sendo condição essencial ao deferimento do requerimento de realização de segunda perícia a respectiva fundamentação, cabendo ao requerente invocar, de modo fundamentado e concludente, as razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado.
III- Da apreciação da valia desses fundamentos dependerá o atendimento da pretensão formulada, ou antes o seu indeferimento, caso o juiz conclua pelo carácter impertinente ou dilatório da segunda perícia.
IV- Daqui decorre que, para além dos casos em que a parte requer a segunda perícia sem indicação de qualquer razão, é ainda de considerar incumprido o ónus da fundamentação a que se fez referência quando não sejam invocados elementos sérios, aptos a alicerçar a manifestada discordância relativamente ao resultado da primeira perícia.”