Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ESPINHEIRA BALTAR | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/30/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
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Sumário: | 1 – O contrato de abertura de conta, que envolve a assinatura da ficha, a gestão da conta corrente e os cheques sacados pelo seu titular e pagos pelo banqueiro, para além do saldo positivo, integra o conceito de título executivo previsto no artigo 46 al. c) do CPC., no que respeita ao capital, se não houver acordo escrito sobre os juros remuneratórios. 2 – Só são relevantes os juros moratórios sobre o “ descoberto em conta” a partir da interpelação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães Agravo 23/05 - 1ª Execução Comum 3606/04 4º Juízo Cível Comarca Barcelos Relator Des. Espinheira Baltar Adjuntos Des. Silva Rato Des. Carvalho Martins Caixa "A", intentou contra "B" e "C" a presente execução comum para pagamento da quantia de 23.677,54 €. E alega, em síntese, que, no exercício da sua actividade creditícia, autorizou os executados a movimentar a descoberto na conta de depósito à ordem n.º ... de que são titulares na Agência de Ponte de Lima – doc. n.º 1 – à taxa de 22,5%, correspondente à taxa de juro praticada pela exequente para operações a descoberto, devidamente convencionada e publicitada pelos balcões. Em consequência dos movimentos a descoberto que efectuaram, a conta à ordem apresentou a 30/09/04 um saldo negativo de 12.276,90 € a título de capital, acrescida de juros remuneratórios de 10.738,59 € e de impostos no montante de 662,05 €. E para prova do alegado, juntou documentos identificados com os n.º 1 a 10 que se descriminam numa abertura de conta, numa relação de movimentos a descoberto, num extracto de conta corrente e em cheques sacados sobre a respectiva conta que foram descontados sem que a conta estivesse provisionada. Em face desta alegação, foi indeferida liminarmente a petição inicial, por falta de título executivo, uma vez que os documentos juntos não integravam o conceito de título executivo previsto no artigo 46 al. c) do CPC, porque o único documento assinado pelos executados era uma ficha de assinaturas que não constituía nem reconhecia nenhuma obrigação pecuniária. Inconformado com o decidido, o exequente interpôs recurso de agravo, formulando conclusões, de que ressaltam as seguintes questões: 1 – Os documentos juntos aos autos, no seu conjunto, integram o conceito de título executivo previsto no artigo 46 al. c) do CPC. 2 – E constituem título executivo ao abrigo do disposto no artigo 9º n.º 4 do decreto-lei 287/93 de 20 de Agosto e artigo 46 al. d) do CPC. Houve despacho de sustentação. Colhidos os vistos, cumpre decidir. Para efeitos da decisão do recurso, elencamos a seguinte matéria de facto: 1 – No dia 4 de Julho de 2000, os executados subscreveram o documento n.º 1 que se refere ao número da conta ..., com movimento individual ou conjunto. 2 – Os documento n.º 2 e 3, relatam um conjunto de movimentos da conta a descoberto pelos executados, não assinados por estes. 3 – Fotocópia do cheque n.º 21 – 72709362 subscrito com o nome de "A" e emitido ao portador sobre a conta ... da "A", no montante de 850.000$00, emitido a 13 de Dezembro de 2000, e depositado a 13 de Dezembro de 2000 para ser creditado na conta 3..., sendo pago a 15 de Dezembro de 2000 ( doc. 4 junto a fls.32 e 33) . 4 – Fotocópia do cheque n.º 30 – 72709361 subscrito com o nome de "A" e emitido ao portador sobre a conta ... da "A", no montante de 875.000$00, emitido a 13 de Dezembro de 2000, e depositado a 13 de Dezembro de 2000 para ser creditado na conta 3..., sendo pago a 15 de Dezembro de 2000 ( doc. 5 junto a fls.34 e 35) . 5 - Fotocópia do cheque n.º 395 72709360 subscrito com o nome de "A" e emitido ao portador sobre a conta ... da "A", no montante de 750.000$00, emitido a 13 de Dezembro de 2000, e depositada a 13 de Dezembro de 2000 no Banco Totta & Açores, agência de ..., sendo pago a 14 de Dezembro de 2000 ( doc. 6 junto a fls.36 e 37) . 6 - Fotocópia do cheque n.º 48 - 72709359 subscrito com o nome de "A" e emitido ao portador sobre a conta ... da "A", no montante de 875.927$00, emitido a 11 de Novembro de 2000, e creditado na conta 3..., sendo pago a 14 de Dezembro de 2000 ( doc. 7 junto a fls.38 e 39) . 7 - Fotocópia do cheque n.º 57 - 72709358 subscrito com o nome de "A" e emitido ao portador sobre a conta ... da "A", no montante de 850.000$00, emitido a 11 de Novembro de 2000, sendo pago a 14 de Dezembro de 2000 ( doc. 8 junto a fls.40 e 41) . 8 – Fotocópia do extracto da conta corrente da conta 0636/049695/100, desde a data de 4 de Julho de 2000 até 22 de Dezembro de 2000. 9 – Fotocópia da Nota de Dívida datada de 30 de Setembro de 2004 subscrita pela gerência da agência da "A" de Ponte de Lima onde se descreve a dívida total em três parcelas – capital – 12.276,90 €; juros de 2/11/2000 a 30/09/2004 – 10.738,59 €; imposto – 662,05 €. Iremos decidir cada uma das questões pela ordem enunciada. 1 – Esta questão está relacionada com o conceito de título executivo elencado no artigo 46 al. c) do CPC. que abrange os documentos particulares assinados pelo devedor, que importam constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético. O título executivo é um documento que tem de observar determinados requisitos formais constantes no artigo 46 do CPC. que lhe conferem exequibilidade. O título incorpora uma relação jurídica obrigacional que lhe confere a presunção de que existe. É uma presunção “ juris tantum”, mas que garante a viabilidade da acção executiva, até prova em contrário. Essa obrigação, que se incorpora no título, vincula os seus subscritores, nomeadamente o executado ou executados. Há como que um reconhecimento por parte deste ou destes, da sua constituição, nos termos exarados no título. Daí que o título executivo seja condição necessária e suficiente da acção executiva, definindo o fim e limites da mesma. Só pode ser objecto de execução, constituir obrigação exequenda, tudo o que se encontrar no documento ou título. No que se refere aos documentos particulares o requisito de exequibilidade incide na assinatura do documento. É esta que garante que o teor do documento é da autoria do seu subscritor e reconhece, como existente, a obrigação nele exarada. No caso dos autos, face aos factos elencados, é de concluir que estamos perante um contrato de abertura de conta, celebrado entre o exequente e os executados, consubstanciado na ficha preenchida por aquele e assinada por estes. Deste contrato decorre o direito de depósito e levantamentos de fundos por parte do titular da conta, com a obrigação do banqueiro de os registar em conta corrente. E no âmbito deste contrato podem ser celebrados contratos de convenção de cheques e concessão de crédito por descoberto em conta. A convenção de cheques permite ao titular da conta requisitar cheques para levantar fundos em sem nome ou em nome de terceiros. Com eles o titular dá ordens ao banqueiro no sentido de pagar o quantitativo neles inscrito, até ao montante dos fundos disponíveis na conta. Ultrapassados esses fundos, o banqueiro não está obrigado, pela convenção, a cumprir a ordem emanada dos cheques. Poderá fazê-lo se houver um acordo de abertura de crédito associada à referida conta ou tiver acordado em conceder crédito pessoal ao seu titular. Mas pode acontecer que não tenha havido nenhum destes acordos, e o banqueiro, que, pela relação de confiança que mantém com o seu cliente, acredita que o mesmo lhe irá pagar o montante, que ultrapassa os fundos disponíveis e paga os saques ordenados pelo cliente. O saldo da conta ficará numa situação negativa, a favor do banqueiro, que na gira comercial bancária se chama de “ descoberto em conta”. Este “ descoberto em conta”, é tratado pela doutrina e jurisprudência como um mútuo mercantil, sujeito a juros remuneratórios se houver acordo prévio nesse sentido, com fixação da taxa de juros. Se o acordo não for prévio, nem expresso, vigoram as regras do acordo tácito, uma vez que o banqueiro faz da sua actividade profissão, e, ao facilitar a disponibilidade de caixa, pretende ser remunerado, pelo menos a título de juros moratórios legais. E isto porque o cliente está a usufruir dum bem temporariamente, que teria de pagar se tivesse de contrair um mútuo ( Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2ª edição, 2001, Almedina, pag. 500 a 510, 589; Ac. Rlxa 23/7/87 , CJ. 1987, tomo 4, pag. 137; Ac Rc 15/12/92, CJ. 1992, tomo 5, pag. 76; Ac. STJ 15/11/95 BMJ. 451/440; Ac. Rlxa 6/02 /97, CJ. 1997, tomo 1, pag. 129). Aplicando estes princípios aos factos, temos de concluir que estamos em presença dum “ descoberto em conta”, que se traduz numa obrigação para os executados e num crédito para o exequente, na medida em que aqueles obtiveram quantias do banqueiro para além dos fundos existentes. Isto resulta das ordens emanadas dos cheques subscritos pelo executado "A", que foram oportunamente pagos pelo exequente, apesar de não haver saldo positivo na conta, situação registada na conta corrente, elemento integrante do contrato de abertura de conta, pelo que não tinha que ser assinada pelos executados. O contrato de abertura de conta gera, em si, esta situação, que é da responsabilidade do banqueiro. Assim, conjugando a assinatura da ficha, com a conta corrente e os cheques sacados pelo executado "A" e pagos pelo exequente, para além do saldo positivo, é de concluir que estes elementos integram o conceito de título executivo previsto no artigo 46 al. c) do CPC., mas só no que respeita ao capital. E isto, porque só o capital entregue para além do saldo, é que emerge dos documentos juntos aos autos, que têm a assinatura dos executados e que os vincula. Quanto aos juros remuneratórios, não provam que tivesse havido um acordo nesse sentido, porque não consta dos documentos. Assim, apenas são relevantes os juros moratórios para as relações comerciais a contar da mora. E esta nasce com a interpelação nos termos do artigo 805 n.º 1 do C.Civil. Pois os documentos em causa não indicam o momento em que os executados foram notificados, para liquidarem o seu débito. O que quer dizer que só a partir da citação se vencerão os juros sobre o capital. Por outro lado, os documentos não provam a existência dos impostos contabilizados, uma vez que estão conexas com as juros remuneratórios que não constam dos mesmos. 2 – Esta questão está relacionada com a especificidade do exequente, enquanto banco, com um estatuto especial, em matéria de execução de dívidas emergentes de contratos ou actos, em que intervenha a "A" e seus clientes, desde que resultem dum documento assinado por estes. Estes documentos de dívida, assinados pelos devedores, adquirem exequibilidade por força da assinatura. Basta a assinatura do devedor a reconhecer a dívida, para que possa ser executada. O certo é que das assinaturas existentes nos documentos juntos, apenas poderemos concluir que estamos perante um contrato de abertura de conta em que há um “ descoberto em conta” a favor do exequente. Quanto ao mais, não se pode inferir que tenha força executiva, porque não provam o acordo sobre a concessão de crédito com taxa de juros remuneratórios, nem as despesas apresentadas. A exequibilidade depende da assinatura do documento, que neste caso apenas incide sobre a ficha de abertura de conta e dos cheques. E estes documentos não abrangem os juros remuneratórios invocados na petição executiva e impostos. Daí que em nada altere a situação sobre o decidido em 1). Em face de todo o exposto, é de concluir que os documentos em questão integram um título executivo, no que concerne ao capital em dívida, emergente dos levantamento para além do saldo positivo e das despesas debitadas pelo exequente referentes à gestão da conta no montante de 12.276,90 € e dos juros moratórios a vencer-se a partir da citação. A acção terá de prosseguir nesta parte, o que implica um despacho de indeferimento parcial nos termos do artigo 812 e 812-A n.º 2 do CPC.. Decisão Pelo exposto, acordam os juizes da Relação em conceder parcialmente provimento ao recurso, e, consequentemente, revogam parcialmente o despacho recorrido e ordenam o prosseguimento da acção executiva, nos termos acima apontados. Custas pelo agravante, na proporção de decaimento. Guimarães, |