Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HELENA MELO | ||
Descritores: | SIGILO BANCÁRIO RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/10/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | QUEBRA DE SIGILO | ||
Decisão: | DISPENSADO O SIGILO | ||
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Sumário: | I – Tanto o direito à reserva de intimidade da vida privada e familiar como o direito a uma tutela jurisdicional efectiva merecem protecção constitucional. II – Fazem parte da reserva à intimidade da vida privada os dados relativos às operações passivas e activas resultantes do movimento da conta bancária de cada cidadão. III – Apenas é permitida a quebra do sigilo bancário se esta se mostrar justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, tendo em conta a imprescindibilidade da informação, no caso concreto, para a justa composição do litígio. IV – Sendo controvertido o montante efectivamente auferido pelo obrigado a alimentos, elemento determinante para a fixação dos alimentos a prestar ao menor, mostra-se necessária a junção dos extractos bancários, pelo que deve ser concedida a dispensa do dever de sigilo bancário. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães: S. veio instaurar acção de regulação das responsabilidades parentais contra J. relativamente ao menor B., nascido no dia 29 de Junho de 2007. Na conferência realizada em 14.03.2011 foi homologado o acordo provisório dos pais do menor quanto à residência do menor e ao regime de visitas, não tendo sido possível obter acordo quanto ao montante de alimentos a prestar pelo requerido ao menor, tendo as partes sido notificadas para alegarem, o que fizeram. Por requerimento de 27 de Abril de 2011 veio a requerente impugnar dois documentos juntos pelo requerido e com vista a determinar os reais rendimentos do requerido requereu que se oficiasse “…às instituições bancárias para informar aos autos todas as contas de que o requerido é titular ou co-titular, bem como para fornecer extractos bancários dessas contas, desde o ano de 2008 até à presente data, nos termos do disposto no artº 519º do Código de Processo Civil…”. Notificado para o efeito, o Banco C, SA e o Banco P, S.A. vieram invocar o dever de sigilo bancário para se escusarem a fornecer os elementos pedidos. Em face das posições assumidas pelas instituições bancárias, o Mmo. Juiz a quo proferiu despacho desencadeando o incidente previsto no art.º 135.º n.º 3 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art.º 519.º n.º 3 e n.º 4 do Código de Processo Civil. A questão a decidir nestes autos é apenas a de saber se existe fundamento para a dispensa do sigilo ou segredo profissional invocado pelo Bancos C e P, S.A. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. O circunstancialismo fáctico e processual a ter em conta é o descrito no relatório. O DIREITO APLICÁVEL Todas as pessoas sejam ou não partes na causa têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados (nº1 do artº 519º do CPC). A recusa é porém legítima se a obediência importar nomeadamente violação do sigilo profissional (al c) do nº 3 do artº 519º do CC). Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do nº 3, é aplicável com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado (nº 4 do artº 519º do CPC). O dever de segredo bancário traduz uma obrigação de facto negativo que se encontra disciplinado nos arts 78.º e 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) aprovado pelo DL 298/92 de 31/12 Diploma sucessivamente alterado pelos Decretos-Lei nº 246/95, de 14.09, nº 232/96, de 05.12, nº 222/99, de 22.07, nº 250/2000, de 13.10, nº 285/2001, de 03.11, nº 202/2002, de 26.09, nº 319/2002, de 28.12, nº 252/2003, de 17.10 e pela Lei nº 94/09, de 01.09. . Nos termos do referido artº 78º os membros, empregados e colaboradores das instituições de crédito estão sujeitos ao dever de segredo profissional, que abrange os factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os clientes, cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, estando, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e os seus movimentos e outras operações bancárias. E de acordo com o estatuído no nº 2 do art. 79º do mesmo diploma, os elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados nos termos da lei penal e de processo penal, ou quando exista outra disposição legal que expressamente limite esse dever de segredo. Porém, como é entendimento dominante, o dever de segredo profissional não é absoluto, não prevalece sempre sobre qualquer outro dever conflituante como resulta das excepções contempladas no art. 79º do DL nº 298/92 e também no nº 4 do art. 519º do CPC, que consagra o dever de cooperação a que se acham obrigados tanto as partes no processo como terceiros, em nome da realização dos superiores interesses duma boa administração da justiça. Assim, o segredo bancário terá de ceder quando esteja em causa a salvaguarda de interesses superiores, nomeadamente a realização da justiça, conforme se defende no Ac. do TRL de 21.05.2010 Relatado por Dina Monteiro, proferido no proc. nº 3232/08, disponível em www.dgsi.pt. , citado pelo A. Fazem parte da reserva à intimidade da vida privada – direito fundamental constitucionalmente consagrado e tutelado (nº 1 do artº 26º da CRP) – os dados relativos às operações passivas e activas resultantes do movimento da conta bancária de cada cidadão. O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (n° 1, in fine, e n° 2) analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (cfr. Ccivil, art. 80°). Alguns outros direitos fundamentais funcionam como garantias deste: é o caso do direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência (art. 34°), da proibição de tratamento informático de dados referentes à vida privada (art. 35°-3). Instrumentos jurídicos privilegiados de garantia deste direito são igualmente o sigilo profissional e o dever de reserva das cartas confidenciais e demais papéis pessoais (cfr. Ccivil, arts. 75° a 78°). Aliás, a Constituição incumbe a lei de garantir efectiva protecção a esse direito (n° 2), compreendendo-se essa preocupação suplementar face aos sofisticados meios que a técnica hodierna põe à disposição da devassa da vida privada e da colheita de dados sobre ela (cfr. Acs TC nºs 255/02 e 207/03) Comes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, págs 467-468, citado no Ac. do TRG de .Janeiro de 2011, ainda não publicado, no qual interviemos como adjunta e que cuja orientação temos vindo a seguir. Porém, co-existem outros bens / interesses constitucionalmente protegidos, designadamente, o acesso ao direito e o direito a uma tutela jurisdicional efectiva – cfr. artº 20º da CRP, a boa e célere administração da justiça criminal, face ao dispõem os artºs 20º, 29º, 32º e 205º e segs da CRP. A questão que se coloca é se as instituições de crédito referidas devem prestar os elementos bancários pedidos pelo Tribunal de 1º Tribunal de 1.ª Instância, por força da prevalência de outro ou outros valores. Como se referiu o CPC remete para o disposto no CPP acerca da verificação da legitimidade da escusa e nos termos do disposto no nº 3 do artigo 135.º do Código de Processo Penal, é permitida a requerida quebra de sigilo bancário “(…) sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos (…)” Atento que estamos perante interesses que têm dignidade constitucional, não se pode concluir que o dever de sigilo bancário deve sempre ceder sempre perante as exigências da justiça. Se deve ou não, resultará da ponderação dos interesses em confronto, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto em que a legitimidade da escusa se coloca, tendo em conta a imprescindibilidade do meio de prova para a causa em concreto em apreciação. No caso, está em conta apurar quais os rendimentos auferidos pelo requerido. Nos termos do nº 1 do artº 2004º do CPC os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los. Trata-se, assim, de um elemento essencial para determinar o montante dos alimentos a prestar pelo requerido ao menor, seu filho, em conjugação com outros elementos de facto: os rendimentos auferidos pela mãe do menor – requerente - e as despesas do menor. Face ao alegado pela requerente, de que os rendimentos que o requerido diz auferir não correspondem à verdade e face à necessidade de se conhecer os seus reais rendimentos pelas razões já referidas, a diligência probatória solicitada é um meio de prova essencial, para a prova dos factos em discussão. Deve assim serem dispensandos o Banco C, S.A. e o Banco P, S.A. do cumprimento do dever de segredo profissional, por se considerar justificada esta dispensa, atento o princípio da realização da justiça e por não constituir intromissão desproporcionada na intimidade do requerido. Sumário (nº 7 do artº 713º do CPC) I – Tanto o direito à reserva de intimidade da vida privada e familiar como o direito a uma tutela jurisdicional efectiva merecem protecção constitucional. II – Fazem parte da reserva à intimidade da vida privada os dados relativos às operações passivas e activas resultantes do movimento da conta bancária de cada cidadão. III – Apenas é permitida a quebra do sigilo bancário se esta se mostrar justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, tendo em conta a imprescindibilidade da informação, no caso concreto, para a justa composição do litígio. IV – Sendo controvertido o montante efectivamente auferido pelo obrigado a alimentos, elemento determinante para a fixação dos alimentos a prestar ao menor, mostra-se necessária a junção dos extractos bancários, pelo que deve ser concedida a dispensa do dever de sigilo bancário. DECISÃO Em face do exposto acordam os Juízes desta Relação, ao abrigo do disposto nos arts. 519º, nº 4 do CPC e 135º, nº 3 do CPP, em dispensar o Banco C, S.A. e o Banco P, S.A. do cumprimento do dever de segredo profissional, determinando-lhes que forneçam os elementos que oportunamente lhe foram solicitados pela 2º Juízo Cível do Tribunal de Viana do Castelo. Custas pela parte vencida a final. Not. Guimarães, 10 de Novembro de 2011 Helena Melo Rita Romeira Amílcar Andrade |