Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2601/11.2TBGMR-A.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: CONVENÇÃO ARBITRAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I.- Na convenção de arbitragem, a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitam.
II.- Não viola a convenção de arbitragem, se na cláusula compromissória se não incluiu expressamente a questão da resolução do contrato, a parte contratante que, pretendendo resolvê-lo com base na falta de pagamento do preço, intenta providência cautelar nos tribunais judiciais com vista a serem-lhe entregues as coisas objecto do celebrado contrato de compra e venda com reserva de propriedade.
Decisão Texto Integral: - Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães –
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A) - RELATÓRIO
I.- “S…, GMBH”, sociedade comercial com sede em Stollweg 172760 Reutlingen, na Alemanha, requereu o presente procedimento cautelar comum contra “O.X…, Ldª.” sociedade comercial por quotas, com sede na Rua dos Lameiros, nº. 18, em Sande, freguesia de Vila Nova, da comarca de Guimarães, pretendendo que lhe seja concedida autorização para proceder à desmontagem e remoção da máquina e Software que identifica no item 3º., do requerimento inicial, que se encontravam instalados na sede da Requerida e que esta se abstenha da prática de quaisquer actos impeditivos da referida desmontagem e remoção.
Fundamenta alegando, em síntese, que vendeu aquela máquina e o software à Requerida, mas reservou para si a propriedade delas até que o preço respectivo se mostrasse integralmente liquidado.
Ora, a Requerida não pagou diversas prestações do preço acordado e, por isso, de acordo com o estabelecido no nº. 2 do ponto 11 da cláusula II do contrato que celebraram, opta pela resolução.
Face à impossibilidade de citação da Requerida, quer no endereço acima referido, quer na cidade da Póvoa do Varzim, foi dispensada a sua audição.
Inquiridas as testemunhas oferecidas pela Requerente, foi proferida a douta decisão sob recurso, constante de fls. 97 a 105 dos autos, que, julgou procedente a providência cautelar requerida, ordenando e autorizando, nos termos pretendidos pela Requerente.
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II.- Inconformada com aquela decisão, a Requerida interpôs o presente recurso e formulou as seguintes conclusões:
a) Do contrato, que a Requerente deu como reproduzido, no requerimento inicial, e que ora, e para os devidos efeitos legais, também aqui se dá por reproduzido, ressalta e resulta da “Cláusula 15” que os próprios contraentes estipularam, mediante convenção escrita, qual a Lei aplicável e a forma de Resolução de Litígios.
b) Nos termos do aí clausulado, a Requerente instaurou o presente procedimento e procedeu à sua distribuição, nas Varas Cíveis do Porto, como resulta do requerimento inicial e, onde foi distribuído sob o nº. 50/11.1TVPRT, 1ª. Secção, da 2ª. Vara, ao abrigo do convencionado sob o nº. 11 da dita “Cláusula 15”.
c) Dos elementos relativos à citação da Requerida não consta qual a decisão proferida pela referido Tribunal, para se declarar territorialmente incompetente, e ter remetido para o Tribunal a quo, os autos, para este proferir decisão, como proferiu.
d) A tramitação dos presentes autos e a decisão proferida, ocorreu na 2ª. Vara Cível de Competência Mista de Guimarães, o que se pressupõe ter sido, por força do disposto na alínea a) do nº. 1 do art. 83 do CPC, já que, à data dos factos da providência e da sua entrada em juízo, a ser aplicável a regra dos art. 85 e 86 do CPC., o Tribunal competente seria o da sede da Requerida.
e) Tudo conforme certidão do registo da matrícula da Requerida comprovativa, de que esta tem a sua sede social na Rua Margarida Lacerda, Loja 70, Póvoa de Varzim desde 24/10/2008 conforme por Doc. um que junta e dá por reproduzido.
f) Não está em causa, na “Clausula 15” apenas a questão da (in) competência territorial, mas sim a violação de pacto privativo de jurisdição e competência, nos termos de art. 99 do CPC e do nº. 1 do art. 1º. da LAV, em relação ao Tribunal Arbitral previsto, nos termos do nº. 4 do art. 99 do CPC.
g) Já que a Requerente e a Requerida, enquanto partes intervenientes nesse contrato, quiseram convencionar, como convencionaram expressamente, o recurso ao Tribunal Arbitral para dirimir quaisquer litígios eventualmente decorrentes da relação jurídica relativa àquele contrato.
h) Tudo nos termos da “Cláusula 15”, desse contrato, no qual, as partes, Requerente e Requerida, retiraram a competência e a jurisdição das regras de competência territorial, hierárquica e da matéria, bem como do valor, do previsto no Código Processo Civil, para as remeterem para o Tribunal Arbitral, nos termos do D.L. 31/86 de 29/8 expressamente consignado.
i) Dúvidas não há de que os presentes autos e a decisão recorrida, estão feridas de nulidade absoluta, por violação de pacto privativo de jurisdição, o que determina, salvo melhor e douta opinião incompetência absoluta dos Tribunais Cíveis
j) Tudo nos termos do nº. 2 do art. 514º., 99º., e 101º., todos do CPC e art. 1º. da Lei de Arbitragem Voluntária, DL 31/86, de 29/08, já que se trata de matéria, de conhecimento oficioso nos termos do art. 110º. e sgs. do CPC, pelo que desse facto decorre nulidade insuprível nos termos do art. 193º., do CPC.
l) Nulidade essa, que deveria ter sido apreciada oficiosamente, pelo Tribunal recorrido que a não podia desconhecer nos termos do nº. 2 do art. 514º. do CPC.
m) A convenção constante da “Cláusula 15” respeita na íntegra os requisitos do nº. 3 do art. 99º., do CPC para valer perante os Tribunais Portugueses nos termos do nº. 4 do referido artº. 99º. do CPC, como pacto privativo de jurisdição e competência, acerca da relação jurídica a que respeita o contrato, conforme foi querido e contratado pelas partes, como resulta expressamente daquela cláusula.
n) Tratando-se de matéria de conhecimento oficioso, não podia o Sr. Juiz a quo, que proferiu a decisão sob recurso, deixar de se pronunciar sob a matéria constante da “cláusula 15” ainda que a mesma não tivesse sido alegada pela Requerente, razão porque a factualidade dada como provada é omissa sobre a matéria de facto constante do aludido contrato.
o) E que tinha de ser apreciada por ser de conhecimento oficioso, já que se trata de excepção peremptória, a apreciar no termos do art. 510º. e nº. 2 do art. 514º., ambos do CPC.
p) Ao não ter apreciado tal questão que estava nos autos, e é de conhecimento oficioso, a sentença recorrida é nula nos termos da al. d) do nº. 1 do art. 668º. do CPC
q) Ao não dar ainda como provada a matéria de facto da “cláusula 15” a sentença recorrida deixou de conhecer de questão de que não podia deixar de tomar conhecimento, uma vez que se trata de matéria de conhecimento oficioso, pelo que é nula nos termos dos invocados art. 193º. e al. d) do nº. 1do art. 668º. ambos do CPC.
r) A decisão recorrida viola o disposto nos art. 1º. e 2º. da LAV - Lei 31/86 de 29/08, bem como o disposto nos art. 83º., 85º., 86º., 99º., 100º., 101º., 105º., 110º., 193º., 514º. e 668º. do CPC
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São as conclusões que definem e delimitam o objecto do recurso, como se extrai do disposto nos artº.s 684º., nº. 3; 685º.-A, nº.s 1 e 3, e 685º.-C, nº. 2, alínea b), todos do C.P.Civil, e vem sendo invariavelmente reafirmado pela jurisprudência.
E, como se extrai das mesmas conclusões, a questão essencial a decidir é a aplicabilidade da cláusula 15 do contrato (cfr. fls. 40).
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B) FUNDAMENTAÇÃO
III.- É a seguinte a facticidade considerada provada:
1.- A requerente é uma sociedade comercial alemã que se dedica, na sua sede social e com intuito lucrativo, ao fabrico e comercialização de máquinas para a indústria têxtil e de confecções.
2.- A requerida dedica-se, com intuito lucrativo, ao exercício das actividades relacionadas com a indústria têxtil - malhas e confecções.
3.- No âmbito dessas suas actividades, requerente e requerida celebraram, em 5 de Março de 2008, um contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade relativamente, entre outras, a uma máquina STOLL CMS 420-E, nº. 57900000481, no valor de € 43.222,79 e a um Software Ml Knit & Wear, nº. 1330002468, no valor de € 17.067,87, que a requerente vendeu à requerida - cfr. contrato de fls.27 e segs. cujo texto se dá aqui por integralmente reproduzido.
4.- Nos anexos 1 e 3 do referido contrato, anexos estes que, nos termos do nº. l , ponto C, constituem partes integrantes do mesmo, ficou estabelecido que o preço da venda de todas as máquinas objecto do contrato seria de € 154.000,00, sendo as acima referidas, no ponto 3, respectivamente no valor de € 43.222,79 e de € 17.067,87, mais se estipulando que, no caso de mora no pagamento, seriam cobrados juros à taxa anual de 15%.
5.- Ficou igualmente convencionado naquele contrato de compra e venda entre a requerente e a requerida que aquela, na qualidade de vendedora, reservava para si a propriedade das máquinas objecto do contrato, considerando-se a requerida compradora, apenas sua detentora precária e fiel depositária, até ao integral pagamento do preço.
6.- Nos termos do nº. 2. do ponto 11 da cláusula 11 do contrato em apreço, em caso de incumprimento, a requerente poderia livremente optar entre resolver o contrato ou exigir da requerida o cumprimento do estipulado no mesmo, bem como o pagamento imediato da totalidade do preço de compra.
7.- Mais estipulou aquela cláusula que, no caso de a requerente optar pela resolução do contrato, teria direito a exigir da requerida a devolução do objecto do contrato e o pagamento de uma indemnização, a qual se fixa no valor correspondente ao pagamento de todas as prestações, acrescida de juros à taxa anual de 5%, nesse montante se incluindo também as prestações ainda não pagas e devidas até ao termo do contrato, caso a requerente não consiga fazer prova de danos superiores, ou a requerida de danos menos gravosos.
8.- A requerida compensará ainda a requerente de todas as despesas relativas ao contrato aqui em causa, despesas estas que não sejam incluídas no cálculo das prestações, nomeadamente qualquer compensação acrescida a título de pagamentos antecipados.
9.- Posteriormente, em 21 de Abril de 2010, foi celebrado um aditamento ao referido contrato, no qual ficou estabelecido que se encontrava em débito o valor de € 29.820,00 relativo aos bens mencionados em 3. - cfr. doc. 2 que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
10.- Mais ficou estabelecido que o referido pagamento seria efectuado da seguinte forma: "Emissão de letras sacadas por esta (requerente) e aceite por aquela (requerida), pagáveis no BES, na Póvoa de Varzim, conta 000622697903, NIB 000700000062269790323, através de 30 letras de valor igual de € 994,00 cada, vencendo-se a primeira em 31/03/2010 e as 29 seguintes no último dia dos 29 meses subsequentes.
11.- Constando ainda do contrato que as mencionadas letras seriam avalizadas pelos sócios da aqui requerida, e ainda que os encargos e despesas inerentes às referidas letras de câmbio ficariam a cargo do comprador, aqui requerida.
12.- Não obstante o contratado, a requerida solicitou autorização à requerente para efectuar o pagamento através de transferência bancária para a conta da sua representante em Portugal, “Ma…, Lda”.
13.- Autorização esta que a requerente concedeu.
14.- Assim, a requerida procedeu à transferência de 8 prestações mensais, no valor de € 994,00 cada, perfazendo o total de € 7.952,00.
15.- Porém, tais pagamentos foram efectuados sempre fora das datas contratadas e sempre após constantes insistências por parte da representante da requerente “Ma…, Lda”.
16.- Não obstante tais insistências, a requerida, desde 20 de Dezembro de 2010, altura em que efectuou a última transferência no montante de € 994,00, nada mais pagou até à presente data e apesar das insistências que têm vindo a ser efectuadas por parte da mencionada “Ma…, Lda.”, encontrando-se, actualmente, em dívida o valor de € 21.868,00.
17.- Acresce o facto de ninguém nas instalações da requerida atender o telefone ou se mostrar contactável.
18.- Não satisfazendo assim a requerida, como lhe competia, nas respectivas datas do vencimento, as prestações do contrato que celebrou com a requerente.
19.- Assim sendo, as máquinas estão a ser usadas pela requerida desde que as recebeu sem que, todavia, as pague, usando de forma gratuita as máquinas da requerente, sem delas cuidar de forma conveniente, como certamente faria se fossem suas e como a isso se obrigou nos termos do ponto 8 da cláusula II do contrato em apreço.
20.- Isto porque, as referidas máquinas necessitam de revisões periódicas que só os técnicos da requerente podem fazer, e não fazem porque a requerida não solicita tais revisões.
21.- Trata-se de equipamento que necessita de substituição e manutenção em geral exigente e cuidada, implicando um zeloso acompanhamento do seu funcionamento, pelo que uma utilização intensiva sem aqueles cuidados a desvalorizará por completo.
22.- Assim, a falta das mencionadas revisões trará consequências irreparáveis ou de reparação excessivamente dispendiosa nas máquinas que, afinal, pertencem à requerente sendo que o seu real prejuízo só poderá ser avaliado quando tiver nas suas mãos as referidas máquinas.
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IV.- 1.- Como ficou provado, Requerente e Requerida celebraram um contrato de compra e venda com reserva de propriedade que reduziram a escrito e assinaram, constando o respectivo documento de folhas 30 a 41 dos autos.
No nº. 1 do ponto 15 da cláusula II, as partes declararam sujeitar aquele contrato à lei portuguesa, elegendo, pois, a nossa lei para dirimir os conflitos dele emergentes.
E, porque estamos perante matéria de direitos disponíveis, e estão verificados todos os demais pressupostos referidos no nº. 3 do artº. 99º., do C.P.Civil, aquele pacto atributivo de jurisdição é válido.
No nº. 5, ainda daquele ponto 15, as partes celebraram uma convenção de arbitragem, regulando nos números seguintes os termos do processo de nomeação de árbitros, o número de árbitros que deverão intervir e o local onde deverá estabelecer-se.
Posto que o contrato está assinado por ambas as partes contratantes – cfr. fls.41 – e, como disse, estamos no domínio de direitos de natureza disponível, a convenção de arbitragem apresenta-se formalmente válida, de acordo com o nº. 1 do artº. 2º., da Lei nº. 31/86, de 29 de Agosto.
A convenção arbitral, como se escreve no Ac. do S.T.J. de 18/01/2000, “é um negócio jurídico bilateral, no sentido de que há vontade concorrente das duas partes para a sua formação. Com ela pretende-se submeter à decisão de árbitros a decisão de um litígio eventual – modalidade tradicionalmente designada de cláusula compromissória – ou de um litígio actual – modalidade tradicionalmente designada de compromisso …” – cfr. nº. 2 do artº. 1º., daquela Lei.
E, prossegue o mesmo Acórdão, “desta convenção nasce um direito potestativo para as partes, que as vincula à constituição de um tribunal arbitral para o julgamento de litígios nela previstos” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano VIII, Tomo I – 2000, pág. 29).
A preterição do tribunal arbitral é uma excepção dilatória – cfr. alínea j) do artº. 494º., do C.P.Civil (na redacção que lhe deu o Dec.-Lei nº. 180/96, de 25 de Setembro) – da qual o tribunal não pode conhecer oficiosamente, ex vi da parte final do artº. 495º., do mesmo Cód..
Raul Ventura, citado naquele Acórdão (transcrição de “Convenção de Arbitragem” in Revª. da Ordem dos Advogados nº 46, pág. 391), escreve “arguida a … excepção o tribunal estadual não goza de qualquer poder discricionário na sua apreciação. Verificados os respectivos pressupostos, deve julgar a excepção procedente e absolver da instância”.
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2.- No presente recurso, o thema decidenduum fulcral passa pela interpretação do contrato, maxime pelos nº.s 2 e sgs. do referido ponto 15, que atribui, em primeira linha à “Conciliação” e, saindo esta infrutífera, ao Tribunal Arbitral, a competência para dirimir (certos) conflitos.
Cumpre, assim, cotejar as regras sobre a interpretação dos negócios jurídicos, que constam dos artº.s 236º. e 238º., do Cód. Civil.
Os negócios jurídicos são actos da autonomia privada. Através deles as pessoas regem os seus interesses e por isso que, como refere Heinrich Ewald Hörster, “a interpretação da declaração negocial deve procurar uma conciliação dos interesses do declarante e do declaratário dentro do sistema legislativo respeitante ao negócio jurídico” e, prossegue, “o objecto da interpretação é a manifestação da vontade, o elemento externo, a própria declaração negocial. O fim da interpretação é o sentido da mesma” (in “A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil”, Almedina 1992, pág. 509).
Ainda que com vozes discordantes, vem sendo entendido que o nosso Código Civil, em sede da interpretação dos contratos, consagra a doutrina objectivista, ainda que temperada por uma restrição de inspiração subjectivista – só releva o sentido que o declarante, pudesse razoavelmente contar.
Assim, o nº. 1 do artº. 236º., contém plasmada a designada “teoria da impressão do declaratário”, nos termos da qual o que releva é o sentido que “seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia, daquilo até onde ele podia conhecer”, como defende Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª. edição, pág. 447/448).
Sem embargo, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida, como o impõe o nº. 2, que traduz o princípio falsa demonstratio non nocet – o que conta é a vontade real.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela “pretende-se proteger o declaratário conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir (In “Código Civil Anotado”, vol. I, em anotação ao artigo 236º.).
Nos negócios formais, porém, o sentido da declaração, a que se chega pela via da impressão do destinatário, tem de ter um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso salvo se esse sentido corresponder à vontade real das partes, e as razões que determinam a forma do negócio se não opuserem a essa validade – nº. 2 do artº. 238º., do Cód. Civil.
Razões que, como se sabe, radicam na necessidade de promover a ponderação das partes e satisfazer as necessidades de certeza e segurança do tráfego jurídico e, bem assim, as da prova.
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3.- Ora, o que dispõe o nº. 2 do ponto 15 da cláusula II é que “No caso de litígio ou disputa quanto à interpretação, aplicação, integração de lacunas e execução deste Contrato, as partes diligenciarão obter, através de Conciliação, uma solução concertada para a questão em causa”.
Ou seja, quando se suscitem questões de definição do sentido de alguma das cláusulas contratuais, de aplicação, a determinada situação, das cláusulas estabelecidas, de necessidade de regulação de qualquer situação não prevista no contrato, e, finalmente, de execução do mesmo contrato, Requerente e Requerida obrigaram-se a seguir os passos estabelecidos nos nº.s 3 a 9 – a parte que o considere necessário deverá dar início ao procedimento da conciliação, notificando a contraparte das questões que pretenda submeter ao procedimento, e indicando logo um Conciliador.
A parte notificada dirá se aceita ou não o Conciliador proposto e oferece, desde logo, o seu entendimento e fundamentos sobre a questão ou questões controvertidas.
Não aceitando o Conciliador proposto, fica aberta a via para o recurso à arbitragem, nos termos dos números seguintes.
Ora, como resulta claramente daquele nº. 2, as partes decidiram submeter à conciliação e à arbitragem todas as questões que têm subjacente o pressuposto de que, apesar do dissídio, elas pretendem ainda que o contrato se mantenha, ou seja, continuam com interesse na prestação contratual.
Por outro lado, ficou, claramente, excluída a questão da resolução do contrato (exclusão que é perfeitamente válida, atento o disposto no nº. 3 do artº. 2º., da Lei nº. 31/86, de 29/08, referida).
E percebe-se porquê: é que, tendo a Requerente – vendedora – ficado com a faculdade de resolver o contrato “por mera declaração à Compradora feita por via postal registada”, se ocorrer alguma das situações elencadas nas alíneas a) a l) do nº. 1 do Ponto 11, ou optar por exigir da Requerida o pagamento imediato da totalidade do preço da compra, claramente houve a intenção de a não sujeitar ao formalismo da conciliação e da arbitragem, no caso de, com o fundamento em alguma das situações supra referidas, pretenda optar pela resolução do contrato.
De resto, a formalidade da resolução – “mera declaração à compradora feita por vi postal registada” – não se coaduna com o processo da conciliação e do recurso ao tribunal arbitral que as partes estabeleceram entre si.
Estamos no domínio de direitos disponíveis e o princípio da liberdade contratual, vertido no artº. 405º., do Cód. Civil, na vertente da conformação dos contratos, é, pois, perfeitamente válido (como, de resto, já acima se salientou, relativamente ao pacto atributivo de jurisdição).
Ora, como ficou provado, a Requerida não cumpriu com os pagamentos acordados no Aditamento ao Contrato, celebrado em 21 de Abril de 2010, constante de fls. 49 dos autos, e da importância em dívida, na altura, que era de € 29.820,00, estão ainda por pagar 21.868, 00 (o que a Requerida, de resto, não contesta, pelo menos nestes autos).
Com base nesta falta de pagamento, claramente, como resulta do requerimento inicial, a Requerente optou pela resolução do contrato.
Ora, como se disse, a questão da resolução não está incluída na convenção de arbitragem.
Temos, assim, que a Requerente, ao interpor a presente providência cautelar nos tribunais judiciais não violou a apontada cláusula contratual.
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4.- Suscita ainda a Recorrente a incompetência territorial das Varas Mistas de Guimarães para decidir da presente providência cautelar, já que as partes convencionaram a atribuição da competência ao Tribunal Cível do Porto.
De facto, o nº. 11 do Ponto 15,já acima mencionado, assim estabelece.
Contudo, como bem se fundamenta na decisão constante de fls. 17 a 23, ficou decidido pelo Ac. do S.T.J. nº. 12/2007, que “as normas dos artigos 74º., nº. 1, e 110º., nº. 1, alínea a), ambos do Código de Processo Civil, resultantes da alteração decorrente do artigo 1º. da Lei nº. 14/2006, de 26 de Abril, aplicam-se às acções instauradas após a sua entrada em vigor, ainda que reportadas a litígios derivados de contratos celebrados antes desse início de vigência com cláusula de convenção de foro de sentido diverso” (in D.R. nº. 235, Série I, de 06/12/2007, págs. 8781 a 8791).
Trata-se de um acórdão uniformizador de jurisprudência, ao qual os tribunais devem obediência (pelo menos até que ocorra alguma alteração legislativa ou se verifique uma alteração das circunstâncias que permita fundamentar solução diversa da adoptada com base em argumentos não considerados no mesmo acórdão).
Assim sendo, a cláusula contratual que atribuía ao Tribunal Cível do Porto a competência territorial para “a interposição de qualquer providência cautelar” deve ser desconsiderada por ser, agora, contra legem.
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5.- Defende ainda a Recorrente que, a não ser aquele Tribunal Cível o territorialmente competente, então a competência era do Tribunal da Póvoa do Varzim, por aí se situar a sua sede, como demonstra com certidão do registo da matrícula na Conservatória do Registo Comercial.
Ainda que não se vislumbre qualquer interesse prático na decisão da questão, já que as Varas Mistas de Guimarães aceitaram a competência para a presente providência cautelar, apreciaram-na e decidiram, e esta já se mostra até cumprida, como se vê de fls. 140 e 141, sempre se dirá que, de acordo com o disposto no artº. 83º., nº. 1, alínea c), do C.P.C., que atribui a competência para os procedimentos cautelares (que não o arresto, o arrolamento, e o embargo de obra nova) ao tribunal em que deva ser proposta a acção respectiva, e tendo em consideração o que dispõe o artº. 74º., nº. 1, do mesmo Cód., que concede ao credor a faculdade de optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva e a acção se destine a exigir o cumprimento de obrigações, nada impedia que a presente providência cautelar fosse interposta na comarca de Guimarães tanto mais que (também) aí tem a Requerida a sua sede, como ficou a constar da certidão a que acima se faz referência – cfr. fls. 187 – e em todos os documentos referentes ao contrato - cfr. fls. 27, 28, 29, 30, 31, 43 e 49, onde expressamente se escreveu “com sede na Rua dos Lameiros, 18, Sande, Vila Nova, 4805 – 619 Guimarães”.
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C) - DECISÃO
Nos termos que acima se deixam expostos, decide-se negar provimento ao recurso interposto pela requerida “O.X., Ldª.”, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique e cumpra as demais d.n.
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Guimarães, 11/Outº./2011
Fernando F. Freitas – relator
Purificação Carvalho - Adjunta
Eduardo José Oliveira Azevedo - Adjunto