Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | FERNANDO MONTERROSO | ||
Descritores: | GUARDA NACIONAL REPUBLICANA INTERVENÇÃO POLICIAL HOMICÍDIO TENTADO ARGUIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/09/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I) À GNR não compete apenas intervir em caso de crime, as suas funções são muito mais vastas, conforme decorre da orgânica da GNR, aprovada pela Lei 63/2007 de 6/11. Constituem atribuições da GNR, nos termos das als. b) e i) dessa lei, garantir a ordem e tranquilidade públicas e a segurança e a protecção das pessoas e bens, proteger, socorrer e auxiliar cidadãos e defender e preservar os bens que se encontrem em situações de perigo, por causas provenientes da acção humana ou da natureza. II) Várias funções policiais não pressupõem a prática de crimes ou a eminência de estes serem cometidos. No caso, apurou-se que o arguido sofria de “psicose paranóide e de demência senil”. Tinha-se “fechado no interior da sua residência” e o seu filho temia que “estivesse com problemas de saúde”. Tal quadro fáctico bastava para, segundo um juízo normalidade, necessariamente perfunctório, justificar a intervenção dum polícia. III) Tendo-se apurado que o arguido efectuou o disparo quando os “militares gritavam alto “GNR, saia de imediato”, está em causa um homicídio na forma tentada que deve ser qualificado pela al. l) do art. 132º do Cod. Penal. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães No 1º Juízo Criminal de Barcelos, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo (Proc.nº 1722/09.6GBBCL), foi proferido acórdão que, no que interessa para a decisão deste recurso: a) Absolveu o arguido Domingos R... da prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artº. 347º do CP; b) Condenou o mesmo arguido pela prática de um crime homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 22º, 23º e 131º, todos do CP, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; c) Condenou o mesmo arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artº. 86º, nº.1, al.c), da Lei 5/2006, de 23/02, na redacção dada pela Lei 17/2009, na pena de 15 (quinze) meses de prisão; d) Condenou o arguido Domingos R..., em cúmulo jurídico, nos termos do artº. 77º do CP, na pena única de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão efectiva; e) Determinou o internamento do arguido em estabelecimento de tratamento ou segurança, nos termos conjugados dos arts. 20 e 104 do Cod. Penal, pelo período de tempo correspondente à duração da pena * A magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido interpôs recurso deste acórdão.Suscita as seguintes questões: - os factos constituem o arguido na autoria de um crime de de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art. 347 nº 1 do Cod. Penal; e - a tentativa do crime de homicídio deve ser qualificada nos termos da al. l) do nº 2 do art. 132 do Cod. Penal. * Não houve resposta ao recurso.Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido do recurso merecer provimento. Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP. Colhidos os vistos cumpre decidir. * I – Na acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):No dia 2 de Dezembro de 2009, cerca das 19 horas e 45 minutos, os militares da G.N.R. de Barcelos, Santos e Figueiredo, Guardas nºs. 981 e 1970, respectivamente, devidamente uniformizados e identificados como tal, deslocaram-se à residência de Domingos R..., sita na Rua das Andorinhas, em Vila Frescainha S. Pedro, Barcelos. Tal deveu-se ao facto do filho do arguido, Carlos R..., ter solicitado aquela presença no seguimento de comunicações familiares a dar conta que o Domingos se encontrava fechado no interior da dita residência. Uma vez chegados ao local, onde já se encontrava o filho do arguido, este, acompanhado dos aludidos militares, dirigiu-se à janela do rés-do-chão da residência e chamou pelo pai, não obtendo qualquer resposta. Temendo que o seu progenitor estivesse com problemas de saúde, aliás usuais, o Carlos, utilizando um paralelo, partiu o vidro da janela para se introduzir no interior da referida residência. Acto contínuo, ao aperceber-se do sucedido, o arguido, munido da espingarda caçadeira, de tiro a tiro, com canos justapostos basculantes, calibre 16, sem marca ou modelo referenciáveis, com o número de série 19142, fabricada em Liége, Bélgica, efectuou um disparo no interior da residência. Na sequência do sucedido, os aludidos militares e o filho do denunciado afastaram-se da residência, tendo os primeiros solicitado reforços. Compareceram então no local, na sequência desse pedido, os militares Ricardo M..., Luís F... e Paulo S..., todos Guardas da G.N.R., os Cabos Dias e Ribeiro e ainda o Capitão Paulo D..., todos em exercício de funções na G.N.R. de Barcelos, devidamente identificados como tal. Não obstante o militar Dias ter tentado convencer o denunciado a sair da residência e entregar a arma de fogo que possuía, o que sucedeu por cerca de 1 hora, e apesar de este ter, por diversas vezes, assomado à janela da residência e avistado no local os referidos militares, tais tentativas resultaram infrutíferas, motivo pelo qual, cerca da 1 hora da manhã, após terem delimitado um perímetro de segurança, os referidos militares se deslocaram à porta de entrada da residência e com intuito de a arrombarem e aí se introduzirem, desferiram-lhe uma pancada, logrando apenas partir os vidros. Perante isto, o denunciado municiou a arma e os aludidos militares, ouvindo tal som, afastaram-se de imediato da porta da residência. Acto contínuo, o arguido, através dos vidros da porta, efectuou um disparo do interior para o exterior da residência, atingindo o alumínio da porta e o gradeamento de vedação da propriedade. Foi, então, solicitada a intervenção do Grupo de Intervenção de Operações Especiais da G.N.R., com sede no quartel da Unidade de Intervenção da G.N.R., em Santa Bárbara, Lisboa, estes, sob o Comando do Tenente Miguel G... e composto, além do mais, por Bruno Q..., Guarda n.º 2040164, que cerca das 6 horas e 30 minutos compareceram no local. Uma vez aí chegados, os operacionais do GIOE, de imediato procederam ao arrombamento da porta de entrada da residência, onde se introduziram. Já no interior, tendo o Guarda Q... por missão proteger os elementos que procediam ao arrombamento das portas interiores, quando se encontrava a cerca de meio metro da porta do quarto do arguido e enquanto os restantes militares levavam a cabo arrombamento da mesma, o arguido, acto contínuo, efectuou um disparo com a referida arma que atingiu o Guarda Q... no colete anti-bala que este envergava e bem assim, no seu braço direito. Os aludidos militares gritavam alto “GNR, saia de imediato”, enquanto iam arrombando sucessivamente as portas do interior daquela residência. O referido tiro foi desferido pelo arguido através da porta da dependência onde ele se encontrava, à altura da parte superior da mesma, quando os militares rodavam a maçaneta do fecho da mesma. Preparando-se o denunciado para municiar novamente a arma, o Guarda Q..., de imediato, avançou sobre o mesmo logrando imobiliza-lo. Com esta conduta o denunciado provocou ao Guarda Q... traumatismo do membro superior direito, com atingimento e destruição de pele tecido celular subcutâneo e de parte do músculo, com halo de queimadura, de que resultou cicatriz de ferida perfuro-contundente hiperpigmentada, retráctil, de tonalidade arroxeada, localizada na face posterior do terço proximal do braço direito com 5 centímetros de diâmetro, com halo hipopigmentado, lesões que lhe determinaram directa e necessariamente 35 dias de doença, com igual período de afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional. A arma que o denunciado tinha na sua posse era uma arma de calibre 16, de tiro unitário múltiplo, com sistema de percussão central e indirecta, com cães externos, com sistema de mecanismo de disparo com dois percutores e dois gatilhos ( primeiro gatilho – anterior correspondente ao cano direito), pesando o primeiro gatilho 1,69 Kg e o segundo 3,56 kg aproximadamente, com dois canso justapostos basculantes, de alma lisa, com cano com 742 mm aproximadamente, com aproximadamente 16,5 mm de diâmetro à boca do cano, em ambos os canos, com sistema de segurança por placa de travamento dos cães, com extractor automático (com basculamento dos canos), comum, em ambos os canos, alimentação manual por introdução dos cartuchos nas câmaras, ponto de mira fixo, carcaça metálica, coronha e fuste em madeira, com chapa de coice em metal, medindo na sua totalidade 1156 mm aproximadamente, com fixadores de bandoleira, anterior e posterior, com bandoleira ausente, em boas condições de funcionamento. Verificou-se, ainda, que o arguido tinha em seu poder, no interior daquela residência, sete cartuchos de caça carregados, calibre 16, marca Fiocchi, de origem italiana, com copela metálica de 8 mm e corpo em plástico de cor vermelha, apresentando indicação de carregamento com chumbo n.º7 e as inscrições “SUR 70 GILVIO FIOCCHI LECCO”; 19 cartuchos de caça carregados, de calibre 16, de marca Fiocchi de origem italiana, com copela metálica de 8 mm e corpo em plástico de cor vermelha, apresentando indicação de carregamento com chumbo n.º7, sem outras inscrições visíveis; 13 cartuchos de caça carregados, de calibre 16, de marca Dynamit Nobel Ag., de origem alemã, com copela metálica de 13 mm e corpo em plástico de cor preta, apresentando indicação de carregamento com chumbo n.º 3 e as inscrições “WAIDMANNS HEIL Rauchioses JAGDPULVER”; 1 cartucho de caça carregado, de calibre 16, de marca Dynamit Nobel Ag., de origem alemã, com copela metálica de 8 mm e corpo em plástico de cor vermelha, apresentando indicação de carregamento com chumbo n.º 6, e as inscrições “tiger”. Todos estes cartuchos carregados se encontravam em boas condições de utilização. Mais foram encontrados no interior da residência do arguido seis cartuchos deflagrados, de calibre 16, de marca Fiocchi, de origem italiana, com copela metálica de 8 mm e corpo em plástico de cor vermelha, apresentando indicação de carregamento com chumbo n.º7, sem outras inscrições visíveis. Na data, o arguido não era detentor de licença que lhe permitisse deter a arma e munições supra descritas, não se encontrando a primeira manifestada, nem registada. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente. Ao disparar a referida a arma de fogo através da porta do quarto e pela parte superior desta, apesar de saber que os elementos da G.N.R., entre os quais, o guarda Q..., se encontravam no interior da sua residência, no momento em que aqueles procediam à abertura da porta da dependência onde se encontrava, o arguido agiu com a intenção de provocar a morte do militar que se encontrasse do outro lado da porta, bem sabendo que o meio que utilizava era adequado a tal e que tal só não aconteceu por motivos alheios à sua vontade. Para além disso, o arguido conhecia as características da arma e munições que tinha na sua posse, bem sabendo que não as podia deter naquelas condições, sem estar devidamente habilitado a tal. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. Mais se provou que O arguido nasceu e cresceu num agregado numeroso e pobre. Tem actualmente a 4ª classe. O arguido, semelhantemente aos seus irmãos, a partir dos 10 anos de idade passou a viver em casa de terceiros. Passou, pois, a desenvolver actividade na agricultura durante alguns anos e foi vítima de maus-tratos, bem como de um processo educativo desregrado e emocionalmente pouco estruturado. Durante vários anos teve vários empregos até que, aos 35 anos, emigrou para a Alemanha. Neste país executou, durante 5 anos, trabalhos pesados e que lhe causaram problemas de saúde. Regressou a Portugal e contraiu matrimónio aos 46 anos. Na constância deste matrimónio nasceram 4 filhos. Na condução do processo educativo dos filhos o arguido revelou sempre pouca intervenção mas autoritário. Em função da personalidade manifestada pelo arguido, os restantes membros do agregado sentiam a necessidade de se revelarem submissos. O arguido, à data dos factos, vivia com a sua esposa em casa própria. Está reformado. O montante da sua reforma é de 246 Euros. O ambiente familiar é de tensão, medo, mal-estar associado à desorganização cognitiva e comportamental do arguido, associada ao seu autoritarismo, agressividade e dificuldade de auto-controlo. Evidenciava hábitos de consumo de álcool. Eram constantes as ameaças de morte ao seu cônjuge, sendo que esta recusa voltar a viver com o arguido. Este sofreu, algum tempo antes dos factos, um AVC. Está actualmente internado na Casa de Saúde S. João de Deus, por determinação judicial. O arguido sempre recusou qualquer ajuda médica adequada ao seu estado de saúde. O arguido sofre, o que já sucedia na data dos factos, de psicose paranoide e de demência senil com alterações de percepção, do pensamento e do comportamento. Não apresenta prejuízo na sua capacidade de entendimento e compreensão. No momento dos factos estava capaz de avaliar a ilicitude da sua actuação, mas a sua capacidade de se auto-determinar perante as circunstâncias estava prejudicada. E ainda que O ofendido sofreu dores. Nos dias subsequentes padeceu de alterações de sono e de comportamento, revelando-se taciturno, ansioso e nervoso. O arguido foi, além do mais, assistido no Hospital Santa Maria Maior, tendo esta instituição despendido cerca de 108 Euros em tal assistência. Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido. Considerou-se não provado que: Que o arguido tenha actuado com consciência e vontade de se opor à actuação dos elementos da G.N.R., que bem sabia se encontrarem no local nessa qualidade e pretenderem levar a cabo acto compreendido no exercício das suas funções. Que em momento algum o ofendido tenha ficado com receio de perder ou de não poder vir a fazer mais uso do seu membro superior direito. Que o período de baixa do ofendido tenha sido de 50 dias. Que tenha ficado impedido de conviver com os seus amigos ou de poder intervir nas festividades de Natal e Passagem de Ano. Que auxiliasse os seus progenitores nas lides do campo. Que o arguido tenha permanecido cerca de 70 dias na situação de dispensa de exercícios físicos e de escala. Que o não aproveitamento no concurso de Cabos se tenha devido a condições físicas. Que o ofendido tenha ficado a padecer de lesão ou afectado no membro superior direito. Que sofra de stress. Que manifeste receio na presença de armas. Que tenha deixado de sair à noite com amigos. * Transcreve-se igualmente a fundamentação da decisão sobre a matéria de factoO arguido prestou declarações mas as mesmas revelaram-se assaz confusas e desarticuladas, pelo que nesta sede nada cumpre assinalar. A testemunha Maria F..., esposa do arguido, recusou-se validamente a prestar declarações. A testemunha Carlos R..., filho do arguido, traçou, prévia e sumariamente, um perfil do seu pai, dizendo ser do seu conhecimento que aquele teve condições muito difíceis na infância e juventude, mercê das quais sempre revelou muita instabilidade emocional. E as suas características emocionais e comportamentais ter-se-ão agravado nos últimos tempos antes dos factos em função de um AVC que sofreu. No mais, disse que na data em questão foi alertado por familiares que a sua mãe teria saído de casa depois de mais uma discussão com o arguido e que este se teria fechado no interior. Deslocou-se, então, à residência dos seus pais, tendo solicitado a comparência da GNR no local. Quando os militares já se encontravam junto de si deram a volta à casa, tendo-se apercebido através de uma janela que o seu pai estava imóvel; temendo o pior, devido aos aludidos problemas de saúde, idealizou entrar na residência partindo, para o efeito, um dos vidros da janela. Quando partiu o dito vidro, usando uma pedra, ouviu-se um tiro dentro da residência. Retiraram e foram pedidos reforços. Chegaram vários outros militares e um deles esteve cerca de 1 hora a tentar entabular conversa com o seu pai. Uma vez que tal tentativa se revelou infrutífera, a força policial tentou entrar no interior da residência através do arrombamento da porta de entrada. Não se logrou tal arrombamento com êxito logo na primeira tentativa; entrementes assiste-se a um disparo do interior da resdiência. Cerca das 6 horas chega um contingente do GIOE que entram em força dentro da residência, ouvindo-se um tiro no interior da residência. Este depoimento, não obstante a carga emocional do depoente, revelou-se sereno, coerente e isento. A testemunha Bruno Q..., ofendido nos autos, descreveu os factos em que participou a partir do momento em que o GIOE chegou ao local, sendo que a testemunha é operacional desta força, e entrou no interior da residência do arguido. O Bruno e os demais colegas, aquele envergando colete balístico, entraram naquela residência e começaram a arrombar as portas das divisões no intuito de localizar e neutralizar o arguido, gritando sempre “GNR”. Assim que arrombaram uma das portas, da divisão onde o arguido se encontrava (o que constataram de imediato), verificou-se um disparo com arma de fogo, a cerca de 1 a 2 metros do local onde a testemunha se encontrava, tendo esta sido atingida no braço e parte posterior do ombro direito. A testemunha, apesar de atingida, avança de imediato para o arguido e verifica-se um segundo disparo, desferido pelo arguido, que apenas atinge a parede. O arguido é, então, desarmado e neutralizado. A divisão onde o arguido se encontrava estava bem iluminada. A testemunha foi assistida no hospital e ficou com algumas sequelas e lesões na zona atingida. Este depoimento revelou-se seguro e isento. A testemunha Santos, militar da GNR, afirmou que se deslocou ao local dos factos e que já ali se encontrava o filho do arguido, que temia pela saúde deste. Por isso, no intuito de entrar na residência e verificar o que se passava, partiu um vidro de uma janela; acto contínuo, ouve-se um disparo no interior da residência. Retiraram-se, montaram perímetro de segurança e chamaram reforços. Um elemento da GNR encetou negociações com o arguido durante algum tempo. Sabe que se ouviu novo disparo no interior da residência e que foram chamados os elementos do GIOE. As testemunhas Mendes e Silva, militares da GNR, participaram do perímetro de segurança que foi montado e ouviram, a dado passo, um disparo no interior da residência do arguido (ao que se percebeu terá sido o segundo disparo). A testemunha Dias, militar da GNR, deslocou-se ao local dos factos e foi incumbido da missão de negociador. Durante 1 hora tentou chegar à fala com o arguido, sem sucesso, apesar de se aperceber que ele se movia no interior daquela. Posteriormente ouviu um disparo no interior da residência (terá sido o segundo dos disparos efectuados). A testemunha Luís, militar da GNR, foi um dos elementos integrantes do perímetro de segurança e afirmou que a dado passo se tentou forçar a entrada na residência do arguido, por arrombamento da porta de entrada. Nesta operação assiste-se a um disparo no interior da residência, abandonando-se a intenção de arrombamento. Foi, pois, chamado o GIOE. Esta força entrou no interior da residência e neutralizou o arguido. Foram, depois, apreendidas armas e munições no interior da residência. A testemunha Paulo D..., militar da GNR com a patente de Capitão, descreveu os factos a partir do momento em que montaram o perímetro de segurança. Em determinado momento tentam forçar a entrada no interior da residência do arguido, por arrombamento da porta, mas quando ouvem o municiar de uma arma retiram de imediato; acto contínuo o arguido dispara a arma, tendo sido atingida a porta e gradeamento exterior. Mais tarde chegam os elementos do GIOE e entram no interior da residência. As testemunhas Maria Q... e Alberto Q..., mãe e pai do ofendido e demandante civil, depuseram à matéria alegada em sede de pedido civil, fazendo-o de uma forma algo emocionada e parcial. Empolando alguns dos factos de uma forma que se opõe às regras da experiência comum. De qualquer forma respiga-se destes depoimentos que o ofendido e demandante civil sofreu dores, que andou ensimesmado, ansioso, nervoso e taciturno durante alguns dias. Também destes depoimentos se respiga que o demandante jamais ajudou nas lides agrícolas. A testemunha Luís M..., testemunha do podido civil e integrante do GIOE, acabou por ser fundamental no apuramento da dinâmica dos factos ocorridos no interior da residência do arguido, uma vez que fez parte dos elementos que entraram naquela. Este depoimento foi assaz equilibrado, revelador de razão de ciência plena, coerente e isento. Afirmou, então, que entraram no interior da residência do arguido e começaram a arrombar as portas das várias divisões, sempre aos gritos de “GNR, saia”; numa dessas divisões, sendo certo que o Bruno Q... tinha por missão proteger a entrada dos elementos em cada uma das divisões, quando rodavam a maçaneta da porta de entrada numa das divisões, foi do seu interior disparado um tiro, que atravessou a porta pela sua metade superior, que se alojou no braço e ombro direito do Bruno. Acto contínuo o Bruno entrou na divisão, o arguido disparou mais um tiro, que se alojou na parede, e foi dominado e desarmado. No mais, referiu que o Bruno sentiu dores, foi assistido no Hospital, e que não terá tido aproveitamento no curso de Cabos devido às provas teóricas – e não devido a problemas físicos. A testemunha Paulo Martins produziu um depoimento sensivelmente similar ao da anterior testemunha. Foram tidos em conta os documentos e relatórios de fls.10, 34 a 43, 44, 64, 72, 77 a 83, 92, 108 e 238, bem como fls. 229 a 231 e 248 a 250, 258 a 260, 265 a 277 e 530 e ss. Posto isto, conjugando os vários depoimentos produzidos pelas testemunhas arroladas pela acusação, bem como o da testemunha Luís M..., facilmente se compreende a razão de ser dos factos dados como provados relativamente à peça acusatória. Depoimentos que encontram suporte coerente e suficiente nos documentos e relatórios juntos aos autos e supra-indicados. Abordemos, agora, a questão da imputabilidade ou inimputabilidade do arguido (sendo que esta é a questão nuclear do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e que despoleta a prolação deste novo acórdão). Os três juízes que constituem este Tribunal Colectivo não desconhecem a norma inscrita no artº. 163º do CPP, com todo o respeito que nos merece o aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, a matéria de facto dada como provada e respeitante aos elementos da culpa do arguido encontravam-se correctamente elencados, dado o teor do relatório pericial junto aos autos a fls. 258 e 260. E o Tribunal Colectivo entendeu acolher este relatório sem necessidade de quaisquer esclarecimentos por duas ordens de razões: primeiro, o relatório de fls. 258 a 260 é bem mais esclarecedor do que aquele que consta de fls. 530 e ss. (permitindo, dada a sua evidente qualidade de organização e exposição, ao julgador uma melhor compreensão do facto científico), depois porque, percorrendo a “história” dos autos, é meridianamente claro que a perícia de fls. 530 e ss surge quase como que um incidente (enxertado) próprio da Lei da Saúde Mental – ou seja, não havia qualquer razão para ordenar uma segunda perícia dado que a primeira revelava-se inatacável (nem sequer o Defensor do arguido a colocou em causa), pelo que a “nova perícia”, 8 meses depois, apenas tem explicação porquanto durante o inquérito existe percepção que as faculdades mentais do arguido se deterioraram entretanto; por isso, o que verdadeiramente se pretendia era aquilatar da acuidade das faculdades mentais do arguido à data do exame (cujo relatório se encontra a fls. 530 e ss) e não da imputabilidade, ou não, daquele à data dos factos, sendo que o perito subscritor do relatório de fls. 530 e ss entendeu ir mais além do que aquilo que se impunha e pedia. No entanto, em ordem a prevenir quaisquer outras questões ou considerandos que pudessem retardar a marcha do processo, entendeu-se ouvir os Srs. Peritos em sede de esclarecimentos. E para este Tribunal Colectivo emerge com toda a clareza que deve ser acolhido o relatório pericial de fls. 258 a 260 porquanto os esclarecimentos prestados pela Exmª Srª Drª Filipa, subscritora do aludido relatório, foram bem mais satisfatórios do que os prestados pelo Exmº Sr. Dr. Aníbal A...(subscritor do relatório de fls. 530 e ss). Veja-se que a perita parte apenas de uma análise criteriosa da personalidade do arguido, enquanto que o perito leva em conta factos que nem sequer se encontram provados; ou seja, o perito quase que parte de um “acto de fé” para determinar a personalidade do arguido, sem ter em conta, aliás, a deterioração das faculdades mentais do arguido que entretanto se verificou. Aliás, veja-se que o dito perito acaba por admitir como possível a tese aventada pela perita colega, colega esta que, além do mais, referiu que o próprio arguido lhe afirmou saber que “disparar tiros sobre os outros não se fazia”, algo que o arguido jamais referiu na entrevista com o perito. Por isso, o tribunal, dando como assentes as afirmações da perita que o arguido se apresentava orientado no espaço e no tempo, portador de um ligeiro défice cognitivo que condiciona o controle dos impulsos, próprio de uma personalidade com traços paranóides (mas não com patologia delirante), conclui no sentido apontado por esta, isto é, que há fundamento para uma diminuição de culpa mas não para uma completa ausência de culpa. Cumpre considerar, relativamente aos factos dados como não provados em sede de pedido de indemnização civil, que tal se deve à circunstância de sobre os mesmos não se ter feito qualquer prova. Com efeito, o demandante não junta qualquer documento susceptível de confirmar as suas afirmações, designadamente que o nível remuneratório do posto ou categoria de Cabo, que tenha estado numa situação de baixa por tempo superior ao fixado como sendo o da incapacidade geral e profissional, qualquer relatório médico que ateste que o demandante ficou a padecer de qualquer tipo de incapacidade física, etc. – razão pela qual o depoimento dos pais resultou esvaziado, nesta parte, por evidente parcialidade e interesse no desfecho do pedido do filho. Foi, ainda tido em conta o teor do CRC de fls. 17. FUNDAMENTAÇÃO 1 – O crime de resistência e coacção sobre funcionário No acórdão recorrido considerou-se «não provado» que “o arguido tenha actuado com consciência e vontade de se opor à actuação dos elementos da G.N.R., que bem sabia se encontrarem no local nessa qualidade e pretenderem levar a cabo acto compreendido no exercício das suas funções”. No recurso pugna-se para que este facto seja considerado «provado». Vejamos: Este facto tem dois segmentos. No primeiro, afirma-se simplesmente que o arguido “actuou com consciência e vontade de se opor à actuação dos elementos da GNR., que bem sabia se encontrarem no local nessa qualidade”. Considerá-lo «não provado» é contraditório com todo o contexto dos factos provados, em que se descreve um quadro em que o arguido, barricado em casa, opôs-se à intervenção dos sucessivos elementos da GNR que foram chegando ao local entre as 19h45m do dia 2 de Dezembro de 2009 e a madrugada do dia seguinte. Note-se que considerou-se provado, por exemplo, que os elementos da GNR estavam “devidamente identificados como tal” e que, após a chegada dos operacionais do GIOE, estes militares “gritavam alto “GNR saia de imediato””. É um segmento que apenas refere a consciência da presença dos membros da força policial, independentemente da legalidade da concreta actuação que levavam a cabo. É uma contradição enquadrável no vício do art. 410 nº 2 al. b) do CPP, mas que, no caso, não deve ser causa de reenvio do processo para novo julgamento, por se afigurar evidente que a não prova deste segmento se prende com a redacção do segundo segmento da frase e com o entendimento do tribunal a quo de que os procedimentos dos elementos da GNR não devem ser considerados “acto compreendido no exercício das suas funções”. Por isso, considera-se provado que “ o arguido actuou com consciência e vontade de se opor à actuação dos elementos da GNR., que bem sabia se encontrarem no local nessa qualidade” Tratemos, pois, do segundo segmento da frase, isto é, saber se a actuação da GNR constituiu “acto compreendido no exercício das suas funções”. Trata-se de matéria conclusiva, pois a resposta que lhe for dada arrasta a decisão quanto à prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art. 347 nº 1 do Cod. Penal. No acórdão recorrido está implícita a ideia de que o âmbito de actuação da GNR se confina ao exercício de funções de órgão de polícia criminal. É nesta perspectiva, de saber se a actuação dos elementos da GNR respeitou as normas do Código de Processo Penal, que lhes enquadram e delimitam os procedimentos, que foi analisada e decidida a legalidade da actuação, tendo-se concluído que os actos praticados exorbitaram o “exercício das funções”. Transcreve-se do acórdão recorrido: “O enquadramento jurídico deste 2º momento depende, em larga medida, do sucedido no 1º momento. Neste 1º momento é disparado um tiro no interior da residência do arguido; não há sequer notícia para que local foi o disparo ou que tivesse havido sequelas ou perigo para qualquer pessoa. O arguido não tinha ninguém dentro da sua residência; portanto, nem pessoas nem objectos foram colocados em perigo. Não obstante o tiro disparado o certo é que nem o filho do arguido nem os militares presentes no exterior da residência ficaram, em qualquer momento, em perigo ou ameaçados. É certo que um tiro disparado no interior de uma residência e para o interior da mesma onde apenas se encontra o que o dispara é um comportamento estranho – mas, por si só, não constitui crime algum. Para além do mais, não se sabia, naquele momento, se o arguido era ou não titular de licença de uso e porte de arma e se esta estava ou não manifestada e/ou registada. Daí não se compreender muito bem porque razão foram chamados reforços ! É que, e repete-se, apesar da estranheza, diremos mesmo da anormalidade do comportamento do arguido, o certo é que este não estava a cometer qualquer ilícito ou sequer a ameaçar lesão de qualquer bem jurídico (próprio ou alheio)” (sublinhados do relator) Ou seja, se bem se percebe, não sendo seguro que existia flagrante delito no cometimento de algum crime, nenhuma cobertura legal havia para a intervenção da força policial. Porém, como bem se assinala na motivação do recurso, “à GNR não compete apenas intervir em caso de crime, as suas funções são muito mais vastas, conforme decorre da orgânica da GNR, aprovada pela Lei 63/2007 de 6/11. Constituem atribuições da GNR, nos termos das als. b) e i) dessa lei, garantir a ordem e tranquilidade públicas e a segurança e a protecção das pessoas e bens, proteger, socorrer e auxiliar cidadãos e defender e preservar os bens que se encontrem em situações de perigo, por causas provenientes da acção humana ou da natureza”. Várias funções policiais não pressupõem a prática de crimes ou a eminência de estes serem cometidos. No caso, o arguido sofria de “psicose paranóide e de demência senil”. Tinha-se “fechado no interior da sua residência” e o seu filho temia que “estivesse com problemas de saúde”. Isso seria bastante para, segundo um juízo normalidade, necessariamente perfunctório, justificar a intervenção dum polícia. Estava em causa a «protecção» duma pessoa, ainda que relativamente a actos praticados pela própria. O arguido reagiu a esta primeira abordagem com um disparo de uma arma no interior da residência. Foi um disparo que só pode ter o significado duma advertência aos polícias para não prosseguirem os seus intentos. Independentemente do juízo concreto que fosse feito sobre se tal disparo constituía «crime», pela própria natureza das coisas, foi um acto susceptível de pôr em causa a tranquilidade pública. Termina-se transcrevendo do parecer do sr. procurador-geral adjunto nesta relação: “É que actividade policial não se limita à que leva a cabo como órgão de polícia criminal, coisa que na sentença, com o devido respeito, se olvida. Aproveitando, em pleno, o saber contido no artigo “Entrada e busca domiciliárias no Direito Policial” publicado por António Francisco Sousa, in Revista do Ministério Público n.º 25, pag. 219 a 244, recorde-se um enxerto: “O regime do CPPenal está naturalmente ligado aos crimes, suspeitas de crimes e provas criminais. No entanto, quando tratamos da actividade policial, temos de ter presente que a polícia (forças de ordem e segurança) não actua apenas como órgão de polícia criminal na dependência do juiz e do MºPº. A polícia, enquanto força de ordem e segurança pública tem uma ampla esfera de actuação própria, no domínio da prevenção e combate ao perigo para bens jurídicos fundamentais, como a vida humana, a integridade física e, em geral, a ordem e a segurança públicas, domínio que lhe foi confiada pela Constituição e pela Lei, fora da legislação criminal e da correspondente dependência do juiz de instrução e do MºPº. Também neste âmbito da simples prevenção ou combate urgente de perigos graves para bens jurídicos fundamentais, como a vida humana ou a integridade física, pode haver justificação para que para que a polícia proceda à entrada (geralmente sem necessidade de busca) no domicílio e isto pode acontecer a qualquer hora do dia ou da noite e eventualmente sem o conhecimento da vontade do titular do domicílio, podendo exigir mesmo o arrombamento da porta. Imaginemos que um idoso está sozinho em casa e há um forte cheiro a gás. A polícia bate à porta e ninguém abre. Não deverá entrar no domicílio, mesmo por arrombamento da porta? (…) Há, pois, uma série de situações em que terá de haver a possibilidade de entrar no domicílio mesmo durante a noite e sem ordem do tribunal. (…)”. Cometeu, pois o arguido um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art. 347 nº 1 do Cod. Penal. 2 – A qualificação da tentativa do crime de homicídio A questão do recurso é a de saber se a tentativa de homicídio deve ser qualificada pela al. l) do art. 132 do Cod. Penal – o acto ser praticado contra agente das forças de segurança ou da força pública. Afigura-se unívoco que o caso destes autos cabe na previsão daquela alínea, pois o arguido efectuou o disparo quando os “militares gritavam alto “GNR, saia de imediato”. Não vão aqui ser feitas considerações alongadas sobre o que é de todos sabido: as diversas alíneas do nº 2 do art. 132 do Cod. Penal são apenas exemplos padrão, “cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação” do homicídio – Conimbricense, tomo I pag. 26. Essencial é a valoração global do facto e do agente. “Feita a prova dos índices estabelecidos como exemplos-padrão, trata-se de averiguar se ocorrem circunstâncias com capacidade para corromper a imagem do facto global perpetrado” – Miguez Garcia, O Direito Penal Passo a Passo, vol. I, pag. 75. Este autor considera que, para “corromper” a imagem global agravada do facto, não bastam circunstâncias atenuantes como o bom comportamento anterior ou a confissão espontânea. Fornece um exemplo que em concreto pode negar a circunstância qualificativa. Transcreve-se: “No caso, se a inimputabilidade do A foi afastada, os peritos não deixaram também de sublinhar determinadas circunstâncias atenuantes, dados os traços paranóides da sua personalidade (conformadores de uma imputabilidade diminuída). (…) Por isso mesmo, o tribunal considerou “apagada” a especial censurabilidade para que os elementos iniciais apontavam, reputando o A como autor de um crime de homicídio simples do art. 131” – ob. cit. pag. 76. É também o caso destes autos. Está provado que “o arguido sofre, o que já sucedia na data dos factos, de psicose paranóide e de demência senil com alterações de percepção, do pensamento e do comportamento”. Isso não foi suficiente para se concluir pela inimputabilidade, mas afectou inevitavelmente a capacidade de discernimento – está também provado que “no momento dos factos estava capaz de avaliar a ilicitude da sua actuação, mas a sua capacidade de se auto-determinar perante as circunstâncias estava prejudicada”. É circunstância diminui o grau da «culpa» - esta traduz-se no juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter actuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso (Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, pag. 316). Seria contraditório, por um lado, considerar-se que existem circunstâncias endógenas que atenuam a culpa concreta do arguido e, por outro, taxar o seu comportamento como merecedor de um juízo de “especial censurabilidade” (cfr. art. 132 nº 1 do Cod. Penal. Mantém-se, pois, a condenação do arguido como autor da tentativa do crime de homicídio do art. 131 do Cod. Penal. 3 – A pena concreta do crime de resistência e coacção sobre funcionário Não vêm questionadas as penas concretas fixadas para o crime de detenção de arma proibida, nem para a tentativa de homicídio “simples”, para o caso de improceder a qualificação. Há, assim, que fixar a pena parcelar do crime de resistência e coacção sobre funcionários e, após, a pena única resultante do cúmulo jurídico das tr~es penas parcelares. O crime do art. 347 nº 1 do Cod. Penal é punível com prisão de 30 dias a 5 anos. Decorre do que já acima se considerou que a «culpa» é significativamente inferior à média dos casos de cometimento deste crime. O arguido tinha 72 anos e sofria de psicose paranoide e de demência senil com alterações de percepção, do pensamento e do comportamento. Resulta dos factos, que se prolongaram durante várias horas, que estes foram motivados por um estado de descontrole emocional, parcialmente explicável pelas limitações de natureza psicológica que afectam o arguido. Isso não pode deixar de ser ponderado atenuativamente no juízo sobre a gravidade global do crime, que é bem distinta dos casos em que alguém afronta a autoridade para obter algum ganho, económico ou não. De igual modo são reduzidas as exigências de prevenção geral positiva. A comunidade vem reclamando, é certo, firmeza na protecção dos elementos policiais, mas sabe distinguir situações como as do arguido que, repete-se, está em processo de demência senil. Fixa-se para este crime a pena de 6 (seis) meses de prisão e, para apena única, 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão – a pena única resultante do cúmulo jurídico dos dois outros crimes foi fixada em 4 anos e 7 meses de prisão, o que não foi impugnado. * Finalmente, na parte decisória do primeiro acórdão proferido na primeira instância, que foi declarado nulo pelo acórdão desta relação de fls. 812 e ss, determinou-se “o internamento do arguido em estabelecimento de tratamento ou segurança, nos termos conjugados do artº. 20º, nº.2 e 91º, nºs. 1 e 2, ambos do CP” – v. al. e) da parte decisória.* Sendo normas apenas aplicáveis a inimputáveis, era decisão que não podia subsistir, pois o arguido foi considerado imputável. O sr. procurador geral-adjunto, nos dois pareceres que emitiu, considerou que a pena de prisão “não poderá ser substituída por uma temporária medida de internamento, como se verificou, pois que esta é uma reacção criminal própria da prática por inimputáveis de factos ilícitos típicos” – v. fls. 803 e 992. Sucede, porém, que no segundo acórdão da primeira instância, que é o agora recorrido e o único que subsiste, foi alterada a redacção daquela al. e), que ficou com a seguinte redacção: “determina-se o internamento do arguido em estabelecimento de tratamento ou segurança, nos termos conjugados dos arts. 20 e 104 do Cod. Penal, pelo período de tempo correspondente à duração da pena”. É uma redacção que, no essencial, transcreve a norma do art. 104 nº 1 do Cod. Penal. Ora, este artigo trata da possibilidade de internamento de indivíduos imputáveis, mas portadores de anomalia psíquica já ao tempo do crime. Não tendo, no recurso sido suscitada a questão da adequação deste regime ao caso do arguido, não pode a relação conhecer dela, pois tal corresponderia a admitir uma inadmissível ampliação do objecto do recurso. DECISÃO Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, concedendo provimento parcial ao recurso: 1 – Condenam o arguido Domingos R..., como autor de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art. 147 nº 1 do Cod. Penal, em 6 (seis) meses de prisão. 2 – Efectuando o ´cumulo jurídico desta pena com as demais penas parcelares em que o arguido foi condenado, fixam a pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) de prisão. No mais, mantêm o acórdão recorrido. Sem custas nesta instância. |