Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1442/06-2
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: ATENDIDA
Sumário:
Decisão Texto Integral: Reclamação - Processo n.º 1442/06-2.
Processo de execução n.º 2269/05.5 TBGMR/2.º Juízo do T.J. da comarca de Guimarães.


No processo de execução n.º 2269/05.5 TBGMR/2.º Juízo do T.J. da comarca de Guimarães em que é exequente a "C... L.da" e é executada a "T..., L.da", a sociedade "T... - Vizelense, L.da" deduziu embargos de terceiro e, invocando acautelar a venda executiva dos bens penhorados, requereu ao Tribunal se lavrasse protesto pela reivindicação daqueles bens através dos embargos, pretensão esta que lhe foi deferida.

Entretanto o Tribunal, por decisão já transitada em julgado, julgou inexistir fundamento sério para a pretensão da embargante e proferiu despacho de rejeição dos embargos.

Face a este malogro a interveniente acidental - sociedade "T... - Vizelense, L.da" - intentou a acção de reivindicação prevista nos termos do disposto no art.º 355° do Código de Processo Civil; e, considerando a caducidade do protesto anteriormente lavrado em virtude da decisão de rejeição dos embargos proferida, requereu naqueles autos de execução que se lavrasse novo termo de protesto, juntando para o efeito certidão da petição inicial referente àquela acção de reivindicação das máquinas penhoradas na execução e a correr seus termos na 1.ª Vara Mista do T. J da comarca de Guimarães (processo n.º 53/06.8TCGMR).

Apreciando este pedido a Ex.ma Juíza, considerando que a requerente está impedida de intentar acção judicial nos termos do art.º 910.º/2 do C.P.Civil sob pena de se verificar ab initio a excepção de caso julgado e, também, que está impossibilitada de accionar novo termo de protesto em conformidade com o disposto no art.º 911.º do C.P.Civil, mandou remeter às Varas Mistas de Guimarães certidão do acórdão proferido por esta Relação nos autos de embargos de terceiro atrás referidos e do requerimento de fls. 71 a 73, 82 e 84, a fim de aí ser apreciada a excepção de caso julgado.

Neste enquadramento jurídico-processual, concluindo que esta decisão a proferir no processo n.º 53/06.8TCGMR/1.ª Vara Mista do T. J da comarca de Guimarães condiciona a apreciação do requerimento da sociedade "T... - Vizelense, L.da" formulado a fls. 82 a 84, solicitou informação sobre o teor da decisão que aí vier a ser proferida e correspondente certidão.

Não concordando com esta decisão, dela agravou a requerente "T... - Vizelense, L.da"

Todavia, com fundamento em que a decisão de que se recorria integra um despacho proferido no uso de um poder discricionário, a Ex.ma Juíza não admitiu o recurso interposto.

Contra esta resolução apresentou a recorrente a sua reclamação argumentando assim:
1. A decisão de não permitir que seja lavrado termo de protesto, fazendo-o depender de uma outra decisão judicial, priva ou pode privar qualquer efeito útil da reivindicação da propriedade e a qualquer momento poderão as máquinas ser vendidas, sem qualquer cautela, a um terceiro de boa fé.
2. O termo de protesto é uma medida cautelar que não se compadece com a decisão tomada de esperar por uma outra decisão que o condiciona, decidindo-se, entretanto, não lavrar o protesto de reivindicação requerido.
3. O despacho de que se recorre não se trata de um despacho banal ou de relevância processual interna que seja subsumível ao disposto no n.° 4 do art.º 156° do CPC, porquanto denega a pretensão do requerente de procurar impedir, em tempo útil, que as máquinas reivindicadas desapareçam, sem cautelas, no giro da venda executiva.
Termina pedindo que seja admitido o recurso interposto.

A Ex.ma Juíza manteve o despacho reclamado.

Cumpre decidir.

1. Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário (art.º 679.º do C.P.Civil), ou seja, os despachos que se destinam a prover ao bom andamento do processo, sem interferir no conflito de interesses entra as partes (mero expediente) ou que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador (no uso legal de um poder discricionário) - n.º 4 do art.º 156.º do C.P.Civil.
Quer isto dizer que são de mero expediente os despachos que têm por objectivo a observação legal dos termos processuais ao caso aplicáveis, que se limitam a determinar a legal tramitação do processo e deles estando arredada a apreciação de algum aspecto jurisdicional da causa - por meio deles, o Juiz provê ao andamento regular do processo e não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros (Prof. Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado; Volume V; pág. 250).
Os despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário caracterizam-se por estarem dependentes da ponderação da necessidade que sobre a oportunidade da sua prolação o Juiz faça e, ainda, por não contenderem com qualquer juízo sobre a questão jurídica da causa, a prescrição que deles emana em nada afecta o posicionamento das partes na lide, dos interesses em debate na acção se distanciando - livre determinação quer dizer determinação que não está sujeita a limitações ou qualquer condicionalismo (Prof. Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado; Volume V; pág. 252).

O Juiz executa um despacho discricionário quando é livre de o fazer ou não e quando o seu conteúdo se não imiscui na apreciação jurisdicional de eventuais interesses posto em litígio pelos litigantes no pleito - poder discricionário quer dizer poder absolutamente livre, subtraído a quaisquer limitações objectivas ou subjectivas (Revista de Legislação; 79.º; pág. 107).

Ora, o despacho de que se pretende recorrer - a decisão a proferir no processo n.º 53/06.8TCGMR/1.ª Vara Mista do T. J da comarca de Guimarães condiciona a apreciação do requerimento da sociedade "T... - Vizelense, L.da" (formulado a fls. 82 a 84) no sentido de que seja tomado termo de protesto conforme o estatuído no art.º 911.º do C.P.Civil - consubstanciando a expressa denegação à requerente no concernente ao seu rogo dirigido ao Tribunal para que seja tomado termo de protesto com o objectivo de dar a conhecer aos possíveis interessados na aquisição do especificado património penhorado, que a requerente reivindica esse bem e, por isso, poderá ser dada sem efeito essa venda nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 909 do C.P.Civil, é um despacho que contende com os interesses legitimamente protegidos e aos quais a requerente se arroga na sua defesa e, em consequência, não pode qualificar-se como integrado num despacho proferido no uso legal de um poder discricionário que o disposto no art.º 679.º do C.P.Civil contempla e disciplina.
O despacho recorrido, porque afecta o posicionamento da requerente na lide, é susceptível de impugnação mediante recurso.

Pelo exposto, atendendo-se a reclamação, determina-se que a Ex.ma Juíza admita o recurso interposto, seguindo-se a sua legal tramitação.

Sem custas.

Guimarães, 10 de Julho de 2006.

O Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães