Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
244/15.0T8CBT.G1
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO NA SENTENÇA
FACTOS ADMITIDOS POR ACORDO
OMISSÃO DOS FACTOS ADMITIDOS PRO ACORDO NOS FACTOS PROVADOS
NULIDADE PROCESSUAL
CONVENÇÃO INDEMNIZAÇÃO DIRECTA AO SEGURADO
CONVENÇÃO IDS
REGULARIZAÇÃO DE SINISTRO
DECLARAÇÃO AMIGÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Os factos que estão admitidos por acordo são tomados em consideração, ou seja, são tidos em atenção, em conta pelo juiz na fundamentação da sentença, nos termos do n.º 4 do art.º 607 do CPC.
II – Não constitui nulidade processual, a que se aplica o disposto no artigo 195.º CPC, o facto de aqueles factos admitidos por acordo não constarem dos factos declarados provados.
III – No âmbito da Convenção IDS (Indemnização Directa ao Segurado), havendo discordância do segurado, não necessita a seguradora (Credora) de qualquer autorização do mesmo para remeter à seguradora (Devedora) a documentação respeitante e necessária à regularização do sinistro.
IV – Em caso de regularização de sinistros no âmbito da CIDS, à parte lesada, apenas é exigida a entrega na sua seguradora da Declaração Amigável de Acidente Automóvel (D.A.A.A.).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

JOÃO, casado, com o NIF 157 431 LLL, residente na Rua das C., concelho de Celorico de Basto, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros, S.A., actualmente, AS – COMPANHIA DE SEGUROS, SA com sede na Rua G., Porto, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe: a) a quantia de € 30.000,00; b) a quantia diária de € 75.00 desde a entrada em juízo da acção até integral e efectivo pagamento do valor da reparação do seu veículo; c) juros de mora contados à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, para a hipótese de ser declarada legítima a declaração de perda total do veículo, pede a condenação da Ré, por ser a responsável civil pela reparação dos danos resultantes do acidente por força do contrato de seguro referido no artigo 64.º da petição inicial, a pagar-lhe: a) a quantia correspondente ao valor do veículo, aferido no momento imediatamente anterior ao acidente, que é de cerca de € 19.000,00, que reduz para o montante de € 14.594,75 (igual ao valor da reparação); b) as quantias peticionadas no artigo 56.º da petição inicial, no valor global de € 14.000,00; c) a quantia diária de € 75.00, contados da entrada em juízo da acção até integral e efectivo pagamento do valor do veículo acidentado referido na alínea a) do pedido subsidiário; d) os juros de mora contados à taxa legal desde a citação da ré até efectivo e integral pagamento.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que no dia 3 de Janeiro de 2013, ocorreu um acidente, em que foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias com grua, matrícula SQ sua pertença, que se encontrava parado e o veículo automóvel matrícula FQ, pertencente a José e por si conduzido, embateu com a parte da frente e lado esquerdo na parte da frente e lado direito do veículo SQ, causando-lhe danos nessa parte da frente direita, tendo o condutor do FQ assumido a responsabilidade do acidente.
Mais, alegou que foi realizada peritagem ao veículo, ao abrigo do IDS (Convenção de Indemnização Directa ao Segurado), que considerou não ser possível a seguradora repará-lo, tendo proposto pagar-lhe “o valor de substituição menos o salvado”, não tendo ele aceitado a proposta de indemnização apresentada pela Seguradora L..
Alegou, ainda, que à data do acidente o seu veículo tinha um valor comercial nunca inferior a 19.000 euros, que se dedica à actividade de construtor civil, necessitando do veículo em questão, quer para transporte dos seus empregados, quer de materiais para construção civil e para utilizar a grua nessa actividade e que o veículo iria desenvolver a sua actividade para o autor durante mais de 10 anos.
Por último, alegou que ficou privado do uso do seu veículo desde a data do acidente até à data de instauração da acção o que lhe causou prejuízos, dado não ter outro veículo com as referidas características, nem capacidade económica para adquirir um veículo com essas características, tendo deixado de fazer serviços de construção civil, sendo que a utilização do veículo, caso estivesse reparado, permitia-lhe beneficiar de um rendimento líquido de, pelo menos, 75 euros/ dia, tendo, ainda, por causa da privação de uso do veículo sofrido transtornos e incómodos.

Citada, a Ré contestou e requereu a intervenção principal provocada da L. Seguros, S.A., com sede na Av. FP, 1069-001 Lisboa., nos termos que constam a fls.43 e ss..
A ré aceita que a responsabilidade civil por danos emergentes da circulação do veículo FQ estava transferida para si por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 004512094XXX.
Alegou que, à data dos factos, através de contrato de seguro, o autor tinha transferido para a L. seguros S.A. a responsabilidade civil resultante da circulação do veículo de matricula SQ e tanto esta seguradora como ela própria são partes outorgantes de um Protocolo IDS (Indemnização Directa ao Segurado), válido e em vigor à data do sinistro dos autos.
Mais, alega que em cumprimento desse Protocolo, o sinistro foi processado e regularizado pela L. Seguros, S. A., a qual assumiu a obrigação de proceder à averiguação do sinistro, à avaliação dos danos e ao pagamento da indemnização ao autor, solicitando posteriormente à Companhia de Seguros, S.A. o respectivo reembolso, não se tendo o Autor oposto que a regularização do acidente fosse conduzida e assegurada pela sua seguradora, L. Seguros, S. A., tendo negociado directamente com esta os termos e valores da indemnização, pelo que a Companhia de Seguros, S.A. não teve qualquer intervenção na averiguação do acidente, nem na avaliação dos danos dele decorrentes para o autor, razão porque impugna a matéria alegada a esse propósito na petição inicial.
Por fim, alega que, de acordo com o previsto no referido Protocolo IDS, havendo discordância do segurado quanto ao montante indemnizatório proposto pela ali signatária credora (a seguradora responsável pela regularização do sinistro), esta assumiu a obrigação de informar a signatária devedora (a seguradora do responsável pelo sinistro) de que o seu segurado discorda com o valor da indemnização que lhe propôs, bem como a obrigação de remeter a esta última toda a documentação respeitante a essa regularização, nunca tendo a L. Seguros, S. A. informado a Companhia de Seguros, S.A. de que o autor não aceitou o montante da indemnização proposto, nem remetido a esta qualquer documentação necessária para a regularização do sinistro, nem o autor informou a ré de que não tinha chegado a acordo com a L. Seguros, S. A. quanto ao montante da indemnização, pelo que ao não informar a Companhia de Seguros, S.A. de que não aceitava a proposta de indemnização apresentada pela sua seguradora no âmbito do Protocolo IDS, e ao deixar o tempo passar sem que a ré tomasse conhecimento de que a indemnização não tinha sido regularizada, o autor concorreu conscientemente para o avolumar dos eventuais prejuízos decorrentes da alegada paralisação do seu veículo.
Conclui que deve ser admitida a intervenção principal provocada da L. Seguros S.A., deve a acção ser julgada de acordo com o que resultar provado do julgamento, deve a L. Seguros S.A. ser condenada a reconhecer que é responsável pelo pagamento da indemnização pelos danos, eventualmente, causados ao autor decorrentes da imobilização do SQ a partir de 4.2.2013, deve ser reconhecido à Companhia de Seguros, S.A. o direito de regresso sobre a L. Seguros, S.A. para ser reembolsada das quantias que tenha de pagar ao autor a título de indemnização pelos danos decorrentes da imobilização do SQ a partir de 4.2.2013 e deve a L. Seguros S.A. ser condenada a reembolsar a Companhia de Seguros, S.A. das quantias que tenha de pagar ao autor a título de indemnização pelos danos decorrentes da imobilização do SQ a partir de 4.2.2013.
Nos termos do despacho proferido em 8.3.2016, a fls. 87 e 88, foi julgado procedente o incidente de intervenção principal provocada deduzido pela Ré e ordenada a citação da chamada L. seguros S.A.

Citada veio a L. Seguros contestar, nos termos que constam a fls. 92 e ss..
Alega que não garantia os danos próprios do veículo do A. nem os danos reclamados nesta acção, competindo essa obrigação à Companhia de Seguros, S.A., seguradora do veículo FQ, não estando mandatada pela sua congénere para pagar ao Autor a obrigação que compete àquela.
Mais, alega que apesar do acordo IDS na falta de acordo entre segurado e seguradora quanto ao montante da indemnização, competia ao Autor entender-se com a seguradora responsável pelas consequências do acidente quanto ao valor do prejuízo.
Alega, ainda, que o Autor não lhe remeteu qualquer autorização para remeter o processo para a Companhia de Seguros, S.A., como lhe foi solicitado por carta de 3.6.2013.
Termos em que requer a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Nos termos que constam da acta de fls. 131 e ss, foi realizada audiência prévia. Nela fixou-se o valor da causa em € 30.000,00, determinou-se a alteração da denominação da Ré, Companhia de Seguros, S.A., para AS – Companhia de Seguros S.A., proferiu-se saneador tabelar e procedeu-se à identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Os autos prosseguiram para julgamento e realizado este, nos termos que constam das actas de fls. 221 e ss., foram conclusos e, em 1.3.2017, foi proferida sentença que terminou com a seguinte decisão:
Face ao exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julgo a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente decido:
a) Condenar a R. AS – Companhia de Seguros S.A. a pagar ao Autor João a quantia de €14.594,75 (catorze mil quinhentos e noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais e correspondente ao custo da reparação do veículo SQ, acrescida de juros de mora, contados desde a citação, até efectivo e integral pagamento.
b) Condenar a R. AS – Companhia de Seguros S.A. a pagar ao segundo A. João quantia de €14.000,00 (catorze mil euros) a título de indemnização pela privação do uso do veículo SQ, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde da presente data da presente decisão até efectivo pagamento.
c) Condenar a R AS – Companhia de Seguros S.A. a pagar ao Autor João a título de danos não patrimoniais, o montante de €500,00 (quinhentos euros) acrescido de juros de mora desde a data da presente decisão, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a Ré do demais peticionado pelo Autor a título principal.
Mais se decide:
d) Condenar a chamada L. Seguros, S.A. a reconhecer perante a Ré que é responsável pelo pagamento da indemnização pelos danos causados ao Autor decorrentes da imobilização do veículo SQ a partir de 4.2.2013, sendo reconhecido à Ré o direito de regresso sobre a chamada L. Seguros S.A. para ser reembolsada da quantia que terá de pagar ao autor a título de indemnização pelos danos decorrentes da imobilização do veículo SQ a partir de 4.2.2013, condenando-se a chamada L. Seguros, S.A. a reembolsar à Ré essas quantias devidas pela Ré ao Autor a título de indemnização pedos danos decorrentes da imobilização do veículo SQ a partir de 4.2.2013.

Atenta a procedência do pedido principal fica prejudicada a apreciação do pedido subsidiário deduzido pelo Autor.
*
Custas a cargo do Autor, Ré e chamada na proporção de 10% para a primeira, 70% para a segunda e 20% para a chamada (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil).”.

Inconformada a chamada, L. Seguros, S.A., interpôs recurso, nos termos das alegações juntas a fls. 282 e ss., que terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
A
O tribunal a quo violou o disposto no n.º 4, do art.º 607.º, do CPC. Assim, e pelas razões supra aludidas, por efeito da nulidade processual, justifica-se a anulação da sentença e de todos os atos subsequentes, nos termos do art. 195.º, n.º 2, do CPC.
B
O facto n.º 15 da contestação da chamada L. Seguros, S.A. não foi impugnado por nenhum dos outros intervenientes pelo que deverá passar a figurar na matéria dada como provada.
C
O A., ao não responder à solicitação da chamada, violou os ditames da boa fé, uma vez que conduziu a que, por ausência da informação que lhe foi solicitada, a recorrente não estivesse em condições de dar cumprimento à comunicação à congénere prevista no n.º 2 do art.º 23 da CIDS. Ocorreu assim culpa do lesado - art.º 570º CC, o que que faz excluir o direito a indemnização.
D
Em 14/5/2013, o A. reclamou perante a R. o pagamento da indemnização referente ao sinistro em análise, pelo que a partir dessa data, a R. passou a dispor da informação necessária para a regularização do sinistro, não podendo, a partir desse momento, ser assacada qualquer responsabilidade à chamada L..
E
A R. atua em manifesto abuso de direito (artigo 334.º, do C.C.), já que, mesmo após a citação para a presente ação, não procedeu ao pagamento dos valores que sabe serem da sua responsabilidade liquidar ao A. (nos termos do preceituado no artigo 483.º, do C.C. e independentemente de se decidir ter ou não direito de regresso sobre a recorrente), podendo aí parar o agravamento da privação do uso (já que na P.I. foi pedido o pagamento do dano da privação do uso até ao dia em que seria liquidada a indemnização pela R.). Conclui-se, assim, que, ainda que fosse cumprida a comunicação que alega ter estado em falta por parte da recorrente e que justifica o seu direito de regresso, também a R. não teria procedido ao pagamento do dano da privação do uso, aguardando pela resolução judicial e, em consequência, tal comportamento só poderá conduzir a absolver-se a chamada do pedido de pagamento de qualquer indemnização, ao abrigo do direito de regresso.
NESTES TERMOS, julgando procedente o recurso e, por conseguinte, alterando a Douta Sentença recorrida da absolvição total da chamada do pedido contra si formulado, V. Exas farão, como aliás é costume, INTEIRA JUSTIÇA!

A Ré, AS – Companhia de Seguros S.A., veio responder, nos termos das alegações juntas a fls. 289 e ss., concluindo que deve o recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a condenação da recorrida nos termos por esta determinados.

O A. também contra-alegou, nos termos que constam a fls, 298 e ss., terminando com as seguintes Conclusões:
Não existe qualquer fundamento para a nulidade invocada pela Ré L. Seguros S.A. nos termos do disposto do artigo 195º, nº2 do Código de Processo Civil.
sendo que, houve pronúncia quanto ao facto alegado pela Ré.
Como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, só a falta de fundamentação entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do artº 615º do CPC.
Não existe qualquer violação dos ditames de boa fé por parte do autor, dado que este não é obrigado a antecipar o exercício do seu direito indemnizatório.
Conforme previsto no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães processo nº 2843/09.0TBVCT.G1 “é sempre à seguradora do veículo cujo condutor provocou o acidente que compete reparar o dano, não à seguradora do veículo do lesado”,
Sendo que, “consequentemente, as implicações danosas acrescidas (“agravamento do dano”) emergentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado, sem prejuízo dos prazos de prescrição”.
Além do mais, a L. Seguros S.A., assim, como, a AS – Companhia de Seguros S.A. são partes outorgantes do protocolo IDS, o qual estava em vigor à data do acidente, vinculando entre si, as duas seguradoras.
Face ao exposto no artigo antecedente, concluímos que o Autor não é parte do referido protocolo IDS, porquanto, nada tem a ver com tais obrigações entre seguradoras.

Nestes termos, requer-se a V.Exa que se digne a julgar improcedente o recurso e, por conseguinte, a manter-se a douta sentença proferida assim se fazendo Justiça!...

O recurso foi admitido como apelação, tendo a fls. 305 a Mª Juíza “a quo” considerado não enfermar a decisão recorrida das nulidades invocadas pela recorrente.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Ter-se-á em conta que o teor das conclusões define o âmbito do conhecimento deste tribunal “ad quem”, e que importa conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, que às questões subjazam, cfr. art.ºs 608 n.º 2, 635 n.ºs 2 e 3 e 639 n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim as questões a decidir e apreciar consistem em saber:
- se se verifica a nulidade prevista no n.º 2 do art.º 195 do CPC, por falta de consideração do facto 15 da contestação da apelante;
- se à apelante não deve ser assacada qualquer responsabilidade por o A. ter violado os ditames da boa fé e a R. actuado em manifesto abuso de direito.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A) Os Factos dados por provados na 1ª instância:
1. No dia 3 de Janeiro de 2013, cerca das 15h 45m, na estrada camarária que liga Caçarilhe ao Viso, na Rua de São Miguel de Caçarilhe, lugar de Chamiçal, freguesia de Caçarilhe, concelho de Celorico de Basto, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias com grua, matrícula SQ pertencente ao autor e o veículo automóvel Peugeot 505, matrícula FQ, pertencente a José e por si conduzido na oportunidade
2. Por força do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 004510294XXX, válido e em vigor à data do acidente descrito em 1, o proprietário do veículo com a matrícula FQ transferiu a sua responsabilidade civil por danos emergentes da sua circulação para a Ré.
3. O autor celebrou com a L. Seguros, S.A. um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 033/00000RRR, através do qual transferiu para a chamada L. Seguros S.A. a responsabilidade civil resultante da circulação do veículo de matrícula SQ.
4. O local do embate consiste numa recta com cerca de 150 m de extensão com boa visibilidade, mas de declive acentuado, tendo a via, 6,40 m de largura, composta por duas hemi- faixas de rodagem, uma que se processa no sentido Caçarilhe- Viso – a subir – e, a outra, em sentido inverso - a descer - ,cada qual com 3, 20 m de largura, sendo separadas por uma linha descontinua a tracejado branco.
5. Antes do acidente acontecer, o veículo do autor encontrava-se parado junto a uma propriedade privada confinante com a referida estrada camarária e que se situa no lado direito da via, atento o sentido de marcha, Caçarilhe – Viso, após ter procedido previamente à descarga no interior da referida propriedade de materiais de construção civil.
6. O veículo do autor encontrava-se com a sua frente virada no sentido para Caçarilhe, parado, momentaneamente, ocupando toda a berma da hemi-faixa esquerda da via, atento o sentido Viso-Caçarilhe, e a ocupar parcialmente a hemi – faixa esquerda de rodagem – cerca de 1 metro – , atento o sentido de marcha referido no ponto antecedente, estando o gruista a executar com a grua do veículo do autor trabalhos de colocação de 3 pilares em pedra ao alto a integrar no muro em pedra da propriedade privada supra referida, e que a delimita da berma da hemifaixa – direita de rodagem, atento o sentido de marcha referido, Viso – Caçarilhe, trabalho esse com a duração máxima de 10 minutos.
7. O veículo do autor encontrava-se com os piscas–piscas accionados, tendo ainda sido colocada a sinalização respetiva – triângulo – de que o veículo do autor estava a proceder com a grua ao descrito trabalho, o que era visível – veículo do autor e as sinalizações referidas - a cerca de 100 metros de distância, quer para quem circulava no sentido Caçarilhe – Viso, quer para quem circulava no sentido Viso – Caçarilhe.
8. Por sua vez, o veiculo FQ circulava pela referida estrada municipal, no sentido Caçarilhe – Viso, conduzindo o seu condutor completamente distraído ao que se passa na estrada, e à velocidade de, cerca, 50 km/hora.
9. Após este veículo “fazer” uma curva que se apresentava à sua direita, passou a circular na recta referida em 4. que tem cerca de 150 metros de extensão e é em declive ascendente, atento o seu referido sentido de marcha, sendo completamente visível o veiculo do autor parado bem como as sinalizações aludidas em 7, a cerca de 100 metros após a aludida curva.
10. Por circular de forma desatenta e distraída, o condutor do FQ não atentou que o veículo do autor se encontra parado, não diminuindo a velocidade nem se desviando para a sua esquerda, ultrapassando pela sua esquerda o veículo do autor, dado que não circulava na oportunidade trânsito em sentido contrário, embatendo estrondosamente e violentamente com a parte da frente e lado esquerdo do seu veículo na parte da frente e lado direito do veículo do autor, causando –lhe danos nessa parte da frente direita.
11. O acidente ficou a dever-se à culpa exclusiva do condutor do veículo FQ que na oportunidade assumiu toda a responsabilidade pelo acidente.
12. Foi realizada uma peritagem ao veículo do autor na oficina Auto Reparadora, Lda, com sede em T., ao abrigo do IDS (Convenção de Indemnização Direta ao Segurado), que avaliou o custo da reparação do veículo no montante de 14.594,75 euros.
13. Em 25.1.2013 a chamada L. Seguros S.A. remeteu ao Autor uma carta registada onde consta que:
Assunto: Acidente de viação – perda total
(…)
O condutor do outro veículo foi considerado responsável pelo acidente.
Tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos no acidente, uma vez que este foi causado pelo condutor do outro veículo.
Para sua comodidade – e de acordo com a Convenção de indemnização Direta ao Segurado (IDS) – a L. Seguros, S.A. vai encarregar –se de lhe pagar a indemnização a que tem direito, sendo depois reembolsada pela Seguradora do outro condutor.
A indemnização será paga em dinheiro uma vez que não é possível reparar o seu veículo.
Foi realizada uma peritagem na oficina AUTO REPARADORA, LDA para avaliar quanto custaria reparar o seu veículo. A avaliação indica que o custo da reparação € 14.594,75 é superior ao valor da substituição do seu veículo € 2.714,00, pelo que não nos será possível repará-lo. Sendo assim, vamos indemnizá-lo em dinheiro.
Vamos pagar-lhe o valor de substituição menos o valor do salvado.
O salvado, ou seja, o seu veículo tal como está após o acidente, foi avaliado em € 185,00. Como a indemnização corresponde ao valor de substituição do seu veículo menos o valor do salvado, irá receber € 2.529 8este valor inclui o IVA eventualmente devido) (…)
14. Por fax enviado a 4.2.2013 pelo Autor à chamada L. Seguros S.A., o mesmo comunicou o seguinte:
“(…) O valor da viatura do m/ cliente é de € 19.000,00.
De facto, conforme resulta do livrete que anexo cópia, a viatura possui grua, e que não mereceu a v/ atenção. Acresce que a viatura tem direção assistida, o que igualmente não deve ter sido tomado em atenção por V. Ex.ªs.
Resulta do exposto que a reparação da viatura é viável, o que se exige.”
15. O Autor não aceitou a proposta de indemnização apresentada pela chamada L. Seguros.
16. À data do acidente o veículo do autor tinha um valor não concretamente apurado mas não inferior a € 19.000,00.
17. Trata-se de um veículo pesado de mercadorias da marca Madza a gasóleo com a cilindrada de 3455 cc, com peso bruto de 7000 Kg, com caixa aberta basculante.
18. O veículo em questão era ainda dotado de grua, – que estava incorporada no veículo e estava homologada e certificada –, sendo útil e necessária para a atividade de construção civil que o autor exercia e exerce.
19. O veículo apresentava um bom estado de conservação quer quanto ao seu interior e exterior, quer quanto à chapa e à parte mecânica.
20. Apresentando igualmente bom estado de conservação e eficiência o basculante da caixa aberta, bem como a grua acoplada ao veículo e rádio de série.
21. O autor dedica–se à atividade de construtor civil, necessitando do veículo em questão, quer para transporte dos seus empregados, quer de materiais para construção civil e para utilizar a grua nessa atividade.
22. O autor não consegue obter no mercado automóvel um veículo com as características técnicas apresentadas pelo veículo (cilindrada, peso, báscula e grua), e no mesmo estado de conservação que o seu veículo pesado de mercadorias do autor apresentava à data do acidente.
23. Não é fácil encontrar no mercado um veículo com as referidas características e em bom estado de conservação
24. A reparação do veículo descrito em 17. é materialmente possível, não havendo qualquer problema em termos técnicos no que respeita à segurança e fiabilidade, que possa obstar ou desaconselhar a sua reparação.
25. Devido ao acidente, o autor ficou privado do uso do seu veículo desde a data do acidente até à presente data.
26. O autor dedica-se à atividade de empreitada de construtor civil, que desenvolve no concelho de Celorico de Basto e em qualquer zona do país.
27. O veículo objeto do acidente estava afeto a essa atividade de construção civil, quer para transporte de pessoas, materiais de construção civil, para cargas e descargas e, para trabalhos específicos com a grua, sendo certo que não tinha outro veículo com as referidas características.
28. O autor deixou de fazer alguns serviços de transporte de materiais de construção civil por falta de grua e teve de se socorrer a formas alternativas de transporte de materiais de construção civil para executar com a grua, trabalhos de construção civil, o que lhe causou transtornos e incómodos (primeira parte considerada ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil).
29. Antes do acidente, o veículo do autor estava afeto à atividade de construção civil, praticamente de segunda –feira a sábado, em todo o ano, à exceção dos domingos, feriados, Páscoa e Natal.
30. O preço de um aluguer de um veículo similar para a atividade de construção civil em cada dia de trabalho é de valor não concretamente apurado mas não inferior a € 75,00/dia.
31. Em data não concretamente apurada mas situada por volta de Outubro de 2015 o Autor adquiriu uma nova grua de valor não apurado que acoplou a um veículo pesado de mercadorias sua propriedade da marca Mitshubishi, passando a utilizar tal veículo na sua atividade em substituição do veículo acidentado e identificado em 17. – facto complementar que resultou da instrução da causa e considerado ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil, tendo as partes tido possibilidade de sobre o mesmo se pronunciarem.
*
32. A Ré e a chamada são partes outorgantes de um protocolo IDS (Indemnização Direta ao Segurado) celebrado entre várias seguradoras, que tem por finalidade acelerar a regularização de sinistros automóveis, estando esse protocolo válido e em vigor à data do sinistro aludido em 1.
33. O artigo 10.º, n.º 1 do aludido Protocolo consta que: “O presente protocolo será aplicável:
- aos acidentes de viação ocorridos em território nacional de que resultem exclusivamente danos materiais peritados e reparados em Portugal, dentro dos limites convencionados nos termos constantes do artigo 13.º, e em que intervenham apenas 2 veículos, seguros em duas signatárias sujeitas ao regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil
- aos acidentes ocorridos com veículos estacionados, ainda que os seus condutores não se encontrem no seu interior;
- aos acidentes em que o veículo interveniente for um conjunto rebocador/rebocado desde que os mesmos se encontrem seguros numa só signatária. (…)
34. Em cumprimento desse protocolo, o sinistro foi processado pelo L. Seguros, S.A.
35. Em cumprimento desse protocolo a L. Seguros, S. A. assumiu a obrigação de proceder à averiguação do sinistro, à avaliação dos danos e ao pagamento da indemnização ao autor, solicitando posteriormente à Companhia de Seguros, S.A. o respetivo reembolso.
36. Em 14.5.2013 o mandatário constituído pelo Autor enviou uma missiva à Ré onde consta que:
Ocorreu no passado dia 3 de Janeiro de 2013 um acidente de viação entre os veículos atrás mencionados, cuja responsabilidade se deveu à conduta do v/segurado que embateu no veículo do m/ cliente quando este se encontrava parado.
Agradecia que me informassem com a maior brevidade possível se estão na disposição de proceder ao pagamento da reparação do veículo que é do montante de € 14.594,75, acrescida do montante de paralisação à razão de € 200.00/dia.
Esclarece-se que o veículo do m/ cliente era utilizado diariamente na entrega de materiais de construção civil, sendo um camião com grua (cfr. livrete).”
37. Em 28.8.2013 a Ré remeteu ao autor uma carta onde consta:
Acusamos a recepção da carta de V. Excias, a qual mereceu a nossa melhor atenção.
Informamos que a regularização do sinistro é feita através da convenção IDS pela congénere L. com o n.º processo 3300013920PT, pelo que a reclamação deve ser enviada aquela congénere. (…)
38. O autor não se opôs a que a regularização do acidente fosse conduzida e assegurada pela sua seguradora, a L. Seguros, S. A., tendo negociado diretamente com esta os termos e valores da indemnização.
39. Do artigo 23.º do aludido protocolo IDS, sob a epigrafe de “discordância do Segurado” consta que:
1. “Havendo discordância do segurado quanto à responsabilidade que lhe é atribuída, ou quanto ao montante indemnizatório, a devedora dispõe do prazo de 20 dias para efetuar o acordo com o segurado da Credora.
2. Verificado o previsto no número anterior, a Credora remeterá á devedora a documentação respeitante a essa regularização e limitar-se-á, mediante quitação adequada, ao pagamento da quantia que lhe competir indemnizar, cabendo à devedora responder por quaisquer outros pagamentos.
3. Em caso de acordo do segurado com a devedora, por valor inferior ou igual ao limite convencionado e não existindo qualquer pagamento parcial por parte da Credora, observar-se-á o seguinte:
- a Credora reembolsará a Devedora pelo custo real suportado;
- a devedora pagará à credora o custo médio correspondente;
4. Se o total dos montantes pagos ultrapassar o limite convencionado previsto no número 1 do artigo 13.º, a devedora pagará à credora as quantias por esta suportadas, sendo o processo excluído do âmbito de aplicação do presente Protocolo.
40. A chamada L. Seguros S.A. não informou a Ré de que o Autor não aceitou o montante da indemnização proposto, nem remeteu a esta até à presente data qualquer documentação necessária para a regularização do sinistro.
41. O autor não informou a ré de que não tinha chegado a acordo com a L. Seguros, S. A. quanto ao montante da indemnização.
42. Em 3.6.2013 a chamada L. enviou uma missiva para o autor onde consta que “não nos é possível dar seguimento ao pedido de accionamento da proteção jurídica, uma vez que esta garantia não pode ser accionada contra a própria L. Seguros.
Uma vez que não existe acordo relativamente à indemnização devida pela perda total da viatura, e na ausência de resposta à carta do seu advogado à nossa comunicação de 18.3.2013, sugerimos que se dirija à nossa congénere Companhia de Seguros, S.A., que garante a viatura responsável no sinistro.
Solicitamos nos informe sw aceita que o processo seja remetido para a mesma.”
43. O Autor intentou a presente ação em 15.12.2015.

B) Não resultaram provados os seguintes factos:
a) Que o veículo em questão, caso não sofresse o acidente, iria desenvolver a sua atividade para o autor durante mais de 10 anos, sem qualquer problema mecânico e de chapa.
b) Que a utilização do veículo do autor, caso estivesse reparado, permitia ao autor beneficiar de um rendimento líquido de, pelo menos, 75 euros/ dia.
c) O Autor tenha deixado de fazer serviços da construção civil por falta de báscula e que teve necessidade e de “alugar” um veículo com idênticas características.
d) Que nos anos de 2013, 2014 e 2015, o valor diário de aluguer de um veículo com idênticas características aquelas que tinha o veículo acidentado foi de cerca de 150 euros/ dia.
e) Que por falta de capacidade económica para adquirir um veículo de substituição o Autor tenha adiado trabalhos e fornecimentos a clientes, tendo de se readaptar e reorganizar o planeamento do seu trabalho.
f) Que o Autor não tem capacidade económica para adquirir um veículo com essas características no mesmo estado de conservação que tinha o seu veículo antes do acidente.
g) Que o valor do veículo SQ à data do acidente era de € 2.714,00.

C) O DIREITO
- Nulidade prevista no n.º 2 do art.º 195 do CPC, por falta de consideração do facto 15 da contestação da apelante.
Insurge-se a apelante contra a decisão recorrida alegando que, no art.º 15 da contestação alegou que o A. nunca respondeu à comunicação invocada no ponto 14 do mesmo articulado, que não foi impugnado por nenhum dos demais intervenientes, e que, portanto, tem de ser considerada admitida por acordo, conforme impõe o n.º 4 do art.º 607 do CPC.
Alega que se trata de matéria de excepção peremptória (art.º 576º/1 e 3 CPC) trazida pela chamada (que se traduz na culpa do lesado na agravação dos danos por nunca ter respondido à recorrente, autorizando a remessa da documentação do sinistro à congénere - art.º 570 CC.
Considera que, ao não figurar este facto na matéria dada como provada, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art.º 195 do CPC, o que implica a anulação da sentença por falta de consideração de tal facto e de todos os actos subsequentes.
Mas, sempre com o devido respeito, cremos não lhe assistir razão.
O n.º 4, do art.º 607, do CPC, dispõe que: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara os factos que julga provados e não provados, …; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo,…”.
Ora, como é sabido, tomar em consideração, significa que o juiz deve ter em atenção, ter em conta os factos que estão admitidos por acordo, não necessitando, como acontece com os factos que resultam da análise critica das provas, de os declarar provados ou não provados. Tal como antes, do actual código de processo civil, os factos admitidos por acordo, constavam da matéria assente e, por isso, não tinham e não têm, agora, os mesmos de constar dos factos que são declarados provados ou não provados na sequência da produção das provas, (vejam-se art.ºs 653 n.º 2 e 659, n.º 3, do anterior CPC).
Neste contexto, afigura-se-nos evidente que não ocorreu, qualquer falta por não constar dos factos provados o facto alegado pela apelante no art.15 da contestação, o mesmo é dizer que, face ao disposto no n.º1 do art.º 195, não se verifica a nulidade processual prevista no n.º 2 do mesmo artigo.

Improcedem, assim, as conclusões A e B.

- Da responsabilidade ou não da apelante
Nos termos que alega e sintetiza nas conclusões C, D e E, a apelante discorda da decisão recorrida, considerando que esta deve ser alterada, dado o A., por um lado, não ter respondido ao que lhe foi solicitado pela apelante, em 03.06.2013, conduzindo a que esta não estivesse em condições de dar cumprimento à comunicação prevista no n.º2 do art.º 23 da CIDS e, por outro lado, apenas, ter intentado a acção contra a R. em 15.12.2015, contribuindo, com culpa manifesta, para o avolumar dos danos decorrentes da imobilização do veículo, comportamentos que considera excluem, nos termos do art.º 570, do Código Civil, a sua obrigação de indemnizar.
Por outro lado, considera que não deve ser condenada ao pagamento de qualquer indemnização, dado o comportamento da R., AS - Companhia de Seguros, S.A.. Alega que esta tomou conhecimento, em 14.05.2013, que o sinistro ainda não se encontrava regularizado e, apenas, em finais de Agosto, respondeu a informar que a responsável pela resolução do sinistro era a L., defendendo, por isso, não poder, a partir daquela data, haver responsabilidade da chamada, já que a R., responsável pelo acidente, passou, a partir dessa data, a dispor de todas informações necessárias para regularização do sinistro, o que devia ter feito. Mais, alega que a R., após a citação para a presente acção, não procedeu ao pagamento dos valores que sabe serem da sua responsabilidade liquidar ao A., considerando que, tal situação, representa uma actuação em abuso de direito, já que a R. peticiona que a recorrente suporte o dano com a privação do uso quando, citada para a acção, não o fez cessar, o que leva a concluir que, ainda que fosse cumprida a comunicação que alega ter estado em falta por parte da recorrente e que justifica o seu direito de regresso, também não teria procedido ao pagamento do dano da privação do uso, aguardando pela resolução judicial.

Estas as considerações e o que diz a apelante para se insurgir contra a decisão recorrida, mas em nosso entender, diz e considera mal.
É totalmente infundada a sua argumentação ao pretender imputar a comportamentos do A. e da R., a responsabilidade pela sua condenação nos autos ou, então, para exclusão da mesma, basta atentar na factualidade que ficou assente.
Esquece a apelante as circunstâncias porque foi chamada a intervir nestes autos e neles foi condenada a reembolsar a ré das quantias devidas por esta ao autor, a título de indemnização pelos danos decorrentes da imobilização do veículo SQ a partir de 04.02.2013.
Tal aconteceu, devido às responsabilidades decorrentes do estabelecido na Convenção IDS (Indemnização Directa ao Segurado), cujas cláusulas constam a fls. 52 e ss. dos autos, que a mesma aceita subscreveu (veja-se art. 8 da sua contestação) e aceita que não cumpriu, nomeadamente, o disposto no nº 2, da cláusula 23, pese embora, venha imputar ao A. e à R. comportamentos que considera excluem a sua condenação, mas sem razão, como dissemos.
A R. e a apelante, porque o sinistro em causa se encontrava abrangido no âmbito de aplicação daquela Convenção, (cfr. art. 10º, nº 1) concordaram que a regularização do mesmo assim fosse processada. Consistindo a CIDS num protocolo entre seguradoras que tem por finalidade acelerar a resolução de sinistros automóveis e simplificar os reembolsos entre as signatárias, permitindo aos segurados regularizar o sinistro junto da própria seguradora, que, havendo acordo, lhe pagará directamente os prejuízos, evitando que aquele tenha de contactar a seguradora do outro interveniente, o qual foi o único responsável pelo acidente e aceitou essa responsabilidade, bastando aos segurados dar cumprimento ao disposto no art.º 17, n.º 1, daquela.

Convenção que cfr. se lê no Acórdão desta Relação de 07.07.2011, relatado pelo, agora, Ex.mo Sr. Conselheiro, José Rainho, disponível in www.dgsi.pt, “não passa de um instrumento negocial que apenas envolve as seguradoras que a subscreveram, funcionando assim como uma autêntica res inter alios acta relativamente aos sinistrados. Decorre claramente do teor de tal Convenção que a mesma visa operacionalizar (rectius “simplificar”, nos seus dizeres) em primeira linha os interesses das seguradoras (e reflexamente, é certo, os dos sinistrados), surgindo a seguradora do lesado (ali designada como Credora) como uma mera facilitadora ou intermediária no processo indemnizatório de que são partes únicas e verdadeiras o lesado e a seguradora do veículo mediante o qual se provocaram os danos (ali designada como Devedora).”.

No caso, verifica-se que a R., (signatária devedora) em sede de contestação, veio peticionar a condenação da L. Seguros (signatária credora) no reconhecimento da sua responsabilidade pelo pagamento da indemnização pelos danos eventualmente causados ao autor decorrentes da imobilização do SQ a partir de 4.2.2013 e o reconhecimento do seu direito de regresso sobre aquela L. Seguros para ser reembolsada das quantias que tenha de pagar ao autor a título de indemnização pelos danos decorrentes da imobilização do SQ a partir de 4.2.2013 e a condenação da chamada L. a reembolsá-la das quantias que tenha de pagar ao Autor a título de indemnização pelos danos decorrentes da imobilização do SQ a partir de 4.2.2013, fundamentando o seu direito naquela Convenção/Protocolo, supra referido, existente quanto à regularização de sinistro, da qual a apelante e a Ré são partes outorgantes.

Encontra-se provado que a apelante, no âmbito daquele protocolo accionou os procedimentos de regularização do sinistro não tendo posteriormente informado a Ré que o Autor não havia aceite o montante da indemnização por si proposta, nem lhe remeteu qualquer documentação necessária para aquela regularização.

Ora, sendo desse modo, não podem suscitar-se dúvidas que a apelante não cumpriu o estipulado na Convenção IDS a que aderiu, nomeadamente, a cláusula 23ª, que dispõe sob a epígrafe “Discordância do Segurado”, o seguinte:

1. Havendo discordância do segurado quanto à responsabilidade que lhe é atribuída, ou quanto ao montante indemnizatório, a devedora dispõe do prazo de 20 dias para efectuar o acordo com o segurado da Credora.

2. Verificado o previsto no número anterior, a Credora remeterá á devedora a documentação respeitante a essa regularização e limitar-se-á, mediante quitação adequada, ao pagamento da quantia que lhe competir indemnizar, cabendo à devedora responder por quaisquer outros pagamentos.

3. Em caso de acordo do segurado com a devedora, por valor inferior ou igual ao limite convencionado e não existindo qualquer pagamento parcial por parte da Credora, observar-se-á o seguinte:

- a Credora reembolsará a Devedora pelo custo real suportado;

- a devedora pagará à credora o custo médio correspondente;

4. Se o total dos montantes pagos ultrapassar o limite convencionado previsto no numero 1 do artigo 13.º, a devedora pagará à credora as quantias por esta suportadas, sendo o processo excluído do âmbito de aplicação do presente Protocolo.”

Face ao exposto, atento o estipulado na Convenção, em causa, é evidente, não poder a apelante (signatária credora) querer escusar-se a assumir as responsabilidades para si decorrentes do acordo que subscreveu, designadamente, perante a R. (signatária devedora).

Pois, está assente que foi ela a processar o sinistro ao abrigo daquela Convenção IDS, assumindo a obrigação de proceder à sua averiguação, à avaliação dos danos e, caso chegassem a acordo, proceder ao pagamento da indemnização ao autor que, posteriormente, solicitaria à R., devedora.

Mas, no acto de adesão àquela Convenção, a apelante assumiu, também, que havendo discordância do segurado, como aconteceu, no caso, do que dispõe aquele nº 2, remetia à devedora (aqui R.) a documentação respeitante e necessária à regularização do sinistro, o que não fez.

Pelo que, não se suscitam dúvidas que a apelante incumpriu o acordo celebrado entre seguradoras, denominado, Convenção IDS, concretamente, aquele nº 2 do art.º 23 e, por isso deve ser responsabilizada, nos termos que constam da decisão recorrida que subscrevermos na íntegra e, por isso, com vénia, se transcreve: “Ora, tendo resultado provado que a L. Seguros não informou a Companhia de Seguros, S.A. de que o Autor não aceitou o montante da indemnização proposto, nem remeteu a esta qualquer documentação necessária para a regularização do sinistro, após ter sido remetido a missiva por parte do Autor datada de 4.2.2013 de que não aceitava a proposta apresentada pela L., verificamos que essa seguradora L., não cumpriu o disposto no artigo 23.º, n.º 2 do aludido protoloco IDS, não tendo assim, enquanto seguradora credora remetido à Seguradora Devedora – a Ré – a documentação respeitante a essa regularização, nem tampouco comunicou àquela Seguradora devedora da não aceitação por parte do Autor do montante indemnizatório proposto, contribuindo assim para o agravamento dos danos de privação do uso do Autor, sendo pois responsável pelo pagamento da indemnização pelos danos causados ao autor decorrentes da imobilização do veículo SQ a partir de 4.2.2013, data em que o Autor lhe comunicou a não aceitação da proposta indemnizatória por si apresentada. Demonstrado que seja o nexo causal entre o facto de não envio da documentação de regularização do sinistro e da não aceitação por parte do Autor e o dano, a seguradora Ré goza do direito de regresso sobre a seguradora chamada para ser reembolsada das quantias que tenha de pagar ao Autor a título de indemnização pelos danos decorrentes da imobilização do SQ a partir de 4.2.2013.”.

Verifica-se, assim, que não teve dúvidas a Mª Juíza “a quo” quanto à responsabilização da chamada/apelante e não temos nós, até porque os pretensos argumentos, para excluir a sua responsabilidade, mostram-se totalmente infundados quer no domínio factual, quer no domínio do disposto naquela CIDS que fundamentou a sua intervenção nestes autos.

O argumento de não estar em condições para cumprir a comunicação a que estava obrigada, por o autor não ter respondido ao que a mesma lhe solicitou em 03.06.2013, não é procedente. Não prevê aquele protocolo a necessidade de os segurados autorizarem a seguradora (credora) para que se lhe imponha o cumprimento daquele citado n.º 2 da CIDS, ou seja, a remessa, em caso de discordância do segurado, à seguradora (devedora) da documentação respeitante à regularização do sinistro.

Aos segurados, no âmbito da CIDS, se apenas houver danos nos veículos, como foi o caso, apenas, é exigido o preenchimento da Declaração Amigável de Acidente Automóvel (DAAA) - impresso em que se identificam os intervenientes, as Seguradoras, eventuais testemunhas e onde se descrevem as circunstâncias em que ocorreu o acidente - e a sua imediata remessa à sua Seguradora, cfr. decorre do art.º 17, nº1. O que se apurou o autor fez, nada mais lhe sendo exigível enquanto lesado.

Por outro lado, também, não pode proceder a argumentação de que haja culpa do autor no avolumar dos danos decorrentes da imobilização do veículo, pelo facto de só ter instaurado a acção em 15.12.2015 de modo a excluir a responsabilidade da apelante, quando esta foi declarada nos autos, pelo facto de ter incumprido aquela convenção a que aderiu.

E, se falece a argumentação da apelante quanto aos comportamentos que pretendia imputar ao autor, diferente sucesso não podem ter as imputações feitas à R.. Desde logo, por considerar que, se esta tomou conhecimento, em 14.05.2013, que o sinistro não se encontrava regularizado, passou a partir dessa data a dispor de todas as informações necessárias para a regularização do sinistro, quando a factualidade apurada demonstra o contrário. A R. não dispôs nessa data das informações necessárias à regularização do sinistro, porque conforme a própria apelante aceita, não lhas remeteu, apesar de ser sua obrigação fazê-lo, nos temos do art.º 23, que incumpriu.

E por último, também, não procede a alegação de uma, eventual, actuação abusiva da R., pois, para se concluir desse modo, sempre seria necessário ter-se apurado factualidade que demonstrasse esse comportamento, certo que o mesmo não se basta com conclusões hipotéticas formuladas pela apelante. É evidente que o facto de a R. não ter procedido ao pagamento de quaisquer quantias ao autor, após a citação, não permite concluir seja o que for de modo a excluir a responsabilidade da apelante resultante do incumprimento por parte da mesma do acordado com aquela.

Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.


*
III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Guimarães, 29 de Junho de 2017
(processei e revi – art.º 131, n.º5)