Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | EUGÉNIA MARIA DE MOURA MARINHO DA CUNHA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO INDEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO DE EXONERAÇÃO DO PASSIVO ARTIGO 238º DO C.I.R.E. | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/02/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. O incidente de exoneração do passivo restante, que permite ao insolvente, pessoa singular, libertar-se da passivo restante e recomeçar a sua vida económica de novo, “limpo” das dívidas - princípio do fresh start para as pessoas singulares incorridas em situação de insolvência -, prevê a não concessão liminar da possibilidade de exoneração do passivo restante em situações que traduzem comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram ou que a agravaram. 2. Tais situações, legalmente consagradas, tipificam casos em que o legislador entendeu que o devedor não merece que lhe seja dada a oportunidade de se submeter a um período probatório de que, no final, poderia resultar um desfecho a si favorável. O princípio do fresh start visa apenas pessoas singulares de boa fé, incorridas em situação de insolvência. 3. É no despacho inicial que se tem de analisar, através da ponderação de dados objetivos tipificados, se a conduta do devedor tem a possibilidade de ser merecedora de uma nova oportunidade, consagrando o nº 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, as situações que, a verificarem-se, justificam o indeferimento liminar da pretensão do insolvente de exoneração do seu passivo restante. 4. São os seguintes os requisitos, cumulativos, previstos na al. d), do referido n.º 1, que levam ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante: a) ter o devedor incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a apresentar-se (cfr art. 18º, do referido diploma), ter deixado de se apresentar à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência; b) ter causado, com tal atraso, prejuízo aos credores; c) sabendo ou não podendo ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. 5. O referido prejuízo para os credores abrange a hipótese de objetiva redução da possibilidade de pagamento dos créditos pelo aumento do passivo, provocada por atraso na apresentação à insolvência, com a constituição de novas dívidas pelo devedor. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães * I. RELATÓRIOC. P., na petição inicial de apresentação à insolvência que deduziu e de que se encontra cópia junta a fls 41 e segs, requereu exoneração do passivo restante, declarando preencher os respetivos requisitos. O Senhor Administrador de Insolvência, no relatório que apresentou, concluiu pelo indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante. O credor “Banco Y- Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, com os fundamentos vertidos a folhas 56 a 57, veio opor-se à concessão da exoneração do passivo restante. Foi proferida decisão a indeferir liminarmente a concessão da exoneração do passivo restante ao insolvente, por dos factos provados, e alegados pelo próprio requerente na petição inicial de apresentação à insolvência e documentos por ele juntos, se extrair a existência de um acumular de passivo e o contrair de novas dívidas que manifestamente foi prejudicando os anteriores credores, que viram, assim, reduzidas as possibilidades de recuperar os seus créditos. O Insolvente, notificado de tal decisão, apresentou recurso, pugnando por que a decisão seja revogada, formulando as seguintes CONCLUSÕES: A. Recorre-se do despacho, datado de 24.05.2017, que indeferiu liminarmente a concessão do pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo Recorrente. B. Ao negar o despacho inicial de exoneração do passivo restante violou o Tribunal a quo, por erro de interpretação, o artigo 238.°, nº 1, aI. d) do CIRE, devendo ser revogado e substituído por outro que defira o pedido de exoneração do passivo restante. C. Não se encontram preenchidos os três requisitos cumulativos previstos na aI. d) do nº 1 do artigo 238. ° do CIRE. D. O Recorrente cessou a sua atividade enquanto empresário em nome individual em Fevereiro de 2011, o que significa que, quando se apresentou à insolvência, em 24 de Março de 2017, fê-lo na qualidade de pessoa singular. E. Sempre teve a expetativa de que a sua situação enquanto empresário em nome individual iria melhorar, motivo pelo qual entende que, à data, não se encontrava numa situação de insolvência, não lhe sendo, por isso, aplicável o disposto no artigo 18.°, nº 1 do CIRE. F. Ainda assim, enquanto pessoa singular, tinha a obrigação de se apresentar à insolvência nos seis meses posteriores à verificação da sua situação de insolvência. G. E verdade que, durante o período em que o Recorrente exerceu atividade enquanto empresário em nome individual, tinha a firme convicção de que a sua situação económica iria melhorar e permitir-lhe proceder ao pagamento das contribuições que durante esse período se fossem vencendo. H. Mesmo após cessar atividade, já desempregado, continuava a acreditar que conseguiria arranjar trabalho rapidamente, até porque ainda era novo, o que acabou por acontecer no ano de 2014. I. Porém, o facto de sempre ter ganho um salário baixo nunca lhe permitiu cumprir tal desiderato na sua plenitude, motivo pelo qual, decidiu, em Agosto de 2016, apresentar-se à insolvência, altura em que constatou que se encontrava impossibilitado de cumprir prontamente com todas as suas obrigações vencidas. J. A situação de insolvência do Recorrente não decorre da sua atuação dolosa ou de má-fé, mas da conjuntura socioeconómica em que desenvolveu os seus negócios e da consequente situação de desemprego. K. Com efeito, não é verdade que o Recorrente se tenha abstido de apresentar à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da sua insolvência. L. Ainda assim, se se entender que, efetivamente, os 6 meses já tinham decorrido, tal não é suficiente para, por si só, ser indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante. M. É necessário que, por causa desse atraso, tenha havido prejuízo concreto e efetivo para os credores. N. Sendo este um requisito cumulativo com os demais, a verdade é que dos autos não resultam factos provados que permitam concluir que o Recorrente, ao se abster de se apresentar à insolvência, prejudicou os seus credores. O. Quanto ao facto de o insolvente ter acumulado ''passivo durante desde 2002 que nunca conseguiu liquidar até se apresentar à insolvência', tal não corresponde à verdade. P. Desde que cessou a sua atividade enquanto empresário em nome individual, o Recorrente teve sempre em perspetiva alcançar um emprego que lhe permitisse ir pagando as suas dívidas motivo pelo qual, em Dezembro de 2016, aderiu ao Programa Especial do Endividamento ao Estado (PERES). Q. Quanto ao facto de o Recorrente, "apesar das dívidas contraídas e vencidas não se absteve de contrair novas dívidas, sem liquidar as primeiras'; sempre se dirá que o que leva a que exista o prejuízo para os credores é o agravamento da situação económica do devedor. R. Desde que cessou a sua atividade, à exceção da dívida devida à Empresa De Telecomunicações X, o Recorrente não contraiu quaisquer outras dívidas até a presente data, não tendo assim, aumentado o seu passivo. S. Mesmo que se considerasse que o Recorrente estava obrigado a apresentar-se à insolvência em momento anterior, ainda assim, as dívidas contraídas junto da Segurança Social não deveriam constituir um prejuízo para os seus credores na medida em que os créditos tributários não estão abrangidos pela exoneração do passivo restante. T. Por outro lado, o prejuízo terá que ser relevante. Ora, tendo em consideração que, à exceção do crédito à Segurança Social, não abrangido pela exoneração do passivo restante, o Recorrente apenas aumentou o seu passivo junto da sociedade comercial Empresa De Telecomunicações X num valor não superior a € 1.000,00, trata-se efetivamente de uma quantia que, a ser considerado prejuízo, atento o seu valor, não se apresenta relevante. U. Também não se encontra preenchido o terceiro requisito da aI. d) do nº 1 do artigo 238.° do CIRE. V. Quanto a este requisito legal e por perspetiva de "melhorar a sua situação económica", deve entender-se como tendo perspetivas de melhorar a sua situação económica e não da verificação de tal situação, pois a lei não se refere a melhoria da situação económica mas sim a perspetiva dessa melhoria. W. Na verdade, o incumprimento do pagamento de determinadas obrigações por parte do Recorrente não gerou neste a certeza de que não havia perspetiva séria de melhoria da situação económica, pelo contrário, a perspetiva de alcançar um emprego, após cessar a sua atividade enquanto empresário em nome individual, mostra que este nunca cruzou os braços, tentando cumprir com as suas obrigações e regularizar as dívidas para com os seus credores, agindo, assim, sempre de acordo com uma perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. X. Perspetivas que existem, pois o Recorrente tem, hoje, após obter emprego no ano de 2014, uma vida mais estável e acredita poder pagar aos credores via incidente de exoneração. Y. Deste modo, não sendo possível concluir pela verificação da situação complexa descrita na alínea d), do nº 1, do artigo 238°, do CIRE, não deveria ter sido indeferida liminarmente a pretensão deduzida pelo Recorrente. Z. Ao negar, o despacho de indeferimento do pedido de exoneração violou, pois, por erro de interpretação o artigo 238.°, nº 1, aI. d) do CIRE. AA. De referir, ainda, que é entendimento da jurisprudência maioritária, que, para que se indefira liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, nos termos do artº 238.°, nº 1, aI. d), CIRE, é necessário que o tribunal se pronuncie sobre cada um dos requisitos e que os julgue, a todos, verificados. * Não foram apresentadas contra-alegações. * Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.* II. OBJETO DO RECURSOApontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Assim, é a seguinte a questão a decidir: – Se se verifica falta de fundamento para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante. * III. FUNDAMENTAÇÃO 1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Resulta da petição inicial apresentada pelo requerente, ora recorrente, dos documentos juntos pelo mesmo e do relatório apresentado (cfr fls 41 e segs deste apenso), com interesse para a decisão deste incidente que: 1. O insolvente é trabalhador dependente, exerce as funções de “Carpinteiro ou de Cofragem de 1.ª” na sociedade “W Construtores, S.A.” e aufere a remuneração mensal ilíquida de € 557; 2. O insolvente reside em casa da sua mãe, comparticipando nas despesas; 3. O insolvente é casado, mas está separado de facto; 4. Pelo menos entre 2002 e 2011 o devedor exerceu atividade como trabalhador independente na área da exploração de bares; 5. Em diversos períodos entre o ano de 2002 e o ano de 2011 o insolvente não entregou à Segurança Social as contribuições a que estava obrigado, acumulando um passivo de, pelo menos, €14.717,45, ao qual acrescem atualmente custas e juros de mora (o valor atualmente em dívida ascende a mais de €19.000,00); 6. Entre os meses de março e junho de 2009 o insolvente não cumpriu com o contrato celebrado com a sociedade “Empresa de Telecomunicações H, S.A.”, tendo acumulado um passivo junto deste credor que ascende atualmente a cerca de €1.000, resultante da interposição da ação executiva referida nos autos com o nº 3397/09.3TBFAR; 7. Ainda no ano de 2009 o requerente começou a acumular passivo junto de nova operadora de telecomunicações, desta feita a “Empresa de Telecomunicações X – Serviços de Comunicação e Multimédia, S.A.”, tendo incumprido com o pagamento das faturas mensais emitidas pela mesma entre Novembro de 2009 e Março de 2013, acumulando uma dívida que ascende atualmente a cerca de € 2.000; 8. O insolvente é devedor à Fazenda Nacional pelo montante de cerca de €700, relativo a Custas, Coimas e uma dívida de IUC do ano de 2009; 9. Em fevereiro de 2011 o insolvente cessou para efeitos fiscais a sua atividade profissional como trabalhador independente; 10. Desde então, o insolvente não foi capaz de encontrar uma atividade profissional que lhe permitisse fazer face ao passivo; 11. Nos anos de 2012 e 2013 o insolvente não auferiu qualquer rendimento; 12. No ano de 2014 o seu rendimento bruto ascendeu a pouco mais de €3.500,00 e no ano de 2015 a cerca de €6.100,00; 13. Em Agosto de 2016 o insolvente inicia os procedimentos necessários para se apresentar a tribunal e requerer que fosse declarada a sua insolvência; 14. O insolvente não tem antecedentes criminais. * 2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO= Da falta de fundamento para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante = Sustenta o Recorrente não ser possível concluir pela verificação da situação complexa descrita na alínea d), do nº 1, do artigo 238°, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante designado, abreviadamente, CIRE), pelo que não deveria ter sido indeferida liminarmente a pretensão por si deduzida, violando o despacho de indeferimento do seu pedido de exoneração, por erro de interpretação, o referido preceito que, segundo entendimento da jurisprudência maioritária, tem de ser interpretado no sentido de, para que possa ter lugar tal indeferimento, ser necessário que o tribunal se pronuncie sobre cada um dos requisitos nele contemplados e os julgue, a todos, verificados. Pretende o Insolvente, Recorrente, que se revogue a decisão proferida por não se encontrarem preenchidos os três requisitos cumulativos previstos na al. d), do nº 1, do artigo 238. °, do CIRE, que justificam o indeferimento liminarmente do pedido de exoneração do passivo restante, pois que: - cessou a sua atividade, enquanto empresário em nome individual, em fevereiro de 2011 e que, apesar de enquanto pessoa singular ter a obrigação de se apresentar à insolvência nos seis meses posteriores à verificação da sua situação de insolvência, durante o período em que exerceu atividade enquanto empresário em nome individual, tinha a convicção de que a sua situação económica iria melhorar e permitir o pagamento das contribuições que durante esse período se fossem vencendo sendo que mesmo após cessar atividade, já desempregado, continuava a acreditar que conseguiria arranjar trabalho, o que acabou por acontecer no ano de 2014, sendo que, porém, o facto de sempre ter ganho um salário baixo nunca lhe permitiu cumprir tal desiderato, tendo, em agosto de 2016, constatado que se encontrava impossibilitado de cumprir prontamente com todas as suas obrigações vencidas; - mesmo que se considerasse que o Recorrente estava obrigado a apresentar-se à insolvência em momento anterior, ainda assim, as dívidas contraídas junto da Segurança Social não deveriam constituir um prejuízo para os seus credores na medida em que os créditos tributários não estão abrangidos pela exoneração do passivo restante; - é necessário que tenha havido prejuízo concreto e efetivo para os credores e dos autos não resulta que o Recorrente, ao abster-se de se apresentar à insolvência, tenha prejudicado os seus credores; - desde que cessou a sua atividade em nome individual, em fevereiro de 2011, à exceção da dívida à Empresa De Telecomunicações X, o Recorrente não contraiu outras dívidas, tendo o prejuízo de ser relevante; - à exceção do crédito à Segurança Social, não abrangido pela exoneração do passivo restante, o Recorrente apenas aumentou o seu passivo junto da sociedade comercial Empresa De Telecomunicações X num valor não superior a € 1.000,00; - sempre teve em perspetiva alcançar um emprego que lhe permitisse ir pagando as suas dívidas. Vejamos os fundamentos da decisão de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante. Estabelece o artigo 235.º do CIRE o princípio geral de que se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo. Como se refere na decisão recorrida “O passivo restante, nos termos do normativo citado, é, assim, constituído pelos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento. Não são, porém, abrangidos pela exoneração, além de outros que à economia da decisão não importam, os créditos tributários (artigo 245.º, n.º 1, d) do C.I.R.E.). No ponto 45 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/3, que aprovou o Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, refere-se que “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, e agora também acolhido entre nós, através do regime “exoneração do passivo restante”. O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste”. Acrescentando mais a frente, que “A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor da conduta reta que ele teve necessariamente de adotar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica”. O objetivo final é como refere Catarina Serra(1), a extinção das dívidas e a libertação do devedor. Para que, aprendida a lição, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua atividade económica. Ou nas palavras de Assunção Cristas (2), o objetivo é que o devedor pessoa singular não fique amarrado a essas obrigações”. Deste modo, só o devedor que seja uma pessoa singular pode requerer a referida exoneração e que se traduz na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento nas condições fixadas no incidente. Daí falar-se de passivo restante. A efetiva obtenção de tal benefício supõe, assim, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos (designado período de cessão) ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência) que afetará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão dos previstos nas als. a) e b) do n.º 3, do artigo 239.º, impondo simultaneamente o n.º 4 deste mesmo artigo ao devedor uma série de obrigações acessórias decorrentes da cessão do rendimento disponível, tendo em vista assegurar a efetiva prossecução dos fins a que é dirigida. De entre essas obrigações destacam-se a que impõe ao devedor a obrigação de exercer uma atividade remunerada, proibindo-lhe o seu abandono injustificado, e a que lhe determina que, ocorrendo uma mudança de domicilio ou emprego onde exerce a sua atividade, informe o tribunal e o fiduciário no prazo de 10 dias [als. b) e d)]. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento. No entanto, a decisão liminar de exoneração do passivo restante não traduz a oportunidade de o devedor iniciar a vida de novo, liberado das dívidas, mas a oportunidade de se submeter a um período probatório, que, no final, pode resultar um desfecho que lhe seja favorável sendo certo que esse desfecho favorável depende totalmente da sua atuação durante os próximos cinco anos. Esta decisão destina-se a aferir da existência de condições mínimas para aceitar o pedido de exoneração do passivo restante. Mas, para se ter acesso a tal benefício e ser deferido o pedido, a lei impõe certos requisitos e procedimentos, fixados nos artigos 236.º, 237.º e 238.º. Assim, do requerimento deve constar expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes (arts. 236.º, n.º 3). E considera Assunção Cristas (3), que para ser proferido despacho inicial é necessário ainda que o devedor preencha determinados requisitos e, desde logo, que tenha tido um comportamento anterior ou atual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, aferindo-se da sua boa conduta, dando-se aqui especial cuidado na apreciação, apertando-a, com ponderação de dados objetivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta. Também Carvalho Fernandes e João Labareda (4), acentua que as alíneas do art. 238.º, n.º 1, embora pela negativa, enumeram os requisitos a que deve sujeitar-se a verificação das condições de exoneração. O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se: a) For apresentado fora do prazo; b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a evitar pagamentos a instituições dessa natureza; c) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência; d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica; e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do art. 186.º; f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previsto e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração de insolvência ou posteriormente a esta data; g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência . No caso em apreço, o pedido foi apresentado tempestivamente atendendo a que foi apresentado na petição inicial (art. 236.º, n.º 1 do CIRE). Por outro lado, nos autos não existem quaisquer elementos que permitam concluir que o insolvente, com dolo ou culpa grave tenha por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, prestado informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza [al. b)]. Também nada consta nos autos que permita concluir que o insolvente já beneficiou da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência. Acresce que resulta igualmente do certificado de registo criminal do insolvente junto aos autos que o mesmo não tem antecedentes criminais [al. f)]. Também nada existe nos autos que permita concluir que o insolvente, com dolo ou culpa grave, tenha violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ela resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.”. Analisando se o caso dos autos se subsume à al. d), que refere que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação a insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica, considera a decisão recorrida que “Há obrigação de apresentação à insolvência, no caso das pessoas singulares, sempre que estas sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência (art. 18.º, n.º 2 do CIRE). Ora, tratando-se o insolvente de uma pessoa singular que era titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do n.º 1 do art.º 20.º (n.º 3 do art.º 18.º do CIRE). No caso em apreço, considerando toda a factualidade supra vertida nos pontos 5 a 12, facilmente se constata que o insolvente acumulou passivo durante desde 2002 que nunca conseguiu liquidar até se apresentar à insolvência. Mais se constata que, apesar das dívidas contraídas e vencidas não se absteve de contrair novas dívidas, sem liquidar as primeiras (cf. pontos 6. e 7.). O insolvente apresentou-se à insolvência apenas em 25.03.2017, pelo que não se pode concluir que o fez no prazo que tinha para o efeito, ou seja, logo que teve conhecimento da sua situação de insolvência. Acresce ainda referir que, para o preenchimento da alínea que analisamos é ainda necessário que se conclua que dessa conduta advieram prejuízos para os credores e que o devedor sabia, ou não podia ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. Na verdade, como se refere no Ac. da RP de 9/12/08 (5), a al. d) do nº 1 do art. 238.º do CIRE manda negar a exoneração quando se verificarem três condições cumulativas: 1) não se ter apresentado à insolvência; 2) advir do incumprimento do prazo prejuízo para os credores; 3) não existir perspetiva séria de melhoria da situação financeira do insolvente. Importa salientar, antes de mais, que o prejuízo para os credores não se consubstancia no mero não pagamento das dívidas já existentes. Implica que o retardamento na apresentação à insolvência contribua para agravar o montante do passivo. Neste sentido Ac. TRL de 14/05/2009 (6), segundo o qual “prejuízo concreto é o dano real, o dano como se apresenta in natura, consistente na privação ou diminuição do gozo dos bens, materiais ou espirituais, ou na sujeição a encargos ou na frustração da aquisição ou acréscimo de valores. Os prejuízos a que se refere o art. 238.º, n.º 1, al. d), do CIRE, hão de pois corresponder aos danos emergentes e lucros cessantes (…) não correspondendo os juros de mora a qualquer prejuízo (diminuição do património ou ganhos que se frustraram) sofrido pelos credores com a apresentação tardia” - no mesmo sentido, Ac. TRP de 08/04/10 e STJ de Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 21/10/10, que anota que “do facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência não se pode concluir imediatamente que daí advieram prejuízos para os credores” e ainda que “o devedor não tem que fazer prova dos requisitos previstos no nº1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”. Ali se escreveu, a este propósito: “se no regime anterior, estabelecido no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência se podia pôr a hipótese de quanto mais tarde o devedor se apresentasse à insolvência, mais tarde cessaria a contagem de juros, com o consequente aumento do volume da dívida, no regime atual, que se aplica ao presente processo, tal hipótese não tem cabimento, uma vez que os credores continuam a ter direito aos juros, com a consequente irrelevância do atraso da apresentação à insolvência para o avolumar da divida” (7). E como se apontam no acórdão do STJ de 03/11/11, “o prejuízo para os credores previsto na al. d) do n.º 1 do artigo 238.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (…) abrange qualquer hipótese de redução da possibilidade de pagamento dos créditos, provocada por esse atraso, desde que concretamente apurada, em cada caso”, por exemplo a venda de bens e outras formas de diminuição do património (acórdão do TRP de 09/01/12), aumento do passivo, no que toca ao capital (acórdão do TRL de 14/02/12), ou outras formas de afetação da garantia dos credores, tudo visto à luz do comportamento do homem médio (Ac. do TRP de 17/10/11). Ora, no caso em apreço, como já se referiu, dos factos dados como provados extrai-se a existência de um acumular de passivo e o contrair de novas dívidas que manifestamente foi prejudicando os anteriores credores, que viram assim reduzidas as possibilidades de recuperar os seus créditos”. Cumpre apreciar e decidir se a referida decisão é conforme à lei. Na verdade, o CIRE introduziu esta nova medida de proteção do devedor, que seja pessoa singular, que permite que, caso este não satisfaça integralmente os créditos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, venha a ser exonerado do pagamento desses mesmos créditos, caso satisfaça as condições fixadas no incidente de exoneração do passivo restante. Este incidente, que tem dois momentos fundamentais: o despacho inicial e o despacho de exoneração, inspirou-se, como referido, no chamado modelo de fresh start, nos termos do qual o devedor, declarado insolvente, pessoa singular tem a possibilidade de se libertar do passivo e recomeçar a sua vida económica de novo, o que é útil e válido não só para o mesmo mas para a sociedade em geral. Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 12-12-2013, Processo 1367/13.6TJLSB-C.L1-6 o despacho liminar embora verdadeiramente o não seja (já que pode obrigar à produção de prova e impõe um juízo de mérito sobre o preenchimento dos requisitos – cfr. Assunção Cristas, “Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante” – Themis/Revista de Direito/Setembro de 2005, página 169) não pode confundir-se com o despacho a que alude o art. 244º do diploma referido – decisão final da exoneração – em que o tribunal decide sobre a concessão ou não da exoneração do passivo. Só a partir daí, e verificado o condicionalismo legalmente imposto, o devedor fica “limpo” do passivo restante. Até lá, durante o denominado período da cessão, o devedor fica obrigado a uma série de deveres, tendencialmente destinados a recolher para a massa insolvente todos os rendimentos disponíveis (com excepção, basicamente, dos destinados a assegurar o “sustento minimamente digno” do devedor e da sua família, bem como o exercício da actividade profissional do mesmo - art. 239º), assim se harmonizando a moderna tendência de “reabilitação” dos insolventes “primários” (sem práticas criminais anteriores e sem já antes terem gozado de idêntico benefício) com o primordial interesse dos credores em assegurar a liquidação do património do insolvente e a repartição do produto obtido (art. 1º). Daí que, em sede de despacho “liminar” do pedido de exoneração do passivo restante, excetuado o circunstancialismo atinente ao prazo, se não justifique um grande rigor probatório relativamente aos requisitos legalmente enunciados, geradores desde logo do indeferimento liminar daquele.(…) explicada fica, a nosso ver, a razão pela qual o legislador entendeu pôr a cargo do devedor/requerente apenas o ónus da declaração/alegação de que preenche os requisitos e se dispõe a observar as condições enunciadas nos art. 237º e seguintes do CIRE (cfr. art. 236º nº3 desse diploma)… (negrito nosso). É isso, claramente, o que resulta do ponto 45 do Preâmbulo do DL 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o atual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) onde se deixou consignado o seguinte: “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da “exoneração do passivo restante (8). A pedra angular nesta matéria é poder ser concedida ao devedor, pessoa singular, a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. Porém, a obtenção de tal benefício exige que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos (designado período da cessão) adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele compromete-se, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (como definido na lei) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afetará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que, então, liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento. O que justifica a conceção deste benefício e a consequente reintegração na vida económica é a ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e a sua conduta reta, pautada pelos ditames da boa fé. Nesta conformidade, o CIRE estabelece fundamentos que justificam a não concessão liminar da possibilidade de exoneração do passivo restante, os quais se traduzem em comportamentos do devedor, relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram ou a agravaram, os quais se destinam a determinar, ab initio, os casos em que o devedor não merece que lhe seja dada a oportunidade de se submeter a um período probatório de que, no final, poderia resultar um desfecho favorável a si. É no despacho inicial que se tem de analisar, através da ponderação dos dados objetivos tipificados, se a conduta do devedor tem a possibilidade de ser merecedora de uma nova oportunidade. Assim, as situações consagradas no nº 1, do artigo 238º, do CIRE, a verificarem-se no caso concreto, justificam o indeferimento liminar da pretensão do insolvente de exoneração do seu passivo restante. Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 7/3/2017, Processo 891/16.4T8VIS.C1 (9) A excepcionalidade desse instituto exige que o recurso ao mesmo só possa ser reconhecido ao devedor que tenha pautado a sua conduta por regras de transparência e de boa-fé, no tocante às suas concretas condições económicas e padrão de vida adoptado, à ponderação e protecção dos interesses dos credores, e ao cumprimento dos deveres para ele emergentes do regime jurídico da insolvência, em contrapartida do que se lhe concede aquele benefício excepcional. (…)Estando em causa uma pessoa singular não titular de uma empresa, logo não sujeita ao dever de apresentação à insolvência (art. 18º/2 do CIRE), o pedido de exoneração do passivo restante só pode ser objecto de indeferimento liminar com fundamento no art. 238º/1/d do CIRE se estiveram verificados, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) ter o devedor deixado de se apresentar à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da insolvência; b) ter causado, com o atraso, prejuízo aos credores; c) sabendo ou não podendo ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, sendo uniforme a jurisprudência no sentido de que são os factos impeditivos da admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante constantes da al. d), do referido preceito, de verificação cumulativa (cfr. designadamente o Acórdão da Relação de Lisboa de 12-12-2013, Processo 1367/13.6TJLSB-C.L1-6, in dgsi.net). Cumpre, pois analisar se, in casu, se verificam os referidos requisitos cumulativos previstos na al. d) do nº 1 do artigo 238.° do CIRE, em que se baseou o indeferimento liminar. Como referido, dispõe o nº1, do artigo 238.º, do CIRE, que O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se: d) o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica; Os requisitos previstos nesta alínea, para que, ao abrigo dela, possa ser liminarmente indeferido o pedido de exoneração do passivo restante, são, pois, os seguintes, efetivamente, cumulativos, como resulta da própria letra da lei: - o devedor ter incumprido o dever de apresentação a insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se ter abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência; - com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, - e sabendo, ou não podendo ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. Em relação à exclusão prevista na referida al. d), sustentou-se no Acórdão da Relação do Porto de 6/10/2009 (10), para fundamentar o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, o incumprimento deste prazo tem que resultar claro dos autos e ser cumulativo com a evidência de que o atraso na apresentação prejudicou os interesses dos credores, sabendo o insolvente ou não podendo ignorar, sem culpa grave, que inexistia qualquer perspetiva de melhoria da sua situação económica. Este fundamento integra um quadro dos comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram de algum modo ou a agravaram. De forma maioritária e como refere Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (11) a jurisprudência tem-se inclinado no sentido de que o retardamento na apresentação à insolvência não é, ipso facto, causa de prejuízos para os credores. Podem ver-se, a propósito, v.g., os acs. do STJ, de 24/JAN/2012, proferido no processo 152/10.1TBBRG-E.G1.S1, de 3/NOV/2011, proferido no processo 85/10.1TBVCD-F.P1.S1 e de 22/MAR/2011, proferido no processo 570/10.5TBMGR-B.C1-S1. São abundantes arestos das Relações com o mesmo conteúdo. Não obstante, como vem referido por Luís Manuel Teles de Meneses Leitão (12), também é jurisprudencialmente entendido, embora minoritariamente, que a apresentação tardia do requerente da exoneração é suscetível de envolver, por si só, prejuízo para os credores. Na verdade, no Ac. da Relação de Guimarães de 12/7/2010 (13), aí citado, considerou-se ser de presumir que o atraso, só por si, envolve prejuízo para os credores, atento o avolumar de juros de mora e a desvalorização do capital. Ora, in casu, tendo o Senhor Administrador de Insolvência, no relatório que apresentou, concluído pelo indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante e o credor “Banco Y- Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, com os fundamentos vertidos a folhas 56 a 57, apresentado oposição à concessão da exoneração do passivo restante e por, efetivamente, resultar dos autos que o atraso, evidente, na apresentação prejudicou os interesses dos credores que viram o montante das dívidas, efetivamente, aumentar atento, desde logo, o avolumar de juros de mora e o constituir de novas dívidas, e, ainda, com desvalorização do capital, sabendo o insolvente ou não podendo ignorar, sem culpa grave, que inexistia qualquer perspetiva de melhoria da sua situação económica (pois que mesmo com trabalho nunca a perspetiva de salário superior ao necessário para fazer face a sua subsistência seria séria), bem decidiu o Tribunal a quo. Na verdade, é o próprio Requente que, ao exercer, na petição inicial, o ónus de alegação, se apresenta a carrear para os autos os factos supra referidos, processualmente adquiridos, que fundamentam a decisão. A situação de insolvência em que o Requerente se encontrava quando se apresentou à insolvência já se verificava há muito mais de seis meses contados da data de apresentação. Para além disso, antes de o requerente cessar a sua atividade em nome individual (o que afirma ter ocorrido em fevereiro de 2011) já se encontrava na situação de insolvência que descreve. Há obrigação de apresentação à insolvência, no caso das pessoas singulares, sempre que estas sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência (art. 18.º, n.º 2 do CIRE), o que é manifestamente o caso dos autos. Ora, tratando-se o insolvente de uma pessoa singular, que era titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do n.º 1 do art.º 20.º (n.º 3 do art.º 18.º do CIRE). Irrelevantes são meras esperanças, expectativas e convicções pessoais de melhoria, sem que se traduzam em factos relevantes e sérios de objetiva obtenção de rendimentos que permitam cumprir obrigações de pagamento de dívidas (e não meramente para satisfazer necessidades pessoais essenciais). No caso em apreço, da factualidade vertida nos pontos 5 a 12, resulta que o insolvente acumulou passivo desde 2002 que nunca conseguiu liquidar até se apresentar à insolvência. Mais se constata que, apesar das dívidas contraídas e vencidas não se absteve de contrair novas dívidas, sem liquidar as primeiras (cf. pontos 6. e 7.). O insolvente apresentou-se à insolvência apenas em 25.03.2017, pelo que não se pode concluir que o fez no prazo que tinha para o efeito, ou seja, logo que teve conhecimento da sua situação de insolvência. Dessa conduta advieram prejuízos para os credores e o devedor sabia, ou não podia ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. Na verdade, para os credores advieram prejuízos que não se consubstanciam no mero não pagamento das dívidas já existentes, implicando o retardamento na apresentação à insolvência agravamento do montante do passivo, verificando-se um acumular de passivo e o contrair de novas dívidas que prejudica os anteriores credores, os quais viram reduzidas as possibilidades de recuperar os seus créditos. Como é evidente, as dívidas contraídas junto à Segurança Social, na medida em que existem e têm de ser pagas, geram, até, que menos património fique para satisfazer os outros créditos, vendo os respetivos credores as suas pretensões de pagamento ainda mais dificultadas, remotas e, até, impossíveis de alcançar. Deste modo, o prejuízo para os credores, previsto na al. d), do n.º 1, do artigo 238.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, abrange a hipótese de objetiva redução da possibilidade de pagamento dos créditos pelo aumento do passivo, provocada por atraso na apresentação à insolvência, com a constituição de novas dívidas pelo devedor. Acresce que se não pode, sequer, considerar uma dívida de 1000,00 € (quase o dobro do alegado vencimento mensal do insolvente), sem relevância. Aliás, é o facilitismo invocado que gera muitas situações de insolvência e inerentes prejuízos acumulados e multiplicados para os credores. Refira-se, ainda, que não basta fé ou qualquer perspetiva de melhoria da situação económica. É necessário que a perspetiva seja séria, fundada, justificada. Ora, olhando às circunstâncias do caso, verifica-se que o devedor nenhumas perspetivas sérias de melhoria da situação económica, por forma a poder pagar as suas dívidas que ao longo de mais de uma década contraiu e nunca pagou, tem. Extraindo-se dos factos provados o atraso na apresentação à insolvência, como refere a decisão recorrida, a existência de um acumular de passivo e o contrair de novas dívidas, que manifestamente foi prejudicando os anteriores credores, os quais viram reduzidas as possibilidades de recuperar os seus créditos, sendo isso que está em causa, e bem sabendo o requerente, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica, tem de se concluir que bem andou o Tribunal a quo ao indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante. Preenchidos que se mostram os requisitos, cumulativos, consagrados na al. d), do n.º 1, do artigo 238.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, como bem decidiu, fundamentadamente, o Tribunal a quo, é de manter a decisão recorrida. * Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo violação de qualquer normativo invocado pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.* IV. DECISÃOPelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida. * Custas pelo apelante – art. 527º, nº1, do CPC.Guimarães, 2 de novembro de 2017 (Dr. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha) (Dr. José Manuel Alves Flores) (Dr. Sandra Maria Vieira Melo) 1. In O Novo Regime Jurídico da Insolvência, pág. 73. 2. In Revista da Faculdade de Direito da UNL – Themis, pág. 167. 3. Ob. Cit., pág. 264. 4. C.I.R.E Anotado, vol. II, pág. 190. 5. In www.dgsi.pt. 6. In www. dgsi. pt. 7. No mesmo sentido, vide, os acórdãos do STJ de 24/01/12, de 22/03/11, de 03/11/11, os acórdãos do TRC de 29/02/12,de17/01/12, de 12/04/11, de 10/05/11, do TRP de 09/02/12, de 13/07/11, de 07/04/11, de 18/11/2010, de 10/02/11, de 24/03/11, de 31/03/11, de 07/04/11, e do TRL de 01/02/12, de 24/03/11, e de 14/12/10, proferido no processo n.º 2575/09.0TBALM-B.L1-1, todos na base de dados da DGSI. 8. Acórdão da Relação de Lisboa de 12-12-2013, Processo 1367/13.6TJLSB-C.L1-6, in dgsi.net 9. In dgsi.net 10. CJ, ano 2009, 4 pag 184-186 11. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, ano 2015, pag 855, Almedina 12. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 9ª Edição, ano 2017, pag 288, Almedina CJ, ano 2010, 3, pag 294-297 |