Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
409/12.7TCGMR.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: DOMÍNIO PÚBLICO
USUCAPIÃO
DANOS MORAIS
GRAVIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Invocando uma autarquia local (Freguesia), como título de propriedade, a aquisição originária, por usucapião, a seu favor, daquele direito sobre o leito de certo caminho e alegando a sua existência e a prática de actos de posse, por si, sobre ele, “desde tempos imemoriais”, não se está perante acção de mero reconhecimento e declaração da natureza pública do caminho, à luz do Assento de 19-04-1989.
2. Os requisitos legais a demonstrar por ela são, pois, os integrantes da posse conducente à usucapião e não os da mera dominalidade pública do caminho em termos de tal jurisprudência.
3. A Freguesia não goza, em tal acção, da isenção prevista na alínea g), do nº 1, do artº 4º, do Regulamento das Custas Processuais.
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO

A autora Freguesia de .., propôs, em 27-12-2012, acção declarativa ordinária contra a ré C..

Pediu que se:

a) declare constituída, por usucapião, a propriedade do (alegado) caminho a favor da autora, com as características descritas nos pontos 10º e 11º da p.i.;
b) condene a ré a retirar as pedras do local do início do referido caminho, bem como a colocar o leito do caminho no estado em que se encontrava anteriormente;
c) condene a ré a abster-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte da autora do referido caminho;
d) condene a ré a pagar à autora a quantia de €3.375,00 + IVA para a repavimentação do caminho;
e) condene a Ré a pagar à Autora a quantia de €10.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios legais, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;
f) condene a Ré no pagamento de sanção pecuniária compulsória diária, nos termos previstos pelo artigo 829º-A, do Código Civil, em montante não inferior a €50,00, desde a citação até à efectiva remoção das pedras que impedem o acesso ao caminho.

Invocou, como causa de pedir: aquisição originária, por usucapião, do direito de propriedade sobre o leito de certo caminho.

Alegou, para tanto, que a ré é proprietária de um prédio rústico, naquela freguesia, confrontante, dos lados sul e poente, com o caminho público. Existe, “desde tempos imemoriais”, um caminho, através de tal prédio, que permite o acesso, entre outros prédios rústicos, a um que pertenceu ao Estado e foi utilizado pela GNR e outras forças da autoridade como “carreira de tiro” desde há mais de 50 anos e até há cerca de 25 anos atrás, altura em foi desactivada. O acesso da via pública à mesma fazia-se e faz-se unicamente por tal caminho, tendo este uma largura de 5 metros e comprimento de 100m e iniciando-se na designada Rua …, cerca de cinco metros após o último imóvel lá erigido, praticamente em linha recta na direcção nascente-poente. O prédio do Estado, em 18-03-2012, foi cedido por este à Freguesia. Desde então, vem servindo a sua população e a das freguesias limítrofes, como parque de lazer e merendas, para actividades de recreação, para o efeito tendo sido realizadas obras na sua parte rústica.
Desde “tempos imemoriais”, embora com menor regularidade antes da construção da “carreira de tiro” mas com maior incidência depois de esta ter começado a ser utilizada, ou seja, antes de 1960, sempre a autora vem fazendo a limpeza e manutenção do caminho, bem como o respectivo aumento para a sua actual forma e dimensões (note-se que, mais adiante, a autora alegou, contraditoriamente, que “desde tempos imemoriais” o caminho mantém a sua forma e dimensões actuais…), efectuando nele obras e reparações necessárias, tal como a colocação de pedra, “tout-venant”, areia e outros materiais necessários para o conservar transitável a pessoas e veículos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e com o ânimo de se tratar de coisa pública e sua propriedade (não obstante, note-se também, que, de seguida, a autora apelida tal terreno como “caminho de servidão” e acrescenta que, “mesmo que assim não fosse”, é que “sempre seria dona” dele e em tal espírito teria agido). Aliás, em Junho de 2012, a autora pavimentou o caminho com betão de 0,05m de espessura e efectuou rega de colagem do mesmo.
Sucedeu que a ré ordenou, em 12.10.2012, a remoção do pavimento betuminoso (225m2) que a autora mandara colocar no caminho e, na parte restante deste, colocou entulho, impedindo a passagem de pessoas, de máquinas agrícolas e automóveis pelo seu leito. Além disso, alterou o leito na parte que atravessa o seu prédio, deslocando-o cerca de 20 m para norte, embocando num pinheiro e não permitindo por isso a passagem de veículos, agindo ilegitimamente pois mesmo “caso o caminho não fosse propriedade da autora” – mera hipótese académica, diz agora – e “fosse um caminho de servidão”, também tal lhe estava vedado.
Esta situação foi objecto de divulgação pública em meios de informação, causando, além do prejuízo patrimonial (custo de 3.375,00€ + IVA necessário para a repavimentação), também dano (não patrimonial) na imagem a Autora e dos seus representantes.

Uma vez citada, contestou e reconveio a Ré.

Impugnou parcialmente os fundamentos da acção, negando a titularidade da propriedade do caminho pela Autora, acrescentando que jamais existiu, a atravessar o seu prédio, qualquer caminho público. O que existe é um caminho de servidão, próximo da estrema poente do seu prédio, no sentido sul/norte, com pequena inclinação para nascente, com 2 metros de largura por 40 metros de comprimento, com origem no caminho público designado por Rua … e a desembocar no prédio rústico encravado que, a Norte, confina com o da ré e que ao mesmo aproveita, permitindo o trânsito a pé e de carro com vista a assegurar a produção normal de mato e lenha. Tal caminho dista 125 m da estrada nacional e 22 m da última edificação existente na Rua …. E não corresponde ao que foi pavimentado pela autora. A parcela de terreno onde a autora localiza o caminho alegadamente público sempre foi cultivado com produtos hortícolas e mantido com medas de lenha e toros. Nunca a GNR, qualquer outra força, a autora ou a população utilizou tal espaço, nem necessitava, pois que o acesso à “carreira de tiro” sempre se fez pela estrada nacional, mais curto, aliás. Só em meados de 2012 a autora resolveu querer passar pelo prédio da ré. Desde aí, por ocasião das obras de requalificação do prédio da “carreira de tiro”, a autora resolveu passar pela área em litígio, pertencente à ré, procedendo depois à remoção e deslocação de terras, colocando tapete betuminoso, cortando e removendo mato e carvalhos, tudo sem consentimento da ré. Além de que destruiu o caminho de servidão.
Bem sabia a autora que a ré é dona do terreno em causa, porquanto, em 2005 e anos seguintes, efectuaram várias deslocações conjuntas ao local, nada a tal propósito reclamando, apenas o caminho de servidão aparece referido em mapas e plantas oficiais, tanto mais que a autora solicitou que a ré assinasse um acordo no qual admitia ter procedido ao alargamento e deslocação do leito do caminho de servidão descrito.
Alegando factos relativos à aquisição do direito de propriedade sobre o alegado seu prédio, incluindo da parcela de terreno que a autora reivindica como caminho público e da outra, diversa, por onde existe e reconhece haver caminho de servidão, conforme alegado, e aos diversos danos patrimoniais e não patrimoniais (correspondentes aos carvalhos que a reconvinda cortou e removeu do prédio e às despesas com trabalhos de terraplanagem para remover dele o asfalto colocado pela autora e ao sentimento de transtorno, incómodo, angústia e mal-estar psicológico) causados pela autora, deduziu reconvenção, através da qual pediu se:

- declare que a ré/reconvinte é dona e legitima possuidora do prédio rústico identificado sob o artigo 48º da contestação/reconvenção;
- condene a autora/reconvinda a abster-se de praticar actos que impeçam a reconvinte de exercer o seu direito de propriedade sobre o aludido prédio;
- condene a reconvinda a pagar à reconvinte indemnização a título de danos morais e patrimoniais, no valor global de € 5.992,00 acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;
- condene a reconvinda a repor o prédio rústico da reconvinte no seu estado original;
- condene a reconvinda no pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso até à reposição do prédio no seu estado original.

Replicou a autora, em suma reiterando a posição expressa na petição.

Após audiência prévia (fls. 100 e ss), na qual se relatou o objecto do litígio, se enunciaram os temas da prova e se apreciaram os requerimentos de prova apresentados pelas partes, designou-se e realizou-se a audiência de discussão e julgamento nos termos e com as formalidades descritas nas respectivas actas, no início dela tendo sido realizada inspecção ao local – não documentada em auto.

Foi proferida sentença em 26-11-2014, exarada a fls. 269-297, que culminou com a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julgo:
A.
Totalmente improcedente o pedido formulado pela Autora “Freguesia …”, do qual vai absolvida a Ré C..
B.
Parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pela Reconvinte C.:
- declarando que a Reconvinte é dona e legitima possuidora do prédio rústico identificado sob o facto provado número 1 e que este inclui a parcela descrita sob o facto provado número 19;
- condenando a Reconvinda “Freguesia …”:
i. a abster-se de praticar atos que impeçam a Reconvinte de exercer o seu direito de propriedade sobre o aludido prédio;
ii. a repor o prédio rústico da Reconvinte no seu estado original;
iii. a pagar à Reconvinte indemnização no valor global de € 2.242,00 (dois mil, duzentos e quarenta e dois euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação sobre o montante de € 492,00 (quatrocentos e noventa a dois euros) e contados desde a presente data sobre o montante de € 1.750,00 (mil, setecentos e cinquenta euros), em ambos os casos até efetivo e integral pagamento;
iv. a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso até à reposição do prédio no seu estado original.
C.
Improcedente o pedido de condenação como litigante de má fé deduzido pela Ré/Reconvinte, do qual se absolve Autora/Reconvinda.
*
Custas do pedido pela Autora, sem prejuízo de eventual isenção aplicável (art.º 527º n.º 2 do CPC).
Custas do pedido reconvencional por Autora/reconvinda e Ré/reconvinte, na proporção de, respetivamente, ¾ e ¼, sem prejuízo de eventual isenção aplicável (art.º 527º n.º 2 do CPC).
Notifique e registe.”

A autarquia autora não se conformou e interpôs recurso para esta Relação (fls. 303 a 368) apresentando as seguintes conclusões:

“A) Na sentença a quo, ficou provado que:
(…)
6. Desde tempos imemoriais que pelo prédio da Ré existe um caminho, que para além de permitir o acesso a outros prédios rústicos, permitia o acesso a um imóvel, propriedade da República Portuguesa, em que existia uma carreira de tiro usada pela Guarda Nacional Republicana e, anteriormente, outras forças militares (artigo 4° da p.i.);
9. A carreira de tiro foi usada desde há mais de 50 anos e foi desativada há cerca de 25 anos (artigo 5° da p.i.);
10. Durante o período em que a GNR utilizou a carreira de tiro, passou número indeterminado de vezes com viaturas militares e material pelo terreno do prédio referido no facto provado número 1., praticamente em linha reta, no sentido poente-nascente, entre a carreira de tiro e a Rua …, menos de 10 metros após o último imóvel urbano existente nesta rua (art°s. 9° a 11° da p.i.);
12. A Junta de Freguesia de Brito, a pedido da Guarda Nacional Republicana, colocou número indeterminado de vezes areia no terreno referido no número anterior, para facilitar a passagem da GNR até à carreira de tiro (artigo 26° da p.i.);
13. Antes e depois da referida desativação, o espaço constituído pela carreira de tiro foi utilizado pontualmente, com autorização do proprietário, para atividades de escuteiros (artigo 7° da p.i.);
14. Nos últimos anos, até Setembro de 2012, pessoas passavam ocasionalmente a pé pelo terreno referido no facto provado número 10, para acederem à carreira de tiro desativada (artigo 34° da p.i.);
15. Os factos referidos nos números 10 a 14 foram praticados à vista de toda a gente, sem a oposição da Ré (artigos 34° e da p.i.);
B) Entende a Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado outra resposta à matéria de facto.
C) Entende a Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado outra resposta, nomeadamente devia ter dado como provados, os seguintes factos dados como não provados: artigos 1º a 8º, 10º.
D) E, deveria ter dado outra resposta, mormente negativa, aos seguintes factos que foram dados como provados: 1º a 4º, 7º, 8º,11º, 20º, 21º, 26º, 28º a 31º.
E) Tal convicção decorre, quer dos documentos dos autos e dos depoimentos gravados em sede de audiência de julgamento, e que, em seu entender, impunham uma decisão diversa em face do conteúdo dos mesmos.
F) Aliás, a reanálise da prova documental revela-se essencial, mormente, quanto às plantas topográficas juntas aos autos, mormente documento n.º 2 – fls. 3, documento n.º 3 e documento n.º 4, todos juntos com a P.I., onde dos mesmos resulta claramente a existência de um caminho a seguir à última existente na Rua …. e antes do prédio da Ré.
G) Tais plantas e ortofotomapa são de entidades oficiais, e, pela própria comparação das mesmas, se verifica a antiguidade das mesmas, sendo que as plantas tem mais de 20 anos. Aliás, pelo estilo e qualidade da mesma, é típica da década de 1970.
H) Assim, resulta do depoimento das várias testemunhas que o caminho era usado desde tempo imemoriais pela população, pela tropa, pela GNR para aceder à carreira de tiro, pelos escuteiros para realizar actividades e acampamentos, que circulavam quer a pé, quer de carro.
I) A Autora, desde sempre, na sua convicção de proprietária da parcela de terreno em causa, realizou intervenções nessa parcela, quer de manutenção, como seja, remover mato e limpar, como para melhorar o acesso à comunidade, como seja, colocar gravilha.
J) É afirmado, por muitos habitantes, na qualidade de testemunhas que na sua concepção aquele caminho “era de todos”, que se tratava, portanto, de um caminho público, pois só viram a Junta de Freguesia a fazer intervenções no mesmo, toda a gente circulava no mesmo, e praticava actividades no mesmo, como por exemplo jogar à malha, sem que nunca fossem interpelados por quem quer que seja na qualidade de proprietário, mormente tal caminho enchia-se muitas vezes de carros estacionados.
K) As medas de lenha, que segunda a motivação da sentença a quo, não permitiam a passagem da comunidade no referido caminho e sustentam os actos de posse por parte da Ré, não estavam localizadas nessa parcela de terreno, mas nas laterais da mesma, não impedindo que o mesmo fosse usado quer por pessoas a pé, quer de carro – facto alegado por várias testemunhas.
L) Os escuteiros realizaram actividades e acamparam inúmeras vezes no referido terreno na sua clara convicção de que o mesmo era público, sendo afirmado por um dos chefes do agrupamento que se soubessem que o terreno era privado sempre teriam pedido autorização, mas nunca foram alertados de nada, apesar de usarem o terreno à sua livre vontade.
M) As intervenções levadas a cabo pela Autora ocorrem pelo menos desde 1990, data em que D. exercia funções na Junta de Freguesia e atesta que a Autora sempre cuidou do terreno como seu, por ser a essa convicção da mesma.
N) Diversamente do que é afirmado na sentença da qual se recorre, a planta topográfica onde se consegue identificar a existência do referido caminho não é assim tão recente, que não possa comprovar a sua existência há muito tempo. Vejamos que a mesma é, como é afirmado na Douta Sentença, contemporânea do projecto de construção da auto-estrada. Ora a auto-estrada foi construída em 1999, sendo que o projecto, como é óbvio, é anterior a essa data, e o caminho pelo estado em que se vê na planta, já é muito anterior ao projecto. Quer-se dizer pela sua abertura, cuidado e delineação não podia ter começado a ser utilizado pouco tempo antes da planta.
O) Desta feita, ainda que se entenda que a Autora possuía de má-fé, porque sabia que aquele caminho era privado, o que não se aceita, nem se concede e só se coloca por mero efeito de racícionio, sempre teriam decorrido os 20 anos necessários para adquirir o direito de propriedade por usucapião.
P) Constata-se assim, a presença quer do elemento material, o corpus, quer do elemento psicológico, o animus possidendi, quer do elemento temporal, para usucapir.
Q) A posse é integrada por dois elementos, o corpus e o animus possidendi, isto porque a doutrina acolhida pela nossa ordem jurídica, é uma doutrina subjectivista. O corpus, é o elemento material, consiste no domínio de facto sobre a coisa, no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela, ou possibilidade física desse exercício – fica cabalmente corroborado pelos depoimentos que se transcrevem e até pelos factos dados como provados, que a Junta exercia este domínio de facto, colocando inúmeras vezes gravilha no terreno para facilitar o acesso à sua comunidade, limpando o caminho, permitindo a toda a população que usufruisse do mesmo, ao ponto da população em geral o considerar um caminho público. O animus possidendi, é o elemento psicológico, consiste na intenção de exercer sobre a coisa o direito correspondente aquele domínio de facto – no caso o direito de propriedade, e que dada a “interferência” que tem de existir entre estes dois elementos fora já demonstrado, ser a convição da Junta, bem como da população que o caminho era pertença da freguesia. Verificamos por isso a existência do animus, do corpus e, ainda, a ocorrência do elemento temporal, pela decorrência efectiva de pelo menos 22 anos. E, desde já, se sublinhe que a considerar-se que a Autora possuía de má-fé, por supostamente saber que aquele terreno era privado, o que não se
aceita nem se concede e só se coloca por mero efeito de raciocínio, sempre teriam decorrido os 20 anos exigidos de posse de má-fé para usucapir.
R) Nenhuma das testemunhas, que são isentas e alheias ao lítigio, diferentemente dos filhos da Ré que tem interesse no mesmo, viu a Ré fazer intervenções no referido terreno, ou exercer qualquer acto que consubstancie a sua posse, podendo afirmar-se que a mesma, a ter existido, fora interrompida pela posse da Autora, que acontecia isoladamente e sem nenhuma outra em paralelo.
S) A posse da Autora era uma posse pública, ou seja, cujo exercício se teria apercebido uma pessoa de diligência normal, colocada na situação do titular do direito, medindo-se por um padrão de cognoscibilidade e não de efectivo conhecimento, ou seja, um proprietário diligente deve conhecer a situação do seu bem.
T) A Ré sabia que o terreno era usado pela população e sujeito a várias intervenções de manutenção por parte da Autora, sendo tratado como um caminho público e nunca se importou com tal situação, não podendo ficar surpresa com a presente acção, ou então, não zelou pelo seu bem, descurando-se e nem querendo saber do mesmo – desaguando as duas situações na mesma conclusão: a Ré não exercia qualquer acto subjacente a quem exerce a posse sobre um determinado bem.
U) Atente-se, ainda, que o terreno podia até ser propriedade da Ré, porque a mesma o confirma por título, no entanto, a única pessoa que o sabia, era o Sr. David que lá colocava lenha, e que como se denota pelos depoimentos das testemunhas, a mesma não estava na parcela de terreno em causa, mas nas laterais da mesma, nunca impedindo a passagem de peões e veículos. Aliás, várias testemunhas afirmaram que acediam á carreira do tiro pelo caminho e passavam por entre as medas de lenha.
V) Assim, e, face ao supra exposto, entende a Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado outra resposta, nomeadamente devia ter dado como provados, os seguintes factos dados como não provados: artigos 1º a 8º, 10º. E, por último, deveria ter dado outra resposta, mormente negativa, aos seguintes factos que foram dados como provados: 1º a 4º, 7º, 8º,11º, 20º, 21º, 26º, 28º a 31º.
W) Sem prescindir, mesmo que não se de provimento ao supra alegado, o que não se aceita, nem se concede, e, somente se coloca a presente hipótese para mero efeito de raciocínio, é entendimento da Recorrente, que face à matéria dada como provada, a decisão nunca poderia ter sido a proferida.
X) A sentença a quo identifica correcta e claramente os requisitidos essenciais para que haja obrigação de indeminizar, no entanto, salvo melhor opinião, não faz um correcto enquadramento, dizendo que há obrigação da Autora indeminizar porque praticou um facto ilicito.
Y) Não cumpre demonstrar a existência do dolo ou mera culpa por parte da Autora, ou seja, não cumpre demonstrar que a conduta da Autora é merecida de reprovação pelo direito – vejamos que, a Autora sempre tratou o terreno como seu, pois essa era a sua convicção, sempre realizou intervenções no mesmo, sem que ninguém se opussesse, ora se na sua crença o terreno era sua propriedade, o acto que levou a cabo é completamente adequado a uma Junta de Freguesia e, pode até ter violado um direito de outrém, mas a Autora desconhecia que o lesava, pelo que não merece a censura do direito.
Z) Ainda que assim não se entenda, no que concerne aos danos patrimoniais constata-se que a Ré para além de ter efectuado a dita primeira operação de remoção do betão betuminoso, amontoou entulho e terra para cima do mesmo, criando um monte que impossibilita a passagem e que não constitui nenhuma etapa da reposição do terreno no seu estado original.
AA) Mais, a Ré edificou um muro com grandes pedras que impossibilita o acesso ao dito caminho, o que fará a Autora com as mesmas? Se é para repôr o caminho no estado anterior teria de as remover, mas esse muro não resulta de qualquer actuação da Autora.
BB) A Autora está, portanto, impossibilitada de repôr o caminho no estado original, devido aos actos que a Ré levou a cabo e que a Autora não é obrigada a “remendar” e melhorar, tendos gastos muito mais avultados do que aqueles que teria com a simples reposição do terreno no seu estado antes da sua intervenção.
CC) Quanto à sanção pecuniária compulsória aplicada, quer face à existência de alterações no terreno efetuadas pela Ré, quer face ao facto de a Autora avisado previamente a Ré para intervir no seu imóvel, nos termos do 1349º n.º 1 do Código Civil, necessariamente, a autora vai ter de despender quantias, pois que, dado o lapso de tempo, que se verifica necessariamente, entre o envio da missiva e a recepção da mesma, necessariamente, dá-se o início do prazo. Assim, e, neste aspecto deverá ser absolvida da aplicação da sanção pecuniária compulsória de 50 euros por dia.
DD) No que aos danos não patrimoniais diz respeito, a única prova de tamanho mau estar psicológico é o depoimento dos filhos da Ré, que como supra é referido, acabam por ser partes interessados no presente processo, pelo que a Autora deve ser absolvida do pagamento dos mesmos.
EE) A Autora nunca desrespeitou a Ré, nem adoptou nenhum comportamento lesivo dos seus direitos intencionalmente.
FF) Mais, pela a primeira vez que a Ré se invocou proprietária do terreno, a Autora parou de intervir no mesmo e intentou acção em tribunal, tendo respeitado a posição daquela e não criou qualquer situação que pudesse ofender a Ré ou deixar a mesma tão abalada.
GG) Assim, a par do factor surpresa que possa ter existido, porque o desinteresse pelo dito terreno é tanto que só soube quando tantas obras já estavam feitas e a maior parte já se encontrava com asfalto, não pode haver outra preocupação.
HH) Se a Ré usasse o terreno, se precisasse dele, se tivesse plantações no mesmo, se extraísse algum proveito do mesmo, concebia-se que ficasse angustiada pela perda, mas assim sendo, pela indiferença que sempre demonstrou face ao mesmo e a sua inutilidade não se concebe tais danos não patrimoniais.
II) Como se denota o caminho sempre existiu, sempre fora usado por todos e não era utilizado pela Ré para qualquer fim, pelo que até podia ficar surpreendida, mas não havia razões que legitimassem tanta angústia.
Termos em que, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, na medida das articuladas conclusões e pelo douto suprimento, revogada a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.
A Autora/Recorrente encontra-se nos termos do artigo 4º n.º 1 g) do Código das Custas Judiciais (Lei 7/2012 de 13/2), isento de custas, que nos termos do artigo 3º n.º 1, do referido diploma, compreende a taxa de justiça, os encargos com o processo e as custas de parte.”

A ré contra-alegou e concluiu assim:

“1) A apelante não concorda com a motivação dada pelo tribunal a quo, porém não asiste razão á apelante;
2) Tendo em consideração o conjunto da prova documental junta aos autos, a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, a inspeção ao local, não merece censura a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
3) A apelante não logrou fazer prova dos argumentos invocados tendo em vista a pretensão aquisitiva por si formulada, pelo que, improcede, totalmente, a alegada aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em causa.
4) Foi dado como provado pelo tribunal que sobre o prédio rústico da ré existe um caminho que, para além de permitir o acesso a outros prédios rústicos, permite também o acesso ao imóvel da carreira do tiro, propriedade do Estado. Este caminho dista 125 metros da estrada nacional e 20 metros da última edificação existente na Rua …, onde atualmente tem origem e se desenvolve no sentido poente/nascente, com ligeira inclinação para sul do prédio pertencente à Ré, com cerca de 2,5 metros de largura e 40 metros de comprimento até entrar no prédio rústico confiante a norte com o da ré, onde tem continuidade.
5) Antes da sua desactivação, há mais de 25 anos, o acesso á carreira do tiro, por parte da GNR, foi feito, esporadicamente, em linha reta pelo terreno da ré. Que, ocasionalmente, pedia á Junta que colocasse areia no local, para facilitar-lhe a passagem, o que a Autora satisfazia, sem que tal atuação se possa afigurar reveladora de uma intenção de aquisição do terreno em nome da freguesia.
6) A autora não conseguiu provar quantas vezes, qual a frequência, periodicidade e durante quanto tempo assim procedeu, razão pela qual, não se encontra verificado o elemento temporal que a lei reputa imprescindível para usucapir.
7) A posse sobre o aludido terreno foi sempre exercida pela Ré, de modo reiterado, ano após ano, durante mais de 20 anos e sem interrupção, até há 14 anos. O local foi mantido com lenha e montes de toros a secar. Mantendo-se a passagem ocasional de pessoas a pé para acederem à carreira de tiro descativada, como os escuteiros, o que faziam com autorização dos proprietários. A passagem a pé de pessoas para a carreia do tiro também não constitui exercício de posse, na medida em que não traduz intenção de domínio.
8) Esta matéria foi confirmada pela generalidade das testemunhas indicadas quer pela Autora, quer pela Ré, que, relativamente á localização, características e tipo de uso que era dado ao caminho de servidão foram perfeitamente seguras e convincentes.
9) A testemunha arrolada pela ré, José, Manuel e João, António, conhecedores do local prestaram testemunhos convergentes e seguros.
10) A prova produzida afastou completamente a utilização do caminho em causa pelo conjunto da população da freguesia, ou do lugar em questão, para aceder a pontos de relevante interesse da comunidade.
11) A prova produzida não se revê na tese defendida pela apelante de que se verificou uma intenção de exercício, próprio e exclusivo, de um direito de propriedade sobre a parcela de terreno em apreço.
12) Pelo contrário, a prova produzida revela o exercício de atos de posse pela Ré, sobre o seu terreno, neste incluída a parcela de que a Autora de arroga proprietária. Resultou sem margem para dúvida que a ré concedia autorização ao Sr. David para usar o solo daquele prédio para a descrita atividade de armazenamento e secagem da lenha que vendia, ocupando-o de forma efetiva. Para além do mais, a Ré sempre pagou as contribuições prediais devidas e reagiu à ação de pavimentação levada a efeito pela Autora.
13) A atuação da ré, constituiu o exercício continuado e permanente de ocupação material do terreno, inquestionavelmente reveladora de uma intenção de domínio exclusivo que, para além do mais, tem subjacente a aquisição do prédio em sucessão por partilhas e doação.
14) A conduta da Autora é ilícita porque viola o direito de propriedade da Ré, sem que, por outro lado, assista à Autora qualquer direito que legitime a sua atuação sobre a parcela de terreno em questão.
15) Assiste à Ré/reconvinte direito a que a Autora/reconvinda, reponha, a expensas suas, o prédio rústico da primeira no seu estado original e pague a despesa de €492,00, suportada pela primeira com a ação de remoção parcial do betão betuminoso colocado pela segunda à revelia da sua vontade.
16) Visando dar aos lesados uma compensação ou satisfação por danos de ordem moral cuja gravidade, aferida por um critério objetivo, o justifique, provou-se que a Ré sentiu-se muito aborrecida, transtornada, angustiada e lesada no seu direito de propriedade, sofrendo mal-estar psicológico, considerando-se justa e equilibrada a fixação do montante da indemnização da Ré/reconvinte em €1.750,00.
17) A sanção pecuniária compulsória é a ameaça para o devedor de uma sanção pecuniária, ordenada pelo juiz, para a hipótese de ele não obedecer à condenação principal, com o que “se visa o cumprimento voluntário das obrigações, no respeito pela palavra dada e pelo princípio pacta sunt servanda, não deixa(ndo) de favorecer também o respeito a ter para com as decisões judiciais”.
18) A sanção pecuniária compulsória visa uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.
19) No caso concreto, a obrigação que impende sobre a Ré consiste numa prestação de facto positivo e infungível, pelo que se afiguram preenchidos os pressupostos da aplicação da sanção pecuniária compulsória como estímulo ao comprimento célere da decisão final, transitada em julgado.
20) Quanto ao montante diário da sanção, entende-se ajustada, por apelo ao critério da equidade previsto no n.º 2 do artigo 829º-A do C.C., a sua fixação em €50,00/dia.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicável, deve o presente recurso de apelação ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.”

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Por Acórdão de 28-05-2015, proferido pelo anterior Colectivo de Juízes Desembargadores desta Relação, foi decidido rejeitar o recurso de impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na falta de indicação exacta das passagens da gravação em que a apelante o fundamenta (apenas se menciona o seu início e se faz a transcrição), revogar a sentença na parte em que condenou a autora a pagar à ré a indemnização por danos não patrimoniais e mantê-la quanto ao mais.

Por acórdão de 19-01-2016, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no recurso de revista interposto pelo autora, no qual esta questionou a rejeição do recurso da matéria de facto, a reposição do terreno, a condenação em indemnização e em sanção compulsória, foi decidido revogar o acórdão recorrido, determinar que esta Relação conheça daquela parte do recurso, declarando prejudicadas as demais questões objecto da revista.

Novamente distribuídos os autos, por já não ser possível recompor o mesmo Colectivo, correram os Vistos legais, cumprindo agora decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

É pelas conclusões que, sem prejuízo dos poderes oficiosos, se fixa o thema decidendum e se definem os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC).

Neste caso, importa decidir:

-se deve alterar-se a decisão quanto à matéria de facto nos pontos questionados (factos provados 1º a 4º, 7º, 8º, 11º, 20º, 21º, 26º, 28º a 31º; factos não provados 1º a 8º e 10º);
-se, procedendo a pretendida alteração, a autora adquiriu a propriedade do caminho em causa, por usucapião, ainda que má-fé dela tivesse havido;
-mesmo que se conserve inalterada a matéria de facto, se, em face da provada, não existe obrigação de indemnizar, quanto aos danos patrimoniais e não patrimoniais, por ausência de culpa da apelante;
-mesmo que assim se não entenda, se, quanto aos danos patrimoniais e reposição do terreno do caminho no estado anterior, está a autora impossibilitada de tal cumprir por ter sido a ré quem lá edificou um muro em pedra e amontoou entulho e terra cuja remoção não deve ser ela a fazer nem a custear;
-se, ainda quanto aos não patrimoniais, deve a autora ser deles absolvida por falta de prova dos danos e por estes não terem gravidade bastante;
-se deve a autora ser absolvida da sanção pecuniária compulsória.

III. APRECIAÇÃO DO RECURSO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO (conforme superiormente ordenado)

Julgou o Tribunal recorrido como provados os seguintes factos:

“1. A Ré é proprietária do prédio rústico, composto de sorte de mato, sito na… com uma área de 1860 m2, confrontando de norte com …, sul com caminho público e …, nascente com … e de poente com herdeiros de … e caminho público, descrito na primeira Conservatória do Registo Predial sob a ficha … da freguesia de …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da freguesia de … (artigo 2º da p.i. e 48º da contestação);
2. A aquisição do direito de propriedade do imóvel descrito no número anterior, encontra-se registada a favor da Ré, por sucessão numa quarta parte e por doação em três quartas partes, através das inscrições correspondentes às Apresentações nºs. 45 e 46, ambas de 24.05.1993 (artigo 49º da contestação);
3. Há mais de 50 anos que a Ré, por si e antepossuidores, tem estado gozo e fruição do prédio identificado no facto provado número 1., nele efetuando obras com dinheiro seu e sob sua orientação, pagando as contribuições e impostos que sobre ele recaem, limpando e retirando dele todas as utilidades que possa dar, como lenha e mato, procedendo à sua conservação, limpeza e normal trato agrícola, cavando o terreno, cortando vegetação espontânea e arvoredo que utiliza como lenha para venda (artigos 51º a 54º da contestação);
4. A Ré, por si e antepossuidores, vem praticando os factos descritos no número anterior, de forma regular e ininterrupta, à luz do dia e à vista de toda a gente, sem oposição ou reparo de quem quer que seja, com intenção de exercer um direito próprio e de não prejudicar direito alheio (artigos 55º a 59º da contestação);
5. O imóvel da Ré confronta com caminho público (artigo 3º da p.i.);
6. Desde tempos imemoriais que pelo prédio da Ré existe um caminho, que para além de permitir o acesso a outros prédios rústicos, permitia o acesso a um imóvel, propriedade da República Portuguesa, em que existia uma carreira de tiro usada pela Guarda Nacional Republicana e, anteriormente, outras forças militares (artigo 4º da p.i.);
7. O caminho referido no número anterior, dista 125 metros da estrada nacional e cerca de 20 metros da última edificação existente na Rua …, onde atualmente tem origem e se desenvolve no sentido poente / nascente com uma pequena inclinação para sul, com cerca de 2,5 metros de largura e 40 metros de comprimento até entrar no prédio rústico confinante a norte com o da Ré, onde tem continuidade (artigos 7º, 10º e 63º da contestação);
8. O caminho referido nos números anteriores aproveita aos prédios com ele confinantes e sem comunicação direta com a via pública (artigos 8º e 64º da contestação);
9. A carreira de tiro foi usada desde há mais de 50 anos e foi desativada há cerca de 25 anos (artigo 5º da p.i.);
10. Durante o período em que a GNR utilizou a carreira de tiro, passou número indeterminado de vezes com viaturas militares e material pelo terreno do prédio referido no facto provado número 1., praticamente em linha reta, no sentido poente-nascente, entre a carreira de tiro e a Rua …, menos de 10 metros após o último imóvel urbano existente nesta rua (artºs. 9º a 11º da p.i.);
11. No terreno referido no facto provado anterior, durante mais de 20 anos até há cerca de catorze 14 anos atrás, eram mantidas, em maior volume nos meses mais secos do ano, com a autorização da Ré, medas de lenhas e de toros que impediam a passagem com veículos (artigos 11º e 30º da contestação);
12. A Junta de Freguesia de…, a pedido da Guarda Nacional Republicana, colocou número indeterminado de vezes areia no terreno referido no número anterior, para facilitar a passagem da GNR até à carreira de tiro (artigo 26º da p.i.);
13. Antes e depois da referida desativação, o espaço constituído pela carreira de tiro foi utilizado pontualmente, com autorização do proprietário, para atividades de escuteiros (artigo 7º da p.i.);
14. Nos últimos anos, até Setembro de 2012, pessoas passavam ocasionalmente a pé pelo terreno referido no facto provado número 10, para acederem à carreira de tiro desativada (artigo 34º da p.i.);
15. Os factos referidos nos números 10 a 14 foram praticados à vista de toda a gente, sem a oposição da Ré (artigos 34º e da p.i.);
16. Mediante auto de cedência e aceitação, elaborado em 18 de Março de 2012, o prédio aí designado “Ex-Carreira de Tiro de…”, sita em …descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … da freguesia de …, e inscrita a favor do Estado pela AP 3 de 1937/12/13, inscrita na matriz da respetiva freguesia sob os artigos urbanos nºs. …e …, com a superfície descoberta de cerca de 10.125 m2 e com superfície coberta de 471 m2, foi cedido à Autora pelo Estado Português, por intermédio da Direção Geral do Tesouro e Finanças (artigo 6º da p.i.);
17. Mediante obras de requalificação levadas a efeito a partir de Março de 2012, pela Autora, a parte rústica do prédio referido no facto provado número 16, destinada a carreira de tiro, foi convertida num parque de lazer e de merendas (artigos 8º e 37º da p.i.);
18. Desde Março de 2012, o referido espaço passou a servir toda a população, quer da freguesia de Brito, quer do concelho, estando disponível para os que desejem (artigo 37º da p.i.);
19. Em Junho de 2012, a Autora introduziu-se no terreno referido no facto provado número 1, procedeu à pavimentação em betão betuminoso com 0,05 metros de espessura e efetuou rega de colagem do mesmo, de uma faixa de terreno em linha reta, no sentido nascente-poente, com largura de cerca 5,5 metros em toda a sua extensão, sita ao longo de mais de 40 metros de extensão do prédio referido no facto provado número 1, com início na Rua…, cerca de 5 metros após o último imóvel urbano existente na referida rua (artigos 10º, 11º, 38º da p.i. e 69º, 70º e 75º da contestação);
20. Procedendo à deslocação de terras do prédio vizinho para o terreno da Ré (artigo 71º da contestação);
21. O facto descrito no número anterior foi praticado à revelia e sem consentimento da Ré, e veio ao seu conhecimento no dia 12 de Julho de 2012, quando o seu filho, …, passou no prédio em causa (artºs. 19º, 25º, 68º e 74º da contestação);
22. Em 12 de Outubro de 2012, a Ré ordenou a remoção parcial do betão betuminoso referido no número anterior, num total não inferior a 220 m2, colocando o entulho sobre a parte do asfalto não removido do seu prédio (artigo 41º da p.i.);
23. A ação referida no facto provado anterior, impede a passagem com veículos e a pé pela faixa de terreno em apreço (artigo 41º da p.i.);
24. A repavimentação da parcela referida no facto provado número 19, monta a € 3.375,00 + IVA (art.º 49º da p.i.);
25. A situação descrita nos factos provados anteriores foi noticiada em jornais (art.º 52º da p.i.);
26. O acesso à carreira de tiro faz-se, desde 2012, pela estrada nacional, designada Rua…, localizada a norte (artigos 15º e 83º da contestação);
27. A distância a percorrer até à carreira de tiro, através do prédio da Ré, é superior à necessária para aceder pela Rua … (cfr. artigo 84º);
28. Até 2012, nunca a Autora nunca reclamou a existência, na parcela referida no facto provado número 19., de um caminho do domínio privado da freguesia ou público (artigo 29º da contestação);
29. A Autora sabia que a Ré era proprietária do prédio referido no facto provado número 1, no qual se incluía a parcela referida no facto provado número 19 (artigo 28º da contestação);
30. Em consequência da conduta da Autora, a Ré sentiu-se muito aborrecida, transtornada, angustiada e lesada no seu direito de propriedade, sofrendo mal-estar psicológico (artigos 95º e 98º da contestação);
31. Com os trabalhos de terraplanagem efetuados pela Ré, no seguimento dos factos praticados pela Autora, aquela despendeu € 492,00 (artigo 97º da contestação).”

Julgou não provados os seguintes:

“1. O acesso à carreira de tiro fazia-se por um caminho com a largura de 5 metros em toda a sua extensão, um comprimento total de 100 metros, perfazendo uma área total de 500 m2, com início na Rua …, cerca de 5 metros após o último imóvel urbano existente na referida rua e que se desenvolve praticamente em linha reta no sentido nascente-poente (artºs. 9º a 11º da p.i.);
2. O caminho referido no facto provado anterior permitia a ligação da Rua … ao imóvel referido no facto provado número 16., bem como a diversas bouças rústicas aí localizadas (artigo 14º da p.i.);
3. Desde tempos imemoriais, anteriormente à construção da carreira de tiro, que a Autora fez a manutenção, limpeza e aumento do caminho para a sua atual forma e dimensões, colocando todos os materiais necessários para mantê-lo transitável para os veículos e pessoas que aí necessitavam ou quisessem passar (artigos 15º, 16º e 26º da p.i.);
4. A A. procedeu nos termos descritos no facto provado número 19 com ânimo de propriedade sobre a faixe de terreno aí descrita, intenção e convicção de que o mesmo lhe pertence, como se fosse público (artigos 17º, 24º e 27º da p.i.);
5. Nos últimos anos, a população local passava com viaturas pelo caminho referido no facto não provado número 1., ou pelo terreno referido no facto provado número 10, à vista de toda a gente e sem oposição da Ré, para aceder à carreira de tiro (artigo 34º da p.i.);
6. Desde a desativação, até Março de 2012, a carreira de tiro passou a servir toda a população da freguesia de … e freguesias adjacentes, para sua recreação (artigos 7º e 37º da p.i.);
7. Ninguém se opôs à pavimentação referida no facto provado número 19 (artigo 39º da p.i.);
8. A Ré alterou o leito do caminho na parte em que passa pelo seu prédio, deslocando-o cerca de 20 metros para norte, não permitindo a passagem de veículos como anteriormente (art.º 43º da p.i.)
9. O caminho referido nos factos provados números 6 e 7 aproveita exclusivamente ao prédio confinante de norte com o prédio da Ré (artigos 8º e 64º da contestação);
10. As construções existentes no imóvel descrito no facto provado número 16, junto à face da via pública nunca permitiram o acesso de veículos à parte rústica do imóvel (art.º 13º da p.i.);
11. Sempre o acesso à carreira de tiro se fez pela estrada nacional, designada Rua São João Batista, localizada a norte (artigo 15º da contestação);
12. A Autora cortou e removeu mato e carvalhos do prédio da Ré (art.º 23º da contestação);
13. No ano de 2005, o então Presidente da Junta de … deslocou-se mais de uma vez, juntamente com um dos filhos da Ré, ao terreno referido no facto provado número 1 (artigo 28º da contestação). “

E expôs como motivação de tal decisão os seguintes fundamentos:

“As matérias dos factos provados números 1, 5, 6 (até “rústicos”), 9, 19 (até “mesmo”) e 22 (até “anterior”), resultam do acordo expresso pela Ré na contestação, à matéria alegada pela Autora na petição inicial.
Os factos provados números 2 e 16, resultam do teor de documentos autênticos, cuja cópia foi junta aos autos, nomeadamente: cópia do registo predial junta a fls. 14; cópia do auto de cedência e de aceitação junto a fls. 16 dos autos.
No que aos restantes factos provados e não provados respeita, o tribunal teve em consideração o conjunto da prova documental e testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento.
Concretizando:
I.
Relativamente à existência do caminho antigo (factos provados números 6 a partir de “rústicos”, 7 e 8), cujo traçado atravessava no sentido poente – nascente, com ligeira inclinação para sul do prédio pertencente à Ré, para acesso aos prédios situados a nascente deste, constituídos não só pelo seu vizinho confinante, como também pela carreira de tiro e outros que ficam depois desta, foi confirmada pela generalidade das testemunhas indicadas quer pela Autora, quer pela Ré.
A localização do caminho não foi consensual, na medida em que testemunhas arroladas pela Autora disseram que tinha o seu início imediatamente após o prédio com casa de habitação que antecede o prédio da Ré (assim: José, residente nas imediações desde 1978; Fernando, viveu nas imediações da carreira de tiro 10 anos a partir, de 1974 até 1984; José morador nas imediações da Carreira de Tiro), mas foram contrariados pelas testemunhas arroladas pela Ré:
- José, de 68 anos, proprietário de terrenos que confrontam com os da Ré, residente nas imediações e frequentador do local desde criança, porque o pai era o caseiro das terras que agora pertencem à Ré. Explicou, de forma segura e convincente, que o caminho de servidão, antigamente (há mais de 50 anos), nem sequer era no terreno da Ré, passava mais a norte. Depois de a testemunha vir da tropa (em 1970) o antigo degradou-se – praticamente só a GNR lá passava – e passou a fazer-se o acesso mais direto, passando pelo terreno da Ré, por um traçado com início cerca de 30 metros para norte da esquina da casa do Sr. David;
- Manuel, 66 anos e João, irmãos da testemunha José e também profundos conhecedores do local porque residentes na quinta onde os pais eram caseiros, prestaram testemunhos convergentes com o de José;
Estas testemunhas contaram que mais recentemente, a GNR e algumas pessoas a pé, começaram a passar de forma mais direta e fora do caminho de servidão, para a carreira de tiro, pelo meio do prédio da Ré.
- António, de 43 anos de idade, filho de David, falecido proprietário da casa que confina a sul com o terreno da Ré e desde que nasceu residente nessa casa, contou que sempre conheceu o caminho de servidão a cerca de 20 metros de distância da sua casa. Autorizado pela Ré, o pai depositava lenha no terreno desta, em maior quantidade nos 4 meses mais secos do ano, diminuindo a quantidade nos meses de Inverno. Chegou a ter lá uma garagem feita de lenha, o que só permitia a passagem de pessoas a pé por carreiros que contornavam as medas de lenha. Sobretudo quando o pai deixou de ter lá a lenha – há 13 / 14 anos (quando adoeceu) – como o terreno ficou limpo e estava desocupado, as pessoas começaram a atalhar caminho pelo meio do prédio, por estar seco e ser mais a direito, porque o caminho de servidão tinha muita lama.
Sem considerar os testemunhos de José, António e Luís sobre este assunto (o primeiro, por ser o responsável político da Junta de Freguesia de … na ocasião dos factos, os segundo e terceiro por serem filhos da Ré), o tribunal reputou os testemunhos arrolados pela Ré, vindos de descrever, bem fundamentados e credíveis, porque feitos por quem desde criança percorria diariamente aqueles prédios e caminho, para além de revelaram uma riqueza de detalhes e explicações que as testemunhas arroladas pela Autora não lograram ombrear.
Ficou assim a convicção de que o caminho de servidão usado desde 1970 tem o seu leito a pelo menos 20 metros de distância da casa do falecido David, embora, entretanto, quer a GNR para aceder à carreira de tiro, quer algumas pessoas que se deslocavam para os prédios rústicos servidos pelo caminho, atalhassem pelo prédio da Ré em local bem próximo daquela casa, de forma algo aleatória, sempre que a menor quantidade de lenha que David ali depunha o permitisse, para evitarem uma deslocação maior ou as más condições do caminho de servidão (cfr. factos provados números 10, 11, 14 e 15 e não provado número 9).
O teor dos levantamentos topográficos e a fotografia aérea juntos pela Autora, não contrariam a convicção assim formada na medida em que:
- por um lado, o levantamento de fls. 18 e 261 constitui representação recente, contemporânea do projeto de construção da autoestrada no local, cuja implantação é visível na planta; e
- a fotografia de fls. 262 é ainda mais recente, tendo aposta a data de 29.11.2012;
- por outro lado, para além de não estar datada, a escala e a definição da planta de fls. 26, não permitem retirar uma conclusão válida relativamente à distância entre a residência de David e o caminho que ali surge representado.
II.
A descrição feita pelas testemunhas da Autora e da Ré relativamente às características e ao uso do caminho e causa deixou em juízo o retrato fiel de um caminho de servidão, para acesso dos proprietários àqueles prédios, que com exceção da carreira de tiro não dispunham de outros acessos à via pública.
Para além das identificadas testemunhas arroladas pela Ré, também as testemunhas José, David, Fernando e José, indicadas pela Autora, confirmaram que passavam a pé e de carro de bois pelo caminho, para acederem às tapadas que se encontravam a nascente da carreira de tiro, onde iam roçar e carregar mato e lenha. Estas testemunhas disseram ainda que, para além dos proprietários daqueles prédios, também os militares do exército e, posteriormente, da GNR, ali transitavam quando iam praticar tiro, para acederem à carreira de tiro.
Tratava-se de um caminho em terra batida, com a largura adequada ao trânsito de um carro de bois, cujo uso se foi tornando cada vez menos relevante, pela progressiva perda de relevância da recolha de mato para a atividade agropecuária e de lenha, como revelaram os irmãos Pereira e também Fernando que deu nota das ervas altas e mato que cresciam no caminho devido à falta de uso.
Esta prova afastou completamente a utilização do caminho em causa pelo conjunto da população da freguesia, ou do lugar em questão, para aceder a pontos de relevante interesse da comunidade. As ténues referências testemunhais a uma utilização mais ampla do traçado do caminho respeitam a passagens pontuais a pé para atalhar entre as duas vias públicas em cujas extremidades desemboca, ainda assim pouco convincentes se, para além do estado de sujidade do caminho, atentarmos que cruza a carreira de tiro delimitada com portões e que a estrada nacional com todas as condições para uma ligação rápida e segura se encontra a pouco mais de uma centena de metros.
Perante esta evidência, a prova testemunhal produzida pela Autora, com especial incidência da produzida por José, atual Tesoureiro da Junta, que era o seu Presidente durante o ano de 2012 (como, aliás, nos três mandatos anteriores), justificou a conduta da Junta de Freguesia de … descrita no facto provado número 19, acentuando a tónica na posse, pela Freguesia de …, há mais de 20 anos e ininterruptamente, como parte do antigo caminho, sobre a parcela de terreno do prédio da Ré onde veio a colocar o pavimento betuminoso.
Disse esta testemunha (em termos bem reveladores do seu empenho pessoal e político na atuação da Autora) que durante os 24 anos em que vem desempenhando cargos políticos na Junta de Freguesia de …, esta sempre cuidou do acesso através da referida parcela de terreno até à carreira de tiro, limpando e colocando “tuvenan” e areia no chão para facilitar o acesso da GNR ao local, e também dos habitantes que quisessem deslocar-se à carreira de tiro, atuação esta circunscrita à parte do caminho que liga a carreira de tiro à Rua ….
Disse ainda que a Junta agiu sempre com a intenção de ser única e exclusiva proprietária daquela parcela de terreno, mas não por se tratar de um caminho público (admitindo que não estamos perante um caminho usado desde tempos imemoriais pela população para ligar pontos de relevante interesse comum), nem com base em negócio de aquisição derivada da propriedade, como compra, doação, permuta, etc. (admitindo que não há qualquer título aquisitivo da propriedade), mas porque a Junta de Freguesia usava e cuidava daquela parte do caminho, sendo seu entendimento que “…quem usa e cuida é dono…” posição que, como disse repetidamente durante o seu testemunho em julgamento, norteou o seu desempenho como Presidente da Junta de Freguesia …, tendo procedido a “…mais de dez…” intervenções semelhantes em caminhos na sua freguesia.
O testemunho em apreço é surpreendente, apontando para uma ação sistemática, durante a gestão autárquica levada a cabo por José, da prática de atos pela Junta de Freguesia de …, sobre caminhos privados sitos em terrenos alheios, intencionalmente praticados com vista à sua apropriação.
É também curioso atentar na justificação dada por esta testemunha para a circunstância de ter mandado asfaltar uma faixa com 5,5 metros de largura, em vez dos cerca de 3 metros de largura que um caminho para acesso de carros de boi e tratores teria (nas mais benévolas palavras da testemunhas arroladas pela Autora). Disse: - “Porque era a medida que achavam que um caminho da Junta devia ter !”.
Isto, quando a própria via pública que é hoje a Rua …, na qual o asfalto colocado pela Junta desemboca, tem, de acordo com o próprio José, uma largura variável entre 3 e 4 metros.
Sucede que, para além de José, os restantes testemunhos ouvidos em julgamento revelaram vários aspetos consensuais que são inconciliáveis com a tese da intenção de exercício, próprio e exclusivo, de um direito de propriedade da Freguesia de … sobre a parcela de terreno em apreço:
- por um lado, a colocação de areia ou “tuvenan” aconteceu sempre a pedido da GNR, com vista a facilitar o acesso desta à carreira de tiro (neste sentido Américo, David e António) – o que não é demonstrativo de uma ação por iniciativa própria da Junta, enquanto manifestação de um direito de propriedade. Note-se, a propósito, que a testemunha António (comandante da GNR) disse em tribunal que não dirigia esses pedidos à Autora por considerar que era esta a proprietária do terreno, mas apenas porque, entendendo a GNR que tinha o direto de por ali passar, e dentro de um espírito de colaboração entre organismos do Estado com a Junta de Freguesia, não queria pedir a pessoas particulares a realização dessa tarefa, para não ficar a dever-lhes favores;
- por outro, resultou certo (nos testemunhos de António, Luís, José, António e Manuel , arrolados pela Ré, e também aludido por José, Américo, David e José, arrolados pela Autora) que o proprietário do prédio edificado que antecede e margina com o prédio da Ré, David de seu nome, vinha utilizando todos os anos, há mais de 30 anos e até há cerca de 13/14 anos (segundo o filho, António, deixou de ter essa atividade quando adoeceu, o que sucedeu cerca de 6 antes do falecimento ocorrido em 2006), com o expresso consentimento da Ré, o trato de terreno em disputa, objeto da ação de pavimentação pela Autora, onde mantinha meadas de lenha e montes de toros a secar nos meses quentes, para vender, fazendo dessa atividade o seu ganha pão. Esses montes ocupavam justamente, área que a Autora reivindica, impedindo nos meses da sua manutenção a passagem de veículos e obrigando qualquer pessoa que quisesse atravessar o prédio da Ré pelo local, a contornar as medas de lenha (assim, as testemunhas José, António e Manuel ). Esta atuação, é contrária à pretensão hegemónica da Autora sobre aquele terreno, arvorada pela pessoa do então Presidente, não sendo concebível que a Junta de Freguesia, querendo manifestar publicamente o exercício de poderes compatíveis com a titularidade de um direito de propriedade daquela parcela do caminho, se não opusesse à sua ocupação por outrem, consentido pela Ré, que impedia o normal cumprimento da função do caminho alegadamente existente no local.
A prova produzida revelou, assim, claramente, que a declarada intenção da Autora não passa de ideia gerada no espírito de José para procurar justificar a sua ação, desenvolvida enquanto Presidente da Junta de Freguesia de…, para dotar o parque de merendas, entretanto criado, de um acesso amplo e pavimentado.
O conjunto de considerações tecidas justifica também, entre outros, o teor dos factos provados números 12 e 13 e não provados números 1 a 6.
III.
A exposição antecedente revela também o exercício de atos de posse pela Ré, sobre o seu terreno, neste incluída a parcela de que a Autora de arroga proprietária (cfr. factos provados números 3 e 4), na medida em que resultou incontroversa a autorização que deu ao Sr. David para, há pelo menos anos, usar o solo daquele prédio para a descrita atividade de armazenamento e secagem da lenha que vendia, ocupando-o de forma efetiva. E depois de este deixar de manter tal atividade (como se disse, há 13/14 anos atrás) autorizou a mulher e filhos deste a cultivar parte do seu terreno com produtos hortícolas (como disseram as testemunhas indicadas pela Ré e o tribunal constatou na inspeção ao local). Para além do mais, a Ré sempre pagou as contribuições prediais devidas e reagiu à ação de pavimentação levada a efeito pela Autora. A atuação da Autora, constituiu o exercício continuado e permanente de ocupação material do terreno, inquestionavelmente reveladora de uma intenção de domínio exclusivo que, para além do mais, tem subjacente a aquisição do prédio em sucessão por partilhas e doação.
IV.
A execução das obras de requalificação pela Junta de Freguesia (cfr. factos provados números 17 e 18) destinadas a um parque de merendas para uso da população a freguesia, foi matéria confirmada, sem controvérsia, pelas testemunhas ouvidas.
Quanto às medidas da área intervencionada e à remoção de terras no prédio da Ré, teve-se em conta a observação feita pelo tribunal durante a inspeção ao local, onde se verificou a largura da faixa de asfalto na estrema do prédio da Ré - 5,5 metros -, a extensão total do percurso nos limites do mesmo prédio - superior a 40 metros -, a proximidade ao último imóvel existente na Rua …(cfr. factos provados números 19, 2ª parte, 20 e 22, 2ª parte) e também que se encontra presentemente impedida a passagem de veículos pelo local (facto provado número 23).
Também para os factos provados números 26 e 27, o tribunal teve em conta a inspeção feita ao local, onde se verificou que atualmente o acesso feito pela Estrada Nacional tem seguimento através de um arruamento pavimentado que permite a passagem de viaturas até à carreira de tiro, e que este tem um percurso manifestamente mais curto até à EN do que o feito através da Rua … e prédio da Ré. A realidade física atual resultou, segundo as testemunhas, de modo convergente, das obras de requalificação feitas no local em 2012, pela Autora, com vista a converter a carreira de tiro num espaço de fruição público.
Já quanto ao que sucedia antes das recentes obras, ficaram dúvidas (devido aos testemunhos contraditórios sobre a questão), não superadas, sobre se as condições físicas permitiam, ou não, o acesso de viaturas a partir da EN, diretamente (facto não provado número 10 e 11).
V.
No que concerne aos factos provados números 21 e 30, foram os próprios Luís e António, filhos da Ré, que narraram, sem serem contrariados por outros meios de prova, o circunstancialismo em que se aperceberam da situação criada pela movimentação de terras e a pavimentação com asfalto lavada a efeito pela Autora, de como a transmitiram à Ré, sua mãe e da reação que esta evidenciou. O desenvolvimento subsequente – nomeadamente a oposição deduzida, constituída pela remoção do asfalto, ordenada e paga pela Ré, resulta dos citados testemunhos e, bem assim, as faturas juntas a fls. 58 e 59 dos autos (cfr. facto provado número 31 e não provado número 7).
O valor da repavimentação da parcela consta do orçamento junto pela Autora aos autos (facto provado número 24).
A difusão noticiosa local da situação gerada com a ação da Autora e a reação da Ré (facto provado número 25) foi descrita pelas testemunhas José e António.
VI.
Quanto aos factos provados números 28 e 29, relativos ao posicionamento público da Autora perante a parcela de terreno em questão e ao conhecimento, pelos seus órgãos representativos, concretamente os seus Presidentes, de que o prédio pertencia à Ré, o tribunal estribou-se nos testemunhos de António e Luís que disseram, de forma convincente e sem serem contrariados por outros elementos de prova (antes, confirmadas pela testemunha José, arrolada pela Autora), que no tempo do Presidente Sr. Teixeira (já José, Presidente subsequente, era elemento da Assembleia de Freguesia), a Autora pediu à Ré, e esta consentiu, a cedência de parte do seu prédio contígua à Rua …, para alargamento desta via.
Para além disso, de forma espontânea e sem ser contrariado por outros testemunhos ou elementos de prova, Luís contou que mais recentemente, pelos anos de 2010/2011, já no tempo do Presidente José (responsável da Junta quando esta executou as obras de terraplanagem e pavimentação do prédio da Ré), na sequência de contactos pessoais mantidos entre ambos, este Presidente da Junta lhe perguntou se a mãe (Ré) estava disposta a vender-lhe o prédio descrito no facto provado número 1, ao que lhe respondeu que dependia dos valores, tendo ambos combinado que a testemunha lhe entregaria os documentos que tivesse referentes ao prédio, o que este fez, entregando-lhos depois de ter conversado com a mãe e com o irmão Joaquim. Porém, não voltaram a ser contactados pelo Sr. Dias a propósito do assunto.
VII.
Não foi produzida prova relevante da matéria constante que do facto provado número 12, na medida em que nem as testemunhas arroladas pela Ré confirmaram a autoria do corte de árvores pela Autora.“

Cumpre, então, no âmbito do recurso relativo a esta decisão, por força do ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça, apreciar se tal matéria deve ser alterada, como defende a autarquia local apelante.

Como postos em causa foram concretamente apontados os factos provados seguintes:

1. A Ré é proprietária do prédio rústico, composto de sorte de mato, sito na…, confrontando de norte com José, sul com caminho público e Elísio, nascente com Guilherme e de poente com herdeiros de Joaquim e caminho público, descrito na primeira Conservatória do Registo Predial sob a ficha 496 da freguesia de …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 400º da freguesia de Brito (artigo 2º da p.i. e 48º da contestação);
2. A aquisição do direito de propriedade do imóvel descrito no número anterior, encontra-se registada a favor da Ré, por sucessão numa quarta parte e por doação em três quartas partes, através das inscrições correspondentes às Apresentações nºs. 45 e 46, ambas de 24.05.1993 (artigo 49º da contestação);
3. Há mais de 50 anos que a Ré, por si e antepossuidores, tem estado gozo e fruição do prédio identificado no facto provado número 1., nele efetuando obras com dinheiro seu e sob sua orientação, pagando as contribuições e impostos que sobre ele recaem, limpando e retirando dele todas as utilidades que possa dar, como lenha e mato, procedendo à sua conservação, limpeza e normal trato agrícola, cavando o terreno, cortando vegetação espontânea e arvoredo que utiliza como lenha para venda (artigos 51º a 54º da contestação);
4. A Ré, por si e antepossuidores, vem praticando os factos descritos no número anterior, de forma regular e ininterrupta, à luz do dia e à vista de toda a gente, sem oposição ou reparo de quem quer que seja, com intenção de exercer um direito próprio e de não prejudicar direito alheio (artigos 55º a 59º da contestação);
7. O caminho referido no número anterior, dista 125 metros da estrada nacional e cerca de 20 metros da última edificação existente na Rua …, onde atualmente tem origem e se desenvolve no sentido poente / nascente com uma pequena inclinação para sul, com cerca de 2,5 metros de largura e 40 metros de comprimento até entrar no prédio rústico confinante a norte com o da Ré, onde tem continuidade (artigos 7º, 10º e 63º da contestação);
8. O caminho referido nos números anteriores aproveita aos prédios com ele confinantes e sem comunicação direta com a via pública (artigos 8º e 64º da contestação);
11. No terreno referido no facto provado anterior, durante mais de 20 anos até há cerca de catorze 14 anos atrás, eram mantidas, em maior volume nos meses mais secos do ano, com a autorização da Ré, medas de lenhas e de toros que impediam a passagem com veículos (artigos 11º e 30º da contestação);
20. Procedendo à deslocação de terras do prédio vizinho para o terreno da Ré (artigo 71º da contestação);
21. O facto descrito no número anterior foi praticado à revelia e sem consentimento da Ré, e veio ao seu conhecimento no dia 12 de Julho de 2012, quando o seu filho, Luís Artur Pimenta Machado, passou no prédio em causa (artºs. 19º, 25º, 68º e 74º da contestação);
26. O acesso à carreira de tiro faz-se, desde 2012, pela estrada nacional, designada Rua …, localizada a norte (artigos 15º e 83º da contestação);
28. Até 2012, nunca a Autora nunca reclamou a existência, na parcela referida no facto provado número 19., de um caminho do domínio privado da freguesia ou público (artigo 29º da contestação);
29. A Autora sabia que a Ré era proprietária do prédio referido no facto provado número 1, no qual se incluía a parcela referida no facto provado número 19 (artigo 28º da contestação);
30. Em consequência da conduta da Autora, a Ré sentiu-se muito aborrecida, transtornada, angustiada e lesada no seu direito de propriedade, sofrendo mal-estar psicológico (artigos 95º e 98º da contestação);
31. Com os trabalhos de terraplanagem efetuados pela Ré, no seguimento dos factos praticados pela Autora, aquela despendeu € 492,00 (artigo 97º da contestação).”

Relativamente a estes, a apelante pretende que o Tribunal a quo “deveria ter dado outra resposta, mormente negativa.”

Foram também questionados os factos não provados seguintes:

“1. O acesso à carreira de tiro fazia-se por um caminho com a largura de 5 metros em toda a sua extensão, um comprimento total de 100 metros, perfazendo uma área total de 500 m2, com início na Rua …, cerca de 5 metros após o último imóvel urbano existente na referida rua e que se desenvolve praticamente em linha reta no sentido nascente-poente (artºs. 9º a 11º da p.i.);
2. O caminho referido no facto provado anterior permitia a ligação da Rua … ao imóvel referido no facto provado número 16., bem como a diversas bouças rústicas aí localizadas (artigo 14º da p.i.);
3. Desde tempos imemoriais, anteriormente à construção da carreira de tiro, que a Autora fez a manutenção, limpeza e aumento do caminho para a sua atual forma e dimensões, colocando todos os materiais necessários para mantê-lo transitável para os veículos e pessoas que aí necessitavam ou quisessem passar (artigos 15º, 16º e 26º da p.i.);
4. A A. procedeu nos termos descritos no facto provado número 19 com ânimo de propriedade sobre a faixe de terreno aí descrita, intenção e convicção de que o mesmo lhe pertence, como se fosse público (artigos 17º, 24º e 27º da p.i.);
5. Nos últimos anos, a população local passava com viaturas pelo caminho referido no facto não provado número 1., ou pelo terreno referido no facto provado número 10, à vista de toda a gente e sem oposição da Ré, para aceder à carreira de tiro (artigo 34º da p.i.);
6. Desde a desativação, até Março de 2012, a carreira de tiro passou a servir toda a população da freguesia de … e freguesias adjacentes, para sua recreação (artigos 7º e 37º da p.i.);
7. Ninguém se opôs à pavimentação referida no facto provado número 19 (artigo 39º da p.i.);
8. A Ré alterou o leito do caminho na parte em que passa pelo seu prédio, deslocando-o cerca de 20 metros para norte, não permitindo a passagem de veículos como anteriormente (art.º 43º da p.i.);
10. As construções existentes no imóvel descrito no facto provado número 16, junto à face da via pública nunca permitiram o acesso de veículos à parte rústica do imóvel (art.º 13º da p.i.).”

Defende a apelante que “o Tribunal a quo deveria ter dado outra resposta, nomeadamente devia ter dado como provados” estes.

Preliminarmente, convém notar alguns aspectos relativos à configuração da demanda.

Não obstante a patente tergiversação manifestada pela entidade pública autora logo na sua petição inicial, além do mais ao percutir, repetidamente, a propósito do alegado caminho, na expressão “tempos imemoriais”, saliente-se que não é do mero reconhecimento e declaração da natureza pública do caminho, e com tal fundamento, que trata esta acção, face à sua arquitectada estrutura.

Normalmente e porque a causa jurídica da aquisição para o domínio público por uma entidade com esta natureza, como é a Freguesia, de um caminho utilizado ancestralmente pela população não é fácil de esclarecer, muito menos de provar, não se invoca o título de aquisição (originária ou derivada) nem tal é exigível.

Por isso, o Assento do STJ de 19-04-1989, decidiu que “são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público.”

A dominialidade pública dependeria, assim, de dois requisitos: uso directo e imediato do público e imemorialidade desse uso (ou posse).

Porém, a posterior Jurisprudência do STJ, interpretando restritivamente tal doutrina, aditou um terceiro requisito: o uso público deve reflectir uma afectação à utilidade pública (satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância). (1)

A “imemorialidade” de tal posse (traduzida no uso directo e imediato pela população em geral) consiste, numa “tal antiguidade cujo início se perdeu na memória dos homens”. É “imemorial a posse se os vivos não sabem quando começou (…) quer por observação directa (…) quer por informações que lhes chegaram dos seus antecessores”. O “tempo imemorial é um período tão antigo que já não está na memória directa ou indirecta – por tradição oral dos seus antecessores – dos homens que, por isso, não podem situar a sua origem.” (2).

Não é, pois, necessário, em caso de se alegarem e provarem aqueles requisitos, invocar e demonstrar que o caminho foi produzido ou legitimamente apropriado por entidade pública ou que por esta é administrado e conservado ou quaisquer outros actos de posse, nem, portanto, que por uma qualquer forma de aquisição (de direito público ou privado) o seu domínio se radicou na titularidade daquela ainda que afectado à utilidade pública e usado pela população em geral.

Basta, portanto, que a acção tal declare, pois que nada ela constitui, não se curando, em tal hipótese, da forma de aquisição e da titularidade do domínio, pois que presumidos a partir do uso nas referidas condições.

Contudo, nada impede que a entidade pública invoque uma concreta causa de aquisição, por si, do domínio do leito de um caminho, designadamente a originária e por usucapião, embora afectado à utilidade pública e ao uso da população.

Como se diz no Acórdão do STJ, de 21-01-2014 (3), “A suficiência do uso imemorial a que se refere o Assento, de modo algum exclui outras vias de aquisição da dominialidade, como acontecerá quando a lei directamente integra determinada coisa na categoria do domínio público, ou quando uma pessoa de direito público, depois de a construir, produzir ou dela se apropriar, a afecta à utilidade pública.”

Com efeito, refere ainda o mesmo aresto, “Não pode interpretar-se aquele Assento no sentido de excluir a dominialidade de um caminho que, tendo sido construído ou legitimamente apropriado, em data recente por pessoa colectiva de direito público, foi por ela afectado ao uso público, servindo o interesse colectivo que lhe é inerente. Nestes casos, desde que se prove que o caminho foi construído ou foi legitimamente apropriado por uma autarquia, que exerce sobre ele jurisdição, administrando-o, melhorando-o e conservando-o, não pode duvidar-se que se trata de um caminho público pertencente àquela entidade pública.”

Nesta hipótese, portanto, a “imemorialidade” do uso só releva, na perspectiva deste ou de quaisquer outros alegados actos de posse em termos de domínio, enquanto requisito do prazo legalmente exigido para a invocada prescrição aquisitiva e consequente apropriação originária por usucapião da titularidade, pela autora, daquele efectivo direito, concretamente 20 anos no máximo.

Como ensinava Marcelo Caetano, segundo refere A. Carvalho Martins(4), para que um caminho outrora particular se converta em público é necessário que pelo abandono do proprietário este deixe prescrever os seus direitos e que o Estado ou outra pessoa colectiva de direito público pratiquem actos ou factos que representem, através da conservação, reparação, regulamentação do trânsito, etc., a intenção ou o animus sem o qual não há posse jurídica. A aquisição de propriedade por usucapião, ligada a actos administrativos que manifestem a intenção de destinar a coisa ao uso público, é que poderão suprir a falta de afectação expressa e conferir carácter dominial a tais caminhos.”

Pedindo-se, pois, no caso sub judice, que se declare constituída pela via da usucapião a propriedade do caminho – do leito do caminho, entenda-se (5) – a favor da Freguesia autora e a condenação da ré nas prestações destinadas a repô-lo no estado anterior, estamos, no fundo, perante típica acção de reivindicação de coisa do domínio público cujo mérito tem de ser aferido em função do comum regime civilístico – artºs 1311º, 1304º, 202º, n º 2, 1287º e sgs, do Código Civil.

Em suma: mais do que a existência “imemorial” do caminho e do uso dele, fosse pelas entidades públicas que acediam e utilizavam o prédio onde funcionou a carreira de tiro, fosse por consortes vizinhos para acesso aos seus prédios, interessa o exercício da posse, em termos de seu dominus, pela autora, sobre a parcela de terreno que atravessa o que constitui o prédio da ré, correspondente ao respectivo leito, e a duração de tais actos pelo lapso de tempo necessário para usucapir.

E interessam, sublinhe-se, actos correspondentes ao exercício do domínio pleno e não actos apenas de serventia (a dado passo da pi, como se notou, admitida pela autora) sobre a concreta parcela de terreno alegada: caminho com largura de 5 metros e comprimento de 100m, iniciando-se na Rua da Carreira de Tiro, cerca de cinco metros após o último imóvel lá erigido, seguindo praticamente em linha recta na direcção nascente-poente.

A esta luz, até lhe ter sido cedido o terreno do Estado onde esteve instalada a carreira de tiro utilizada pelas forças militares, a autora, alegadamente:

-sempre (desde “tempos imemoriais”) vem fazendo a sua limpeza e manutenção;
-com “menor regularidade” antes da construção da carreira de tiro (anterior a 1960);
-com “maior incidência” depois;
-aumentou as suas dimensões e forma para as actuais;
-efectuou nele obras e reparações necessárias para o conservar transitável a pessoas e veículos, tais como colocação de pedra, “tout-venant”, areia e outros materiais.

Depois da cedência do terreno da carreira de tiro, em 2012:

-no mês de Junho desse ano, pavimentou-o com betão da espessura de 5 cm e efectuou rega de colagem do mesmo.

Perante esta factualidade objectiva, a ré, impugnando tal tese, alegou:

-o que existe é, apenas, um caminho de servidão;
-todavia, o leito de tal caminho não corresponde ao que foi pavimentado pela autora;
-esse caminho (de servidão) situa-se próximo da estrema poente do seu prédio, no sentido sul/norte, com pequena inclinação para nascente, com 2 metros de largura por 40 metros de comprimento, tem origem no caminho público designado por Rua … e desemboca no prédio rústico encravado que, a norte, confina com o da ré e que ao mesmo aproveita, permitindo o trânsito a pé e de carro com vista a assegurar a produção normal de mato e lenha;
-tal caminho dista 125 m da estrada nacional e 22 m da última edificação existente na Rua …;
-a parcela que foi pavimentada pela autora sempre foi cultivada e utilizado pela ré e nunca qualquer pessoa ou entidade o utilizou.

Ora, o Tribunal a quo, julgando a matéria de facto controvertida, decidiu:

-que existe, sim, desde tempos imemoriais, um caminho, através do prédio da ré, o qual permite o acesso a diversos prédios rústicos e, entre eles, ao prédio que serviu de carreira de tiro (ponto 6 dos factos provados);
-porém, tal caminho corresponde, quanto à sua descrição, aproximadamente ao alegado pela ré (factos provados 7 e 8) e não ao alegado pela autora (factos não provados 1 e 2);
-a GNR, enquanto utilizou a carreira de tiro, utilizou, para passar com viaturas e material, o terreno da ré (facto provado 10) e não o espaço pela autora descrito como sendo o caminho que sempre existiu e que esta veio a pavimentar (facto não provado 1 e facto provado 19) nem exactamente o caminho dado como assente (cotejo entre os factos 11 e 7);
-foi neste trajecto do prédio da ré utilizado pela GNR para passar que a Junta representativa da autora colocou, em número indeterminado de vezes, areia para facilitar tal passagem até à carreira de tiro (factos provados 12 e 10);
-foi pelo mesmo trajecto (o utilizado pela GNR) que, nos últimos anos até Setembro de 2012, pessoas passavam ocasionalmente a pé para acederem à carreira de tiro (facto provado 14);
-concomitantemente, não se provou que a autora tivesse feito sobre o caminho por si alegado (mas indemonstrado) ou sobre qualquer outro espaço (para além do utilizado pela GNR), qualquer manutenção (salvo a colocação da areia naquele para a GNR passar), limpeza e alargamento (facto não provado nº 3);
-nem se provou também que, nos últimos anos, a população local passava com viaturas pelo caminho tal como descrito pela autora ou pelo terreno da ré utilizado pela GNR para passar (facto não provado 5).

É, no fundo, o juízo global (positivo e negativo) feito pelo Tribunal a quo sobre as duas teses em confronto, a convicção firmada sobre elas e a decisão tomada e nestes apontados termos resumida, que a apelante, essencialmente, pretende inverter impugnando, por erradamente em sua perspectiva julgados, os citados concretos pontos provados e não provados da matéria de facto e que o Supremo Tribunal de Justiça nos mandou reapreciar.

Para tanto, porém, esgrime a apelante com o que “entende” que o Tribunal “deveria” ter respondido, dizendo que se impunha “decisão diferente” e que se está ante “situações de erro claro”.

Porém, em vez de, quanto a cada um dos factos impugnados, apontar e tentar convencer que efectivamente existe e onde se encontra, distinta e incisivamente, a concreta incorrecção de julgamento, ou seja, de apreciação e valoração dos respectivos meios de prova, que terá inquinado a formação da convicção e conduzida a decisão errada sobre eles, limita-se a manifestar o seu “total desacordo” com a sentença, misturando referências ora à matéria de facto ora à matéria de direito e salientando parcelas da motivação de uma e da fundamentação de outra, ilustradas com a citação de longos extractos dos depoimentos testemunhais e respectivos comentários que traduzem mais uma veemente e genérica discordância com a sentença do que um exercício demonstrativo das razões por que tais meios impunham decisão diversa da proferida e, portanto, das incorrecções havidas na sua avaliação e consequentes erros de julgamento.

É assim que, precisamente no capítulo I das suas alegações, intitulado “aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em causa”, começou por citar extracto da sentença relativa à matéria de direito e não à motivação da decisão sobre a matéria de facto, procurando depois ilustrar com a transcrição de depoimentos testemunhais, naturalmente incidentes sobre factos controversos em discussão, o juízo de direito empreendido pelo tribunal sobre os factos já provados, a sua opinião de que “não se pode extrair tais conclusões”, deste modo querendo refutar considerações de índole jurídica com depoimentos testemunhais.

Não obstante, cumprindo o que nos é ordenado superiormente, examinámos todos os documentos juntos aos autos e auscultámos todos os depoimentos orais gravados.

Começando por aqueles.

Os nove documentos juntos pela autora com a petição inicial nada contribuem para esclarecer, decisiva e convincentemente, os salientados pontos cruciais da matéria controversa.

A planta anexa ao auto de cedência (fls. 18), a planta de localização (fls. 25) e o mapa (fls. 26), sobretudo para quem tem de ajuizar sem sequer ter estado no local e sem dispor de auto de inspecção ao mesmo(6), não patenteiam a existência do caminho, tal como alegado pelo autor, não sendo a sua origem, data, menções e legendas esclarecedoras.

A planta de fls. 18, com versão ampliada junta a fls. 139 e 261, como se infere das rubricas apostas, instruíram o auto de cedência de 2012. Diz o Tribunal a quo na motivação que constitui representação recente, contemporânea do projecto de construção da auto-estrada no local e que nela se vê a respectiva implantação. Nem ela nem qualquer elemento dos autos esclarece quem a elaborou, em que data, o que pretendem representar e, pior que isso, à falta de legendas adequadas, não se percebe nelas onde se localizam os prédios e as vias de acesso em discussão, designadamente se, como pretende a apelante, ela reproduz o caminho existente tal como configurado pela autora e, bem assim se, como também alega, a auto-estrada em causa foi construída em 1999 e, por isso, lhe será necessariamente anterior. Não sabemos de que auto-estrada se trata, menos ainda quando ocorreu tal construção.

A designada “planta de localização” de fls. 25 (que mais parece uma fotografia aérea ou de satélite copiada da internet a partir do Google), de que foi junta versão ampliada a fls. 262, insere como menção da suposta autoria a Câmara Municipal de Guimarães e data de 29-11-2012. Todavia, por falta de quaisquer legendas ou indicações nada dela se pode concluir.

O mesmo sucede quanto à planta de fls. 26 onde se vê assinalada a carreira de tiro e nada mais, sendo certo que, como refere o Tribunal recorrido, por não mencionar data, escala nem definição nada lhe permitiu concluir quanto à – discutida e relevante para efeitos de localização dos alegados caminhos – distância entre a residência de David Silva e o caminho que diz ali estar representado.

De resto, o que importa salientar é que estes documentos foram analisados e cotejados com a demais prova, designadamente testemunhal, pelo Tribunal recorrido. Este concluiu não contrariarem os mesmos a sua convicção quanto ao caminho e localização que julgou provados, nada de relevante, afinal, quanto a isso a autora apontando que ponha em causa tal conclusão.

Vejamos agora os depoimentos das 14 testemunhas inquiridas na audiência registados em cerca de 7 horas de gravação e que escutámos na totalidade.

Começando pelas 7 indicadas pela autora.

Apesar de viver no local desde 1978 e dizer conhecê-lo como as suas mãos, a testemunha José António Martins Inês nada referiu no seu depoimento que abale a apreciação e valoração que dele foi feita pelo Tribunal a quo.

Confirmando a presença e passagem no local de forças militares para acederem à carreira de tiro, pelas expressões usadas e hesitação do discurso, é notório que não conseguiu ser exacto quanto ao sítio, que apelida de caminho, por onde passavam. Reconheceu, aliás, que havia uma outra entrada pelo lado da rua. O mesmo sucedeu quanto à localização do espaço que a junta pavimentou, pois questionado sobre se era no local onde fizera outras intervenções e onde passavam os militares, apenas corroborou, de forma imprecisa, que “era nessa zona aí”. Sintomaticamente, perguntado sobre quem era o dono do caminho, respondeu, hesitante, que as pessoas passavam ali mas não sabe de quem era, achando que era de todos mas também era caminho para as bouças, havendo até umas cancelas.

Nem, portanto, dos extractos transcritos – que em vários passos não traduzem fielmente os diálogos, muito menos a atitude do interlocutor e o tom e encadeamento do discurso – nem da audição integral do depoimento se extrai o resultado que a apelante pretende e de que manifestamente faz resumo impreciso, subjectivo, interessado, logo parcial e, por tudo isso, inatendível no sentido que pretende (como é o caso ao salientar que a testemunha disse que o caminho era de todos, isolando a afirmação do que foi referido quanto ao sítio de passagem e da serventia para as bouças, notando-se que nenhuma conexão estabelece, a partir dele, com qualquer dos factos impugnados, de modo a salientar eventual erro de julgamento).

Relativamente ao depoimento da testemunha Fernando, que nasceu e viveu, durante anos, no local, cujos excertos transcritos nas alegações de recurso também estão truncados, também não reproduzem fielmente a instância. Além disso, a testemunha fez descrições com gestos e apontamentos de coisas e sítios incompreensíveis para quem não os conhece e não os visualizou. É certo certo que descreve a passagem por sítio que reputa ser um caminho e afirma estar convencido ser público, isto a propósito das actividades de escuteiro e quando efectuavam acampamentos na carreira de tiro. Não referiu esta testemunha nem diz o Tribunal ter por ela sido referido que, para passar, pediam autorização ao dono do terreno para tal, mas sim que a pediam à GNR e aos donos de terrenos circundantes que também ocupavam com o acampamento.

Sendo certo que esta testemunha, sugerido pela pergunta em tal sentido, respondeu afirmativamente que a pavimentação executada pela autora foi feita sobre o local por onde passavam, é curioso notar, porque sintomático das suas próprias dúvidas, que, ao ser questionado como foi encarada na freguesia a atitude da ré, reflectiu: “agora claro que, é assim, não sei como é que aquilo funcionou mas acho que estava uma coisa bem feita e acho que ia beneficiar …penso eu…e era para bem da Vila”. Ou seja: apesar da perplexidade causada pela reacção da ré e lamento até porque estava “uma coisa tão bonita sempre foi para o povo se servir”, a testemunha hesita na censura e salvaguarda não saber o que se passou, ou seja, das razões dela.

Enfim, o resultado que a apelante colhe e pretende enfatizar do depoimento desta testemunha, sofrendo dos mesmos vícios do anterior, não põe em causa a motivação expendida pelo Tribunal recorrido, seja em geral seja quanto a qualquer dos pontos de facto em concreto com que nenhuma ligação é estabelecida nem nenhum concreto erro é posto em evidência. Muito menos, portanto, fundamenta convicção oposta ou até diversa.

O depoimento da testemunha Américo, não tem a importância que a apelante refere, mormente no que tange aos factos questionados e no sentido de modificar a convicção sobre eles afirmada pelo Tribunal recorrido, seja nos extractos transcritos – tal como os anteriores, sem reproduzirem fiel e rigorosamente os diálogos – seja na gravação total que ouvimos.

Embora não residindo perto, foi Secretário da Junta autora entre 1990 e 1998. Afirmou que sempre, a pedido da GNR, fizeram arranjos do caminho, dos regos e estragos que as chuvas nele produziam. Ora, a GNR cessou precisamente a utilização da carreira de tiro e, portanto, deixou de por lá passar há 25 anos atrás (cfr. facto provado 9, inquestionado), ou seja, quando a testemunha iniciou o exercício de funções autárquicas. A afirmação dela de que, antes, pelas Juntas anteriores, eram feitas intervenções não assenta, pois, em conhecimento directo e próprio, sendo mera suposição. A de que foram feitas no seu tempo e continuaram a sê-lo depois não pode ser verdadeira. A sua convicção, pois, de que agiam assim porque o caminho era público e nunca ninguém fez qualquer reparo a tais intervenções, não passa de mera opinião.

Refere a testemunha que por lá passavam pessoas a pé. No entanto, deixa no ar a ideia clara de que não se tratava da população em geral e de que tal passagem não era constante nem por sítio certo. Confrontado com documento dos autos que, na expressão do Sr. Advogado da autora, é uma “planta onde tem assinalados os caminhos” mas que ninguém cuidou de identificar e referir para a gravação e por isso não sabemos qual é, ouve-se que nele confirmou a existência de vias que lhe foram apontadas. Todavia não se percebe que algo tenha dito no sentido de, com tais elementos, pôr em causa o juízo do Tribunal recorrido.

Significativamente, ao ser-lhe perguntado se o caminho asfaltado pela autora era onde faziam as intervenções pedidas pela GNR para esta passar, hesitou, foi dizendo que sim, admitiu que “pode haver mínima diferença …mas era naquele local”. Não rejeita, portanto, categoricamente, a convicção afirmada pelo Tribunal de que havia uma passagem, sim, mas a pavimentação feita não foi dessa. Aliás, quando questionado sobre onde começava o caminho respondeu “não posso precisar”, assim como quando confrontado se não se trataria de mero caminho de servidão respondeu “se a gente arranjava é porque entendia que era público…”. Entendimento que repetidamente sustentou no facto de terem sido feitas as referidas intervenções e nunca ter havido qualquer reacção da ré ou de quaisquer outros proprietários. No entanto, também significativamente, disse “eu sabia que o terreno era da senhora, mas nunca disseram nada. O dono tem razão …tem razão porque é dele…mas tanto tempo…tanto tempo e ninguém se queixar…”.

Ora, a ré não se terá queixado enquanto passavam pelo seu terreno – que constitui segundo a Matriz e Registo Predial um prédio descrito como único, sem referência a qualquer caminho ou travessia, o que não é normal acontecer e antes devia implicar a descrição de dois prédios fisicamente separados e legalmente autónomos caso o terreno “desde tempos imemoriais” fosse dividido por um caminho público – pessoas aleatoriamente, a GNR esporadicamente e nele a Junta fazia arranjos circunstancialmente, o que, como é sabido, se coaduna com uma natural tolerância dos proprietários típica do meio rural e compatível com o estado e utilidades colhidas do terreno pelo dono, por vezes até potenciada pelo desconhecimento de tais actos. Mas a verdade é que, ante a pavimentação levada a cabo pela Junta em 2012, a ré reagiu pronta e terminantemente. A crença, pois, da testemunha na publicidade do caminho não assenta em factualidade para tal suficientemente relevante.

Embora seja certo que, como enfatiza a apelante, a testemunha David, que vive no local há mais de 40 anos e lá tem um terreno, confirma as intervenções da Junta sobre o caminho para a passagem da GNR, não é menos verdade que esta o refere como de acesso à sua sorte (prédio rústico) e de outros proprietários e esclareceu que a Junta se limitava a compor a parte até à carreira do tiro e nada mais. Aliás, é significativo que a própria testemunha lhe chama e concorda com a designação de “caminho de servidão”, quer espontaneamente quer quando contra-instada pela Mandatária da ré.

Nem dos extractos transcritos pela autora – tal como os anteriores não inteiramente fidedignos – nem do comentário conclusivo que sobre eles teceu, nem, enfim, de tudo o que ouvimos, se colhe razão bastante para divergir da convicção firmada pelo Tribunal recorrido.

Aliás, mesmo quanto à questão das lenhas colocadas a secar no terreno, e que a apelante salienta fazendo notar que a passagem descrita se fazia pelo meio delas, situação que, portanto, não afastava a existência e uso do caminho, nada de relevante se colhe em ordem a abalar as considerações, quanto a tal específico aspecto, tecidas pelo Tribunal recorrido em explicação desse aspecto.

A testemunha José, nascido no local e aí residente, referiu, é certo, que toda a vida se lembra do caminho, de o ver limpo e de daí deduzir que era a Junta quem o limpava, referindo que tal caminho era onde foi posto o asfalto. Protestando a sua intenção de dizer o que “vi e ouvi com os meus olhos”, apressou-se a relatar enfaticamente uma (insignificante e inconclusiva) conversa que diz ter ouvido no local (ao que se deduz entre representantes das partes).

Quer nos extractos transcritos (deficientemente) quer em todo o seu depoimento mostrou-se muito palavroso, ansioso, mesmo indignado, logo nada vertical, fazendo múltiplas e vagas afirmações, sem as detalhar e fundamentar, contrariando-se mesmo, como sucedeu sobre a continuação e utilização do caminho: à pergunta do Mandatário da autora corroborou que ele seguia para lá da carreira do tiro até ao Alto …, nele passando pessoas para … e S….. (presume-se que lugares da freguesia); porém, a pergunta do Mº Juiz disse que para lá da carreira do tiro ninguém passava.

Enfim, nada de diferente, convincente e decisivo referiu que ponha em causa o juízo do Tribunal recorrido sobre qualquer dos factos impugnados, com nenhum destes, aliás, vindo feita qualquer conexão precisa daquilo que disse por forma a evidenciar qualquer erro.

A testemunha António, sargento da GNR, ao contar que esta força, mais ou menos com periodicidade mensal, se deslocava para treinos ali na carreira do tiro, nada de diferente e mais relevante acrescentou que corroborasse a tese da autora e abalasse a convicção exposta pelo Tribunal recorrido no sentido das respostas dadas aos pontos de facto impugnados, seja nos extractos truncados transcritos seja em todo o seu depoimento que ouvimos.

Descreveu o local por onde acediam a partir da Rua …: “à direita havia ali um espaço soalheiro” – curiosamente não refere um caminho! – “havia um indivíduo que punha lá madeira a secar” – embora isso, como disseram os demais não impedisse a passagem –, “do lado esquerdo umas pedras” - que hoje lá estão – “não existiam, era largo, tinha feno, entrávamos por ali, havia umas cancelas camufladas na vegetação…”.

Portanto, a imagem transmitida pela testemunha foi de um descampado no terreno, com feno, que permitia passagem sim, do pessoal e das viaturas da GNR (como permitia a de outras pessoas, segundo as demais testemunhas) mas que curiosamente não referiu nem descreveu como um caminho. Aliás, duas justificações significativas deu para a GNR pedir à Junta o arranjo de tal passagem: uma foi a de que muitas vezes não conseguiam passar, designadamente com as viaturas, mencionando uma linha de água (que eventualmente tornava o espaço irregular) e, portanto, pediam para o limpar e desobstruir (o que sempre sucedeu); outra foi a de que se dirigiam à Junta e pediam a esta e não a qualquer outra pessoa particular não porque soubessem que ela era dona do terreno (ou se o caminho era público) mas por uma questão de relacionamento institucional que pretendiam com entidades independentes e que não “cobrassem” pelo favor da desobstrução do espaço. Nada disto elucida nem esclarece a “verdade dos factos” tal como a concebe a apelante. Pelo contrário: deixa incólume o juízo e motivação exarados pelo Tribunal a quo na sentença.

Relativamente ao depoimento da testemunha José: trata-se do actual Tesoureiro da Junta da Freguesia autora, tendo sido até há cerca de dois anos seu Presidente durante 14 anos e antes disso membro da respectiva Assembleia, num total de 24 anos de exercício de funções na autarquia, ligação que explica a emoção, a veemência e, por vezes, exaltação com que expôs a sua convicção de que o caminho é da Junta e de que, “se houver justiça”, tal terá de ser reconhecido, insistindo que “é assim que a lei diz” e que “se nós usávamos e o limpávamos e tratámos, o que diz a lei é que o caminho é da Junta”, pois “quem usa e cuida é dono”, segundo “uma pessoa lhe disse”. Foi, aliás, na qualidade de Presidente daquele órgão e no uso dos poderes que pela mesma lhe foram conferidos que outorgou e assinou a procuração forense constante dos autos (fls. 13 e 20) na sequência de deliberação de 19-10-2012 no sentido de instaurar esta acção para reconhecimento do direito de propriedade da Junta sobre o caminho mediante a invocação de usucapião, por dele se afirmar convictamente ser proprietária, como se lê da referida acta. Foi também ele que, na qualidade de Presidente da Junta, assinou a carta de fls. 79, datada de 11/10/2012, em que protesta a aquisição do caminho para o “domínio público”, por “usucapião”, por ter passado a ser “usado pela população desta freguesia, e, não apenas pelas propriedades dos prédios a quem o caminho servia” e sem oposição da ré a “tal uso por parte da população” (ou seja, não refere aí actos de posse praticados pela Junta nem que a propriedade tivesse sido adquirida por esta), confirmando que, depois do sucedido, houve negociações para resolverem por consenso o problema mas que as mesmas se goraram por divergência quanto a prazos.

Trata-se, pois, se não legalmente, de um depoimento pessoal na prática, face ao tom emotivo com que exaltou a sua tese, de par com alguma sobranceria com que mostra ter lidado e com que encara o problema.

Percutiu, pois, a tese de que sempre foi a Junta que limpou e cuidou do caminho, como faz com muitos outros, que tal foi feito não apenas a pedido da GNR, que o caminho sempre existiu com o “mesmo figurino” do que pavimentaram. Não deixou, no entanto, de reconhecer que a GNR pediu muitas vezes para irem limpar o caminho (o que significa que tal não era feito regular e espontaneamente) e, então, iam “cortar as silvas e mato que às vezes ia crescendo” (o que mostra que a utilização não era intensa e regular) e reparar os regos que o Inverno abria.

Embora enfatize que “toda a gente diz que o caminho era ali”, refere também que “há quem diga que era mais abaixo”, comentando que “até poderia ser mas estão lá eucaliptos”. Reconheceu que só limpavam até à Carreira de Tiro e, a partir daí, eram os donos dos terrenos que tal faziam. Enfatizou que o caminho “não é público, é da Junta”. Contou que, depois da pavimentação e da queixa do filho da ré quanto a tal acto, chegaram a conversar sobre a hipótese de o desviar e, a pedido daquele, o encostar à casa, tendo-se deslocado ao local e levado o documento (fls. 56) que “já tinha feito” (deduz-se que na Junta) mas que “não assinaram” – documento esse que titula um (projecto de) acordo entre a autora e ré no qual se refere que aquela “procedeu à pavimentação do caminho de servidão que liga a Rua… ao espaço de lazer aí criado levando aí a cabo o alargamento da via, a colocação de um novo tapete betuminoso…” e que “acordam na deslocação do leito do caminho de servidão, devendo o mesmo ser encostado ao longo do prédio urbano aí existente…”, cedendo a ré “um total de três metros de largura em cada metro de comprimento do caminho, dado o caminho de servidão existente possuir somente a largura de dois metros”, documento este cuja elaboração por parte da Junta e em face dos seus termos não pode deixar de ter-se como significativo daquilo que os seus próprios membros pensavam e contraria a tese arquitectada como base da acção e tentada sustentar com os depoimentos testemunhais indicados, particularmente quanto à natureza do caminho – de servidão e não propriedade da Junta – e apenas com dois metros de largura – e não com três ou quatro como em vários depoimentos foi dito.

Confirmou esta testemunha, quando contra-instado, ser do seu conhecimento que há na Junta um documento alusivo à cedência de uma parte do terreno para o caminho (supostamente o que a ré reconhece ter existido e não o que a autora pavimentou), o que afasta a ideia de que por parte daquela haveria um desinteresse e sobre o que no local se ia passando e fazendo ao longo do tempo e a nada se opôs.

Aceitando-se que, ao referir que fizeram intervenções noutros caminhos da freguesia - “mais de dez” – semelhantes às que alegadamente fizeram naquele, não se terá querido a testemunha referir – na expressão do Tribunal recorrido – a “uma acção sistemática”, durante a sua gestão, “da prática de actos pela Junta de Freguesia de …, sobre caminhos privados sitos em terrenos alheios, intencionalmente praticados com vista à sua apropriação”, já que nada permite deduzir e afirmar com mínima segurança tal postura especificamente dolosa, considera-se, face à paixão com que a testemunha expôs e defendeu a tese da Junta, nada ter o seu depoimento de “surpreendente” – como também refere o Tribunal – mas antes ser o corolário lógico daquele estado de espírito e dos conhecimentos legais que afirmou possuir relativos à aquisição da propriedade do caminho decorrente das intervenções nele efectuadas sem oposição da ré.

Nem, em suma, dos extractos transcritos nem do teor integral do depoimento que escutámos, porém, se extrai fundamento capaz de abalar a apreciação e valoração que do mesmo foi feita pelo Tribunal recorrido e, portanto, da convicção que, apesar dele ou, afinal, também em resultado dele, afirmou.

Estribando-se a impugnação da autora nas referências e comentários a estes depoimentos, já se vê, da reapreciação feita, que a sua pretensão de alterar a matéria de facto não merece acolhimento.

Ela não põe em causa, quanto aos aspectos essenciais respeitantes ao caminho, a invulgarmente exaustiva e aprofundada análise crítica dos meios de prova nem a valoração que, a partir dela, lhes foi dada.

Sobretudo não põe em causa o juízo que, com base nos depoimentos das 7 testemunhas arroladas pela ré e que também ouvimos na íntegra, o Tribunal recorrido efectuou, quer para afastar a credibilidade das da autora quer para fundamentar a sua convicção. Não tanto pelo que disseram as testemunhas Álvaro e irmãos (filhos da ré) António e Luís mas pelo que de particularmente claro, objectivo e convincente explicaram fundada e credivelmente, os irmãos João, José e Manuel e, ainda, a testemunha António, filho do tal David, quanto ao caminho de servidão e sua localização diversa da alegada pela autora, quanto à sua utilização pelas pessoas e pela GNR e actos praticados pela autora e, bem assim, quanto ao uso do terreno para colocar a lenha e madeira depositada e a secar, como bem se explicita na motivação da decisão da matéria de facto e põe em relevo a apelada nas suas contra-alegações, refutando a tese fáctica da autora, corroborando a da ré e, assim, baseando a firmada pelo Tribunal, atrás sintetizadas – para tudo se remetendo.

Apenas num ponto concreto se nos afigura a autora ter razão: as circunstâncias relatadas no decurso da audiência relativas à pessoa da ré (muito idosa, uma vez que os filhos têm 70 e 66 anos, algo alheia ao que localmente se passou embora estes lhe contassem, deduz-se das suas palavras que por alto), a confiança que da gestão dos seus bens depositou naqueles e, enfim, a desnecessidade do seu envolvimento ou protagonismos, não convencem que ela se tenha sentido transtornada, angustiada e com mal-estar psicológico. Aborrecida e lesada, com certeza. Bastava tomar conhecimento, ainda que vagamente, do sucedido.

Nesta medida, o ponto 30 dos factos provados será alterado para:

“30. Em consequência da conduta da Autora, a Ré sentiu-se aborrecida e lesada no seu direito de propriedade”, ficando a parte restante não provada.

No mais, sublinhe-se, não pode perder-se de vista que a reapreciação cometida à Relação da decisão proferida em primeira instância em matéria de facto não pode pôr em causa os princípios da livre apreciação da prova e da imediação.

Na verdade, além de eles persistirem como critério básico de julgamento, aquele tribunal encontra-se numa posição privilegiada para apreciar e avaliar os depoimentos prestados em audiência, em conjugação com todos os demais elementos de prova. O registo da prova, tal como é feito, “não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível em 1ª instância, a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo. Além do mais, todos sabemos que, por muito esforço que possa ser feito na racionalização da motivação da decisão da matéria de facto, sempre existirão factores difíceis ou impossíveis de concretizar ou de verbalizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos” (7).

Com efeito, “existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”. (8)

Como se dizia já no Acórdão do STJ, de 20-09-2005(9),“o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos”.

De resto, como em qualquer actividade humana, sempre a actuação jurisdicional comportará uma certa margem de incerteza e aleatoriedade no que concerne à decisão sobre a matéria de facto. Mas o que importa é que se minimize tanto quanto possível tal margem de erro, porquanto nesta apreciação livre o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas(10).

Ora, o tribunal a quo visitou e inspeccionou o local, escalpelizou e correlacionou todos os meios de prova de uma e outra partes em função do que lá viu, esmiuçou todos os argumentos num e outro sentido, activamente confrontou as testemunhas tudo procurando esclarecer.

Não se encontram motivos, enfim, para, salvo quanto ao dito ponto 30, introduzir qualquer outra alteração na matéria de facto provada ou não provada, pelo que o respectivo recurso de impugnação improcede (salvo quanto àquele aspecto).

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em face do exposto, considera, então, este Tribunal como provados os seguintes factos:

“1. A Ré é proprietária do prédio rústico, composto de sorte de mato, sito … com uma área de 1860 m2, confrontando de norte com José, sul com caminho público e Elísio, nascente com Guilherme e de poente com herdeiros de Joaquim e caminho público, descrito na primeira Conservatória do Registo Predial sob a ficha … da freguesia de …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da freguesia de… (artigo 2º da p.i. e 48º da contestação);
2. A aquisição do direito de propriedade do imóvel descrito no número anterior, encontra-se registada a favor da Ré, por sucessão numa quarta parte e por doação em três quartas partes, através das inscrições correspondentes às Apresentações nºs. 45 e 46, ambas de 24.05.1993 (artigo 49º da contestação);
3. Há mais de 50 anos que a Ré, por si e antepossuidores, tem estado gozo e fruição do prédio identificado no facto provado número 1., nele efetuando obras com dinheiro seu e sob sua orientação, pagando as contribuições e impostos que sobre ele recaem, limpando e retirando dele todas as utilidades que possa dar, como lenha e mato, procedendo à sua conservação, limpeza e normal trato agrícola, cavando o terreno, cortando vegetação espontânea e arvoredo que utiliza como lenha para venda (artigos 51º a 54º da contestação);
4. A Ré, por si e antepossuidores, vem praticando os factos descritos no número anterior, de forma regular e ininterrupta, à luz do dia e à vista de toda a gente, sem oposição ou reparo de quem quer que seja, com intenção de exercer um direito próprio e de não prejudicar direito alheio (artigos 55º a 59º da contestação);
5. O imóvel da Ré confronta com caminho público (artigo 3º da p.i.);
6. Desde tempos imemoriais que pelo prédio da Ré existe um caminho, que para além de permitir o acesso a outros prédios rústicos, permitia o acesso a um imóvel, propriedade da República Portuguesa, em que existia uma carreira de tiro usada pela Guarda Nacional Republicana e, anteriormente, outras forças militares (artigo 4º da p.i.);
7. O caminho referido no número anterior, dista 125 metros da estrada nacional e cerca de 20 metros da última edificação existente na Rua … onde atualmente tem origem e se desenvolve no sentido poente / nascente com uma pequena inclinação para sul, com cerca de 2,5 metros de largura e 40 metros de comprimento até entrar no prédio rústico confinante a norte com o da Ré, onde tem continuidade (artigos 7º, 10º e 63º da contestação);
8. O caminho referido nos números anteriores aproveita aos prédios com ele confinantes e sem comunicação direta com a via pública (artigos 8º e 64º da contestação);
9. A carreira de tiro foi usada desde há mais de 50 anos e foi desativada há cerca de 25 anos (artigo 5º da p.i.);
10. Durante o período em que a GNR utilizou a carreira de tiro, passou número indeterminado de vezes com viaturas militares e material pelo terreno do prédio referido no facto provado número 1., praticamente em linha reta, no sentido poente-nascente, entre a carreira de tiro e a Rua …, menos de 10 metros após o último imóvel urbano existente nesta rua (artºs. 9º a 11º da p.i.);
11. No terreno referido no facto provado anterior, durante mais de 20 anos até há cerca de catorze 14 anos atrás, eram mantidas, em maior volume nos meses mais secos do ano, com a autorização da Ré, medas de lenhas e de toros que impediam a passagem com veículos (artigos 11º e 30º da contestação);
12. A Junta de Freguesia de…, a pedido da Guarda Nacional Republicana, colocou número indeterminado de vezes areia no terreno referido no número anterior, para facilitar a passagem da GNR até à carreira de tiro (artigo 26º da p.i.);
13. Antes e depois da referida desativação, o espaço constituído pela carreira de tiro foi utilizado pontualmente, com autorização do proprietário, para atividades de escuteiros (artigo 7º da p.i.);
14. Nos últimos anos, até Setembro de 2012, pessoas passavam ocasionalmente a pé pelo terreno referido no facto provado número 10, para acederem à carreira de tiro desativada (artigo 34º da p.i.);
15. Os factos referidos nos números 10 a 14 foram praticados à vista de toda a gente, sem a oposição da Ré (artigos 34º e da p.i.);
16. Mediante auto de cedência e aceitação, elaborado em 18 de Março de 2012, o prédio aí designado “Ex-Carreira de Tiro de…o”, sita em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia… inscrita a favor do Estado pela AP 3 de 1937/12/13, inscrita na matriz da respetiva freguesia sob os artigos urbanos nºs. … e …, com a superfície descoberta de cerca de 10.125 m2 e com superfície coberta de 471 m2, foi cedido à Autora pelo Estado Português, por intermédio da Direção Geral do Tesouro e Finanças (artigo 6º da p.i.);
17. Mediante obras de requalificação levadas a efeito a partir de Março de 2012, pela Autora, a parte rústica do prédio referido no facto provado número 16, destinada a carreira de tiro, foi convertida num parque de lazer e de merendas (artigos 8º e 37º da p.i.);
18. Desde Março de 2012, o referido espaço passou a servir toda a população, quer da freguesia de Brito, quer do concelho, estando disponível para os que desejem (artigo 37º da p.i.);
19. Em Junho de 2012, a Autora introduziu-se no terreno referido no facto provado número 1, procedeu à pavimentação em betão betuminoso com 0,05 metros de espessura e efetuou rega de colagem do mesmo, de uma faixa de terreno em linha reta, no sentido nascente-poente, com largura de cerca 5,5 metros em toda a sua extensão, sita ao longo de mais de 40 metros de extensão do prédio referido no facto provado número 1, com início na Rua da Carreira de Tiro, cerca de 5 metros após o último imóvel urbano existente na referida rua (artigos 10º, 11º, 38º da p.i. e 69º, 70º e 75º da contestação);
20. Procedendo à deslocação de terras do prédio vizinho para o terreno da Ré (artigo 71º da contestação);
21. O facto descrito no número anterior foi praticado à revelia e sem consentimento da Ré, e veio ao seu conhecimento no dia 12 de Julho de 2012, quando o seu filho, Luís, passou no prédio em causa (artºs. 19º, 25º, 68º e 74º da contestação);
22. Em 12 de Outubro de 2012, a Ré ordenou a remoção parcial do betão betuminoso referido no número anterior, num total não inferior a 220 m2, colocando o entulho sobre a parte do asfalto não removido do seu prédio (artigo 41º da p.i.);
23. A ação referida no facto provado anterior, impede a passagem com veículos e a pé pela faixa de terreno em apreço (artigo 41º da p.i.);
24. A repavimentação da parcela referida no facto provado número 19, monta a € 3.375,00 + IVA (art.º 49º da p.i.);
25. A situação descrita nos factos provados anteriores foi noticiada em jornais (art.º 52º da p.i.);
26. O acesso à carreira de tiro faz-se, desde 2012, pela estrada nacional, designada Rua São João Batista, localizada a norte (artigos 15º e 83º da contestação);
27. A distância a percorrer até à carreira de tiro, através do prédio da Ré, é superior à necessária para aceder pela Rua … (cfr. artigo 84º);
28. Até 2012, nunca a Autora nunca reclamou a existência, na parcela referida no facto provado número 19., de um caminho do domínio privado da freguesia ou público (artigo 29º da contestação);
29. A Autora sabia que a Ré era proprietária do prédio referido no facto provado número 1, no qual se incluía a parcela referida no facto provado número 19 (artigo 28º da contestação);
30. Em consequência da conduta da Autora, a Ré sentiu-se aborrecida e lesada no seu direito de propriedade (artigos 95º e 98º da contestação);
31. Com os trabalhos de terraplanagem efetuados pela Ré, no seguimento dos factos praticados pela Autora, aquela despendeu € 492,00 (artigo 97º da contestação).”

V. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Neste âmbito, a autora defendeu que, em caso de procedência da alteração da matéria de facto, devia julgar-se procedente a acção quanto ao seu primeiro pedido (aquisição por usucapião da faixa de terreno no prédio da ré que pavimentou e considerou como caminho público).

Sobre isto, expôs, na parte que interessa concretamente ao caso, o Tribunal recorrido:

“Revertendo à matéria de facto provada, verifica-se que:
- a Autora não dispõe de título de aquisição derivada da parcela de terreno reivindicada, uma vez que não a adquiriu de outrem por título translativo do direito de propriedade, como por exemplo compra e venda, doação, sucessão, entre outros;
- tampouco dispõe em seu favor de registo do direito de propriedade.
Por isso, sustenta a sua pretensão na adquisição originária do direito, por usucapião, decorrente da posse, exercida ininterruptamente desde data anterior a 1960.”

E continuou:

“Tendo presente que a posse é uma conjugação entre o exercício de atos materiais e a intenção subjacente a esse exercício, impõe-se apreciar se a conduta da Autora preenche estes pressupostos.
Está provado que sobre o prédio da Ré existe um caminho que, para além de permitir o acesso a outros prédios rústicos, permitia também o acesso ao imóvel da carreira de tiro, propriedade do Estado, caminho este que dista 125 metros da estrada nacional e cerca de 20 metros da última edificação existente na Rua …, onde atualmente tem origem e se desenvolve no sentido poente / nascente com uma pequena inclinação para sul, com cerca de 2,5 metros de largura e 40 metros de comprimento até entrar no prédio rústico confinante a norte com o da Ré, onde tem continuidade.
Todavia, antes da desativação da carreira de tiro, há mais de 25 anos, a GNR passou número indeterminado de vezes com viaturas e material, praticamente em linha reta, no sentido poente-nascente, entre a carreira de tiro e a Rua …, por outro local do prédio da Ré situado a menos de 10 metros após o último imóvel urbano existente nesta rua.
A Guarda Nacional Republicana pedia à Junta de Freguesia de … para colocar areia naquele terreno, com vista a facilitar-lhe a passagem até à carreira de tiro, o que a Autora satisfazia.
Tal atuação, produzida a impulso da GNR, não se afigura reveladora de uma intenção de aquisição o terreno em nome da freguesia, na medida em que é compatível com o mero auxílio a terceiro, no exercício do direito de passagem da GNR para aceder à carreira de tiro.
Por outro lado, embora não seja o caso, mesmo que tais atos tivessem sido praticados pela Autora com intenção de exercer sobre a parcela um direito de propriedade próprio e exclusivo:
- não logrou provar quantas vezes, qual a frequência, periodicidade e durante quanto tempo assim procedeu, razão pela qual, não estaria verificado o elemento temporal que a lei reputa imprescindível para usucapir (art.º 1296º, do Código Civil);
- tais atos, pontuais, não produziram interrupção da posse que era, na ocasião, exercida pela Ré por intermédio de David (cfr. art.º 1.252º do Código Civil), de modo reiterado, ano após ano, durante mais de 20 anos e sem interrupção, até há 14 anos, consentindo a manutenção de lenha e montes de toros a secar, para vender, ocupando nos meses secos toda a área que a Autora reivindica, impedindo a passagem de veículos, por não reunirem o pressuposto previsto pelo artigo 1.267º, al.ª d) do Código Civil.
Acresce, quando a atividade de secagem de lenha cessou, há 14 anos atrás, também a carreira de tiro se encontrava já desativada e a GNR deixara de passar pelo local. O que se manteve foi a passagem ocasional de pessoas a pé para acederem à carreira de tiro desativada, como os escuteiros, quando faziam atividades na carreira de tiro, com autorização do proprietário.
A passagem de pessoas a pé para a carreira de tiro, também não constitui exercício de posse, na medida em que traduz apenas uma intenção de passagem, e não de apropriação. Se assim é, como parece claro, seria verdadeiramente rebuscado extrapolar desses atos, praticados por pessoas comuns, o exercício de posse em nome da Freguesia de …, como manifestação de um direito de propriedade desta.
Por fim, nem que se admitisse tal entendimento, o exercício da passagem durante os últimos 12 anos (e não 14, já que a Ré obstou à sua continuação em Setembro de 2012) justificaria a apropriação pela Autora da faixa de terreno com 5,5 metros de largo, porque não decorreu entretanto o prazo previsto no artigo 1296º do Código Civil.
Tudo isto sem que se esqueça que a passagem a pé e de carro para a carreira de tiro está assegurada pela presença de um caminho de servidão que onera o prédio da Ré, alguns metros mais para norte.
Por todo o exposto, conclui-se que soçobram os argumentos da pretensão aquisitiva formulada pela Autora na presente ação e, concomitantemente, também os pedidos contidos nas alíneas b), c) e f) do pedido. “

Ao invés, quanto ao prédio da ré:

“Em contrapartida, no que respeita ao pedido reconvencional, há consenso das partes em que a Ré é proprietária do prédio descrito no facto provado número 1.
Ainda assim:
- a Ré goza da presunção de titularidade do direito de propriedade, resultante do registo de aquisição, por sucessão e por doação, ao abrigo do disposto no artigo 7º do Código do Registo Predial;
- demonstrou a aquisição originária do prédio por usucapião decorrente da posse, exercida por mais de 50 anos, de forma pacífica, pública, continua, de boa fé, com justo título (cfr. arts.º 1316º, 1258º a 1262º, 1287º, 1296º e 1256º, do Código Civil).
Devido à conduta da Autora que, introduzindo-se no terreno da Ré, terraplanou e asfaltou uma faixa com 5,5 metros de largura por 40 metros de comprimento, justifica-se, na perspetiva da Reconvinte, a declaração do seu direito de propriedade sobre o prédio, neste compreendida a parcela em questão.
Vimos já que:
- a Autora não é titular de direito de propriedade sobre a parcela;
- a Ré manteve, até há pelo menos 14 anos, a prática de atos materiais de posse sobre aquela concreta faixa do seu prédio, por intermédio de David (cfr. art.º 1.252º do Código Civil), de modo reiterado, ano após ano, consentindo a manutenção de lenha e montes de toros a secar, para vender, ocupando nos meses secos toda a área que a Autora reivindica. Em 2012, renovou a manifestação externa e inequívoca do seu direito de propriedade, removendo o pavimento betuminoso colocado pela Autora.
Deste modo, é certo que a posse exercida sobre o seu prédio pela Autora vem incidindo também sobre a faixa de terreno em crise, com claras manifestações de domínio e de oposição à posse alheia (de que a movimentação de terras e pavimentação pela Ré são o único exemplo concludente). “

Nem a preconizada alteração da matéria de facto de que a autora fazia depender a sua pretensão nem qualquer outra fundamento por si esgrimido abalam estes fundamentos.

Não resulta dos factos apurados que a autora tivesse exercido, ainda que de má fé e, portanto, ao longo de pelo menos 20 anos, posse em termos de direito de propriedade (pública) sobre a faixa de terreno discutida. Pelo contrário, resultou assente que tal posse foi exercida pela ré.

Daí que improceda o recurso quanto a tal questão.

Alegou, depois, a apelante que, por ausência de culpa, não existe obrigação de indemnizar.

Ora, como considera o Tribunal recorrido:

“A conduta da Autora - que consistiu na introdução com máquinas no terreno da Ré, procedendo à movimentação de terras e à colocação de pavimento betuminoso com 0,05 metros de espessura numa faixa de terreno em linha reta, no sentido nascente-poente, com largura de cerca 5,5 metros em toda a sua extensão, ao longo de mais de 40 metros de extensão - é ilícita porque viola o direito de propriedade da Ré, sem que, por outro lado, assista à Autora qualquer direito que legitime a sua atuação sobre a parcela de terreno em questão.”

Não basta tal relação de contraditoriedade perante o direito da ré.

É necessária, de facto, a culpa – artº 483º, CC.

A culpa, nos termos dos nºs 1 e 2, do artº 487º, CC, é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso e incumbe ao lesado a sua prova.

A apelante alega que estava convencida que o terreno era seu e desconhecia a propriedade dele pela ré, reiterando que sempre tratou e cudou dele sem qualquer objecção de quem quer que fosse, mesmo durante as obras, tendo agido no interesse comunitário e, nas circunstâncias, sem que pudesse e devesse agir de outro modo.

Ora, não se tratando nem lhe estando imputado dolo, afigura-se-nos que a factualidade provada não exime de reprovação a conduta da autora.

Está provado (facto 29) que sabia que a ré era proprietária do prédio e que neste se incluía a parcela de terreno que ocupou e pavimentou. Todavia agiu à revelia e sem consentimento dela

Todavia, nunca ela reclamou ali a existência de um caminho do domínio da Freguesia.

A circunstância de lhe ter sido cedida a carreira de tiro e nela querer fazer melhorias para bem da população, ainda que aliada ao conhecimento de que por ali passavam, a partir da Rua … para acederem àquela estrutura, pessoas a pé, fosse antes para acesso a outros prédios fosse até para outras finalidades, bem como a GNR, e de, a pedido desta, diversas vezes, ter levado a cabo o arranjo do local de passagem para exercícios militares, não justifica que, precipitadamente, concluísse só por tais circunstâncias e sem que nenhumas outras tal certeza lhe inculcassem ali existir um caminho do domínio público da freguesia e, confiando que ninguém reagiria, tal como foram tolerados durante anos aqueles actos, e decidisse apossar-se do espaço e pavimentá-lo transformando-o em arruamento para uso da população.

Tal integra, pois, negligência por sua parte.

Verifica-se, pois, o requisito da culpa, improcedendo também esta questão.

Subsequentemente, suscita a apelante a questão de, no capítulo dos danos materiais e reposição do terreno do caminho no estado anterior, estar impossibilitada de o fazer por ter sido a ré quem lá edificou um muro em pedra e amontoou entulho e terra.

Neste âmbito, provou-se apenas que a ré mandou remover parcialmente o betão betuminoso e colocar entulho sobre a parte do asfalto não removido. Nada mais, aliás, havia sido alegado, designadamente quanto a pedras e muito menos a muro.

Não se demonstra que o referido entulho impossibilite, sequer dificulte o cumprimento da obrigação, sequer em parte.

Daí que improceda tal questão.

Daí que:

“Assiste assim à Ré/reconvinte direito a que a Autora/reconvinda:
- reponha, a expensas suas, o prédio rústico da primeira no seu estado original;
- pague a despesa de € 492,00, suportada pela primeira com a ação de remoção parcial do betão betuminoso colocado pela segunda à revelia da sua vontade (o que se compreende no direito à restauração natural).”

No que tange à indemnização por dano patrimonial, cremos que, efectivamente, o aborrecimento e sentimento de ter sido lesada no seu direito de propriedade experimentados pela ré não preenche o requisito “gravidade” previsto no artº 496º, nº 1, CC.

Daí que, procedendo esta questão, deve a sentença ser nesta parte revogada.

Por fim, resta a questão da sanção pecuniária compulsória.

Como expôs o Tribunal recorrido, em vista do regime do artº 829º-A, do CC:
“A sanção pecuniária compulsória visa uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.
A aplicação da sanção compulsória judicial, prevista no número 1 do artigo em apreço, depende do preenchimento dos seguintes dois requisitos positivos e um requisito negativo:
a) que estejam em questão “obrigações de prestação de facto infungível”, seja ela positiva ou negativa;
b) que o credor requeira a condenação do devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por infração;
c) que a obrigação de facto não exija “especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado”, pois se tal acontecer não haverá lugar à aplicação da sanção.
Revertendo estes ensinamentos para o caso vertente, constata-se que a obrigação que impende sobre a Ré consiste numa prestação de facto positivo e infungível, pelo que se afiguram preenchidos os pressupostos da aplicação da sanção pecuniária compulsória como estímulo ao comprimento célere da decisão final, transitada em julgado.
No que diz respeito ao montante diário da sanção, entende-se ajustada, por apelo ao critério da equidade previsto no n.º 2 do artigo 829º-A do C.C., a sua fixação em € 50,00/dia.”

Ora, em face deste Juízo, limita-se a apelante a dizer nas alegações e a repetir nas conclusões que: “quer face à existência de alterações no terreno efetuadas pela Ré, quer face ao facto de a Autora avisado previamente a Ré para intervir no seu imóvel, nos termos do 1349º n.º 1 do Código Civil, necessariamente, a autora vai ter de despender quantias, pois que, dado o lapso de tempo, que se verifica necessariamente, entre o envio da missiva e a recepção da mesma, necessariamente, dá-se o início do prazo. Assim, e, neste aspecto deverá ser absolvida da aplicação da sanção pecuniária compulsória de 50 euros por dia.”

São de todo inconsistentes, por não baseadas em factos relevantes no caso nem em pertinentes argumentos jurídicos com tal matéria relacionada, tais argumentos. Nem a colocação do entulho constitui qualquer obstáculo nem o aviso à ré quanto à intervenção justificam tais demoras e o dispêndio de quantias.

Sem necessidade de mais considerações, também essa questão improcede.

Assim, concluindo, apenas quanto à questão da condenação na indemnização pelos danos não patrimoniais merece o recurso ser atendido e nessa medida alterada a sentença.

VI. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, dando provimento em parte à apelação, revogam a sentença relativamente à condenação da autora a pagar à ré a indemnização por danos não patrimoniais de 1.750,00€ e, no mais, confirmam-na.

Custas do recurso pela autora apelante e pela ré apelada, na proporção de 90% por aquela e 10% por esta – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP, notando-se que aquela não beneficia da isenção prevista na alínea g), do nº 1, do artº 4º, deste último compêndio tributário, uma vez que manifestamente não actua no âmbito de especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estejam especialmente conferidos pelo estatuto de órgão autárquico, antes reivindicando propriedade de um caminho alegadamente do seu domínio público com base em usucapião – cfr. anotação à referida norma no RCP, Anotado e Comentado, Salvador da Costa, 4ª edição, e Acórdão do STA, de 20-11-2012, proferido no processo 0892/11, relatado pelo Consº António Madureira).

Custas da acção e da reconvenção em 1ª Instância como ali determinado, mas sem qualquer isenção (pelas razões supra referidas), fixando-se o ali referido decaimento da autora em 65% e o da ré em 35%.

Notifique.

Guimarães, 02 de Junho de 2016



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José Fernando Cardoso Amaral




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Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo




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Maria Isabel Sousa Ribeiro Silva















Sumário:

1. Invocando uma autarquia local (Freguesia), como título de propriedade, a aquisição originária, por usucapião, a seu favor, daquele direito sobre o leito de certo caminho e alegando a sua existência e a prática de actos de posse, por si, sobre ele, “desde tempos imemoriais”, não se está perante acção de mero reconhecimento e declaração da natureza pública do caminho, à luz do Assento de 19-04-1989.
2. Os requisitos legais a demonstrar por ela são, pois, os integrantes da posse conducente à usucapião e não os da mera dominalidade pública do caminho em termos de tal jurisprudência.
3. A Freguesia não goza, em tal acção, da isenção prevista na alínea g), do nº 1, do artº 4º, do Regulamento das Custas Processuais.


(1) Acórdão do STJ de 19 de Novembro de 2002, proferido no processo nº 02A2995, relatado pelo Consº Garcia Marques, publicado na “Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, X, T. III, 2002, 139 ss. Mais recentemente: Acórdãos do STJ, de 14-02-2012, proferido no processo 295/04.0TBOFR.C1.S1, relatado pelo Consº Azevedo Ramos, e de 21-01-2014, proferido no processo 6662/09.6TBVFR.P1.S2, relatado pelo Consº Moreira Alves.
(2) Em expressões do Acórdão do STJ, de 13 de Março de 2008, ou do de 7 de Dezembro de 1994, processo nº 085611, ou, ainda, do de 8 de Maio de 2007, processo nº 07A981. Cfr., também, Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, III, 1972, 255, e Dr. Rui Pinto Duarte, “Cadernos de Direito Privado”, 13, Janeiro/Março 2006.
(3) Processo 6662/09.6TBVFR.P1.S2, relatado pelo Consº Moreira Alves.
(4) In Caminhos Públicos e Atravessadouros, 2ª edição, página 39.
(5) O leito dos caminhos é dominial, na expressão do Acórdão do STJ, de 26-05-2015, proferido no processo 22/12.9TCFUN.L1.S1, relatado pelo Consº Sebastião Póvoas.
(6) Que não foi elaborado, como devia, mas cuja omissão ninguém oportunamente questionou.
(7) Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 234 e 235.
(8) Idem, página 234, onde se citam autores diversos que eloquentemente se pronunciaram sobre a indispensabilidade da imediação e limitações da reapreciação.
(9) Processo nº 05A2007, relatado pelo Consº Fernandes Magalhães.
(10) Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil”, Almedina, 1982, vol. III, página 173, e Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, Coimbra Editora, 1996, páginas 157 e 158.