Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANA TEIXEIRA | ||
Descritores: | ARMA CAÇADEIRA LICENÇA DE UTILIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/09/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I) O fundamento da perda regulada no artigo 109.º, do C. Penal, radica nas exigências, individuais e colectivas, de segurança e na perigosidade dos bens apreendidos, ou seja, nos riscos específicos e perigosidade do próprio objecto e não na perigosidade do agente do facto ilícito. II) Quem não possui licença de uso e porte de arma é punido de forma diversa daquele que a detém mas com prazo de validade expirado. III) Atenta a natureza administrativa e atentos os condicionalismos fixados no processo, conclui-se, por um lado, não ter aplicação a previsão estabelecida no citado artigo 109º,n.º1 do Código Penal e por outro, que a aquisição mortis causa é viável na medida em que se trata de arma que estava manifestada, estando apenas caducada a licença de uso e porte de arma. IV) Só apenas decorridos 10 anos sem que haja reclamação da arma em causa é que será a mesma declarada perdida a favor do estado. | ||
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Decisão Texto Integral: | I - RELATÓRIO 1. Nos serviços do MP foi proferida decisão no sentido do arquivamento do inquérito, tendo os autos prosseguido tão só para que fosse dado destino aos objectos apreendidos. Com tal informação conclui que a arma em causa deverá ser declarada perdida a favor do Estado, assim como as respectivas munições, ao abrigo do disposto no artigo 109º, nºs 1 e 2 do Código Penal e se determine a sua entrega. 2. Por decisão judicial veio a ser concluído que no caso dos autos não resulta verificada qualquer das situações previstas no artigo 109º. 3. Inconformado, o Ministério Público recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls.59 e seguintes]: 4. Na resposta, o Meritíssimo juiz, admite o recurso e pugna pela manutenção do decidido [fls. 72]. – FUNDAMENTAÇÃO 8. Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª Ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código. No entender do recorrente que á data do óbito, apesar do dono da arma a ter devidamente manifestada e registada, encontrava-se a respectiva licença caducada, o que, no seu entender, implica ter a arma em causa caído no domínio do Estado e sem possibilidade de a mesma poder ser reclamada por familiares. Cumpre analisar. Da verificação dos pressupostos de que depende a declaração de perdimento a favor do Estado da arma de fogo apreendida e respectivos documentos 1. Dispõe-se no artigo 109.ª do Código Penal: «1. São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. 2. O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto. 3. Se a lei não fixar destino especial aos objectos perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio» Como muito bem salienta o MP, o fundamento da perda regulada no artigo 109.º radica nas exigências, individuais e colectivas, de segurança e na perigosidade dos bens apreendidos, ou seja, nos riscos específicos e perigosidade do próprio objecto e não na perigosidade do agente do facto ilícito (daí que não possa ser considerada uma medida de segurança) ou na culpa deste ou de terceiro (daí que não possa ser vista como uma pena acessória). O objecto que se pretende seja declarado perdido a favor do Estado é uma espingarda de caça, que foi pertença do entretanto falecido. Trata-se, obviamente, de uma arma de fogo e por isso, como qualquer arma de fogo, é um instrumento objectivamente perigoso, na perspectiva do cometimento de crimes. Mas não se pode ignorar que a própria lei, não obstante tais características objectivas, admite a detenção e uso pelos particulares, de armas de fogo, observadas que sejam certas condições que permitem a concessão da respectiva licença pela autoridade administrativa. O proprietário da espingarda, detinha-a legalmente, uma vez que a mesma se encontra registada e manifestada e aquele era titular da respectiva licença de uso e porte de arma. Sucede que, tendo esta licença veio a caducar no dia 03 de Abril de 2007. Sendo a licença de uso e porte de arma de natureza temporária, sujeita a prazo de validade, este, há muito que se encontrava expirado. Efectivamente, concedendo a lei, quando se verifique a caducidade da licença, a possibilidade de renovação da mesma desde que o faça no prazo de 180 dias, pedindo para o efeito outra licença, tal prazo, não o fazendo, fica ultrapassado. Face à previsão dos art°s. 86º e 99º-A da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na citada redacção, a indiciada conduta preenche o facto ilícito típico previsto naquelas normas, isto é, a detenção da espingarda de caça com a respectiva licença de uso e porte de arma caducada há mais de 180 dias constituiu o objecto, no caso concreto, daquele facto típico. Porém, é certo que, face à previsão das referidas normas, a entrega, sem mais, da espingarda apreendida faria, instantaneamente, incorrer na prática do crime ali previsto e punido quem a solicitasse. Mas daqui também decorre que será possível afirmar-se que não existe uma forte probabilidade de alguém vir a cometer o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art°s. 86º e 99º-A da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, se for viável a legalização da detenção da espingarda, através da renovação da licença caducada ou da obtenção de nova licença, idêntica ou não, àquela, renovação ou obtenção que, necessariamente, terá que preceder a entrega da arma. Competente para deferir ou indeferir, quer a renovação da licença caducada, quer o pedido de obtenção de nova licença é, como resulta do articulado da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção que supra se referiu, a autoridade administrativa, a Polícia de Segurança Pública (cfr., art. 12º, nº 1). Por isso, afigura-se-nos como mais razoável, cientes inclusive que a aquisição por sucessão mortis causa de qualquer arma manifestada é permitida, tal como preceitua o artigo 37º,n.º1 da lei 5/2006, aguardar, sem prejuízo de depósito na PSP, o prazo de 10 anos, no decurso do qual os familiares, caso assim entendam possam reclamar o bem, sob pena de o mesmo ser declarado perdido a favor do Estado. Caso o façam dentro do referido prazo, assiste-lhes a possibilidade de junto da autoridade administrativa, tentarem obter a licença em falta. Não somos alheios ao entendimento perfilhado pelo tribunal da Relação de Lisboa que no processo 4/09.2P5LSB-A.L1-5 partilha do mesmo ponto de vista do MP junto desta Relação. O mesmo versa a situação para quem, tendo o domínio da acção, não aproveita o prazo que a lei lhe confere para a renovação da concessão. Todavia perfilhamos entendimento diverso. O normativo do artigo 6º da lei 22/97, de 27.06 refere-se àqueles que detêm, usam, trazem consigo arma de fogo sem licença, não se referindo àqueles que, tendo licença, deixaram expirar o prazo de validade da sua licença. Tal constatação é importante realçar na medida em que traduz nítida intenção do legislador em não punir esta última situação. De facto quem pura e simplesmente não detém licença não pode ser comparado a quem preenche todos os requisitos legais, apenas deixando a sua validade expirar. Concluindo, quem pura e simplesmente não tem licença é punido de forma diversa daquele que a detém mas com prazo de validade expirado. A licença é um acto administrativo que permite a alguém a prática de um acto ou o exercício de uma actividade relativamente proibidos. A licença permite o exercício de uma actividade relativamente proibida, sendo obrigatória se a autoridade está vinculada por lei e tem de passar a licença a todo aquele que a requeira e mostre as condições exigidas na mesma lei. O efeito mais importante da licença consiste em colocar aquele que dela beneficia sob a vigilância da polícia, uma vez que se atende às qualidades ou requisitos individuais do beneficiário. Atenta a natureza administrativa e atentos os condicionalismos fixados no processo, de igual forma entendemos por um lado, não ter aplicação a previsão estabelecida pelo artigo 109º,n.º1 do Código Penal e por outro, que no caso em apreço a aquisição mortis causa é viável na medida em que se trata de arma que estava manifestada, estando apenas caducada a licença de uso e porte de arma. Só apenas decorridos 10 anos sem que haja reclamação da arma em causa é que será a mesma declarada perdida a favor do estado. Improcede, deste modo, a pretensão manifestada pelo MP ■ III – DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos expostos decide-se: · Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente |