Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
992/13.0TTBRG-A.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: CLÁUSULA PENAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - Uma clausula penal, estabelecendo que “ para o caso de a Ré deixar de cumprir o acordo de pagamento supra referido, para além da quantia em dívida, obriga-se ainda a pagar…”, visa não apenas o incumprimento definitivo, mas ainda ser um substituto da indemnização pela mora.

II - O uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal não é oficiosa, demandando pedido do interessado.

III - A intervenção moderadora do tribunal deve ser cuidadosa, excecional, pois não deve neutralizar a cláusula penal e os seus objetivos. Deve limitar-se aos casos de manifesto abuso, aos casos de e cláusula penal manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, tendo em conta os objetivos tidos em vista com a mesma.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

1. Por apenso à execução de sentença para pagamento de quantia certa que MANUEL …, requereu contra “Sociedade, Ldª”, veio esta deduzir oposição à penhora e à execução, mediante a qual pede que se ordene a extinção da execução, dada a manifesta inexigibilidade da obrigação exequenda e concomitante inexequibilidade do respetivo título executivo que serve de base à execução, e, em consonância:

a) que se determine o imediato levantamento das penhoras dos saldos bancários que incidem sobre conta DO aberta na Banco A, Banco B e Banco C, das quais a oponente é titular; e

b) que se condene o exequente como litigante de má fé em quantia nunca inferior a 5.000,00 €.

Para tanto, alegou, em síntese, que todas as quantias mencionadas na transação homologada foram integralmente pagas e delas foi dada quitação.

A executada respondeu, insistindo que a executada/embargante não pagou as prestações a que estava obrigada dentro do prazo que, livremente, as partes estabeleceram para o efeito, pelo que é devida a multa penal estabelecida na transação, que visou precisamente prevenir a mora do devedor. Acrescenta que tais cláusulas foram estipuladas em obediência ao princípio da liberdade contratual e da boa-fé, pelo que não é admissível a sua redução.

-Realizado o julgamento foi proferida a seguinte decisão:

“ Em face do que se deixa exposto, julgo a presente oposição à execução parcialmente procedente, pelo que se determina a redução da quantia exequenda ao montante de 2.500,00 €…”

Inconformado o embargante interpuseram recurso apresentando as seguintes conclusões:

49º

Sumariamente, o objeto do presente Recurso confina-se a saber se assiste ao Recorrido o direito de acionar a cláusula penal ínsita pelas partes no acordo/transação celebrado no âmbito do processo nº 992/13.0TTBRG.

50º

Entendeu o Recorrido que a Recorrente não cumpriu os termos daquele acordo/transação e, nessa conformidade, assistia-lhe o direito de acionar a cláusula penal prevista para penalizar tal incumprimento.

51º

Entende a Recorrente que cumpriu na íntegra os termos de tal acordo/transação e, assim sendo, não assistia nem assiste ao recorrido o direito de acionar a supra aludida cláusula penal.

52º

Submetido o diferendo a Juízo, o Meritíssimo Juiz do Tribunal à Quo decidiu no sentido de considerar que assistia ao Recorrido o direito de acionar a cláusula penal ínsita pelas partes no acordo/transação celebrado no âmbito do processo nº 992/13.0TTBBRG, tendo, contudo, reduzido o valor de tal cláusula a 1/3 (um terço), dado que, por um lado a mesma se revelava excessiva e, por outro lado, não se tendo apurado prejuízos para o Recorrido, então Exequente, considerou razoável e equitativo aquela redução.

53º

Todavia, a Recorrente discorda da douta Sentença proferida pelo meritíssimo Juiz do Tribunal à Quo, por isso o presente Recurso.

54º

O Meritíssimo Juiz do Tribunal à Quo, tendo em vista fundamentar a douta Sentença recorrida exarou na mesma que o escopo de cláusula penal sub judice visava não só o incumprimento definitivo do acordo/transação celebrado pelas partes, mas também a simples moratória no cumprimento das prestações fixadas no âmbito de tal acordo.

55º

Ora, nesta matéria, com o devido respeito e, é muito, entende a recorrente que o meritíssimo Juiz não andou bem, SENÃO, VEJA-SE:

56º

a cláusula penal fixada pelas partes no acordo/transação celebrado no âmbito do processo nº 9925/13.0TTBRG, tem como escopo penalizar o infrator apenas e só perante o incumprimento definitivo daquele acordo, veja-se o texto da cláusula penal:

“para o caso de a Ré deixar de cumprir o acordo de pagamento supra referido, para além da quantia em dívida, obriga-se ainda a pagar ao Autor a indemnização de € 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros)”.

57º

Do texto da cláusula penal ínsita no acordo/transação, extrai-se de forma clara e inequívoca que a vontade das partes ao fixar tal cláusula tinha apenas como objetivo o incumprimento definitivo do acordo, “para o caso de a Ré deixar de cumprir o acordo de pagamento supra referido».

58º

Do quadro constante do ponto 2, alínea b) dos factos provados, resulta claro que a então Ré, ora Recorrente, cumpriu o acordo de pagamento então celebrado.

59º

O atraso pontual de apenas alguns dias no pagamento de parte das prestações, ainda que sempre dentro do mês a que respeitavam, não configura, do ponto de vista da conceção jurídica, um incumprimento definitivo.

60º

Tal atraso pontual- apenas alguns dias - no pagamento das prestações mensais, configura, do ponto de vista da conceção jurídica, uma simples moratória.

61º

Ora, contrariamente ao que exara o Meritíssimo Juiz na douta Sentença recorrida, resulta claro do texto da cláusula penal ínsita pelas partes no acordo/transação, que estas não pretendem penalizar a simples mora, mas o incumprimento definitivo.

62º

Da matéria de facto dada como provada, resulta claro que a Recorrente pagou ao Recorrido a quantia de 15.300,00 € (quinze mil e trezentos euros) em 15 (quinze) prestações mensais e dentro da grelha no prazo estabelecido no acordo - entre 31 de outubro de 2014 e 31 de dezembro de 2015 -,

63º

e tais prestações mensais, no valor individual de 850,00 €, foram pagas no mês a que respeitava, incluindo duas prestações nos meses de julho e dezembro.

64º

Aliás, as duas (2) prestações dos meses de julho e dezembro foram pagas antecipadamente:

· dezembro/2014 - 1.700,00 € - 09/12/2014

· julho/2015 - 1.700,00 € - 13/07/2015

· dezembro/2015 - 1.700,00 € - 30/11/2015

65º

Face ao exposto, fácil é concluir que jamais ocorreu o incumprimento definitivo do acordo/transação celebrado pelas partes no âmbito do processo nº 992/13.0TTBRG,

66º

o que, desde logo, impedia o Recorrido de acionar a cláusula penal ínsita naquele acordo.

67º

É certo que existiu mora no pagamento pontual de parte das prestações estabelecidas no acordo/transação.

68º

Todavia, interpretando de forma escorreita o texto da cláusula penal sub judice, apenas se pode concluir que a penalização tinha como escopo o incumprimento definitivo do acordo - «para o caso de a Ré deixar de cumprir o acordo de pagamento» -.

69º

Não se verificando incumprimento definitivo, como, aliás, não se verificou, dado que a obrigação constante do acordo/transação celebrado pelas partes foi cumprida pela Recorrente - pagou 15.300,00 € em 18 prestações mensais no período compreendido entre 31/10/2014 e 31/12/2015 -,

73º

Admite-se a verificação de simples mora - pontual - alguns dias – no pagamento de apenas parte das prestações acordadas, o que eventualmente, poderia constituir o devedor na obrigação de pagar juros moratórios.

74º

Contudo, o credor, in casu o Recorrido, jamais reclamou à Recorrida juros moratórios.

75º

Dado o insignificante valor dos juros moratórios, o Recorrido, após ter obtido em tempo útil o pagamento de 15.300,00 € (quinze mil e trezentos euros), correspondente ao montante estabelecido no acordo/transação, decidiu «lançar o barro à parede» e neste sentido acionar a cláusula penal com vista a obter um enriquecimento sem causa à custa da Recorrente que, como é óbvio, o direito não admite e a moral reprova.

76º

Com efeito, o Recorrido bem sabia que a Recorrente tinha cumprido na íntegra e em tempo útil, a obrigação constante do acordo/transação então celebrado, como aliás ficou demonstrado por via dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, não lhe assistindo, por isso, o direito de acionar a cláusula penal ínsita naquele acordo.

77º

Todavia, o Recorrido não se coibiu de acionar aquela cláusula, numa clara e manifesta litigância de má-fé. (Acresce que o Recorrido goza do estatuto de proteção jurídica).

O exequente inconformado apresentou recurso com as seguintes conclusões:

1. O Meritíssimo Juiz do tribunal à Quo entendeu reduzir a cláusula penal a 1/3 (um terço) do seu valor, dado o montante fixado ser manifestamente excessivo.

2. O tribunal só pode decidir acerca da desproporção ou excesso da cláusula penal convencionada pelas partes se o devedor tivesse alegado e provado factos capazes de levar à redução da cláusula penal.

3. É possível a redução da clausula penal nos termos do artigo 812.º do CC, mas ao devedor incumbe o ónus de alegar e provar as diretivas factuais capazes de levar à redução da clausula penal (“réus excipiendo fit ator”) – artigo 342.º n.º 1 e 264.º.n .º 1 do CPC.

4. O Juiz não pode, por iniciativa própria suprir a negligência ou a inépcia da parte que na alegação dos factos que interessam à fundamentação da sua pretensão, não faz o pedido expresso da redução da cláusula penal, nem qualquer prova.

5. Ficou provado que o incumprimento operou logo na primeira prestação, pelo que também sob este prisma não se verifica a excessiva onerosidade que possibilita oficiosamente a redução da cláusula penal.

6. Os pagamentos que a Executada fez em momento posterior àquele em que se verificou o incumprimento determinante da exigibilidade da cláusula penal não podem ser levados em consideração para efeitos da redução da clausula penal, sob pena de se conceder ao devedor uma faculdade de unilateralmente e em prejuízo do credor se furtar às consequências decorrentes do incumprimento em que incorreu, bastando-lhe para o efeito cumprir retardadamente as obrigações por si assumidas.

7. A cláusula em questão foi estabelecida num quadro negocial diverso do correspondente aos contratos de adesão, estando ambas as partes assessoradas, no momento da sua estipulação, por mandatários judiciais.

8. Tudo visto, é forçoso concluir que a executada não logrou satisfazer o ónus que sobre a mesma impedia de demonstrar os factos necessários para se poder concluir que a cláusula em apreço é excessiva.


*

A factualidade com interesse é a constante do precedente relatório e ainda:

a) Na transação outorgada em 01/10/2014, na ação com processo comum emergente de contrato de trabalho nº 992/13.0TTBRG, deste juízo, em que foram partes MANUEL … – como A. – e “SOCIEDADE, LDª” – como Ré –, entretanto já homologada, foram estipuladas, entre outras, as seguintes cláusulas:

a. cláusula terceira: “A Ré compromete-se a pagar ao Autor a referida quantia líquida, a título de compensação global pela cessação do seu contrato de trabalho, em 18 (dezoito) prestações mensais, iguais e sucessivas de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros), vencendo-se a primeira no dia 31 de outubro do corrente ano e as restantes no último dia do mês a que disser respeito, com o esclarecimento que nos meses de dezembro e julho vencer-se-ão duas prestações mensais”;

b. cláusula quarta: “Para o caso de a Ré deixar de cumprir o acordo de pagamento supra referido, para além da quantia em dívida, obriga-se ainda a pagar ao Autor a indemnização de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de cláusula penal”.

b) Em cumprimento da transação celebrada e homologada, a ora embargante/executada pagou ao embargado/exequente as seguintes quantias:

Data Valor

04/11/2014 850.00 €

09/12/2014 1.700,00 €

09/01/2015 850,00 €

03/02/2015 850,00 €

17/03/2015 850,00 €

02/04/2015 850,00 €

04/05/2015 850,00 €

01/06/2015 850,00 €

13/07/2015 1.700,00 €

31/07/2015 850,00 €

31/08/2015 850,00 €

30/09/2015 850,00 €

06/11/2015 850,00 €

30/11/2015 1.700,00 €

28/12/2015 850,00 €

Total 15.300,00 €

c) Por carta registada com aviso de receção, datada de 16/02/2015, o ora embargado/exequente interpelou o ora embargante/executado “para proceder ao pagamento das prestações que se venceram, bem como do pagamento da cláusula penal no valor de 7.500,00 € (…), no prazo de 8 dias”.


***
Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Importa saber se a cláusula penal abarca apenas o incumprimento definitivo e não a mora no cumprimento, e de outro saber se era lícito ao julgador proceder à redução da cláusula.

A embargante refere ter cumprido o acordo dentro da grelha do prazo estabelecida, de 31/10/2014 a 31/12/2015.

O que consta do acordo é uma obrigação de pagamento em prestações. Refere-se: A Ré compromete-se a pagar… em 18 (dezoito) prestações mensais, …vencendo-se a primeira no dia 31 de outubro do corrente ano e as restantes no último dia do mês a que disser respeito…”

Conforme resulta da factualidade várias prestações foram pagas além do prazo estipulado. Resulta dos termos da cláusula penal uma dupla função, moratória e compulsória. Consta desta; “para o caso de a Ré deixar de cumprir o acordo de pagamento supra referido, para além da quantia em dívida, obriga-se ainda a pagar…”.

A Cláusula visa substituir a indemnização devida pela mora (veja-se a estipulação de que continua a ser devida a quantia em dívida). Dos termos da cláusula, referindo o cumprimento do “ supra referido”, não resulta que vise tão só o incumprimento definitivo, mas sim o cumprimento cabal do acordado. Ora na cláusula três foram acordadas datas específicas para pagamento das prestações. Mediante a cláusula a executada assume antecipadamente, caso não cumpra o acordado nos seus termos precisos, e é nos termos devidos estipulados na cláusula 3ª, o pagamento de uma quantia monetária.

Conforme se refere na decisão recorrida, “ o que realmente aconteceu, conforme resulta provado, foi que das quinze (porque três delas era a dobrar) prestações mensais estipuladas, somente quatro delas foram pagas nos respetivos prazos…Conclui-se, pois, que existiu mora no cumprimento por parte do devedor da prestação, a ora oponente, o que, desde logo, obriga o devedor a reparar os danos causados ao credor (art. 804º, nº 1 do Código Civil).

Uma vez que nos situamos no âmbito dos contratos, é permitido às partes predeterminar as sanções ao incumprimento.

Daí que o nº 1 do art. 810º do Código Civil permita às partes fixar por acordo o montante de indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal…”

No caso as partes estabeleceram a cláusula penal fixando a indemnização devida, quer para o incumprimento definitivo (sem prejuízo continuar a ser devida a quantia acordada), quer para o cumprimento defeituoso. No caso, não se demonstrando falta de culpa, que se presume (artigo 799º, 1 do CC), pode o exequente acionar a cláusula penal.

Assim improcede o recurso da opoente.


*

O oponido recorre sustentando que o tribunal não podia reduzir o valor da cláusula nos termos do artigo 812º do CC, sustentando que tal só pode ocorrer se o devedor tiver alegado e provado factos capazes de levar a essa redução. O devedor não fez qualquer pedido e nada alegou. Mais refere que os pagamentos posteriores não podem ser levados em conta sob pena de se conceder a este a faculdade de unilateralmente se furtar às consequências decorrentes do incumprimento.

Coloca-se desde logo a questão de saber se a redução pode ser oficiosa ou deve ser solicitada.

No sentido de que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, não é oficiosa, Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, pp. 735 a 737; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., p. 81; Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 275; acórdãos do STJ de 17/2/98, CJ do STJ, ano VI, tomo I, p. 72; de 20/11/2003, processo nº 03A1738, de 17/5/2012, processo nº 3855/05.9TVLSB.L1.S1, de 24/4/2012, processo nº 605/06.6TBVRL.P1.S1; RL de 4/12/2014, processo nº 79649/13.2YIPRT.L1-8; RP de 13/2/2015, processo nº 288/12.4TTGRD-A.C1, entre outros, sendo opinião dominante, que não vemos razão para não seguir. Veja-se que o negócio usurário é apenas anulável – artigo 282º do CC -, o que demanda um pedido do interessado. A oficiosidade implicaria violação do princípio da proibição do julgamento «ultra petitum» - STJ de 24/4/2012, acima referido.

No caso presente não vem pedida a redução da cláusula. Mas ainda que se entenda que implicitamente se pretende tal redução, ao referir que a cláusula visava o incumprimento definitivo estaria implicitamente a referir que para a simples mora a cláusula seria excessiva, ainda assim não se verificariam os requisitos para a redução da cláusula.

Quanto à factualidade a considerar, a intervenção moderadora do tribunal nos termos do artigo 812º do CC., tendo em vista controlar o montante quando este fere de forma clamorosa o sentimento de justiça e equidade, pode e deve socorrer-se dos elementos disponíveis.

Certo que a redução da cláusula penal implica factualidade que sustente a decisão do tribunal. Já não é certo que tenha que ser qualquer uma ou outra parte a alegar tal factualidade. É que o tribunal pode servir-se de toda a factualidade provada (independentemente de quem a alegou ou como foi introduzida no processo, desde que o tenha sido de acordo com as regras legais e sem violação do contraditório). O tribunal pode e deve socorrer-se de todos “ os fatores de ponderação de que disponha”. Vejamos então.

A intervenção do tribunal deve ser cuidadosa, excecional, pois não deve neutralizar a cláusula penal e os seus objetivos.

Na decisão refere-se que: “pretende-se com tal norma, evitar o exercício abusivo do direito à pena, decorrente da liberdade contratual, e assim, concretizar especificamente o dever de agir de acordo com a boa-fé, previsto no nº 2 do art. 762º do Código Civil. Assim, ainda que ela haja sido estipulada em termos razoáveis – que não parece ser o caso – será abusivo, porque contrário à boa-fé, exigir o cumprimento integral de uma pena que as circunstâncias presentes mostram ser manifestamente excessiva, em termo de ofender a equidade.

E, na verdade, tendo em conta que todas as prestações foram cumpridas, embora com ligeiro atraso, temos de concluir, forçosamente, que a multa indemnizatória antes fixada, é agora claramente excessiva.”

Ora, importa referir que nada constando em sentido contrário do acordo, com o incumprimento do prazo de pagamento de uma prestação, venceram-se todas as demais prestações (art. 781º do CC), ficando então em dívida o montante global. Disso aliás o exequente deu nota ao oponente na carta de 16/2/2015.

Com tal incumprimento a devedora constituiu-se na obrigação de pagar a cláusula penal, que visto o montante global da dívida, não se mostra excessiva, muito menos manifestamente excessiva.

Veja-se Calvão da Silva, In Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsiva, pág. 246, 270 e segs.: “Na apreciação do caráter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não deverá deixar de atender à natureza e condições de formação do contrato (por exemplo, se a cláusula foi contrapartida de melhores condições negociais); à situação respetiva das partes, nomeadamente a sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo presumível no momento da celebração do contrato e ao prejuízo efetivo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má-fé do devedor (aspeto importante, se não mesmo determinante, parecendo não se justificar geralmente o favor da lei ao devedor de manifesta má fé e culpa grave, mas somente ao devedor de boa fé que prova a sua ignorância ou impotência de cumprir); ao próprio caráter à forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório. É em função da apreciação global de todo o circunstancialismo objetivo e subjetivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má-fé, que o juiz pode ou não reduzir a cláusula penal (...)

No quadro dos factos provados não se vê que a cláusula seja manifestamente excessiva, pois como referimos com o incumprimento do prazo da primeira prestação atrasada, as restantes se venceram, e o autor logo em fevereiro reclamou o que entendeu ser-lhe devido. O Oponente, não deu resposta ao pedido do exequente e continuou a processar as prestações como se não tivesse ocorrido incumprimento, e mesmo assim, a maioria com atraso.

O controlo judicial da cláusula penal deve limitar-se aos casos de manifesto abuso, não para limitar de forma injustificada a liberdade contratual e os legítimos interesses do credor. Apenas deve ocorrer quando a cláusula penal for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente – artigo 812º do CC.

Não basta que a cláusula seja excessiva, que ultrapasse o montante dos danos, até porque também lhe anda associada uma função compulsória, deve tratar-se de montante excessivamente desproporcional em relação ao dano e aos objetivos tidos em vista com a cláusula. Pode mesmo não ocorrer dano, esse simples facto não justifica a redução.

Consequentemente procede a apelação do oponido, sendo de revogar nesta parte a decisão, julgando totalmente improcedente a oposição.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação do oponente e procedente a do oponido, julgando-se totalmente improcedente a oposição.
Custas pelo oponente.