Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
10230/11.4TBVNG.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: COMPETÊNCIA
TRIBUNAL COMUM
CONTRATO DE EMPREITADA
SUBEMPREITADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - É o tribunal comum o competente para julgar a acção em que a autora pede a condenação da rés empreiteiras no pagamento de determinada quantia proveniente de serviços que lhes prestou no âmbito de um contrato de subempreitada, sabendo-se que autora e rés são pessoas colectivas (sociedades) de direito privado, independentemente dessa subempreitada ter sido adjudicada à autora na sequência de um contrato de empreitada de obras públicas.
II – A relação jurídica resultante do contrato de subempreitada mantém-se no domínio do direito privado entre as partes que o celebraram, não lhe sendo transmitida a natureza administrativa do contrato matricial, ainda que na acção seja demandado o dono da obra e este seja uma entidade pública empresarial, quando esta se apresenta desprovida dos poderes de autoridade inerentes à sua condição de ente público administrativo.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
A…, S.A., anteriormente denominada B…, LDA., instaurou no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia (com distribuição à 1ª Vara de Competência Mista) acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C…, S.A., D…, S.A e E…, EPE, pedindo que os réus sejam condenados solidariamente no pagamento à autora da quantia de € 193.295,22, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, sendo os vencidos à data da propositura de acção no valor de € 10.051,13.
Para tanto alegou, em síntese, que:
- a 1ª ré e a 2ª ré associaram-se em consórcio externo e, nessa qualidade, em 12 de Abril de 2010, celebraram com a autora um “contrato de subempreitada integral”, nos termos do qual o referido consórcio adjudicou à autora os trabalhos de “instalações eléctricas”, no âmbito da empreitada de obra pública “Concepção, Projecto, Construção do Edifício, Fornecimento e Instalação de Equipamento para Nova Unidade de Radioterapia Externa”, que por sua vez lhe foi adjudicado pelo 3º réu;
- a autora forneceu todos os materiais e executou todos os trabalhos nos precisos termos e prazos acordados no contrato de subempreitada, tendo a obra sido recepcionada provisoriamente, no início do ano de 2011;
- nos termos do contrato de subempreitada, os pagamentos mensais à subempreiteira, ora autora, seriam efectuados pelo consórcio ao final de 120 dias da data do recebimento das respectivas facturas e a facturação ao consórcio seria efectuada 51% à 1ª ré e 49% à 2º ré;
- até à presente dada a autora não recebeu do consórcio o valor total das facturas emitidas no âmbito do contrato de subempreitada em questão, discriminadas no artigo 14º da petição inicial;
- as partes acordaram que em cada pagamento seria retida a verba de 10% do valor da factura para efeitos de garantia da boa execução do contrato de subempreitada, a qual seria libertada com a recepção definitiva da obra, sem prejuízo de tal devolução ser substituída por garantia bancária, na modalidade “on first demand”, tendo o consórcio retido o valor de € 128.556,33 sobre todas as facturas que pagou à autora, pelo que na presente data é o mesmo devedor à autora da quantia de € 193.295,22 (€ 214.750,13 - € 21.454,91).
- a autora interpelou por diversas vezes o consórcio para efectuar aquele pagamento, o que este não fez, tendo, em 11.04.2011, enviado uma carta ao 3º a solicitar-lhe que retivesse a importância de € 113.357,02 correspondente às facturas em dívida naquela data – sendo que nessa data este réu devia ao consórcio formado pelas 1ª e 2ª rés valores superiores à divida reclamada pela autora – não tendo o mesmo respondido a tal solicitação.
Contestaram o 2ª ré e o 3º réu.
A 2ª ré invocou a excepção da incompetência territorial do tribunal, aceitou parte da factualidade alegada pela autora e impugnou a restante, parte dela alegando o seu desconhecimento por não serem factos pessoais e deles não dever ter conhecimento, contrapondo, no essencial, que no contrato de consórcio celebrado entre a 2ª ré e a 3ª foi convencionado o regime geral da responsabilidade conjunta perante terceiros e não a responsabilidade solidária, a qual, aliás, não se presume nas relações dos membros do consórcio externo com terceiros, concluindo apela improcedência da acção quanto a si.
O 3º réu suscitou a excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria e impugnou toda a factualidade relativa ao conteúdo contratual estabelecido entre a autora e as 2ª e 3ª rés, concluindo pela improcedência da acção quanto a si.
Houve réplica, opondo-se a autora à procedência das invocadas excepções.
Conhecendo da excepção da incompetência territorial, o Mm.º Juiz da 1ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, julgou a mesma procedente e, em consequência, declarou aquele Tribunal incompetente em razão do território, atribuindo tal competência à Vara Mista do Tribunal Judicial de Braga, para onde, após trânsito da respectiva decisão, foram remetidos os autos.
Por sua vez, o Mm.º Juiz da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga julgou esta territorialmente incompetente para conhecer da presente acção, atribuindo tal competência à Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, e suscitou oficiosamente a resolução do conflito junto do Exm.º Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
A 2ª ré e a autora pronunciaram-se nos termos em que o haviam feito nos respectivos articulados, ou seja, a primeira pela competência da Vara Mista de Braga e a segunda pela competência da Vara Mista de Vila Nova de Gaia.
O conflito foi decidido pelo Exm.º Vice-Presidente do STJ no sentido de atribuir competência para continua a tramitar a presente acção à Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga.
Remetidos os autos a esta Vara, foi proferido despacho saneador, que julgando procedente a excepção da competência material suscitada pelo 3º réu na sua contestação, absolveu os réus da instância.
Inconformada com essa decisão, dela veio a autora interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1.Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria e, consequentemente, absolveu os Réus da instância;
2.Entendeu o Tribunal a quo que a acção cabe na previsão do artigo 4º do ETAF e que, como tal, o seu conhecimento é da competência da jurisdição administrativa;
3.Não pode a Recorrente concordar com o entendimento sufragado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, pelo que o fundamento do presente recurso tem como pressuposto que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue improcedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria e, consequentemente, ordene o prosseguimento dos autos;
4.O Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto nos artigos 101º, 102º, nº 1, 105º, nº 1, 288º, nº 1 alínea a), 493º, nº 2 e 494º, alínea a), todos do Código de Processo Civil, artigos 1º, nº 1, e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigos 211º, nº 1, e 212º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa.
5. O litígio em causa é da competência dos Tribunais Comuns e não da competência da jurisdição administrativa, ao contrário do que decidiu o Tribunal Recorrido, porque o contrato de subempreitada em questão não pode ser qualificado como contrato de obras públicas uma vez que foi celebrado entre privados (a Autora e os Réus “C…” e “D” associados em Consórcio a quem foi entregue uma empreitada de obra pública pelo Réu “E…”);
6.Na relação jurídica em discussão nos presentes autos, a Autora, subempreiteira, pretende a condenação solidária dos Réus, respectivamente empreiteiros e dono de obra, no pagamento de parte do preço dos trabalhos prestados na empreitada e que não lhe foram pagos;
7.A causa de pedir em que a Autora baseia o pedido traduz-se no incumprimento de um contrato de subempreitada que celebrou com o Consórcio constituído pelas Rés “C…” e “D…”, contrato esse mediante o qual a Autora se obrigou a realizar alguns dos trabalhos ajustados entre o Consórcio e o Réu “E…” no âmbito de um contrato de empreita de obras públicas celebrado entre estes, encontrando-se por liquidar diversas facturas;
8.Contrariamente ao contrato de empreitada de obra pública celebrado entre os Réus “C…” e “D…” e o dono da obra, o Réu “E…”, o contrato de subempreitada celebrado entre a Autora e os Réus “C…” e “D…” não é um contrato administrativo, pelo que a relação jurídica resultante do contrato de subempreitada mantém-se no domínio do direito privado entre as partes que o celebraram, não lhe sendo transmitida a natureza administrativa do contrato matricial;
9.Não obstante a invocação do regime do DL nº 55/99 no contrato de subempreitada, entende-se que o mesmo é inaplicável à presente situação, uma vez que não está em causa a interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas, conforme estipula o artigo 253º do mencionado diploma. Mas antes a ausência de pagamento de diversas facturas emitidas ao empreiteiro geral, ainda que de uma obra pública se trate;
10.Mas ainda que no contrato de subempreitada se faça referência ao citado DL 55/99, isso não significa que possa haver submissão à jurisdição administrativa, mas apenas significa que a relação das partes se rege, nos casos omissos, por aquele diploma, não podendo decorrer nunca a sua submissão à jurisdição administrativa, porquanto esta não está dependente da vontade das partes, pelo que, em caso de litígio, teria sempre de recorrer à jurisdição comum, para utilização dos normativos que ao caso fossem aplicáveis;
11.O contrato de subempreitada não deriva de um acto de direito público, como acto administrativo, concessão ou outro, pelo que deve concluir-se pela sua sujeição ao direito privado;
12.A jurisdição administrativa somente pode conhecer situações referentes a litígios emergentes de direito público, sob pena de inconstitucionalidade – por violação do disposto no nº 3 do artigo 212º da CRP – e segundo a interpretação do artigo 4º do ETAF, em conjugação com o artigo 1º do mesmo diploma;
13.A relação existente entre a Autora e os Réus “C…” e “D…” não emerge do direito público, mas antes do direito privado;
14.Não existe norma legal pública para submeter o presente litígio a julgamento nos Tribunais de jurisdição administrativa, pelo que a análise do mesmo se defere à jurisdição comum;
15.No caso presente, está em causa uma acção de responsabilidade civil emergente do defeituoso cumprimento de um contrato de subempreitada celebrado entre a Autora e os Réus “C…” e “D…”, estes associados em Consórcio, no que tange às cláusulas relacionadas com o pagamento;
16. Os Tribunais Administrativos seriam competentes para dirimir esses conflitos se aquele contrato pudesse ser qualificado como administrativo, isto é, como contrato em que foi constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa – artigo 178º nº 1 do CPA – e isto porque, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea f) do ETAF, compete aos Tribunais Administrativos o julgamento das acções que tenham por objecto “questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade público ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.”;
17.Analisando o conteúdo do contrato de subempreitada a conclusão que se retira é que o mesmo não pode ser qualificado como administrativo uma vez que através dele não foi constituída, modificada ou extinta qualquer relação jurídica administrativa;
18.Sendo administrativas as relações estabelecidas entre duas pessoas colectivas públicas ou entre dois órgãos administrativos e aquelas em que um dos seus sujeitos (público ou privado) actua no exercício de um poder de autoridade ou no cumprimento de deveres administrativos com vista à realização do interesse público, é forçoso concluir que as relações estabelecidas na subempreitada em causa não gozam destas características. E isto porque nelas não só não está envolvida nenhuma pessoa colectiva pública como também nenhum dos seus sujeitos interveio munido de um poder de autoridade ou no cumprimento de deveres administrativos tendo em vista a realização de um interesse público;
19.Os elementos caracterizadores da competência dos Tribunais Administrativos - a qualidade dos sujeitos da relação jurídica litigiosa, os poderes com que nela intervêm e a finalidade que visam alcançar – não se encontram plasmados no referido contrato de subempreitada e, assim, ter-se-á de concluir que o litígio que a Autora apresentou no Tribunal Judicial de Braga não decorre de um contrato administrativo.
Sendo que o único contrato que pode ser qualificado como administrativo é o contrato de empreitada celebrado entre os Réus;
20.Resulta com clareza que a pretensão do pagamento de parte do preço das obras que a Autora realizou como subempreiteira, versa sobre uma relação jurídica de natureza privatística e, assim tendo as partes submetido a juízo uma questão de direito privado, a respectiva apreciação encontra-se, pela sua própria natureza, subtraída à jurisdição administrativa, sendo competentes os Tribunais comuns – artigo 4º, nº 1, alínea f), à contrario, do ETAF;
21.É certo, que a Autora reclama um crédito resultante do incumprimento de um contrato de subempreitada subsequente a um contrato de empreitada de obras públicas e sustenta a responsabilidade do dono da obra, o “E…”, pelo pagamento devido pelo empreiteiro na específica regulamentação para o subcontrato da empreitada de obras públicas;
22.Isso, contudo, não altera os dados da questão, quer dizer, não implica que a competência material se transfira “da jurisdição comum para a jurisdição administrativa”, desde logo porque, sendo embora o Réu “E…” uma Entidade Pública Empresarial nada impede que exerça as suas atribuições em pé de igualdade com os particulares e desprovida, portanto, dos poderes de autoridade inerentes à sua condição de Ente Público Administrativo – Cfr. Acórdão do STJ de 28-10-2008, processo nº 08A3034, in www.dgsi.pt.
23.O Réu “E…” excepcionou arguindo a incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, quando ele próprio e o empreiteiro (o Consórcio) submeteram a resolução de litígios decorrentes do contrato de empreitada de obra pública aos Tribunais Comuns - o Tribunal da Comarca do Porto – conforme consta do nº 2 da cláusula 46º do mesmo contrato. E, no contrato de subempreitada, também as partes (Autora e os Réus “C…” e “D…”), submeteram a resolução de litígios decorrentes do contrato de subempreitada ao Tribunal da Comarca de Braga – conforme consta da cláusula 16ª do contrato mesmo contrato.»
Termina pedindo que seja revogada a sentença proferida e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cabe, agora, apreciar e decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
A questão essencial decidenda está em saber qual é a ordem jurisdicional competente para dirimir o litígio emergentes de um contrato de subempreitada, celebrado no âmbito da execução de um contrato de empreitada de obras públicas, entre um empreiteiro (as 2ª e 3ª rés) – a quem o dono da obra (3º réu) adjudicou determinados obras – e um subempreiteiro (a autora), a quem foram adjudicados pelas rés trabalhos específicos da mesma obra.

III - FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Os factos a atender para o conhecimento do presente recurso são os que resultam do relatório acima elaborado, para o qual se remete.

B) O DIREITO
Da competência material do tribunal “a quo”
Cumpre salientar, em primeiro lugar, que a regra funda¬mental é a de que por força do princípio da especialização o tribunal judicial (comum) só será competente se a causa não estiver atribuída por lei a outra jurisdição (no caso pre¬sente, a administrativa). Vale isto por dizer que a competência da jurisdição comum é sempre residual (arts. 211º, nº 1, da Constituição, 18º, nº 1, da LOFTJ, aprovada pela Lei nº 3/99, de 13.1, e 66º do CPC).
Sobre a jurisdição administrativa, o art. 212º, nº 3, da Constituição diz que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Dando corpo a esta disposição, o ETAF (aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, com a redacção dada pelas Leis nºs 4-A/2003, de 19 de Fevereiro e 107-D/2003, de 31 de Dezembro), estabelece a regra genérica segundo a qual “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (art. 1º, nº 1).
Em segundo lugar, importa também sublinhar que, a exemplo do que acontece com o pressuposto da legitimidade processual, a competência em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica tal qual o autor a apresenta na petição inicial. É enten¬di¬mento há muito firmado no STJ, no STA e no Tribunal de Conflitos [1], que a questão da competência material deve ser resolvida tendo em conta a relação jurídica a discu¬tir na acção, mas à luz do “retrato”, da estrutura¬ção concreta apresentada pelo autor, e, logicamente, dando especial aten¬ção à natureza intrínseca e aos fundamentos da pretensão deduzida, embora, sem avaliar o seu mérito, isto é, sem logo apre¬ciar se o lesado tem ou não razão face ao direito substantivo.
No despacho saneador considerou-se, em resumo, que estando em causa a execução por ambas as partes de um contrato de subempreitada de obra pública, o tribunal comum, in casu a Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, era absolutamente incompetente para conhecer da demanda, por a competência caber aos tribunais administrativos, nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º 1 f) do E.T.A.F. aprovado pela Lei 13/02 de 19/2, na versão revista pela Lei 107-D/2003, de 31/12.
Contudo, a resposta a esta questão tem sido dada, de forma pacífica, pela jurisprudência do Tribunal de Conflitos [2], no sentido contrário ao defendido pelo Mm.º Juiz a quo.
E, porque se concorda com a fundamentação aduzida no citado acórdão do Tribunal de Conflitos, de 18.9.2007 – que incidiu sobre questão, nos seus contornos relevantes, idêntica à dos presentes autos – transcreve-se aqui a respectiva fundamentação [3]:
«A competência dos tribunais administrativos está definida no art° 212° n° 3 da Constituição da República Portuguesa e no artº 4º n 1 al. f) do ETAF. De acordo com os aludidos preceitos, compete aos tribunais administrativos o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, designadamente a apreciação das questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja um entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.
A relação jurídica invocada na petição inicial tem como fonte um contrato de subempreitada relativo a obra pública celebrado entre a A, subempreiteira, e a R, empreiteira.
Contrariamente ao contrato de empreitada de obra pública celebrado entre a R e o dono da obra, Câmara Municipal de …, o contrato de subempreitada celebrado entre A e R não é um contrato administrativo.
O art° 178° nº1 do CPA define contrato administrativo como o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
O nº 2 al. a) do mesmo preceito considera expressamente o contrato de empreitada de obra pública como contrato administrativo, por força da natureza jurídica do dono da obra (Pedro Romano Martinez, O Contrato de Empreitada, p.19).
Relação jurídica administrativa é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração (Prof. Freitas do Amaral, Direito Administrativo III, p. 439-440).
A relação jurídica nascida do contrato de subempreitada celebrado entre a A e a R não apresenta aquelas características, pois, apesar da subempreitada de obra pública estar sujeita à aprovação do dono da obra (DL nº 59/99, de 2.3), não está em apreciação qualquer direito ou dever público da A. para com a Câmara Municipal de …...
A relação jurídica resultante do contrato de subempreitada mantém-se no domínio do direito privado entre as partes que o celebraram, não lhe sendo transmitida a natureza administrativa do contrato matricial.
Concluímos, assim, que na presente acção não está em apreciação qualquer relação jurídica administrativa, carecendo os tribunais administrativos de competência para o respectivo julgamento (Os acs. Do Tribunal de Conflitos de 6/10/99, rec. nº 44905, e 29.03.2001, rec. n° 66, perfilhando este mesmo entendimento, decidiram pela competência dos tribunais comuns).»
Tendo em conta a relação jurídica delineada pela autora na petição inicial, resulta com clareza que a pretensão do pagamento de parte do preço das obras que a mesma realizou como subempreiteira versa sobre uma relação jurídica de natureza privada; e assim, tendo a autora submetido a juízo uma “questão de direito privado”, a respectiva apreciação encontra-se, pela sua própria natureza, subtraída à jurisdição administrativa, sendo competentes os tribunais comuns, pelo que não têm aqui aplicação as alíneas e) e f) do nº 1 do art. 4º do ETAF [4].
Também o facto da autora ter proposto a acção contra o 3º réu (dono da obra) sustentando a responsabilidade deste pelo pagamento devido pela empreiteira (2ª e 3ª rés) não altera os dados do problema, pois a específica regulamentação da subcontratação no Código dos Contratos Públicos [5], não implica que a competência material se transfira “da jurisdição comum para a jurisdição administrativa”, desde logo porque, sendo embora o 3º réu uma entidade pública empresarial nada impede que exerça as suas atribuições em pé de igualdade com os particulares e desprovido, portanto, dos poderes de autoridade inerentes à sua condição de ente público administrativo [6].
Tudo isto, obviamente, sem curar de saber neste momento se o 3º réu é, ou não, responsável solidário pelo pagamento da quantia reclamada pela autora.
Procede, assim, o recurso.

Sumário (art. 713º, nº 7, do CPC)
I - É o tribunal comum o competente para julgar a acção em que a autora pede a condenação da rés empreiteiras no pagamento de determinada quantia proveniente de serviços que lhes prestou no âmbito de um contrato de subempreitada, sabendo-se que autora e rés são pessoas colectivas (sociedades) de direito privado, independentemente dessa subempreitada ter sido adjudicada à autora na sequência de um contrato de empreitada de obras públicas.
II – A relação jurídica resultante do contrato de subempreitada mantém-se no domínio do direito privado entre as partes que o celebraram, não lhe sendo transmitida a natureza administrativa do contrato matricial, ainda que na acção seja demandado o dono da obra e este seja uma entidade pública empresarial, quando esta se apresenta desprovida dos poderes de autoridade inerentes à sua condição de ente público administrativo.

IV – DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida e declaram competente em razão da matéria a Vara de Competência Mista de Braga para conhecer e julgar a presente acção.
Custas pelo 3º réu/recorrido.

Guimarães, 28 de Fevereiro de 2012
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Rita Romeira
______________________________
[1] Cfr., inter alia, o Ac. do Tribunal de Conflitos de 23.09.2004, proc. 05/04, in www.dgsi.pt, com largas referências doutrinais e jurisprudenciais sobre a matéria.
[2] Cfr., entre outros, os Acs. do Tribunal de Conflitos de 18.09.2007, proc. 04/07; de 19.11.2009, proc. 18/09; e de 17.06.2010, proc. 29/09, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] À semelhança, aliás, do que se fez no Ac. do Tribunal de Conflitos de 17.06.2010 referido na anotação anterior.
[4] Cfr., neste sentido, para um caso algo idêntico, o Ac. desta Relação de 27.02.2012, proc. 3476/11.7TBBRG.G1, in www.dgsi.pt, subscrito pelo aqui relator e adjuntas nesta mesma qualidade. Sobre o conceito de relação jurídica administrativa, cfr. o recente Ac. do Tribunal de Conflitos de 20.09.2012, proc. 07/12, com largas referências doutrinais e jurisprudenciais sobre a matéria.
[5] Diga-se, a propósito, que a remissão para o DL nº 59/99, de 2 de Março, feita na cláusula 17ª do contrato de subempreitada em apreço, terá de ser entendida como feita para o Código dos Contratos Públicos, uma vez que o Decreto-Lei nº 278/2009, de 2 de Outubro, que aprovou aquele Código, revogou , no seu art. 14º, nº 1, al. d), o DL nº 59/99.
[6] Cfr. Ac. do STJ de 28.10.2008, proc. 08A3034, in www.dgsi.pt.