Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2796/08-2
Relator: AMÍLCAR ANDRADE
Descritores: INSOLVÊNCIA
DESTITUIÇÃO
ADMINISTRADOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A destituição do administrador da insolvência só pode ter lugar se existir justa causa, revelada nos factos alegados e provados no processo.
A justa causa é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do administrador que, pela sua gravidade inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções e terá sempre de ser apreciada em concreto, face à factualidade que se provar, tendo em conta os vários aspectos relacionados com a sua gestão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Vem o presente recurso do despacho proferido no processo de Insolvência de “L..., Lda.”, a correr termos pelo Tribunal Judicial de Monção, com o nº 310/07.6TBMNC-X, na parte em que julgou não existir justa causa para destituição do administrador.

Inconformado com o decidido, veio o recorrente M... Lobato, na qualidade de sócio gerente da insolvente, interpor recurso de agravo, o qual motivou, aduzindo conclusões em que, sustenta:
O recorrente não se pode conformar com o despacho proferido pelo tribunal a quo a fls. 334 a 336 dos autos.
Por um lado, quando nesse despacho se indefere o incidente de destituição do Sr. Administrador da insolvência.
Porquanto, actuou ilegalmente o Sr. Administrador da insolvência ao tentar obter do sócio gerente da insolvente, a quantia de € 10.000,00 pela elaboração do plano de insolvência.
O comportamento do Sr. Administrador da insolvência constitui justa causa para a sua destituição.
De modo que o tribunal a quo violou por omissão de aplicação o disposto nos artigos 56º e 58º do CIRE.
Em consequência do exposto, a deliberação que foi homologada pelo tribunal a quo de liquidação imediata da insolvente está ferida de nulidade, porquanto deveria o tribunal a quo ter destituído o Sr. Administrador e consequentemente, suspendido imediatamente aquela Assembleia de Credores.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

O circunstancialismo a ter em consideração é o seguinte:
“M... & A..., Lda” intentou o presente processo de insolvência contra a requerida “L..., Lda”.
A fls. 65 dos autos principais, com data de 28/11/2007 veio a ser proferido despacho judicial a declarar a insolvência da requerida. Foi nomeado o Administrador da Insolvência e determinou-se que a requerida/devedora entregue imediatamente ao administrador da insolvência os documentos referidos no artº 24º nº1 do CIRE. E foi também designada data para a realização da assembleia de credores para apreciação de relatório, nos termos do artº 156º do CIRE.
Apesar de devidamente notificada, (por várias vezes), o administrador da insolvente não fez a entrega dos elementos solicitados, nomeadamente, os descritos no artº 24º do CIRE, nem os elementos da contabilidade da insolvente.
Mostra-se junto aos autos o Relatório do Administrador de Insolvência (artigo 155º do CIRE), onde consta que a insolvente não apresenta qualquer hipótese de viabilidade económica e financeira e vem proposta a imediata cessação e liquidação da insolvente.(fls. 200-205). Sob a rubrica Organização contabilística, pode ler-se:
“Conforme referiu no ponto anterior, o administrador da insolvente, embora notificada pelo aqui Administrador de Insolvência, e pelo próprio tribunal, na primeira sessão da Assembleia de Credores para apreciação do Relatório, não fez entrega dos elementos a que se refere o artº 24º do CIRE.
Igualmente não fez a entrega de qualquer elemento da contabilidade da insolvente, nomeadamente Balanços, Demonstrações de Resultados, entre outros;
Face ao que atrás foi referido, o signatário não dispõe de qualquer elemento sobre a organização e estado da contabilidade da insolvente, pelo que não poderá fazer análise às contas da insolvente”.
Na Assembleia de Credores realizada em 12 de Setembro de 2008, pelo Sr. Administrador da Insolvência foi proposta a imediata cessação e liquidação da insolvente, em face da impossibilidade de elaborar um plano de insolvência, como já havia sido defendido a fls. 205 dos autos.
Dada a palavra ao Exmo mandatário da insolvente pelo mesmo foi requerido a destituição do Administrador da Insolvência com o fundamento de que não tendo a Assembleia deliberado sobre qual a retribuição a auferir pela elaboração do plano, o Sr. Administrador não se coibiu de tentar cobrar ao gerente da insolvente a quantia de € 10.000,00 pela elaboração desse plano.
Requereu ainda à comissão de Credores a concessão de um prazo de 30 dias para elaboração do Plano de Insolvência que ela se propõe apresentar.

Ouvidos os credores presentes por todos foi defendido o indeferimento da requerida destituição do Administrador da Insolvência.
O Digno Magistrado do Ministério Público promoveu o indeferimento da requerida destituição do Administrador da Insolvência, por falta de fundamento legal. E quanto ao prazo solicitado entendeu que face às vicissitudes anteriores, não passa de mero expediente dilatório no sentido de atrasar a decisão final, pelo que promoveu que seja igualmente indeferido.
Pela Mmª Juíza veio a ser proferido o seguinte despacho:
O Tribunal tem de lamentar a posição processual do insolvente que numa tentativa de justificar o injustificável, ataca abertamente o Sr. Administrador, cuja actuação nunca mereceu a menor censura. O Sr. Administrador sempre defendeu a posição apresentada no dia de hoje e apenas aceitou elaborar o plano porque os credores insistiram e quiseram conceder uma hipótese ao insolvente.
Parece-nos que o alegado na 1ª parte do requerimento, na qual se defende que os elementos enviados ao Sr. Administrador teriam permitido a elaboração do plano se deve a claro desconhecimento da documentação que tem de ser analisada para a elaboração do mesmo.
Nada do alegado põe em causa a veracidade do requerimento de fls. 33 dos autos.
Os comportamentos que se estranham no Sr. Administrador estão perfeitamente clarificados nas actas anteriores e ao longo de todo o processo, no qual o Sr. Administrador sempre prestou oportunamente as informações necessárias.
Dispõe o artigo 56º, nº1 do CIRE, que «o juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substitui-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio Administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa».

Como preceitua o citado normativo a destituição do administrador da insolvência só pode ter lugar se existir justa causa, revelada nos factos alegados e provados no processo.
A lei não fornece a definição ou um conceito de justa causa nem sequer enumera casuisticamente as situações susceptíveis de constituírem justa causa.
A ideia de justa causa para destituição tem associada a da violação ou de incumprimento de algum dever no exercício das suas funções. A justa causa, quando não resulte de incapacidade do Administrador para o exercício das respectivas funções, pressupõe a violação grave dos deveres no exercício das respectivas funções.
Em qualquer das situações, a justa causa é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do administrador que, pela sua gravidade inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções.
A justa causa terá sempre de ser apreciada em concreto, face à factualidade que se provar, tendo em conta os vários aspectos relacionados com a sua gestão.
Vem salientado no despacho sob recurso que «O Sr. Administrador sempre defendeu a posição apresentada no dia de hoje e apenas aceitou elaborar o plano porque os credores insistiram e quiseram conceder uma hipótese ao insolvente. Os comportamentos que se estranham no Sr. Administrador estão perfeitamente clarificados nas actas anteriores e ao longo de todo o processo, no qual o Sr. Administrador sempre prestou oportunamente as informações necessárias».
Entendemos, que os factos fornecidos nos autos, não suportam a conclusão de que a conduta atribuída ao Administrador da Insolvência constitui justa causa a justificar a sua destituição.

Improcedem, deste modo, todas as conclusões da alegação do recorrente, pelo que, sem necessidade de mais considerações, negando-se provimento ao recurso, confirma-se o despacho recorrido, com custas pelo agravante.

Guimarães, 16 de Abril de 2009