Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CRAVO | ||
Descritores: | EMBARGO DE OBRA NOVA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/13/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – O embargo de obra nova tem como pressupostos que o requerente seja titular de um direito de propriedade ou outro direito real ou pessoal de gozo, ou da sua posse e que esse direito tenha sido ofendido por obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause prejuízo. II – A alegação e a prova da verificação desses requisitos competem ao requerente, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 342º do CC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães * 1 – RELATÓRIO Maria F, casada, residente na Rua S, nº 111, na união de freguesias de Viana do Castelo (Santa Maria Maior e Monserrate) e Meadela – 4931-312 Viana do Castelo, intentou o presente (1) procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova extrajudicial, ao abrigo do disposto nos artigos 397º/1 e 2 do CPC, cumulado com procedimento cautelar não especificado, previsto no artigo 362º/1 e 2 do CPC contra Henriette M, residente na Rua S, nº 113-A, na união de freguesias de Viana do Castelo (Santa Maria Maior e Monserrate) e Meadela – 4931-312 Viana do Castelo, pedindo: I) Se ratifique o embargo de obra nova extrajudicial realizado no dia 17-05-2016, por forma a impedir que a requerida continue com a obra, no que respeita: a) demolição do muro de pedra em toda a extensão a sul do seu prédio, com a consequente destruição de parte da vinha e da latada de vinha que existe sobre a parcela de terreno identificada na alínea c) do artigo 2º do articulado inicial; b) à eliminação do portão a nascente da mesma parcela de terreno; c) à abertura de portas e portões que deitem directamente para a mesma parcela de terreno. II) Se decrete a providência não especificada de proibição da requerida, seus representantes, trabalhadores da obra ou quaisquer outras pessoas que com ela se relacionem, de transitarem, a pé e/ou de veículos de tracção animal ou propulsão humana, de passageiros, de carga ou mistos, pela referida parcela de terreno. Alegou, em síntese, que a parcela de terreno denominado por caminho (caminho particular ou caminho de servidão) e seus componentes (muro de pedra, portão na extrema nascente, parte da vinha, da latada e da calçada) pertencem à requerente, pretendendo a requerida dispor dos mesmos, o que configura disposição de coisa alheia e violação do seu direito de propriedade. Regularmente citada para os termos da providência, a requerida deduziu oposição, alegando em síntese, que o denominado caminho (caminho particular ou caminho de servidão) sempre foi um caminho público de acesso aos prédios que serve, tendo mesmo a Câmara Municipal de Viana do Castelo em 1992, por necessidade de “actualização toponímica” designado o mesmo por “Travessa A”. Ademais declarou que “no dia 18-05-2016, após o aludido embargo extra-judicial, continuou a demolir o … muro…” (cfr. art. 83º do respectivo articulado), assim defendendo a inutilidade da providência entretanto instaurada. * Por despacho de fls. 94 foi, além do mais, determinada a notificação da requerente e requerida, a fim de se pronunciarem nos termos da previsão do art. 402º do CPC, o que aquelas vieram a fazer a fls. 99vº e 101vº/102. * Realizou-se a audiência final, com observância do pertinente formalismo legal. * No final, foi proferida decisão que julgou procedente a pretensão de Maria F e, em consequência, decidiu: 1) Ratificar o embargo de obra nova extrajudicial realizado no dia 17.05.2016, determinando-se que a requerida Henriette M fica impedida de continuar com a obra, no que respeita: À demolição do muro de pedra em toda a extensão a sul do seu prédio, com a consequente destruição de parte da vinha e da latada de vinha que existe sobre a parcela de terreno identificado na alínea c) do artigo 2º do articulado inicial; À eliminação do portão a nascente da mesma parcela de terreno; À abertura de portas e portões que deitem directamente para a mesma parcela de terreno. 2) Determinar a proibição da requerida Henriette M, seus representantes, trabalhadores da obra ou quaisquer outras pessoas que com ela se relacionem, de transitarem, a pé e/ou de veículos de tracção animal ou propulsão humana, de passageiros, de carga ou mistos, pela referida parcela de terreno. Mais se determinou, nos termos da previsão do art. 402º do CPC, a condenação da requerida Henriette M a repor a situação no estado em que se encontrava aquando do embargo operado extrajudicialmente e por nesta sede ratificado, para o que se lhe concede o prazo de 30 (trinta) dias com vista à reconstrução do muro de pedra sito a sul do seu prédio na extensão em que o mesmo se encontra demolido. * Inconformada com essa decisão, apresentou a requerida recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: 1.º - Somente são susceptíveis de Actos de Posse e, como tal, possível de adquirir por Usucapião, os prédios rústicos e/ou urbanos como tal classificados no art.204º do Código Civil; 2.º - Os Factos Provados sob os n.ºs 3.4, 3.5, 3.6, 3.7, 3.8, 3.9, 3.19, 3.20, 3.21, 3.22, 3.23 e 3.24 não são susceptíveis de Actos de Posse e, como tal, possíveis de adquirir por Usucapião, por não integrarem o conceito de prédios rústicos e/ou urbanos como tal classificados no art. 204º do Código Civil; 3.º - A parcela de terreno que a Apelada pretende ver reconhecida como sua propriedade privada – a que chama caminho – não é susceptível de actos de posse e, como tal, possível de aquisição por via da usucapião; 4.º - Tanto mais que essa parcela de terreno é OMISSA à matriz, como a própria Apelada reconhece no art. 8º da Petição de Embargos e assim está provado sob o n.º 3.8. 5.º - Para além de que tal parcela de terreno é insusceptível de inscrição matricial nos termos do art. 1º do CIMI. 6.º - Tal parcela de terreno – que é um atravessadouro, como melhor se alcança da fotografia aérea de fls.67 verso - não dispõe de autonomia para constituir um prédio e, consequentemente, ser objecto de actos de posse – de resto, não provados - para efeitos de usucapião, o que se invoca para os devidos e legais efeitos. 7.º - De resto, tal parcela de terreno – a que a Apelada também designa por caminho – estando fisicamente separada, como está, dos prédios que serve, como decorre das respostas sob o n.º 3.2-c) dos Factos Provados – não pode ser caminho de servidão, por inexistente, nem estar alegado que exista qualquer prédio dominante: Cfr. fotografias de fls.111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118 e 162. 8.º - Por exclusão de partes, tal parcela de terreno só pode ser caminho público como assim o classifica a Junta de Freguesia de Monserrate – cfr. doc. 29º junto à Oposição, a fls. 83 verso e 84 – tal como a própria Câmara Municipal de Viana do Castelo o fez por despacho de 16-11-1992 (fls. 34 verso e seguintes), ainda que posteriormente revogado em 28-02-2001 (fls.141), mas sem reconhecimento de que é privado, como igualmente decorre da informação contida no Processos de Obras n.º 129/14-LEDI, que licenciou a construção da Apelante: cfr. ofício de 15-06-2016, a fls.152! 9.º - Ao decidir de modo diverso, a Mma Juiz recorrida violou, além do disposto no art. 607º, n.º5, do CPC, os art. 204º, 1.302º, 1.258º. 1.259º, 1.260º, 1.263º e 1.287º, todos do Código Civil. 10.º - Pelo que deve a decisão recorrida ser revogada e ser substituída por outra que julgue improcedente a presente providência, em conformidade com a prova produzida e demais elementos doutamente supridos por Vossas Excelências. 11.º - Todavia, caso assim se não entenda – o que se não concebe, nem concede - a decisão ora em recurso enferma de erro na apreciação da prova indiciariamente produzida em audiência de julgamento, concretamente na apreciação da prova que incide nas respostas dadas à matéria contida nos n.ºs 3.1, 3.2-C, 3.4, 3.5, 3.6, 3.7, 3.9, 3.10, 3.19, 3.23, 3,24, 3.27, 3.28, 3.29, 3.30, 3.31, 3.33, 3.38, 3.41, 3.42 e 3.44 dos Factos Provados; 12.º - Com efeito, a Mma Juiz “a quo” formou a sua convicção para a resposta a essa matéria sem ter em devida conta o depoimento das testemunhas arroladas a tal matéria, que impunham respostas diversas das que foram proferidas, violando, desse modo, o disposto no art. 607º, n.º5, do Cod. Proc. Civil; 13.º - Pelo que devem as respostas à matéria contida nos n.ºs 3.1, 3.2-C, 3.4, 3.5, 3.6, 3.7, 3.9, 3.10, 3.19, 3.23, 3,24, 3.27, 3.28, 3.29, 3.30, 3.31, 3.33, 3.38, 3.41, 3.42 e 3.44 dos Factos Provados ser alteradas em função da prova indiciariamente produzida e, em consequência, serem as mesmas dadas como NÃO PROVADAS; 14.º - Em face da requerida alteração da matéria fáctica, deve a decisão recorrida ser revogada, sendo substituída por outra que julgue a presente providência improcedente, com as legais consequências; 15.º - Ao decidir de modo diverso, a Mma Juiz recorrida violou o disposto no art.607º, n.º5, do CPC; 16.º - Caso assim se não entenda – o que só por mera hipótese de raciocínio se admite – sempre se impõe a alteração das respostas à matéria contida nos Factos Provados sob os n.ºs 3.27, 3.41 e 3.42, para NÃO PROVADOS, face ao depoimento das testemunhas Arq. Cláudia M, gravado de minuto 12:29 a 12:53 “- Sim, parte do muro divide o logradouro do caminho, mas o muro estava no seguimento da casa, da empena da casa e no seguimento do anexo construído e o (ininteligível) do anexo estava à altura do muro e pousava em cima e as águas caíam para o caminho.”, corroborado nos seus depoimentos gravados nos minuto 13:18 a 14:19, minuto 14:20 a 15:38, minuto 15:39 a 17:03, minuto 17:06 a 18:01 e minuto 18:47 a 20:23, Eng. Fernando P, gravado de 17:32 a 18:43 “- Essa parede era corrida? Isto é, estava integrada na própria casa? - Sim, sim, sim. - A parede estava integrada na própria casa… - Era corrida. - Vinha do alinhamento até ao próprio anexo e no anexo era incorporada também… o anexo incorporava também essa própria parede? - Sim. Inclusive o anexo, em tempos, teve janelas abertas nessa parede para a rua que, depois posteriormente, foram tapadas. - Muito bem. Falou há bocadinho aí nuns degraus em pedra. - Da escadaria que subia pela parte de trás do logradouro à casa. - Sim. Como é que essa escadaria em pedra se desenvolvia e como é que estava instalada? - A escadaria estava cravada no muro, nesse dito muro, em que esse muro servia de apoio aos degraus, até chegar ao pátio, lá em cima, e ao mesmo tempo fazia de guarda para o lado da rua.” e de Nuno M, gravado de 11:44 a 12:11 “- Porque por baixo das escadas, tínhamos uma zona que era onde guardávamos as mangueiras, tinha lá telhas e etc, e dá para ver se uma pessoa está debaixo das escadas que são de granito e que elas não ficam pousadas no ar, estão pousadas no muro … ”, que expressa e tecnicamente demonstram que tal muro é propriedade do prédio da Apelante, pelos argumentos então aduzidos e que, por economia processual, aqui se dão integralmente reproduzidos; 17.º - Alias, independentemente do vertido no item precedente, certo é que não há prova alguma nos autos de que o muro em pedra existente a sul do prédio da Apelante pertence à Apelada, que a eliminação do referido muro atenta contra a propriedade da Apelada e que causará prejuízos de difícil reparação ao património da Apelada por se tratar de um muro com mais de 100 anos, cuja reposição, em caso de demolição, será difícil ou mesmo impossível; 18.º - Na verdade, a Mma Juiz “a quo” não pode dar indiciariamente como Provado que tal muro em pedra pertence à Apelada se o mesmo está construído, como está, no alinhamento da fachada sul da casa da Apelante – cfr. ponto 3.26 da sentença e fotografia junto à contestação sob o n.º 10 (fls.70 verso), 11 (fls.71), 12 (fls.71 verso), 14 (fls.74), 15 (fls.74 verso) – e o mesmo integra os degraus em pedra que, pelo logradouro, dão acesso do r/c ao 1º andar da casa da Apelante - cfr. fotografia junto à contestação sob o n.º 10 (fls.70 verso), 11 (fls.71), 12 (fls.71 verso) e ainda fotografias de fls.114 - para além desse mesmo muro constituir a parede exterior do anexo que pertence à Apelante – cfr. - fotografia junto à contestação sob o n.º 15 (fls.74 verso) e fotografias de fls.116 e 117 – e que confina pelo lado sul com o dito arruamento! 19.º - Por fim, quanto à reposição do muro em pedra sito a sul do prédio da ora Recorrente, deve ser entendido que não faz agora sentido repor um muro em pedra, entretanto demolido, quando a questão da sua propriedade se discute indiciariamente no âmbito do presente recurso e será objecto de reapreciação (aprofundada) no âmbito da acção principal, pelo que deve ser revogada tal decisão, relegando-se o seu conhecimento e efeito para a acção principal, tanto mais que o retardamento da reconstrução daquele muro nenhum prejuízo causa à Requerente do Embargo, sendo que o mesmo não colide com a vinha, naquele local (praticamente inexistente, como melhor se alcança das fotografias de fls. 117 e 162), nem com a latada que a suporta, sendo que, caso assim se não entenda, o que se não concede, sempre a Apelante poderá imediata e provisoriamente colocar, naquele local, um apoio em ferro ou material similar que suporte o ferro daquela latada que se encontrava apoiado naquele muro, decisão esta, provisória, que – a ser deferida, como se requer a V.ª Ex.ª - nos parece mais razoável e sensata, face aos interesses em conflito, que não causa prejuízo absolutamente algum à Requerente do Embargo. 20.º - Por outro lado, a manter-se a decisão da Matéria Fáctica dada como Provada – o que se não espera - e para a eventualidade de ao presente recurso não ser atribuído efeito suspensivo – o que se não concebe – certo é que a proibição da Apelante, seus representantes, trabalhadores da obra ou quaisquer outras pessoas que com ela se relacionem, de transitarem, a pé e/ou de veículos de tracção animal ou propulsão humana, de passageiros, de carga ou mistos, pela referida parcela de terreno, lhe causa elevados transtornos e graves prejuízos porquanto o único acesso de que dispõe para se dirigir ao logradouro do seu prédio se faz através do referido caminho, pelo que a sua não utilização determina, de imediato, a total e completa suspensão da empreitada, sendo que a casa em construção apenas contém a estrutura do edifício, como melhor decorre das fotografias juntas a fls.71, 71 verso, 114 e 116. 21.º - Não dispondo a Apelante de outro acesso para o seu prédio que não aquele e que lhe permite transportar materiais, tais como, cimento, areia, loiças, azulejos, etc., para o que tem igualmente necessidade de fazer passar os respectivos trabalhadores e/ou carrinhas de transporte daqueles materiais. 22.º - Impedir a passagem da Apelante, seus representantes, trabalhadores e/ou carrinhas de transporte de materiais pelo dito “caminho” determina a imediata suspensão da execução da empreitada, por inexistir outra forma de se introduzirem os materiais naquela obra! 23.º - A tal suceder, para além do atraso na execução da empreitada, teria a Apelante que indemnizar o empreiteiro pela suspensão da execução da obra, que seria por tempo indeterminado, precisamente o tempo que levaria a decidir-se a acção principal, com eventuais recursos, a qual, de resto, nem sequer se mostra ainda instaurada! 24.º - Por isso, a execução desta decisão, ainda que provisoriamente, causa à Apelante prejuízos consideráveis, pela imediata suspensão da empreitada, com a consequente indemnização ao empreiteiro da obra, que ver-se-ia durante 2 a 3 anos - tanto quanto poderá levar a acção principal a ser decidida, com trânsito em julgado - impedido de nela continuar a trabalhar. 25.º - Na verdade, importa ter presente que o prejuízo resultante da paralisação da obra é manifestamente superior ao que pode advir da sua continuação e consequente passagem pelas ditas pessoas no “caminho” em causa – o que, de resto, sempre fizeram até hoje – tanto mais que por aquele arruamento (independentemente da sua natureza de público ou particular) passam diversas pessoas e circulam veículos, sejam dos alegados donos, sejam de outras pessoas que residem nas casas que o mesmo serve ou mesmo pessoas estranhas ao local! 26.º - De resto, tenha-se presente que a decisão de que ora se recorre expressamente reconhece no ponto 3.29 – cuja factualidade não se aceita e que será objecto de prova na acção principal, por se entender que se está perante um arruamento público - que há alguns anos, o pai da requerente, por mera tolerância, consentiu que o antecessor da requerida, José Pinheiro, e as suas irmãs, atenta as suas idades avançadas, fizessem uma abertura no muro, com 0,90 m de largura e 2,01 m de altura, para encurtar a distância até ao Campo da Agonia, por trânsito, a pé, através do caminho - sentido Norte Sul – e saída para a Quelha de S. José, actualmente, Travessa António Moutinho, o que demonstra que, ainda que transitoriamente, a passagem da Requerente, seus representantes e/ou trabalhadores da obra, tal como carrinhas com materiais de construção para a mesma, pelo dito “caminho”, não causa prejuízo que se possa considerar relevante para a Requerente da providência. 27.º - Pelo que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que permita à Apelante e/ou seus representantes a passagem provisória pelo dito caminho, a pé, de carro e/ou transporte de materiais. * Foram apresentadas contra-alegações nas quais se pugna pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta pretende que: - se altere a matéria de facto, devendo dar-se como não provados os factos elencados nos nºs 3.1, 3.2-C, 3.4, 3.5, 3.6, 3.7, 3.9, 3.10, 3.19, 3.23, 3,24, 3.27, 3.28, 3.29, 3.30, 3.31, 3.33, 3.38, 3.41, 3.42 e 3.44 dos factos provados; - procedente a impugnação da matéria de facto, se reaprecie a decisão de mérito da acção. * 3 – OS FACTOS (factos que a decisão recorrida elencou no seu texto como resultantes da instrução e discussão da causa) A) FACTUALIDADE PROVADA Considera-se indiciariamente provada e com relevância para a decisão da causa - designadamente ainda para efeitos de apreciação dos pressupostos do artº 402º do Cód. Proc. Civil - em virtude da prova documental e testemunhal produzidas, a seguinte factualidade: 3.1. Há mais de 80 anos, existia, no Lugar dos Sobreiros, Ursulinas, na antiga freguesia de Monserrate, em Viana do Castelo, um conjunto de prédios que formavam a Quinta dos Sobreiros de que faziam parte uma casa de habitação, cobertos, anexos e terrenos de cultivo, que pertenciam ao avô da aqui Requerente, Manuel C, e que, ao longo de tempo, foram vendidos e/ou partilhados, em diferentes partes e a diferentes proprietários. 3.2. Actualmente, a requerente é dona e senhora dos prédios, a seguir identificados e provindos da aludida Quinta dos Sobreiros: a) Uma casa de habitação de rés-do-chão, primeiro andar, sótão e logradouro, situada em Sobreiros (Ursulinas), actualmente, Rua dos Sobreiros, com o número de polícia n.º 111, da união de freguesias de Viana do Castelo (Santa Maria Maior e Monserrate) e Meadela, cidade e comarca de Viana do Castelo, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo urbano 723º do Serviço de Finanças de Viana do Castelo e descrita na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº 00106/160686. b) Campo de lavradio, vinha e árvores de fruto, situado em Sobreiros (Ursulinas) atualmente União de Freguesias de Viana do Castelo Monserrate e Santa Maria Maior) e Meadela, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 264º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1225/20020717. c) Uma parcela de terreno com a área de 506,88m2, que confronta pelo Norte com a Requerente (prédio identificado na alínea A), com José R e com a Requerida, Henriette M, pelo Sul com a Travessa do Moutinho, com a Requerente (prédio identificado na alínea b) e com Félix R, pelo Nascente com a Requerente (prédio identificado na alínea b) e com a Rua S, e pelo Poente com Maria L e com loteamento da Sociedade Construções S, Lda. 3.3. Os prédios supra identificados nas alíneas a) e b) vieram à posse e ao domínio da requerente através de partilha exarada em escritura pública em 16 de Janeiro de 1982 a fls. 73v fls.76v do livro de notas para escrituras diversas nº 16 -F do Segundo Cartório Notarial de Viana do Castelo. 3.4. A parcela de terreno identificado na alínea c) fazia parte integrante da chamada Quinta dos Sobreiros e tinha como função o trânsito, através dela, de pessoas e carros de bois entre a quinta e a via pública. 3.5. A dita parcela de terreno estava afecta exclusivamente ao trânsito de pessoas ligadas à quinta (donos e seus familiares e empregados) e ao trânsito de carros agrícolas para cultivo e amanho das respectivas terras. 3.6. Com o passar do tempo, a dita parcela de terreno passou a ser utilizada pela requerente também para o trânsito dos seus automóveis. 3.7. No mesmo dia e ano em que celebrou a escritura de partilhas, a requerente tomou posse da parcela de terreno identificado na alínea c), passando, a partir de então, a exercer os respectivos poderes e a praticar os actos correspondentes, nos mesmos moldes e circunstâncias dos seus antecessores. 3.8. A parcela de terreno identificado na alínea c) está omissa no Serviço de Finanças e na Conservatória de Registo Predial. 3.9. A dita parcela de terreno sempre foi denominada, quer pela requerente e seus antecessores, quer por vizinhos, por “caminho” ou “caminho particular” ou “caminho de servidão” e assim é também referida em documentos oficiais - escrituras públicas, certidões matriciais e em documentos existentes na junta de freguesia de Monserrate e na Câmara Municipal de Viana do Castelo. 3.10. Há mais de 60 anos que o dito caminho tem, nos seus extremos, dois portões de ferro: um dá acesso à Rua S; o outro dá acesso à Travessa A, antiga Quelha de SJ. 3.11. O dito caminho corre n sentido Nascente-Poente, flecte para a esquerda, no sentido Norte-Sul, considerado, como ponto de referência, a referida Rua S. 3.12. Há mais de 60, 80 e mais anos que o dito caminho está separado, fisicamente, dos prédios confrontantes, por muros de pedra de ambos os lados, com excepção das partes delimitadas por paredes de casas de habitação. 3.13. Os referidos muros são de pedra antiga, sobreposta, com a mesma aparência. 3.14. Na extensão nascente-poente, os muros têm entre 45cm e 50cm de largura e 2,51m de altura. 3.15. Há cerca de 50 anos o leito, em duro, do caminho, inicialmente revestido com saibro e com pedras, foi calcetado com blocos de pedra (calçada à portuguesa), mantendo-se, até ao presente, com o mesmo pavimento. 3.16. Há mais de 60 anos que existe sobre o dito caminho uma latada de vinha. 3.17. Na parte do dito caminho que corre no sentido nascente-poente, os pés das videiras foram implantados, no solo, na vertical, e os ramos das videiras foram entrelaçados numa estrutura horizontal de ferro e arames, formando uma latada, a cerca de 3 metros de altura do solo, situação que ainda hoje se mantém. 3.18. A latada da vinha assenta em cachorros de pedra salientes encravados em toda a largura dos muros existentes a Norte do caminho e está cravada nos muros existentes a Sul. 3.19. Foram os antecessores da requerente que, agindo como donos e possuidores, adquiriram e colocaram os portões existentes nas extremas a Nascente e a Sul do caminho, construíram os muros que delimitam o caminho dos prédios confrontantes, plantaram as videiras e construíram a latada de vinha que existe por cima do referido caminho. 3.20. O leito do caminho que era revestido com saibro e com pedras foi calcetado pelos antecessores da requerente, agindo como donos e possuidores do mesmo. 3.21. Há cerca de 20 anos, a requerente, agindo como dona e possuidora, colocou, na parte superior do portão existente, a nascente do caminho, uma placa de ferro com a inscrição do número de polícia atribuído à sua casa de habitação “111”. 3.22. Os mesmos algarismos estão colocados no portão da entrada da casa de habitação da requerente (prédio urbano identificado na alínea a) supra). 3.23. Há mais de 60, 80, 100 e mais anos que a requerente, por si e pelos seus antecessores, Manuel C (avô), José G e Albano C (pai), vem possuindo e usufruindo de todas as utilidades do referido caminho, usando-o para o acesso da Rua S, a pé e de automóvel, aos seus prédios (prédios identificados nas alíneas a) e b) acima referidas) e destes, nas mesmas circunstâncias, à dita Rua S ou à Travessa A, abrindo e fechando os portões que se encontram nas extremidades a nascente e a sul, dos quais sempre teve as respectivas chaves, conservando e reparando os referidos portões, os muros de delimitação do caminho, o leito do caminho e a latada de vinha, podando, enxertando, sulfatando, cuidando da vinha e colhendo as respectivas uvas, e, ainda, permitindo o trânsito, a pé e/ou de veículo de tracção animal ou propulsão humana, de passageiros, de carga ou mistos, pelo referido caminho, à proprietária das casas situadas a poente, Maria L – casas n.º 1, 2, 3, 4, 5 e 6 – por não terem comunicação directa com a via pública. 3.24. Todos os referidos actos eram e são praticados à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, inclusive da requerida, sem interrupção no tempo, na ignorância de lesão de direitos alheios, agindo com o ânimo de quem é dona e legitima possuidora e exerce sobre o referido caminho e seus componentes (portões, muros, calçada e latada de vinha) o correspondente direito de propriedade. 3.25. A requerida é dona e legitima proprietária do prédio urbano sito na Rua S, n.º 113-A, da união de freguesias de Viana do Castelo (Santa Maria Maior e Monserrate) e Meadela, na cidade de Viana do Castelo, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1485 e descrito na Conservatória de Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 1494. 3.26. O prédio da requerida confronta pelo nascente com a Rua S, com acesso directo à via pública, e confronta pelo Sul com o caminho da requerente, fazendo a parede da sua casa a separação física com o caminho. 3.27. Há mais de 80 anos que a separação física entre o logradouro do prédio da requerida e o caminho se faz por um muro de pedra que pertence à requerente. 3.28. Inicialmente, o muro de pedra referido no artigo antecedente não tinha nenhuma abertura e os antecessores da requerida não tinham qualquer acesso, de pé ou carro, ao caminho. 3.29. Há alguns anos, o pai da requerente, por mera tolerância, consentiu que o antecessor da requerida, José P, e as suas irmãs, atenta as suas idades avançadas, fizessem uma abertura no muro, com 0,90 m de largura e 2,01 m de altura, para encurtar a distância até ao Campo da Agonia, por trânsito, a pé, através do caminho - sentido Norte-sul - e saída para a Quelha SJ, actualmente, Travessa A. 3.30. A requerida, por si e ou seus antecessores, nunca transitou, de veículo de tracção animal ou propulsão humana, de passageiros, de carga ou misto, pelo referido caminho, fosse no sentido norte-sul, fosse no sentido poente-nascente e vice-versa. 3.31. E nunca fez uso do portão existente na extrema nascente do caminho ou praticou relativamente a ele e ao situado a sul qualquer acto de posse. 3.32. No mês de Agosto ou Setembro de 2015, a requerida iniciou obras de demolição, reconstrução e ampliação do seu prédio, aprovadas e licenciadas pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, conforme resulta do Alvará de Licenciamento de Obras de Edificação – Demolição/Construção n.º 312/15. 3.33. Na execução dos trabalhos de demolição da casa de habitação que existia no prédio da requerida, o encarregado da obra pediu autorização ao marido da requerente para retirar, temporariamente, metade do portão a nascente do caminho e o pilar que o sustentava, para, segundo ele, os não danificar e comprometeu-se a colocá-los, no mesmo local, assim que a obra o permitisse. 3.34. O marido da requerente autorizou a retirada da folha do portão e do pilar ao qual estava fixado com a condição de os voltar a colocar no local. 3.35. Passados uns dias, a requerente verificou que, a requerida não só retirou o portão a nascente do caminho e o pilar que o sustentava, como ainda demoliu parte do muro de pedra que pertence à requerente, numa extensão de cerca de 4m. 3.36. A requerente e o marido foram, então, alertados, por vizinhos, de que a requerida pretendia construir um aparcamento automóvel, no logradouro do prédio dela, e que, para isso, tencionava demolir todo o muro de pedra que separa o seu prédio do caminho e retirar o portão a nascente, para “alargar” o mesmo com vista ao trânsito de pessoas e de veículos de tracção animal ou propulsão humana, de passageiros, de carga ou mistos, entre o logradouro do seu prédio e a via pública – Rua S – pelo caminho. 3.37. A requerente consultou o processo de obras – processo 129/14 LEDI – e confirmou que as informações que os vizinhos lhe prestaram tinham fundamento, pois que o projecto de arquitectura aprovado, pela Câmara Municipal, prevê: a eliminação do portão a nascente do caminho; a demolição do muro de pedra que separa o logradouro do prédio da requerida do caminho; a abertura de duas portas, na casa de habitação da requerida que deitam directamente para o caminho; a abertura de um portão, no logradouro do prédio, que deita directamente para o caminho. 3.38. Tal importará que o trânsito, de pessoas e principalmente de veículos automóveis, de e para o prédio da requerida, passará a fazer-se pelo caminho que pertence à requerente, e que serão eliminados, a título definitivo, o muro de pedra que separa o caminho do logradouro do prédio da requerida, parte da vinha e da latada que assenta no referido muro e o portão a nascente do caminho, levando a que uma parte deste (terreno particular) possa ser considerada, no futuro, terreno do domínio público. 3.39. No processo de licenciamento que correu termos na Câmara Municipal de Viana do Castelo, a requerida indicou que o seu prédio confrontava a sul com a Travessa A, tendo-se comprometido a ceder 19,15m ao domínio público para alargar aquele troço e a demolir o muro em toda a extensão a sul do seu prédio bem como a retirar portão a nascente do caminho. 3.40. Entretanto, no início do referido processo de obras – processo 129/14 LEDI – a requerida havia junto ao mesmo fotografias e um levantamento topográfico nos quais identifica, para além do mais, o caminho como caminho particular. 3.41. A eliminação do referido muro, da vinha, da latada e do portão a nascente do caminho, assim como, o trânsito, de pé e de veículos de tracção animal ou propulsão humana, de passageiros, de carga ou mistos, de e para o prédio da requerida, por troço do caminho supra identificado, atentam contra a propriedade da requerente. 3.42. E causarão prejuízos de difícil reparação ao património da requerente por se tratar de um muro com mais de 100 anos cuja reposição, em caso de demolição, será difícil ou mesmo impossível. 3.43. A destruição de um património de família com características muito rústicas causa grande tristeza, desgosto e sofrimento moral à requerente. 3.44. A requerente, após ter tido conhecimento do projecto de arquitectura aprovado, comunicou à requerida que não autorizava que esta demolisse o muro nem que retirasse o portão a nascente. 3.45. Acontece que, em 17 de Maio de 2016, os trabalhadores da obra demoliram cerca de 1 metro da parte superior do muro da requerente, tendo, ao mesmo tempo, feito passar pelo caminho uma máquina tipo retroescavadora e um camião para transporte de entulho. 3.46. Receando que se concretizasse a demolição total do muro, a requerente, na falta da requerida no local, notificou verbalmente o encarregado da obra, António M, na presença de duas testemunhas, Ana P e Maria F, para suspender imediatamente a demolição do seu muro e consequentemente, a demolição da vinha e latada assente no mesmo. 3.47. Mais o notificou para não retirar a folha do portão que existe a nascente do caminho e para os trabalhadores não voltarem a transitar a pé ou de camião pelo caminho, bem como para se abster de fazer quaisquer aberturas que deitem directamente para o caminho, sejam elas portas ou janelas. 3.48. No dia 18.05.2016, após o embargo extrajudicial, a requerida continuou a demolir o seu muro que separa o logradouro do seu prédio, do caminho público, encontrando-se aquele na presente data totalmente derrubado e as respectivas pedras removidas do local. * B) FACTUALIDADE NÃO PROVADA Não resultou indiciariamente provada, com relevância para a decisão da causa - designadamente ainda para efeitos de apreciação dos pressupostos do art. 402º do Cód. Proc. Civil -, a seguinte factualidade: a) O caminho em sujeito trata-se de um caminho de acesso público aos prédios que serve, denominado Travessa A, afecto, desde tempos imemoriais, ao uso da generalidade das pessoas que residem no local que o mesmo serve e outras que lhe são próximas. b) Por esse caminho qualquer pessoa podia caminhar, como caminhavam, e caminham, desde tempos imemoriais. c) Pese embora aquele caminho dispor de 1 portão de 2 folhas em ferro – muito velhos, degradados e enferrujados - em cada uma das suas extremidades, certo é que tais portões se mantêm contínua e permanentemente abertos, desde tempos imemoriais, aos quais nunca as pessoas que daquele caminho se servem desde tempos imemoriais – ou outras que por lá passam - lhes conferiram, ou conferem, importância alguma. d) No leito desse caminho encontram-se instaladas as caixas de saneamento dos prédios supra referidos, mormente a que serve a casa da Requerida. e) O contador da água dos Serviços Municipalizados que pertence ao prédio da Requerida se encontra junto ao local onde anteriormente se localizava a “portinha” e que a válvula de corte do mesmo igualmente se encontra instalada nessa via pública. f) Para além de que a Requerida, por si e seus antecessores, sempre utilizou esse caminho e o acesso da dita portinha para efectuar cargas e descargas no seu prédio, mormente através de veículos automóveis. g) O muro em pedra que a Requerida demoliu é de sua propriedade exclusiva. * C) ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA O Tribunal formou a sua convicção, quanto à matéria de facto dada como indiciariamente provada e não provada, na análise conjugada e crítica da totalidade da prova produzida, tendo sempre presente estarmos no domínio da prova indiciária. Com efeito, o Tribunal atendeu aos elementos decorrentes da prova documental constante dos presentes autos, complementado pelo teor das declarações prestadas pelas várias testemunhas arroladas, quer pela Requerente quer pela Requerida. Começando pelos documentos analisados, diremos indiciar-se a propriedade e posse da requerente sobre os imóveis descritos no artº 2º do articulado inicial, entre os quais o denominado “caminho”, assim mesmo denominado até em diversos elementos documentais, entre os quais presentes no próprio processo de licenciamento da obra entretanto levada a cabo pela requerida. Em jeito de síntese, dir-se-á ter resultado perceptível a este Tribunal a clara confusão gerada em resultado da omissão e alguma falta de rigor no respectivo tratamento que a Câmara Municipal tem votado à questão. Porém, não pode deixar de entender-se que – à parte os formalismos necessários para a classificação de um determinado troço/caminho/parcela como sendo do domínio público, cuja discussão não caberá nestes autos nem nesta jurisdição – de nenhuma declaração ou escrito se pode extrair senão que o “caminho” em discussão nos autos se trata de um caminho particular, não confundível com a ora denominada Travessa António Moutinho (como o pretenderia a requerida). A respeito da propriedade daquele mesmo “caminho” resulta aquela indiciariamente pertencer à ora requerente, de acordo com a apreciação conjugada dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela mesma. Em concreto, Maria F, irmã da requerente e com ele residente na casa de habitação servida pelo predito “caminho”, explicou – de forma clara e que se demonstrou objectiva, pese embora a relação familiar com a interessada nos autos – como aquela que fora a Quinta dos Sobreiros, pertencente aos avós de ambas, passou para a propriedade da irmã e do cunhado, em concreto o “caminho”, que servia de acesso àquela casa, cuidado pela mesma como já era pelo pai de ambas, tal como a vinha que parcialmente o cobre e cujos esteios se encontram cravados em cachorros de pedra existente no muro que o ladeia, também este ali mandado construir já pelo seu avó, o qual também mandara colocar os portões ainda hoje existentes em cada um dos extremos; entretanto, o mesmo “caminho” fora calcetado com a anuência do pai, a pedido do Sr. Cerqueira, então companheiro da vizinha Maria L. Mais esclareceu a testemunha em sujeito que o “caminho” em causa é, desde sempre utilizado apenas pela irmã e pelo cunhado – como fora pelos antecessores – e por Maria L, vizinha que com a anuência daqueles por ali acede igualmente para a sua casa de habitação, bem como os arrendatários da mesma; sendo que nunca a requerida usara o predito “caminho” para aceder à sua casa (a qual aliás confronta directamente com a via pública, em concreto com a Rua S), nem mesmo fazendo uso da porta que ali existe no muro junto à referida casa, aberta pelas anteriores proprietárias da mesma por anuência de seu pai, sendo por pouco tempo pelas mesmas usada. Fez ainda referência a testemunha em causa ao arco existente junto ao portão que dá para a Rua S, ali mandado colocar pelo cunhado, onde é visível o nº “111”, correspondente ao nº de polícia da habitação daquele e da irmã. Relativamente à questão em discussão, referiu a testemunha que há alguns meses atrás, o encarregado da obra da requerida pediu à sua irmã e cunhado autorização para retirar uma das folhas do portão da Rua S, com vista a facilitar os trabalhos, o que foi por aqueles permitido com a promessa de, a final, ser aquela recolocada no sítio; entretanto, mais tarde, após terem sido deslocadas algumas pedras do muro e tendo tomado conhecimento da intenção da requerida, após consulta do processo de obras na Câmara Municipal, o cunhado e a irmã advertiram aquela – na pessoa do mesmo encarregado – que não deveria continuar quaisquer trabalhos que pusessem em risco o dito muro, nem mais transitar pelo “caminho” em causa para o efeito; tendo persistido os mesmos trabalhos, foi levado a cabo o embargo extra-judicial, que presenciou, realizado na mesma pessoa do encarregado da obra por na mesma se não encontrar nunca a requerida; sucede que os trabalhos de demolição continuaram, tendo o mesmo sido completamente demolido e as respectivas pedras retiradas do local, o que muito desgosto tem causado à irmã. De seguida, foi ouvida Ana P, a qual trabalha na casa dos requerentes há cerca de 20 anos, também ela testemunha do embargo extra-judicial levado a cabo, cujos contornos confirmou, bem como a posterior acção de demolição total do muro, o que muito desgosto tem causado aos patrões. No demais, confirmou igualmente a configuração do “caminho” – calcetado, parcialmente coberto por uma latada de vinha, ladeado de muros de pedra, com dois portões em ferro existentes nos extremos – bem como afirmou que, desde que ali trabalha, que por ali sempre apenas viu usar o “caminho” os patrões e as pessoas que vivem nas casas da D. Maria L, jamais a requerida ou quem quer que seja; esclareceu, ainda, serem os patrões, ou a mando destes, que são cuidados os muros, a vinha (cujos ferros se encontram apoiados nos muros) e a própria calçada do “caminho”. Inquirida, entretanto, Maria A, irmã da já referida Maria L, com 91 anos, que ali vive há mais de 50 anos e que tem inquilinos; também ali chegou a viver, em casa ao lado cedida pela irmã. Quando visita a irmã costuma ali entrar pelo portão que dá Travessa A, o qual costuma estar fechado e para o qual tem a irmã as respectivas chaves, que lhe foram entregues pela requerente e marido. Referiu que, desde sempre aquele “caminho” foi conhecido como o “caminho do Sr. Faria”, que era o pai da requerente, ali não entrando qualquer pessoa; a latada também era conhecida como sendo daquele, com os ferros cravados no muro, que sempre teve como também ao mesmo pertencente. Confirmou ainda que o “caminho” havia sido calcetado pelo Sr. Cerqueira, companheiro da sua irmã, com a anuência do Sr. Faria. Por sua vez, Maria G referiu que conhece requerente há mais de 70 anos, porque o pai e mãe daquela haviam dado auxílio à sua família que, muito pobre, vivia nuns barracos à entrada do caminho do lado da actual Travessa A. Referiu que já ali existiam os portões e o “caminho”, na altura em saibo, conhecido como o “caminho do Sr. Faria”. Foi espontânea ao referir que “tudo aquilo era deles”, fazendo menção ao “caminho”, aos portões, à vinha, aos muros e, pese embora tenha admitido que por aqueles – os pais da requerente – era permitida a passagem das pessoas mais pobres para acederem à fonte ali existente, sublinhou que como caminho público nunca havia sido tido por ninguém. Por fim, António J, autarca desde 1977/78 e actual membro da União de Freguesias de Viana do Castelo, referiu que há cerca de 60 anos costumava ir com os colegas de escola para aquela zona e que conhecia o Sr. Faria, mas não frequentava a casa deste, excepção feita quando “à socapa” entravam no dito “caminho do Sr. Faria” para apanhar umas uvas e por ali passavam para cortar caminho até Santa Luzia. Entretanto, de acordo com o seu conhecimento funcional, e tal como o demonstra o ofício resposta que dirigiram à Câmara Municipal a propósito e cuja junção foi feita entretanto aos autos, a então denominada “Quelha M”, actual Travessa A é o limite do caminho público, sendo que dali até à Rua S o “caminho” existente encontra-se dentro da propriedade da requerente e marido, o qual, aliás, jamais foi objecto de qualquer intervenção pela Junta de Freguesia ou pela Câmara Municipal, quer ao nível da limpeza, quer de obras de manutenção; esclareceu, ainda, que a cartografia municipal – tal como aliás a toponímia – se não encontram devidamente actualizadas. As declarações prestadas nos termos supra expostos mereceram do Tribunal um juízo de credibilidade, atenta a isenção, objectividade e razão de ciência demonstrada, inabalada pelos depoimentos das testemunhas arroladas pela requerida. A saber, Cláudia M, arquitecta responsável pela obra levada a cabo pela requerida na casa de habitação id. nos autos, apesar da relação profissional que a prende àquela – ou talvez até por causa disso – mostrou-se de alguma forma comprometida nas afirmações que fez, sendo peremptória em afirmar que a classificação como domínio público do “caminho” em sujeito se justificava pelo entendimento que havia sido feito, perante si, pelos responsáveis pelo departamento de obras da Câmara Municipal sendo, segundo julga, irrelevantes quaisquer outros sinais contrários existentes no local – tais como os portões, os cachorros em pedra (que começou por negar existirem, acabando por referir deles se não recordar), etc. – ou relatos de quem quer que por ali viva há vários anos (que admitiu não ter consultado), tendo ainda referido entender que, pela configuração da (empena da) casa da requerida e do muro que nela encosta, outra não poderia ser a conclusão senão a de que fariam parte da mesma propriedade – neste caso da cliente, a requerida – e que estando a obra devidamente licenciada, nada haveria (nem sequer o embargo ocorrido, que começou por referir desconhecer, para acabar por admitir ter existido “qualquer oposição”) que justificasse a sua interrupção… o que, acrescente-se, demonstra um lastimoso desconhecimento e/ou desrespeito pelos usos e normas jurídicas inerentes à profissão que exerce. Na mesma senda, prestou depoimento Fernando P, engenheiro, gestor da obra levada a cabo pela requerida e colega de trabalho da testemunha anterior, o qual, acrescente-se, fazendo crer que acompanhara de perto a obra ab initio, deslocando-se diversas vezes ao local e mantendo regulares contactos com o respectivo encarregado, acabou por – pasme-se – afirmar desconhecer qualquer oposição, pedido de autorização para retirada da folha do portão (nesta parte já em contradição com as próprias afirmações da colega arquitecta) ou, sequer, embargo… “como não fui notificado nem pela Câmara nem pelo Tribunal” e, tendo a cliente mandado prosseguir com a obra, actualmente “o muro está todo demolido” (!). Para o fim deixamos a análise do depoimento prestado por Nuno M, que se assumiu como amigo da requerida desde há cerca de 10 anos, tendo aliás sido companheiro da filha daquela, e seu actual procurador, uma vez que a mesma tem residência habitual no estrangeiro. Referiu aquele ter habitado cerca de 3 a 4 anos na referida casa (até Dezembro de 2014), quando a mesma foi adquirida pela requerida, afirmando que “sempre utilizamos o caminho… para descarregar material pela portinha lateral, para tudo e mais alguma coisa… pensamos que era um caminho público para a rua debaixo… é a Travessa A … toda a gente a utilizava”, pese embora tenha admitido que o portão debaixo “chegou a estar fechado, até com cadeado” e que até “soube que havia questões quanto a quem teria direito a abrir ou fechar o portão de baixo”. Deste apontamento pessoal (“nós”), passou entretanto o depoente, de forma mais formal a referir “não temos registo… de nenhuma interpelação… ou oposição”, concluindo, enfim, que “a obra está licenciada… não podemos ir ao encontro de pressupostos que não são válidos”(!!), afigurando-se-nos que tais declarações ora transcritas resumem o carácter comprometido, parcial e revelador de um interesse pessoal no desfecho da causa com que foi prestado o respectivo depoimento. Neste contexto, relevantes se mostraram os elementos fotográficos juntos aos autos, pelos quais foi possível aferir (pelo menos, em parte) da realidade do local, ante a entretanto ocorrida prossecução da obra/demolição não obstante o operado embargo, que não pode deixar de fazer crer na destruição de sinais que se mostravam relevantes para uma mais precisa decisão aplicável ao caso em discussão! * Relativamente à restante matéria alegada, entende o Tribunal ser irrelevante para a decisão da causa, na medida em que se reporta a factos que não dizem respeito ao pedido ou causa de pedir da presente providência, quer porque dizem respeito meras conclusões, juízos de valor ou questões de direito. [transcrição de fls. 168 a 179]. * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO I) Alteração da matéria de facto Diverge a apelante da decisão da matéria de facto dizendo que com o presente recurso pretende a alteração da matéria de facto, devendo dar-se como não provados os factos elencados nos nºs 3.1, 3.2-C, 3.4, 3.5, 3.6, 3.7, 3.9, 3.10, 3.19, 3.23, 3,24, 3.27, 3.28, 3.29, 3.30, 3.31, 3.33, 3.38, 3.41, 3.42 e 3.44 dos factos provados. Indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, transcrevendo e indicando os trechos dos depoimentos das testemunhas em que se baseia e os documentos pertinentes. Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC, não só os que constam das três alíneas do n.º 1 como igualmente o imposto pela alínea a) do n.º 2. Cumpre, pois, apreciar. O art. 662º do actual CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art. 712º do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento. Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº 1, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto. Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa. As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. arts. 466º/3 e 607º/4 e 5 do CPC, que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos arts. 341º a 396º do CC. Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção. Provar significa demonstrar, de modo que não seja susceptível de refutação, a verdade do facto alegado. Nesse sentido, as partes, através de documentos, de testemunhas, de indícios, de presunções etc., demonstram a existência de certos factos passados, tornando-os presentes, a fim de que o juiz possa formar um juízo, para dizer quem tem razão. Como dispõe o art. 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. E, como ensina Manuel de Andrade, aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”. Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida” - in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192. Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreve Antunes Varela - in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420. Na situação sub judicio os factos em investigação admitem a prova testemunhal. Ora, como acima se referiu, o valor probatório dos depoimentos das testemunhas, nos termos do disposto no art. 396º do CC, está sujeito à livre (e conscienciosa) apreciação do julgador. Sendo admitida prova testemunhal (e na medida em que o seja), é igualmente permitido o recurso às presunções judiciais, de acordo com o disposto no art. 351º do CC, que são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – cfr. art. 349º, ainda do C C O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo. Como ensinou Vaz Serra “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência” - in B.M.J. nº 112, pág. 190. Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto. O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º/5 do CPC, cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como refere Antunes Varela – obra supracitada. Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art. 414º do CPC, que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art. 346º do CC. De acordo com o que acima ficou exposto, cumpre, pois, reapreciar a prova e verificar se dela resulta, com o grau de certeza exigível para fundamentar a convicção, o que a apelante pretende neste recurso. Como já referido supra, pretende a apelante a alteração da matéria de facto, devendo dar-se como não provados os factos elencados nos nºs 3.1, 3.2-C, 3.4, 3.5, 3.6, 3.7, 3.9, 3.10, 3.19, 3.23, 3,24, 3.27, 3.28, 3.29, 3.30, 3.31, 3.33, 3.38, 3.41, 3.42 e 3.44 dos factos provados. Isto porque entende que os meios probatórios constantes do processo e da gravação dos depoimentos das testemunhas (2), impunham ao julgador decisão diversa da recorrida. Defende a apelada a manutenção da decisão recorrida, que está correctamente fundamentada na prova testemunhal gravada e documental junta ao processo. A Srª Juíza a quo, na decisão e mais precisamente quanto à análise crítica da prova, depois de elencar a matéria que considerava indiciariamente provada e não provada, refere ter atendido aos elementos decorrentes da prova documental constante dos presentes autos, complementado pelo teor das declarações prestadas pelas várias testemunhas arroladas, quer pela Requerente quer pela Requerida. Tendo quanto aos documentos analisados constactado a clara confusão gerada em resultado da omissão e alguma falta de rigor no respectivo tratamento que a Câmara Municipal tem votado à questão, mas concluindo que de nenhuma declaração ou escrito se pode extrair senão que o “caminho” em discussão nos autos se trata de um caminho particular, não confundível com a ora denominada Travessa A (como o pretenderia a requerida). Revisitada a prova produzida, apreciada à luz da sua razão de ciência e tendo em conta as regras da experiência comum, sem ignorar que se está perante prova indiciária dado estarmos perante procedimento cautelar, somos levados a concluir uma diferente percepção, afigurando-se-nos que o “caminho” em discussão nos autos se não trata de um caminho particular, mas antes se confunde com a ora denominada Travessa A (como o pretende a requerida), a justificar alguma alteração das respostas dadas. De facto, tendo sempre presente a grande incerteza suscitada sobre a propriedade do “caminho” e tendo-se como assertivo o facto provado e elencado em 3.1 (Há mais de 80 anos, existia, no Lugar dos Sobreiros, Ursulinas, na antiga freguesia de Monserrate, em Viana do Castelo, um conjunto de prédios que formavam a Quinta dos Sobreiros de que faziam parte uma casa de habitação, cobertos, anexos e terrenos de cultivo, que pertenciam ao avô da aqui Requerente, Manuel C, e que, ao longo de tempo, foram vendidos e/ou partilhados, em diferentes partes e a diferentes proprietários), o que resultou do depoimento conjugado das testemunhas Maria F, Maria A e Maria G, verifica-se que ao longo do tempo, porventura em consequência do desmembramento da dita Quinta e da venda/partilha desses prédios em diferentes partes e a diferentes proprietários, o dito “caminho”, adequando-se a essa dinâmica, conheceu nova realidade. Não cabendo aqui pronunciarmo-nos, como bem refere a Srª Juíza a quo, sobre a classificação de um determinado troço/caminho/parcela como sendo do domínio público, cremos que a convicção do Tribunal a quo foi influenciada pela realidade constante do facto provado e elencado em 3.1, da crença das testemunhas mais velhas e conviventes com essa realidade antiga (ainda diziam que era o caminho do Sr. Sousa ou do Sr. Faria), com a questão da latada de vinha cimeira do “caminho” e a questão dos portões colocados nas duas extremidades do “caminho”. O que nada significa de per si, independentemente da propriedade dos portões, da latada de vinha cimeira do “caminho” e do facto de certas pessoas continuarem a chamar àquele “caminho”, o caminho do Sr. Sousa ou do Sr. Faria. Por outro lado, não se pode ignorar o despacho de 16 de Novembro de 1992 da Câmara Municipal de Viana do Castelo, por necessidade de “actualização toponímica”, que atribuiu ao caminho que “nasce da Rua de SJ, para Norte, curva para Nascente até à Rua S”, a designação de Travessa A (3). Travessa que anteriormente, nos documentos da Conservatória e das Finanças era apelidada de caminho (cfr. fls. 83 e 88), mas que actualmente, nos documentos das Finanças, já consta como Travessa A (cfr. fls. 64 (4) e 65 (5)). Dadas as dúvidas suscitadas, ao pretendermos melhor visualizar o local com recurso ao Google map, logo verificámos que presentemente o “caminho” em questão aparece aí denominado como Travessa A, como pretende a requerida/apelante, o que está conforme com o referido supra despacho da Câmara Municipal de Viana do Castelo de 16 de Novembro de 1992 e com o seu alvará de licenciamento de obras de edificação que esteve na origem desta providência cautelar de ratificação de embargo de obra nova, onde o prédio da apelante aparece a confrontar com a Travessa A (cfr. fls. 80). Como pode pois sustentar-se que a Travessa A é propriedade da requerente, como se considerou provado em 3.2-C? Assim, com a convicção indiciária ora explanada e decorrente da prova documental e testemunhal produzidas, decide-se, a final, em considerar provada e com relevância para a decisão da causa, a seguinte factualidade: 3.1. Há mais de 80 anos, existia, no Lugar dos Sobreiros, Ursulinas, na antiga freguesia de Monserrate, em Viana do Castelo, um conjunto de prédios que formavam a Quinta dos Sobreiros de que faziam parte uma casa de habitação, cobertos, anexos e terrenos de cultivo, que pertenciam ao avô da aqui Requerente, Manuel C, e que, ao longo de tempo, foram vendidos e/ou partilhados, em diferentes partes e a diferentes proprietários. 3.2. Actualmente, a requerente é dona e senhora dos prédios, a seguir identificados e provindos da aludida Quinta dos Sobreiros: a) Uma casa de habitação de rés-do-chão, primeiro andar, sótão e logradouro, situada em Sobreiros (Ursulinas), actualmente, Rua S, com o número de polícia n.º 111, da união de freguesias de Viana do Castelo (Santa Maria Maior e Monserrate) e Meadela, cidade e comarca de Viana do Castelo, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo urbano 723º do Serviço de Finanças de Viana do Castelo e descrita na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº 00106/160686. b) Campo de lavradio, vinha e árvores de fruto, situado em Sobreiros (Ursulinas) actualmente União de Freguesias de Viana do Castelo Monserrate e Santa Maria Maior) e Meadela, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 264º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1225/20020717. 3.3. Os prédios supra identificados nas alíneas a) e b) vieram à posse e ao domínio da requerente através de partilha exarada em escritura pública em 16 de Janeiro de 1982 a fls. 73 ve fls.76v do livro de notas para escrituras diversas nº 16 -F do Segundo Cartório Notarial de Viana do Castelo. 3.4. Existe no dito Lugar dos Sobreiros – Ursulinas, uma parcela de terreno com a área de 506,88m2, com a largura de cerca de 4m,60 e o cumprimento de 2m,24, dando acesso à Rua dos Sobreiros, a nascente e à Rua de SJ, a sul, parcela essa que confronta pelo Norte com a Requerente [prédio identificado na alínea a)], com José R e com a Requerida, Henriette M, pelo Sul com a Travessa M, com a Requerente [prédio identificado na alínea b)] e com Félix R, pelo Nascente com a Requerente [prédio identificado na alínea b)] e com a Rua S, e pelo Poente com Maria L e com loteamento da Sociedade Construções S, Lda, parcela essa que fazia parte integrante da chamada Quinta dos Sobreiros e tinha como função o trânsito, através dela, de pessoas e carros de bois entre a quinta e a via pública. 3.5. A dita função ou afectação ao trânsito dos donos, familiares e empregados dessa Quinta e ao trânsito de carros agrícolas para cultivo e amanho das respectivas terras perdurou até ao fracionamento dessa Quinta e divisão dela, em vários prédios autónomos, o que teve lugar há mais de 60 anos. 3.6. Com o passar do tempo e devido ao fracionamento e divisão referidos, desde há mais de 60 anos que essa parcela de terreno passou a ser utilizada pelos diversos proprietários dessas fracções autónomas, incluindo a requerente, que o começou a fazer também com os seus veículos automóveis. 3.7. . 3.8. A dita parcela de terreno está omissa, quer no Serviço de Finanças, quer na Conservatória de Registo Predial. 3.9. A dita parcela de terreno, após os fracionamentos e divisões da referida Quinta, passou a ser considerada por todos, como “caminho vicinal” ou “servidão de inquilinos”, passando a ser indicada como “servidão, “caminho”, “caminho particular” ou “caminho de servidão”, pelas pessoas dos lugares próximos e que a ela se referiam, assim e com qualquer destas últimas designações passando a constar dos documentos oficiais - escrituras públicas, certidões matriciais ou outros -, quer da junta de freguesia de Monserrate, quer da Câmara Municipal de Viana do Castelo, dando a dita Câmara Municipal, desde 1992, para efeito de actualização toponímica, a designação de “Travessa A”, tendo início na Rua SJ e fim na Rua S e sendo o “caminho” em causa, a própria “Travessa A”. 3.10. Há mais de 60 anos que o dito caminho tem, nos seus extremos, dois portões de ferro: um dá acesso à Rua S; o outro dá acesso à Travessa A, antiga Quelha de SJ. 3.11. O dito caminho corre no sentido Nascente-Poente, flecte para a esquerda, no sentido Norte-Sul, considerado, como ponto de referência, a referida Rua S. 3.12. Há mais de 60, 80 e mais anos que o dito caminho está separado, fisicamente, dos prédios confrontantes, por muros de pedra de ambos os lados, com excepção das partes delimitadas por paredes de casas de habitação. 3.13. Os referidos muros são de pedra antiga, sobreposta, com a mesma aparência. 3.14. Na extensão nascente-poente, os muros têm entre 45cm e 50cm de largura e 2,51m de altura. 3.15. Há cerca de 50 anos o leito, em duro, do caminho, inicialmente revestido com saibro e com pedras, foi calcetado com blocos de pedra (calçada à portuguesa), mantendo-se, até ao presente, com o mesmo pavimento. 3.16. Há mais de 60 anos que existe sobre o dito caminho uma latada de vinha. 3.17. Na parte do dito caminho que corre no sentido nascente-poente, os pés das videiras foram implantados, no solo, na vertical, e os ramos das videiras foram entrelaçados numa estrutura horizontal de ferro e arames, formando uma latada, a cerca de 3 metros de altura do solo, situação que ainda hoje se mantém. 3.18. A latada da vinha assenta em cachorros de pedra salientes encravados em toda a largura dos muros existentes a Norte do caminho e está cravada nos muros existentes a Sul. 3.19. Foram os antecessores da requerente que adquiriram, colocaram e foram cuidando dos ditos portões, que estavam indistintamente, nos últimos tempos, abertos ou fechados, deixando de ter interesse significativo, tendo sido esses antecessores – avô e pai da requerente – que construíram os muros, plantaram as videiras e construíram a latada de vinha que existe por cima do referido caminho. 3.20. Também foram os ditos antecessores da requerente que calcetaram (calçada à portuguesa) o leito do referido “caminho”, que antes, era revestido com saibro e pedras. 3.21. Há cerca de 20 anos, a requerente colocou na parte superior do portão existente, a nascente do caminho, uma placa de ferro com a inscrição do número de polícia atribuído à sua casa de habitação “111”. 3.22. Os mesmos algarismos estão colocados no portão da entrada da casa de habitação da requerente [prédio urbano identificado na alínea a) supra]. 3.23. Há mais de 60 anos que o avô da requerente, Manuel C, e o pai dela, Albano C, e após eles, a própria requerente, vêm tratando e usufruindo da referida latada. 3.24. . 3.25. A requerida é dona e legitima proprietária do prédio urbano sito na Rua S, n.º 113-A, da união de freguesias de Viana do Castelo (Santa Maria Maior e Monserrate) e Meadela, na cidade de Viana do Castelo, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1485 e descrito na Conservatória de Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 1494. 3.26. O prédio da requerida confronta pelo nascente com a Rua S, com acesso directo à via pública, e confronta pelo Sul com o caminho, fazendo a parede da sua casa a separação física com o caminho. 3.27. Há mais de 80 anos que a separação física entre o logradouro do prédio da requerida e o caminho se faz por um muro de pedra. 3.28. Inicialmente, o muro de pedra referido no artigo antecedente não tinha nenhuma abertura e os antecessores da requerida não tinham qualquer acesso, de pé ou carro, ao caminho. 3.29. Os antecessores da requerida, há já vários anos, fizeram uma abertura no muro, com 0,90 m de largura e 2,01 m de altura, dando saída e entrada para o “caminho”, sem haver oposição do pai da requerente. 3.30. . 3.31. . 3.32. No mês de Agosto ou Setembro de 2015, a requerida iniciou obras de demolição, reconstrução e ampliação do seu prédio, aprovadas e licenciadas pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, conforme resulta do Alvará de Licenciamento de Obras de Edificação – Demolição/Construção n.º 312/15. 3.33. . 3.34. . 3.35. Passados uns dias, a requerente verificou que, a requerida não só retirou o portão a nascente do caminho e o pilar que o sustentava, como ainda demoliu parte do muro de pedra, numa extensão de cerca de 4m. 3.36. A requerente e o marido foram, então, alertados, por vizinhos, de que a requerida pretendia construir um aparcamento automóvel, no logradouro do prédio dela, e que, para isso, tencionava demolir todo o muro de pedra que separa o seu prédio do caminho e retirar o portão a nascente, para “alargar” o mesmo com vista ao trânsito de pessoas e de veículos de tracção animal ou propulsão humana, de passageiros, de carga ou mistos, entre o logradouro do seu prédio e a via pública – Rua S – pelo caminho. 3.37. A requerente consultou o processo de obras – processo 129/14 LEDI – e confirmou que as informações que os vizinhos lhe prestaram tinham fundamento, pois que o projecto de arquitectura aprovado, pela Câmara Municipal, prevê: a eliminação do portão a nascente do caminho; a demolição do muro de pedra que separa o logradouro do prédio da requerida do caminho; a abertura de duas portas, na casa de habitação da requerida que deitam directamente para o caminho; a abertura de um portão, no logradouro do prédio, que deita directamente para o caminho. 3.38. Tal importará que o trânsito, de pessoas e principalmente de veículos automóveis, de e para o prédio da requerida, passará a fazer-se pelo caminho, e que serão eliminados, a título definitivo, o muro de pedra que separa o caminho do logradouro do prédio da requerida, parte da vinha e da latada que assenta no referido muro e o portão a nascente do caminho, levando a que uma parte deste (terreno particular) possa ser considerada, no futuro, terreno do domínio público. 3.39. No processo de licenciamento que correu termos na Câmara Municipal de Viana do Castelo, a requerida indicou que o seu prédio confrontava a sul com a Travessa A, tendo-se comprometido a ceder 19,15m ao domínio público para alargar aquele troço e a demolir o muro em toda a extensão a sul do seu prédio bem como a retirar portão a nascente do caminho. 3.40. Entretanto, no início do referido processo de obras – processo 129/14 LEDI – a requerida havia junto ao mesmo fotografias e um levantamento topográfico nos quais identifica, para além do mais, o caminho como caminho particular. 3.41. . 3.42. . 3.43. . 3.44. A requerente, após ter tido conhecimento do projecto de arquitectura aprovado, comunicou à requerida que não autorizava que esta demolisse o muro nem que retirasse o portão a nascente. 3.45. Acontece que, em 17 de Maio de 2016, os trabalhadores da obra demoliram cerca de 1 metro da parte superior do muro da requerente, tendo, ao mesmo tempo, feito passar pelo caminho uma máquina tipo retroescavadora e um camião para transporte de entulho. 3.46. Receando que se concretizasse a demolição total do muro, a requerente, na falta da requerida no local, notificou verbalmente o encarregado da obra, António M, na presença de duas testemunhas, Ana P e Maria F, para suspender imediatamente a demolição do seu muro e consequentemente, a demolição da vinha e latada assente no mesmo. 3.47. Mais o notificou para não retirar a folha do portão que existe a nascente do caminho e para os trabalhadores não voltarem a transitar a pé ou de camião pelo caminho, bem como para se abster de fazer quaisquer aberturas que deitem directamente para o caminho, sejam elas portas ou janelas. 3.48. No dia 18.05.2016, após o embargo extrajudicial, a requerida continuou a demolir o seu muro que separa o logradouro do seu prédio, do caminho público, encontrando-se aquele na presente data totalmente derrubado e as respectivas pedras removidas do local. E, na mesma linha, em considerar não provado, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos: a) A requerente é dona e senhora do prédio a seguir identificado e provindo da aludida Quinta dos Sobreiros: Uma parcela de terreno com a área de 506,88m2, que confronta pelo Norte com a Requerente (prédio identificado na alínea A), com José R e com a Requerida, Henriette M, pelo Sul com a Travessa M, com a Requerente (prédio identificado na alínea b) e com Félix R, pelo Nascente com a Requerente (prédio identificado na alínea b) e com a Rua S, e pelo Poente com Maria L e com loteamento da Sociedade Construções S, Lda. b) No mesmo dia e ano em que celebrou a escritura de partilhas, a requerente tomou posse da parcela de terreno identificado em 3.4., passando, a partir de então, a exercer os respectivos poderes e a praticar os actos correspondentes, nos mesmos moldes e circunstâncias dos seus antecessores. c) A requerida, por si e ou seus antecessores, nunca transitou, de veículo de tracção animal ou propulsão humana, de passageiros, de carga ou misto, pelo referido caminho, fosse no sentido norte-sul, fosse no sentido poente-nascente e vice-versa. d) E nunca fez uso do portão existente na extrema nascente do caminho ou praticou relativamente a ele e ao situado a sul qualquer acto de posse. e) Na execução dos trabalhos de demolição da casa de habitação que existia no prédio da requerida, o encarregado da obra pediu autorização ao marido da requerente para retirar, temporariamente, metade do portão a nascente do caminho e o pilar que o sustentava, para, segundo ele, os não danificar e comprometeu-se a colocá-los, no mesmo local, assim que a obra o permitisse. f) O marido da requerente autorizou a retirada da folha do portão e do pilar ao qual estava fixado com a condição de os voltar a colocar no local. g) A eliminação do referido muro, da vinha, da latada e do portão a nascente do caminho, assim como, o trânsito, de pé e de veículos de tracção animal ou propulsão humana, de passageiros, de carga ou mistos, de e para o prédio da requerida, por troço do caminho supra identificado, atentam contra a propriedade da requerente. h) E causarão prejuízos de difícil reparação ao património da requerente por se tratar de um muro com mais de 100 anos cuja reposição, em caso de demolição, será difícil ou mesmo impossível. i) A destruição de um património de família com características muito rústicas causa grande tristeza, desgosto e sofrimento moral à requerente. Procede, pois, o recurso, quanto a esta parte. II) Reapreciação da decisão de mérito da acção Estamos perante um procedimento cautelar: ratificação do embargo extrajudicial de obra nova, que é um requisito da eficácia do embargo extrajudicialmente efectuado (art. 397º/3 do CPC). O embargo de obra nova (ou a ratificação judicial do embargo extrajudicial de obra nova) não é uma acção declarativa, não aspira à tutela directa do direito substancial que se pretende ver definido; é sim, um meio de tutela indirecta desse direito, através da tutela directa do meio processual que a ele tende: arts. 364º e 397º do CPC. A composição provisória realizada através da providência cautelar solicitada (neste caso, a ratificação judicial do embargo feito) destina-se a garantir a eficácia e a utilidade da própria tutela processual, sendo por isso instrumental perante a tutela processual e mediatamente instrumental em relação à própria situação jurídica substancial que se pretende ver acautelada: “a composição provisória assegura a efectividade da tutela jurisdicional”. Por isso, o “objecto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada ou tutelada, mas, consoante a sua finalidade, a garantia da situação, a regulação provisória ou a antecipação da tutela que for requerida” (assim, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 229). É em consequência da sua instrumentalidade em relação à acção de que é dependência que o procedimento cautelar deve ser apensado à acção principal (art. 323º/2 e 3), motivo por que corre necessariamente no Tribunal que for competente para a acção principal. Daqui ressalta que o direito (substantivo) litigado não é o embargo da obra nova (este é um meio cautelar de defesa do direito litigado), nem é mesmo a obra feita ou iniciada, mas o direito que (se diz que) a obra nova ofende: direito de propriedade. Como se sabe os procedimentos cautelares constituem instrumentos processuais destinados a prevenir a violação grave ou de difícil reparação de direitos, derivada da demora natural de uma decisão judicial. Representam, por isso, uma garantia de eficácia, em relação à decisão a proferir no processo principal. Decorre da necessidade desta eficácia, a urgência do processo de providência cautelar e concomitantemente, a análise apenas sumária da situação de facto, “summaria cognitio”, de forma a fazer-se um mero juízo sobre a provável existência do direito, “fumus boni juris”, e o receio justificado da necessidade da providência, de forma a evitar que o direito seja seriamente afectado ou até inutilizado “periculum in mora”. Como refere António Geraldes, in “Temas da Reforma de Processo Civil”, III Vol. pág. 35, os procedimentos cautelares “são, afinal, uma antecâmara do processo principal, possibilitando a emissão de uma decisão interina ou provisória destinada a atenuar os efeitos erosivos decorrentes da demora na resolução definitiva ou a tornar frutuosa a decisão que, porventura, seja favorável ao requerente”. O embargo de obra nova rege-se pelas disposições que lhe são próprias e subsidiariamente, ou seja, em tudo quanto não se encontre especialmente prevenido, pelas disposições aplicáveis ao procedimento cautelar comum. O que significa, como adverte Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, 3.º vol., pág. 333, que: “a) Atenta a regra da especialidade, deve dar-se prioridade às normas especificamente previstas na regulamentação de cada um dos procedimentos; b) Devem ser excluídas todas as normas que não se adaptem a cada um destes procedimentos específicos; (…)”. O art. 397º do CPC, dispõe no seu n.º 1 que “aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”. O n.º 2 do mesmo normativo estatui que “o interessado pode também fazer directamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir, para a não continuar”. Resulta assim que o embargo judicial e a ratificação do embargo extrajudicial de obra nova obedecem aos seguintes requisitos, cumulativos: a) - que o requerente seja titular de um direito de propriedade, de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse; b) - que o requerente se julgue ofendido no seu direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo; c) - que a obra, trabalho ou serviço novo cause ou ameace causar prejuízos ao requerente. E para além daqueles requisitos, é ainda necessário que o requerente peça a suspensão da obra no prazo de 30 dias a contar do conhecimento da mesma. O requerente pode também fazer o embargo directamente, por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar, devendo, neste caso, requerer a ratificação judicial do embargo no prazo de cinco dias, sob pena de o embargo ficar sem efeito, cfr. n.ºs 2 e 3 do citado preceito legal. A alegação e a prova da verificação desses requisitos competem ao requerente, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 342º do CC. Para isso, no entanto, deve ele alegar e justificar de forma mesmo sumária os factos de onde deriva o seu direito e a ilicitude da actuação do requerido, indicando, de forma clara, em que consiste o seu direito, em que medida é que se julga ofendido nesse direito, que tipo de obra, trabalho ou serviço novo é que está a ser levado a efeito e que prejuízos a obra, trabalho ou serviço novo lhe causam ou ameaçam causar. Assim para que o facto ofensivo possa desencadear o mecanismo legal do embargo de obra nova é necessário que se tenha começado obra nova, que esta não esteja ainda concluída e que cause prejuízo ao direito de outrem, ou que venha a causá-lo. Ou dito de outra forma, para que proceda o embargo de obra nova, necessário é, além do mais, que a obra tenha já sido iniciada, mas não esteja ainda concluída e que consista num facto ilícito. E para se considerar iniciada a obra, é indispensável que se verifique um começo de execução material, não bastando os preparativos feitos para a realizar. No caso em apreço nos autos, não logrou a embargante provar, desde logo, o requisito supra referido em primeiro lugar, isto é, ser titular de um direito de propriedade, de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse. Consequentemente, jamais a mesma poderia julgar-se ofendida no seu direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo. Sendo os requisitos de verificação cumulativa e a ela cabendo essa prova (vd. supra referido art. 342º/1 do CC). Não podendo, pois, ser ratificado o embargo de obra nova extrajudicial que a embargante realizou no dia 17-05-2016. Em consequência do enquadramento feito, fica sem efeito o demais determinado pelo tribunal a quo, a saber, “Determinar a proibição da requerida Henriette M, seus representantes, trabalhadores da obra ou quaisquer outras pessoas que com ela se relacionem, de transitarem, a pé e/ou de veículos de tracção animal ou propulsão humana, de passageiros, de carga ou mistos, pela referida parcela de terreno; Mais se determinou, nos termos da previsão do art. 402º do CPC, a condenação da requerida Henriette M a repor a situação no estado em que se encontrava aquando do embargo operado extrajudicialmente e por nesta sede ratificado, para o que se lhe concede o prazo de 30 (trinta) dias com vista à reconstrução do muro de pedra sito a sul do seu prédio na extensão em que o mesmo se encontra demolido.”. Procede, assim, totalmente o recurso. * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC) I – O embargo de obra nova tem como pressupostos que o requerente seja titular de um direito de propriedade ou outro direito real ou pessoal de gozo, ou da sua posse e que esse direito tenha sido ofendido por obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause prejuízo. II – A alegação e a prova da verificação desses requisitos competem ao requerente, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 342º do CC. * 6 – DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em: 1.- Conceder provimento à impugnação da apelante no que concerne às respostas do tribunal a quo dadas à matéria de facto indiciariamente provada; 2.- Conceder procedência à apelação, revogando a decisão recorrida que se substitui por outra que julga improcedente o embargo de obra nova deduzido e o demais determinado por essa decisão. Custas a cargo da apelada. Notifique. * Guimarães, 13-10-2016 (José Cravo) (António Figueiredo de Almeida) (Maria Cristina Cerdeira) * (1) Tribunal de origem: Comarca de Viana do Castelo – Instância Local - Secção Cível - J2. (2) Refere mesmo que dos depoimentos das testemunhas arroladas pela requerente não foi feita prova alguma, ainda que indiciariamente, quanto a tais factos, nenhuma tendo demonstrado conhecimento concreto relativamente a eles, para além de “ouvir dizer”. (3) Tal Travessa consta também da toponímia da freguesia de Monserrate, aonde se situam os prédios em causa nos autos (cfr. fls. 84). (4) Diz respeito à casa de habitação de Maria de Lurdes Rodrigues Gonçalves Ramos, que também se serve do caminho em causa. (5) Diz respeito à própria casa de habitação da requerente/recorrente. |