Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO SANTOS | ||
Descritores: | OBRIGAÇÃO NATURAL ALIMENTOS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/11/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - As obrigações naturais, fundando-se num mero dever de ordem moral ou social, e não sendo o seu cumprimento judicialmente exigível, devem porém corresponder a um dever de justiça, cabendo em ultima análise aos tribunais, em cada caso, definir, segundo o sentimento prevalecente no meio social, se se está na presença de um simples dever moral ou social ou de um verdadeiro dever de justiça; II – As relações de afecto reciproco existentes por vários anos entre afilhado e padrinho, e, bem assim, o amparo e a protecção conferida pelo segundo ao primeiro durante vários anos, justifica concluir pela existência de uma obrigação natural em sede de prestação de alimentos do afilhado ao padrinho; III - A falta de causa do enriquecimento do demandado carece de ser pelo autor/empobrecido alegada e provada, maxime e v.g deve ele alegar e provar que as deslocações patrimoniais - v.g. do A/afilhado para o R/padrinho - se verificaram no pressuposto, entretanto não verificado, de o autor vir a ser instituído pelo segundo como seu herdeiro. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Guimarães * * * * * 1.Relatório. A e I, intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo Ordinário, contra O, pedindo que : - Sendo a acção julgada provada e procedente, seja em consequência o Réu condenado a pagar , ao primeiro autor, a quantia de € 32.400,35 , e , à segunda autora, o montante de € 48.749,37, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento. 1.1. – Alegaram os Autores , para tanto e em síntese, que : - O Réu , que é solteiro e tem 76 anos, é padrinho de ambos os AA , e , a solicitação do próprio, os AA prestaram-lhe diversos serviços e dele cuidaram, bem como da sua companheira, sendo que, então, dizia o Réu que lhes pagava e, ademais, de há uns anos a esta parte afirmava também que futuramente seriam os AA os seus herdeiros , pois que já tinha já feito o testamento para os compensar de tudo o que com ele tinham gasto; - Designadamente, após a morte da sua companheira, os AA faziam diariamente companhia ao Réu , assegurando que nada lhe faltasse, prestando-lhe assistência e cuidados de saúde , levando-lhe alimentos e organizando festas de aniversário, pagando-lhe tudo, inclusive os presentes, razão porque não é legítimo que o Réu veja aumentado o seu património à custa do dos AA ; - De resto, o Réu nada decidia sem previamente consultar o autor, fornecendo-lhe ainda o autor a lenha ( ascendendo a uma quantidade de 150 toneladas nos últimos 12 a 15 anos ) para consumo no fogão e no forno, afirmando o réu que lhe pagava, e , por ocasião das podas das videiras, vindimas, sementeira de batatas, colheita e outros serviços agrícolas, o Réu pedia pessoas para ajudar, enviando-lhe o autor empregados seus, a quem pagava, e emprestando-lhe carrinhas e tractores, despendendo anualmente quantia na ordem dos € 550, o que sucedeu nos últimos 10 a 12 anos; - Também a Autora I, que viveu desde os 3 anos em casa do Réu , e mesmo quando ainda adolescente, prestou diversos serviços ao réu, como se de uma sua empregada doméstica se tratasse , em casa e nos campos, o que sucedeu até ao casamento em 1995 e, a partir de então , praticamente todos os dias ia a casa do réu prestar-lhe serviços de casa, ajudando nas vindimas, sementeiras, colheitas e tratando dos animais, o que tudo fez sem que nada lhe tivesse sido pago, e isto apesar de o réu dizer que havia de pagar à autora; - Sucede que, no final de 2006, o Réu cortou relações com ambos os AA ,o que fez sem que apresentasse e tivesse qualquer justificação, começando a dizer a várias pessoas que estava a ser roubado . 1.2. - Citado, contestou o Réu, essencialmente por impugnação motivada [ aduzindo v.g. que sendo os Autores seus afilhados, de vez em quando iam a sua casa, levam-lhe qualquer coisa de comer, mas nunca por imposição ou pedido seu, e mesmo as prendas, festas de aniversário e passeios foram meros actos de dever social de cortesia ] , e pugnando pela improcedência in totum da acção. O Réu, ainda em sede de contestação, deduziu porém pedido reconvencional, peticionando a condenação dos AA a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00 a título de indemnização de danos não patrimoniais causados, invocando como causa de pedir o comportamento dos AA, pois que, alegadamente o têm perseguido, dirigindo-lhe palavras injuriosas, designadamente apodando-o de ladrão e dizendo que sofre de insanidade mental , não estando capaz de gerir a sua pessoa e bens, e denegrindo a sua imagem, o que tudo tem angustiado e incomodado o réu. 1.3. - Após a Réplica e Tréplica, foi o pedido reconvencional admitido , e , dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador ( no âmbito do qual julgou improcedente pretensa excepção de incompetência material e se pronunciou pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais ) , tendo ainda sido seleccionados os factos assentes/provados e elaborada a base instrutória da causa , peças estas que não foram objecto de reclamações. 1.4. - Na sequência do óbito do Autor, procedeu-se de seguida à habilitação do herdeiro testamentário e, finalmente, teve lugar a audiência de discussão e julgamento , com observância do legal formalismo. 1.5 .- De seguida, após a conclusão da audiência final ( em 15/5/2015), foram os autos conclusos para a elaboração da competente Sentença, vindo a mesma a ser proferida a 7/7/2015 , e sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor: “ VI. DECISÃO Em face do exposto, o Tribunal: I. Julgando a acção não provada e improcedente absolve o Réu habilitado Centro Social Paroquial S, dos pedidos formulados pelos Autores A e I. II. Julgando a reconvenção não provada e improcedente absolve os reconvindos A e I do pedido formulado pelo reconvinte habilitado Centro Social Paroquial S. Custas da acção e da reconvenção, respectivamente, a cargo dos Autores e do Réu habilitado. Registe e notifique. Guimarães, 7 de Julho de 2015 “ 1.6. - Inconformados , e discordando da sentença proferida, vieram então os AA A e I da mesma apelar. Na respectiva instância recursória, formularam os recorrentes as seguintes conclusões : I) Vem o presente recurso interposto pelos recorrentes, da Douta Sentença, que antecede, e que julgou a acção intentada por aqueles não provada e improcedente, absolvendo a recorrida dos pedidos formulados. II) Os recorrentes formularam os seguintes pedidos na presente acção: c) pagar ao A. A a quantia de 32.400,35€, quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e; d) pagar à A. I a quantia de 48.749,37€, quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento. III) Conforme é referido da douta sentença agora em crise, quanto as questões a decidir, são as seguintes: “- saber se foi acordado entre os Autores e o Réu que os primeiros prestariam serviços de natureza variada mediante pagamento de retribuição”; “- determinar se os Autores assumiram condutas susceptíveis de gerar na esfera jurídica do Réu direito de indemnização.” IV) Concluiu a Douta Sentença recorrida, que os pedidos formulados pelos ora recorrentes não têm fundamento, pelo que foram julgados improcedentes. V) A decisão proferida sobre a matéria de facto fez um errada apreciação da prova, quer pelo facto de nas respostas a alguns quesitos da base instrutória serem provados de forma restritiva, quer porque alguns quesitos não foram dados como provados, e que deviam ter sido. VI) O Tribunal “a quo” não ponderou convenientemente alguns depoimentos, e noutros casos ponderou mal a prova testemunhal e documental proferida e apresentada. VII) Com base nos elementos de prova acima identificados e pelas razões lá expostas e para que se remete, deve ser alterada a decisão proferida em sede de matéria de facto, considerando-se provado que: - 10. O Réu sempre teve limitações, e desde pelo menos 1997 até à sua morte, os problemas de saúde agravaram-se, sofrendo de problemas na próstata, de hipertensão (problemas cardíacos), articulares e de neurologia ( perda de memória) necessitando de cuidados de terceiros. ( resposta aos artigos 14º, 15º e 16º da base instrutória). - 4. A pedido do réu, os autores cuidaram dele e da companheira ( resposta ao quesito 1º da base instrutória). - 5. O Réu dizia que aos Autores que havia de lhes pagar todos os cuidados e serviços por eles prestados, fazendo deles seus herdeiros, e para tal já havia lavrado testamento em os Autores eram os beneficiários. - 6. Após o momento identificado em 3) os Autores continuaram a visitar o Réu na sua casa, passando a fazê-lo diariamente, para ver se estava bem e para lhe fazerem companhia ( resposta aos artigos 5º a 9º da base instrutória). - 15. O Réu ia a consultas em Fafe e realizava exames complementares de diagnóstico no Porto e em Braga, marcadas ora pelo Autor ora pela Autora, sendo também acompanhado ora pelo Autor, ora pela Autora, tendo esta por vezes de faltar ao seu trabalho. (resposta aos artigos 26º a 30º e 37º da base instrutória). - 14. “ A pedido do Réu e durante os últimos 15 anos, cinco a seis vezes por ano, o Autor forneceu-lhe e ele e à sua companheira lenha para o fogão. ( resposta aos artigos 43º e 46º da base instrutória )”. - 17. “ O Autor pagava aos seus funcionários pelos trabalhos realizados e mencionados no supra número 16. ( resposta ao artigo 49º da base instrutória)”. - 18. “ Quando a Junta de Freguesia necessitou de alargar o caminho público que confrontava com um campo do Réu, este pediu ao Autor para tratar do assunto, e este cedeu terreno, e como o prédio já tinha um muro, a contrapartida da edificação de um muro de vedação do prédio, tendo também o Autor negociado com o empreiteiro a sua construção em pedra, que mandou executar pagando valor não concretamente apurado. (resposta ao artigo 53º da base instrutória)”. - Quesito 22º da base instrutória: “O Réu exigiu que fossem os autores quem colocasse as gotas”. - Quesito 38º da base instrutória: “O que lhe foi descontado no respectivo salário”. - Quesito 45º da base instrutória: “A lenha entregue pelo autor ao réu atinge as 150 toneladas”. - Quesito 52º da base instrutória: “O Autor pagou a quantia de 1.500,00€ em reparações do veículo automóvel do Réu”. - Quesitos 59º, 60º, 61º e 63º da base instrutória: “O Autor pagou a quantia de 706,51€ com despesas de saúde referentes ao Réu, a quantia de 1.133,84€ de contribuição autárquica dos prédios do R. e a quantia de 546,74€ com o registo dos prédios do R.” - Quesitos 64º, 65º e 66º da base instrutória: “A autora desde a morte da companheira do Réu, efectuou diariamente os serviços domésticos na casa do Réu, bem como participou nas vindimas realizadas pelo Réu e tratava dos animais que este criava”. VIII) Deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, devendo os pontos supra impugnados serem decididos nos termos supra expostos e apontados termos, de harmonia com o disposto nos arts. 640º e 662º ambos do CPC. IX) O Tribunal “a quo” assente a matéria de facto, e depois de enunciar ou suscitar uma série de questões no enquadramento jurídico, entendeu estarmos perante ou no domínio das obrigações naturais, estas definidas no art. 402º do C. Civil, e no que se refere ao muro não aplicou o instituto do enriquecimento sem causa nos termos dos disposto no art. 473º também do C. Civil. X) Só estamos perante uma obrigação natural quando há um dever moral ou social, sendo esta obrigação caracterizada por não ser possível exigi-la judicialmente, a que corresponde um dever de justiça. Exige-se que o dever expresso no art. 402º do C.C. não seja só à consciência moral, mas mais que isso, seja ou respeite também à consciência jurídica (dever de justiça). XI) As obrigações naturais são casos que se situam na fronteira entre os deveres de ordem moral ou social e os deveres jurídicos. Exigindo-se nas obrigações naturais um dever moral ou social, e que este dever seja ou corresponda um dever de justiça. XII) O autor Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 12º Edição, pág. 171 e ss.,diz a determinado passo que: “Contudo, um escrúpulo de consciência meramente subjectivo não bastará para justificar uma obrigação natural. Seria ir demasiado longe. Importa que esse dever de consciência corresponda às concepções sociais, que se mostre objectivamente aprovado e tido como normal”. – o sublinhado é nosso. Aliás este autor diz mesmo que nas obrigações naturais: “... exige-se que o dever de uma pessoa para com a outra não respeite somente à consciência moral, mas algo mais, que respeite também à consciência jurídica. Consistindo num simples dever de caridade, de dedicação, de amor, ainda que fundados na moral, traduzir-se-á em liberalidade”. XIII) E Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 7ª Edição, Vol. 1, pág. 713 e ss., diz que: “ o art. 402º do C.C. consagra de facto, a obrigação natural como uma figura de carácter geral, estendendo o seu domínio a todos os deveres de ordem moral e social cujo cumprimento não seja judicialmente exigível, mas corresponda a um dever de justiça”. No entanto, ressalva o Autor que, apesar do visível alargamento do instituto, não se deve exagerar o alcance social da obrigação natural. XIV) Estamos perante uma obrigação natural nos termos dos disposto nos arts. 402º e 403º ambos do C.C., quando existe uma obrigação moral ou social que é prestada espontaneamente pelo devedor, prestação essa efectuada com a intenção de cumprir o dever existente, onde tanto o elemento objectivo (existência do dever de justiça), como o elemento subjectivo correspondente (intenção de cumprir o dever) são requisitos fundamentais das obrigações naturais. XV) Os recorrentes prestaram os cuidados e os serviços descritos, ao R. O e sua companheira, independentemente do carinho e amor que tinham por ele, que nunca o negaram, mas não por qualquer dever moral ou social, não ficou provado que os recorrentes prestaram os referidos serviços e cuidados ao R. Avelino pensando estar a cumprir com um dever, moral ou social, como se pode ver da fundamentação de facto da Douta Sentença recorrida. XVI) Não resulta para os afilhados qualquer obrigação ou dever de justiça na relação afilhados/padrinho (recorrentes/R. O). XVI) São requisitos fundamentais das obrigações naturais, tanto o elemento objectivo (existência do dever de justiça), como o elemento subjectivo correspondente (intenção de cumprir o dever) e não tendo resultado provado qualquer uma, não estamos perante a figura das obrigações naturais, não se aplicando “in casu”. XVII) Não estamos perante obrigações naturais porque os recorrentes prestavam os serviços e cuidados ao R. O e sua companheira, convictos de que haveria retorno, convictos que seriam pagos por tais serviços e cuidados que prestaram. XVIII) A própria Douta Sentença recorrida afirma que os recorrentes estavam convictos do retorno, que iriam ser compensados ao serem herdeiros do R. O ao que acresce o facto de este ter lavrado um testamento em que eram os recorrentes beneficiários. XIX) Fundando-se a prestação dos serviços e dos cuidados realizados pelos recorrentes ao R. O, na convicção que haverá retorno, não estarmos no âmbito da figura das obrigações naturais. XX) Neste sentido vai o Acórdão da Relação do Porto, de 04 /03/2002, vide in www.dgsi.pt, e onde no seu sumário diz: I – Quem paga as despesas médicas e hospitalares de um irmão que permaneceu em estado de coma durante mais de três anos, no convencimento de que esse irmão, se sobrevivesse, o reembolsaria do montante despendido, não cumpre uma obrigação natural. II – O fundamento jurídico para o reembolso dessas despesas é o enriquecimento sem causa. XXI) Como refere o referido Acórdão, citando Almeida Costa, “o ponto de partida da indagação reside na própria consciência da pessoa que realiza a prestação, no pensamento que a inspira”. XXII) Não estando os presentes autos perante uma obrigação natural, nem sequer perante qualquer liberalidade nos actos praticados pelos recorrentes, resulta estarmos perante uma obrigação civil. XXIII) Os actos (cuidados e serviços prestados pelos recorrentes ao R. Avelino) enquadram-se na figura do enriquecimento sem causa. XXIV) Os recorrentes não têm outro meio jurídico de serem indemnizados ou restituídos dos montantes por eles despendidos e pelos serviços por eles prestados, pelo que e atento o disposto no art. 474º do C.C, só através da figura do enriquecimento sem causa podem os recorrentes pedir a restituição daquilo com que o R. O injustificadamente se locupletou. XXV) Refere o Acórdão da Relação do Porto, supra citado que: “Para existir enriquecimento sem causa, pressuposto é que haja enriquecimento, um empobrecimento, um nexo causal entre um e outro e ainda falta de causas justificativas da deslocação patrimonial verificada”. XXVI) O enriquecimento pode ser avaliável em dinheiro ou como pode ainda consistir tão-só em vantagens não patrimoniais, destituídas de valor económico. O mesmo supra mencionado Almeida Costa, nas mesma obra citada diz que: “Parece fora de dúvida a solução afirmativa, sempre que a vantagem obtida, embora de ordem não patrimonial, produza consequências apreciáveis em dinheiro, que dizer, quando se converta numa vantagem patrimonial indirecta”. XXVII) O enriquecimento que se obtenha à custa de outrem, onde a vantagem patrimonial obtida por uma pessoa, corresponde a uma perda sofrida por outra pessoa, isto é, um enriquecimento à custa de um empobrecimento, podendo não haver efectivo empobrecimento, mas apenas um sacrifício económico, como diminuição de património ou uma privação de um aumento. XXVIII) Conforme Ac. STJ., BMJ, 213, 214, este diz: “A falta de causa traduz-se na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios, legitime o enriquecimento, ou o enriquecimento é destituído de causa quando, segundo a ordenação jurídica dos bens, ele cabe a outrem”. XXIX) Em resumo, veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães, de 17.05.2006, in www.dgsi.pt, onde no mesmo é referido: “No dizer de Vaz Serra, in BMJ, nº 81, pág. 37, o enriquecimento sem causa, como fonte da obrigação de restituir, tem a sua razão de ser nos casos em que, embora o direito considere legal a produção de certo efeitos, estes representam um enriquecimento injusto de alguém à custa alheia”. ...A inexistência de causa justificativa – quer porque nunca atenha tido, quer porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido – traduz-se na inexistência de uma relação ou de uma facto que, à luz do direito, da ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento”. XXX) Os recorrentes prestaram ao R. O e sua companheira, ao longo de vários anos, vários serviços e cuidados, estes elencados quer na petição inicial quer na matéria de facto dada como provada. XXXI) Ficou também provado que o R. O não pagou qualquer destes serviços e cuidados prestados pelos recorrentes. XXXII) A prestação dos serviços e cuidados prestados pelos recorrentes, desde o pagamento do muro, das despesas médicas, das contribuições autárquicas, das revisões do carro, fornecimento de lenha, deslocações para acompanhar o R. O a consultas e exames complementares de diagnóstico, nos trabalhos domésticos e trabalhos agrícolas, tudo suportado pelos recorrentes, o património desde ficou empobrecido, pelo menos um sacrifício económico, como diminuição de património ou uma privação de um aumento. XXXIII) E o património do R. O viu-se enriquecido à custa dos recorrentes, pois se este não pagava os supra descritos serviços e cuidados prestados pelos recorrentes, houve quer uma vantagem de ordem não patrimonial que produz consequências apreciáveis em dinheiro - vantagem patrimonial indirecta, quer uma vantagem de ordem patrimonial com o aumento de valor do mesmo (a título de exemplo a construção do muro) - vantagem patrimonial directa. XXXIV) Dos excertos supra transcritos, é a própria Mta. Juiz do Tribunal “a quo” que conclui que o R. O poupava e consequentemente enriquecia o seu património. XXXV) Como nos diz o já supra mencionado Almeida Costa, na mesma obra citada, que: “O enriquecimento pode produzir-se independentemente da vontade do enriquecido e da pessoa à custa de quem ele se produz. Daí que a lei se contente com o facto objectivo do enriquecimento.” XXXVI) Não existe uma relação ou um facto, entre os recorrentes e o R. O, que à luz do direito e da ordenação jurídica dos bens que legitime o enriquecimento do património deste, quer de forma directa quer indirecta como supra se alegou, não havendo consequentemente causa justificativa para tal enriquecimento. XXXVII) Estamos perante a situação de o R. O ter indevidamente recebido (condictio indebiti) dos recorrentes a prestação de serviços e cuidados, tendo assim estes direito à restituição do que prestaram. XXXVIII) Os recorrentes ao terem cumprido uma obrigação inexistente, aplica-se o art. 476º, nº 1, do C.C., pois este é uma concretização do condictio indebiti, isto é, tem por objecto o indevidamente recebido. Tendo os recorrentes direito à repetição do que prestaram (repetição do indevido), pois o cumprimento de obrigação inexistente confere, pura e simplesmente, ao seu autor, o direito à repetição – artigo 476º, nº 1. XXXIX) Segundo Vaz Serra, in RLJ, 114, 23: “A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende o tenha sido obtido à custa do empobrecimento ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (art. 479º, nº 1), não podendo essa obrigação exceder a medida do locupletamento à data da verificação de alguns factos referidos nas duas alíneas do art. 480º (art. 479º, nº 2)”. XL) O autor Almeida Costa, na sua obra supra citada, sustenta que e segundo o art. 479º do C.C, nos casos em que se cumpre uma obrigação objectivamente inexistente (como é in casu), recai sobre quem se locupletou injustamente a obrigação de restituir ao empobrecido tudo quanto haja obtido à sua custa, e não sendo possível a restituição em espécie, entregará o valor correspondente. Sendo que a obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento. ... “o beneficiário deve entregar, em princípio na medida do respectivo locupletamento, isto é, atendendo-se aos seu enriquecimento patrimonial ou efectivo e não real, nunca mais, todavia, do que o quantitativo do empobrecimento do lesado, caso se mostre inferior àquele”. XLI) Nos termos do disposto do art. 480º do C.C., há agravamento da obrigação de restituição no que concerne a juros legais das quantias a que o empobrecido tiver direito, direito este depois de o enriquecido ter sido citado para a restituição. XLII) Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/05/1985, in BMJ 347, 370, que no seu sumário diz: IV- ... V- Tal situação é directamente contemplada nas regras do enriquecimento sem causa – de aplicação subsidiária nos termos do artigo 474º do Código Civil vigente – uma vez que outro meio não estava facultado ao demandante para recompor o seu património assim desfalcado, dado que não poderia accionar os réus com fundamento na nulidade do contrato que não chegou a ser concretizado. VI- Nos termos do artigo 480º do Código Civil o empobrecido tem direito aos juros legais da quantia entregue ao enriquecido”. XLIII) Têm os recorrentes direito à restituição, abrangendo esta tudo quanto tenha sido obtido à custa destes (empobrecidos), nos termos dos artigos 473º, 476º, 479 e 480º todos do C.Civil. XLIV) O R. O faleceu na pendência da acção, e, tendo este em vida (revogando o anterior) lavrado em 2006 um novo testamento, em que deixa como seu único beneficiário o habilitado Centro Social Paroquial S, pelo que, é este que está obrigado a restituir aos recorrentes tudo quanto tenha sido obtido à custa destes (empobrecidos). XLV) Tendo o recorrente A pago a quantia de 1.500,00€ em reparações do veículo automóvel do R. O, valor este que saiu do património do recorrente A empobrecendo o mesmo, deslocando-se para o património do R. O enriquecendo-o, deve ser restituído ao recorrente A a referida quantia de 1.500,00€. XLVI) Dando-se como como provados os quesitos 59º, 60º, 61º e 63º da base instrutória, e decido que o recorrente A pagou a quantia de 706,51€ com despesas de saúde referentes ao Réu, a quantia de 1.133,84€ de contribuição autárquica dos prédios do R. e a quantia de 546,74€ com o registo dos prédios do R., e tendo estes valores estes saído do património do recorrente A empobrecendo o mesmo, deslocando-se para o património do R. O enriquecendo-o, deve ser restituído ao recorrentes A a quantia global de 2.387,09€. XLVII) Somando assim, e agora, a quantia global de 3.887,09€, quantia estaque deve ser restituída ao recorrente A pelo habilitado, quantia esta a que deverá acrescer juros à taxa legal em vigor, desde a citação da petição inicial. XLVIII) O Tribunal “a quo” dá como provado que foi o recorrente A que negociou a construção do muro em pedra e que pagou o mesmo, contudo em valor não concretamente apurado, isto é, não conseguiu concretizar inteiramente aprestação devida. XLIX) O Tribunal “a quo” não conseguindo fixar a quantidade, devia condenar no que viesse a ser liquidado em execução de sentença, não o tendo feito, fez uma má interpretação da Lei, em concreto do art. 609º, nº 2 do C.P.C.. L) Deve a Douta Sentença recorrida ser alterada, por outra que condene a habilitada a pagar ao recorrente A o valor pago pelo muro, em valor que vier a ser liquidado em execução de sentença. LI) O Tribunal “a quo” decidiu dar como provado no seu ponto 14. (o segundo, pois é repetido o número 14.) que o recorrente A forneceu ao longo dos anos ao R. O e à sua companheira lenha para queimar no fogão, em valor não concretamente apurado, respondendo aos quesitos 43º e 46º da base instrutória. LII) O Tribunal “a quo” também aqui não conseguindo fixar a quantidade, isto é, apurar o valor dos fornecimentos, devia condenar no que viesse a ser liquidado em execução de sentença, não o tendo feito, fez uma má interpretação da Lei, em concreto do art. 609º, nº 2 do C.P.C.. LIII) Os recorrentes impugnaram a matéria de facto, concluindo que deve ser dado como provado o quesito 45º da base instrutória isto é, a lenha entregue pelo autor ao réu atinge as 150 toneladas. LIX) Procedendo a impugnação da matéria de facto deve a Douta Sentença recorrida ser alterada, por outra que condene a habilitada a pagar ao recorrente A o valor pelos fornecimentos da lenha para o R. O e sua companheira, durante 15 anos, fornecimentos esses que atingiram as 150 toneladas, em valor que vier a ser liquidado em execução de sentença. LX) Resultou provado que os recorrentes prestaram ao R. O vários serviços e cuidados, não só a ele mas também à sua companheira, isto é, o R. O beneficiou dos cuidados e dos serviços prestados pelos recorrentes, seja através do auxílio na compra e toma da medicação, bem como no auxílio em compras de géneros alimentícios e bens para a casa, LXI) Como ficou também provado que o R. O nunca pagou qualquer retribuição aos recorrentes em particular à recorrente Isabel, que tratava também da limpeza (serviços domésticos) pelo beneficio que retirou desses serviços e cuidados, e que resultam provados. LXII) Não se mostra excessivo concluir-se que quer os serviços, quer os cuidados prestados pelos recorrentes perduraram durante anos significando que o R. O teve um benefício desses cuidados e serviços contra o empobrecimento dos recorrentes, que implica um enriquecimento sem causa no património daquele. LXII) Têm os recorrentes direito à restituição, abrangendo esta tudo quanto tenha sido obtido à custa destes (empobrecidos) na prestação dos serviços e cuidados ao R. O. LXIII) A douta Sentença recorrida, apesar dos factos provados, não recolheu elementos para poder fixar a quantidade, e não sendo possível a restituição em espécie, haverá que, segundo um juízo de equidade, calcular o valor correspondente a esse benefício, conforme dispõe o artigo 479º do Código Civil LXIV) Pelo que, também aqui, devia o Tribunal “a quo” nos termos do art. 609º, nº2 do C.P.C, mandar liquidar em execução de sentença. LXV) Deve a Douta Sentença recorrida ser alterada, por outra que condene também a habilitada a pagar aos recorrentes os cuidados e serviços prestados por eles, em valor que vier a ser liquidado em execução de sentença. LXVI) A Douta Sentença recorrida fez uma errada e má aplicação da LEI, violando os arts. 640º, 642º e 609º, nº 2 , todos do C.P.C., e arts. 402º, 473º, 474º, 476º, 479º e 480º todos do CC.. LXVII) E aplicando da Lei aos factos, deve a mesma ser revogada, e substituída por douto Acórdão que julgue procedente a acção nos termos aqui alegados, e consequentemente, conceder aos recorrentes o direito à restituição e consequente serem pagos por todos os serviços e cuidados por eles suportados. Pelo exposto, E pelo mais que mui doutamente será suprido, concedendo-se provimento ao recurso será feita uma correcta aplicação da Lei e a mais elementar J U S T I Ç A. 1.7.- Tendo apresentado contra-alegações, veio o apelado Centro Social Paroquial S, impetrar a improcedência in totum da apelação, considerando que merece a sentença da primeira instância ser confirmada. Para tanto, conclui a apelada do seguinte modo : 1. Tem efeito suspensivo da decisão a apelação interposta das decisões previstas no n.º 3 do art.º 647.º do CPC, sendo que a “natureza da questão em apreço” nos presentes Autos não se subsume a nenhuma das situações previstas na aludida disposição legal, não há susceptibilidade de a douta sentença recorrida poder vir a ser executada e os AA. não prestaram caução; 2. Assim, à presente Apelação deve ser fixado efeito meramente devolutivo; 3. Os AA. impugnam a decisão da matéria de facto dos pontos 4, 5, 6, 10, 15, 14 (com referência ao lapso da douta sentença), 17 e 18, recorrendo aos depoimentos gravados do Dr. JHFC, AJEG, MAF, MOG, AMG, ACF, MALDC, DRS, AJGC e MFLCF; 4. Nos termos do art.º 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC, “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”; 5. Embora tenham transcrito várias partes dos depoimentos daquelas testemunhas, os AA. não indicaram e nem localizaram, com exactidão (mencionando, no mínimo, o minuto), as passagens da gravação em que se funda o seu recurso; 6. Em consequência, deve o recurso dos AA. ser rejeitado na parte em que impugnam a decisão da matéria de facto (art.º 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC); 7. Para o caso de assim não se entender, o que não se concebe e nem concede, as passagens dos depoimentos que foram objecto de transcrição vão, de forma cristalina, ao encontro do decidido pela Mm.ª Juiz a quo; 8. A testemunha Dr. JHFC não reconheceu os AA. como acompanhantes do réu nas consultas médicas; 9. O seu depoimento não permite oferecer outra resposta ao ponto 10, que não a dada na douta sentença recorrida; 10. O depoimento de AJEG não foi valorado relativamente às circunstâncias da ida do Réu para o lar por não coincidir com o depoimento das demais testemunhas e nem, tão-pouco, com o alegado pelos AA. na réplica; 11. Sendo que, quanto ao mais declarado, o Tribunal a quo teve em consideração todos os factos narrados pela testemunha e que constam, também, da transcrição oferecida pelos AA.; 12. Os depoimentos transcritos de MAF, MOG e ACF não foram ignorados pelo Tribunal a quo, simplesmente do seu conteúdo não se extraem as conclusões retiradas pelos AA., que são manifestamente abusivas; 13. A credibilidade do depoimento de AMG saiu abalada pela incapacidade de especificar que reparações e revisões o Réu fez na sua oficina de reparações; 14. Das passagens transcritas de MALDC, resulta que o A. usufruía da casa do Réu, aí almoçando, jantando e convivendo, pelo que se compreendeu a razão pela qual aquele, mais do que este (já muito idoso), tinha interesse em contratar os serviços de colocação de antena, cabos e amplificador; 15. O depoimento de DRS não tem qualquer relevância, tendo aludido a um negócio de um “Opel Corsa” seminovo, no montante de €700,00, localizando o negócio há mais de 20 anos; 16. O depoimento de AJGC, marido da A., permitiu concluir que reparava o veículo do Réu de graça por afinidade, isto é, por ser padrinho da sua esposa, sendo que ajudavam o Réu por gosto, pois queriam ajudá-lo e dar-lhe mimo, tanto mais que era pessoa de idade e precisava de sair de casa; 17. Também MFLCP confirmou que a sua irmã (aqui A.) tratava do Réu por afecto, tanto mais que aquela, entre os 3 e os 14 anos, viveu com este, como se fosse sua filha; 18. Daí que os depoimentos das aludidas testemunhas confirmem a boa decisão da matéria de facto da 1.ª instância, que deve manter-se inalterada; 19. O regime das obrigações natural é o único que, em face dos factos provados, pode enquadrar a eventual obrigação do Réu em “remunerar” os cuidados, ajudas, “mimos” e “carinhos” que os AA. lhe proporcionaram; 20. Em face da resposta ao artigo 1.º da base instrutória (ponto 4 dos factos provados), dúvidas inexistem que o Réu não solicitou aos AA. quaisquer cuidados ou prestações, pelo contrário os AA. fizeram-no por gosto, atentas as relações de afecto, amor e carinho existentes entre AA. e Réu; 21. E, não menos importante, atenta a relação familiar e afectiva existente entre AA. e Réu (afilhados/padrinho); 22. Ainda que os AA. tivessem expectativas associadas à afirmação do Réu de que seriam seus herdeiros, certo é que nunca existiu declaração negocial deste no sentido de solicitar àqueles a prestação de cuidados mediante retribuição; 23. Assim, os AA. não lograram provar, por um lado, que o Réu solicitou aqueles cuidados e, por outro, que tivesse prometido remunerá-los; 24. Não tendo o Réu herdeiros legitimários, não é estranho que este, num determinado momento da sua vida, tivesse a intenção de instituir os AA. como seus herdeiros testamentários, na medida em que estes eram seus afilhados; 25. Isso não significa que a inclusão dos AA. no primeiro testamento do Réu tenha sucedido em virtude de um negócio, ou declaração negocial prévia nesse sentido – os AA. alegaram tal factualidade, mas não a provaram, pelo contrário, mostrou-se provado o ponto 21; 26. É assim que, com a devida vénia, concluímos como concluiu o Tribunal a quo: “A relação padrinho/afilhado assenta numa tradição de prestação de cuidados, potencialmente associada à substituição ou coadjuvação dos progenitores, mormente, em casos de pobreza por parte destes e por forma a permitir melhores condições de vida quotidiana ou futura quanto associada à instrução, visando potenciar um acesso a um estatuto social ou profissional mais elevado; também não raro, por parte das pessoas sem filhos, os afilhados assumem em termos afectivos e de prestação de cuidados, a posição dos descendentes inexistentes, beneficiando também em termos patrimoniais”; 27. “Além dessa perspectiva que têm os afilhados como destinatários, por vezes, ocorre uma relação inversa, ou seja, surgem para estes «obrigações» similares às que existem dos filhos para com os pais. No entanto, enquanto do ponto de vista material a obrigação de alimentos, tendo como beneficiários os progenitores, assenta num dever jurídico, conforme ressalta dos artigos 2003.º, 2004.º, 2005.º e 2009.º do Código Civil, quanto aos padrinhos quedamo-nos no campo das obrigações naturais, já que qualquer atribuição patrimonial a nível de sustento, habitação, vestuário assentará na intenção de beneficiar alguém que já não tem condições de prover ao próprio sustento devido à idade, sem rendimento suficientes ou que, de algum modo, designadamente, por maior solidão ou vulnerabilidade, necessita de maior apoio”; 28. “As prestações realizadas pelos Autores em favor do Réu relacionadas com as visitas a sua casa, intensificadas após o óbito da companheira, para ver se estava bem, ter companhia, a preocupação de alternância entre um e outro para que estivesse menos sozinho e nada lhe faltasse, designadamente, a nível alimentar, com fornecimento de refeições diárias e outros alimentos não cozinhados, lenha para cozinhar e aquecimento, o acompanhamento a consultas e meios complementares de diagnóstico, os passeis que faziam, os cuidados inerentes à produção do vinho e outros afazeres agrícolas, assentam nessa relação social, particularmente visível no caso da autora, já que foi praticamente criada pelo Réu e respectiva companheira, beneficiando dos seus cuidados, ao mesmo tempo que desenvolvia nesse período, uma actividade que consubstanciava auxílio nas tarefas do agregado”. [sublinhado nosso]; 29. Esta relação social não é apenas uma consciência moral dos AA., mas uma consciência jurídica apoiada em concepções sociais, que se mostram objectivamente aprovadas e tidas como normais; 30. Daí que, nos termos do art.º 402.º e 403.º, n.º 1 do Código Civil, nenhuma razão assista aos AA. quanto pretendem que o Réu Habilitado seja condenado a prestar uma obrigação natural; 31. Relativamente à construção do muro em pedra, o A. não logrou demonstrar o valor que despendeu na diferença do custo do muro em pedra em relação ao de betão, nem, tão-pouco, que a opção pelo muro em pedra significasse para o património do Réu um enriquecimento, relativamente ao muro de betão (e em que medida); 32. Também não logrou provar que o Réu lhe tivesse solicitado a alteração, pelo que se desconhece em absoluto o motivo subjacente à opção do A. pela construção em pedra. 33. Assim, não se mostram preenchidos os pressupostos do recurso ao instituto do enriquecimento sem causa (art.os 473.º e 479.º, n.º 2 do Código Civil); Termos em que deve a presente Apelação ser julgada improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, com as legais consequências. Assim decidindo, farão V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA. * Thema decidendum 1.8. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes : I - Se importa in casu aferir da pertinência da alteração da decisão do a quo proferida sobre a matéria de facto, em razão da impugnação deduzida pelos recorrentes ; II - Aferir se, em razão das alterações introduzidas na decisão de facto proferida pelo tribunal a quo , ou independentemente de tais alterações, importa revogar e alterar a sentença recorrida em razão da factualidade assente; * 2.- Motivação de Facto. Pelo tribunal a quo foi fixada , em sede de sentença, a seguinte factualidade: A) PROVADA 2.1. - O Réu, durante muitos anos, viveu como de marido e mulher se tratasse, com MJN [ alínea A) dos factos assentes ]. 2.2 - O Réu é solteiro e nasceu no dia 24-05-1930 [ alínea B) dos factos assentes – cfr. fls. 19 ]. 2.3.- MJN faleceu no dia 12-01-2005 [ alínea C) dos factos assentes – cfr. fls. 20]. 2.4. - Os Autores cuidaram do Réu e da companheira por serem afilhados do primeiro e devido ao afecto recíproco [resposta ao artigo 1º da base instrutória]. 2.5. - O Réu dizia que os Autores seriam seus herdeiros [resposta aos artigos 3º e 4º da base instrutória]. 2.6. - Após o momento identificado em 3) os Autores continuaram a visitar o Réu na sua casa, fazendo-o com maior frequência, para ver se estava bem e para lhe fazerem companhia [ resposta aos artigos 5º a 9º da base instrutória ]. 2.7.- Os Autores combinavam entre si de forma a alternarem no convívio com o Réu para que este estivesse menos sozinho e nada lhe faltasse [ resposta aos artigos 11º, 12º e 13º da base instrutória ]. 2.8. - Os Autores levavam diariamente refeições ao Réu, bem como alimentos não cozinhados [ resposta aos artigos 10º, 32º, 39º da base instrutória ]. 2.9. - Os Autores festejavam os aniversários do Réu, organizavam as respectivas festas e levavam-lhe presentes, suportando os respectivos custos [ resposta aos artigos 33º a 36º da base instrutória ]. 2.10. - Desde há algum tempo o Réu sofria de problemas na próstata [ resposta aos artigos 15º e 16º da base instrutória ] . 2.11. - O Réu tinha problemas de visão devido a cataratas [ resposta ao artigo 17º da base instrutória] . 2.12. - Foi sujeito a intervenção cirúrgica no Hospital de Riba D’ Ave necessitando da colocação de gotas nos olhos, diariamente, no período pós-operatório [resposta aos artigos 18º e 19º da base instrutória]. 2.13. - Os Autores revezavam-se na prestação dos cuidados referidos em 12) [ resposta aos artigos 20º e 21º da base instrutória] . 2.14. - Em Março de 2007 o Réu foi sujeito a internamento no Hospital de Fafe para exé-rese biópsia de lesão pré-auricular e do canto do olho direito [ resposta aos artigos 23º e 24º da base instrutória ]. 2.15. - O Autor ia a consultas em Fafe e realizava exames complementares de diagnóstico no Porto e em Braga, sendo acompanhado ora pelo Autor, ora pela Autora [resposta aos artigos 26º a 30º, 37º da base instrutória]. 2.14. - Ao longo dos anos o Autor forneceu ao Réu e à companheira lenha para queimar no fogão, em valor não concretamente apurado [resposta aos artigos 43º e 46º da base instrutória]. 2.15. - O Autor levava trabalhadores ao seu serviço para fazer a poda das videiras e a vindima nos terrenos do Réu [resposta ao artigo 47º da base instrutória]. 2.16. - Também cedia o tractor para realização de trabalhos agrícolas nos terrenos do Réu [ resposta ao artigo 48º da base instrutória]. 2.17. - O Autor pagava aos seus funcionários o respectivo salário [ resposta ao artigo 49º da base instrutória]. 2.18. - Quando a Junta de Freguesia necessitou de alargar o caminho público que confrontava com um campo do Réu, este cedeu terreno com a contrapartida da edificação de um muro de vedação do prédio, tendo o Autor negociado com o empreiteiro a sua construção em pedra, que mandou executar pagando valor não concretamente apurado [resposta aos artigos 53º e 54º da base instrutória] . 2.19. - Os Autores levavam o Réu a passear, suportando o custo do combustível [resposta aos artigos 55º, 56º e 70º da base instrutória]. 2.20. - A esposa do Autor tratou do registo dos prédios do Réu [resposta ao artigo 62º da base instrutória]. 2.21. - Entre os 3 e os 14 anos a Autora viveu em casa do Réu, ai permanecendo de dia e de noite e , subsequentemente, até começar a trabalhar, apenas de dia [resposta ao artigo 67º da base instrutória]. 2.22. - A Autora auxiliava o Réu e a companheira nos trabalhos dos campos, designadamente, nas vindimas, bem como no tratamento dos animais e na lide doméstica [resposta ao artigo 68º e 69º da base instrutória]. 2.23. - O marido da Autora providenciou pela reparação do veículo do Autor com trabalhos de chapeiro e pintor na sua oficina [ resposta ao artigo 72º da base instrutória] . B) NÃO PROVADA Não resultaram provados os factos vertidos nos artigos 2º, 14º, 22º, 25º, 31º, 38º, 40º a 42º, 44º, 45º, 50º a 52º, 57º a 61º, 63º a 66º, 71º, 73º a 81º da base instrutória. * 3. - Da pretendida modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo. No âmbito das alegações (stricto sensu) dos recorrentes A e I, descortina-se a não aceitação pelos mesmos do julgamento de facto efectuado pelo tribunal a quo , designadamente a discordância no tocante às respostas conferidas a concretos pontos de facto que o tribunal a quo considerou , uns Não provados ( vg. as referentes aos quesitos 2º, 14º, 22º, 38º, 45º, 52º, 59º, 60º, 61º, 63º, 64º, 65º e 66º, da base instrutória), e , outros, Provados restritivamente , aduzindo para tanto que concreta prova – v.g. testemunhal – produzida que indicam antes deveria ter conduzido a decisões diversas/diferentes ( v.g. de provados ). Ainda em sede de alegações recursórias, e com referência a depoimentos que terão sido prestados em audiência de julgamento por concretas testemunhas ouvidas (v.g. de JHFC), procedem os apelantes à indicação/transcrição de pequenos excertos – com referência a integral depoimento prestado pela testemunha e com indicação do timing do respectivo inicio e termo – que, no respectivo entendimento, comprovam que a respectiva apreciação e uma melhor e diferente valoração/julgamento, antes obrigava à prolação pelo tribunal a quo e em sede de julgamento de facto de decisão diversa. Já no âmbito das conclusões recursórias ( v.g. conclusão VII ) , voltam os apelantes a manifestar a sua discordância no tocante ao julgamento de facto da primeira instância e direccionado para concretos pontos de facto, aduzindo que em razão da prova produzida antes se impunha que tivessem sido todos eles julgados de forma diversa (v.g. de “Provado” ou Provado apenas que”). Porém, ainda em sede de conclusões, já não se descortina existir na peça recursória apresentada pelos apelantes , quer a indicação dos momentos do início e do termo de cada um dos depoimentos/declarações prestadas pelas testemunhas que indicam - e invocados como fundamento e prova, prima facie, do erro na apreciação da prova que atribuem implicitamente ao Exmº juiz a quo - , quer muito menos a localização em sede de registo da prova , e com exactidão, das passagens da gravação em que fundam o recurso e a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Feita esta breve resenha direccionada para a forma como os apelantes manifestam e exprimem a sua discordância em relação ao julgamento da matéria de facto da primeira instância, importa de imediato aferir se in casu se impõe ao ad quem conhecer da pertinência/mérito da impugnação que os recorrentes dirigem para a decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto, maxime tendo presente o entendimento/observação do Réu apelado ( em sede de contra-alegações ) no sentido de que não observaram/cumpriram os recorrentes os diversos ónus a seu cargo e indicados no artº 640º, do CPC. Vejamos Como é consabido, pretendendo o recorrente que a 2 dª instância aprecie da bondade/acerto da decisão da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto, carece porém o mesmo de observar/cumprir determinadas regras/ónus processuais, às quais acresce ainda ( para que a modificação da matéria de facto seja possível ) a necessidade de verificação de determinados pressupostos. Assim [ cfr. artº 640º, nº1, alíneas a) a c), do CPC ] e em primeiro lugar, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar quais : a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas . Depois, caso os meios probatórios invocados pelo recorrente para sustentar o alegado erro - do a quo - na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe-lhe ainda, e sob pena de imediata rejeição do recurso na referida parte , indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda ( cfr. nº2, alínea a) , do artº 640º, do CPC ) o seu recurso, e sem prejuízo de poder – querendo - proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes . Por fim, exigível é, outrossim, e agora para que o Tribunal da Relação deva alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, imponham uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo (cfr. artº 662º, nº1, do CPC). Tendo presentes tais regras e pressupostos orientadores e exigíveis, para que ao tribunal da Relação seja lícito sindicar da pertinência de a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto poder ser modificada/alterada, e tal como bem nota Abrantes Geraldes (1), dir-se-á que o legislador (maxime e desde logo com as alterações introduzidas na lei adjectiva com o DL nº 303/2007, de 24 de Agosto) veio introduzir mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto, com a indicação exacta dos trechos da gravação, com referência ao que tenha ficado assinalado na acta“. Ainda em razão das supra indicadas regras, certo é que não é de todo admissível uma impugnação genérica e global da matéria de facto julgada em primeira instância, estando portanto vedado ao apelante impetrar, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida, manifestando uma genérica discordância com a decisão da 1ª instância. (2) É que, não cabendo ao ad quem - aquando do julgamento da impugnação do recorrente da decisão do a quo relativa à matéria de facto - proceder a um segundo julgamento (3) [como ninguém questiona, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto não conduz necessariamente à realização de um segundo julgamento pelo ad quem, antes incumbe tão só à segunda instância, e ainda que formando a sua própria convicção, aferir da existência de erros do a quo no âmbito da valoração/apreciação dos meios probatórios colocados à sua disposição], importa que o recorrente alegue e especifique o porquê da discordância, isto é, como e porque razão é que determinados meios probatórios indicados e especificados contrariam/infirmam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras (4), importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele, ou seja, obrigado está o recorrente a concretizar e a apreciar criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa. (5) Ou seja, como o considera - e bem - o STJ, ao impor-se/exigir-se que o recorrente-impugnante indique (concretamente) quais os depoimentos em que se funda, não basta “indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado a facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente. Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele.” (6) A propósito ainda do modo e forma correcta/adequada de se observarem os diversos ónus a que alude o acima indicado artº 640º, nºs 1 e 2, do CPC, importa também recordar que, e por diversas ocasiões de resto, já o mesmo STJ (7) veio decidir que, em sede do respectivo cumprimento, não é porém de exigir que o recorrente, nas conclusões do recurso, deva reproduzir tudo o que alegou anteriormente, sob pena de, ao assim proceder, transformar as conclusões, não numa síntese ( como o refere o nº1, do artº 639º, do CPC), como se exige que o sejam, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara no corpo alegatório. Mas, o mesmo recorrente, o que não está dispensado, e caso pretenda efectivamente impugnar a decisão do a quo relativa à matéria de facto, é , nas conclusões recursórias, de deixar bem claro que visa a apelação interposta a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nelas - nas conclusões - indicando assim e sobretudo, quais os concretos pontos concretos que pretende ver reapreciados (8) , e , outrossim , quais as respectivas e diferentes respostas [ ou a decisão alternativa que propõe (9) ] que o recorrente pretende que sejam pelo ad quem proferidas no tocante a cada uma das questões de facto impugnadas ou concretos pontos de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgados ( cfr. alínea c), do nº1, do artº 640º, do CPC ) . É que, neste conspecto, recorda-se , são precisamente as conclusões [ porque é nelas que o recorrente delimita objectivamente o recurso, precisando quais as exactas questões a decidir e indicando, de forma clara e concludente, quais as questões de facto e/ou de direito que pretende suscitar na impugnação que deduz e as quais o tribunal superior obrigado está a solucionar (10) ], o local apropriado e adequado para os recorrentes procederam às indicações apontadas. (11) Não o fazendo, ou seja, não observando o recorrente as supra apontadas regras/ónus a seu cargo, aquando da impugnação da decisão do a quo relativa à matéria de facto, outra alternativa não restará ao ad quem que não seja a da sua rejeição, e isto porque, como bem avisa Abrantes Geraldes (12), “a observação dos antecedentes legislativos leva a concluir que não existe, relativamente ao recurso da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. (13) De resto, acrescenta ainda e também Abrantes Geraldes (14), todas as apontadas exigências “ devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…), e isto porque, “Trata-se, afinal de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”. Em suma, e a despeito de prima facie não deixar de repugnar [ tal como bem se refere em Ac. do STJ (15) importa “interpretar o preceito com grande cuidado, mas também com suficiente abertura, em ordem a não se frustrar, na prática, em muitos casos, o recurso sob a matéria de facto que a lei quis proporcionar aos recorrentes“ ] não poder conhecer-se de parte ( em sede de impugnação da matéria de facto ) de um recurso por o recorrente não ter cumprido os subjacentes ónus processuais, não há forma de o evitar, para tanto não se justificando enveredar por interpretações mais amplas e salvíficas, desvalorizando-se deste modo a função pedagógica da jurisprudência para quem deve alegar e concluir de harmonia com as prescrições legais impositivas da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais. (16) Por fim, no tocante ao ónus a que alude a alínea a) , do nº2, do artº 640º, do CPC ( indicação , com exactidão ,das passagens da gravação em que se funda o recuso ) , se é verdade que algumas posições e entendimentos existem que partem da letra da lei ( que é a indicação, e com exactidão, das passagens da gravação em que funda o recurso e impugnação da decisão sobre a matéria de facto) para concluir que com a mera indicação de quem prestou os depoimentos e a sua sinalização em sede recursória apenas “ por referência ao início e termo do seu registo ou o excerto transcrito de alguns desses depoimentos desacompanhados de exacta passagem da respectiva gravação, se não dá cumprimento ao particular ónus imposto à recorrente neste domínio” (17), outros , porém – mais condescendentes e flexíveis - , entendem que a sanção prescrita no n.º 2, alínea a), do art.º 640.º do CPC , “deverá ser aplicada com algum tempero, em termos de só se justificar quando, perante extensos depoimentos a abarcar matéria bastante diversificada - a maior parte dela não impugnada -, a omissão ou inexactidão na indicação das passagens tidas por relevantes dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso. (18) É que, e a justificar este último entendimento, aduz-se que a observância do referido ónus não se mostra, sempre, assim tão pertinente, tendo em conta o processo técnico dessas gravações e o modo como ficam registadas nos respectivos suportes magnéticos, com o indicação do início e fim da gravação em relação a cada depoimento, a que “acresce que a indicação parcelada de determinadas passagens dos depoimentos convocados só raramente dispensam o tribunal de recurso de ouvir todo o depoimento, na medida em que os interrogatórios sobre determinado ponto de facto e as respectivas instâncias da parte contrária e do tribunal não são sequenciais, encontrando-se disseminadas ao longo de todo o depoimento”. (19) Já muito recentemente, e perfilhando também uma posição mais maleável, o mesmo STJ (20) veio sustentar que o ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados “ deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso”. Pela nossa parte, porque de todo receptivos aos considerandos referidos em último lugar, e não obstante a letra da lei, temos como aceitável e defensável o entendimento no sentido de que a exigência do artº 640.º, n.º 2, a), do NCPC, é perfeitamente compatível com a mera indicação pelo recorrente dos timings onde começa e termina cada um dos depoimentos testemunhais invocados, maxime tendo em conta que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, antes deve outrossim ter em atenção as circunstâncias que em a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada (cfr. artº 9º nº1, do CC). Isto tido, tudo visto e ponderado, porque em razão de tudo o supra exposto, temos para nós que observaram e cumpriram os apelantes, minimamente, as regras/ónus processuais a que alude o artº 640º, do CPC, quer indicando os concretos pontos de facto que consideram como tendo sido incorrectamente julgados, quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente, indicando qual a diferente resposta que deveria o tribunal a quo ter proferido, e, ademais, porque gravados os depoimentos das testemunhas pelos impugnantes indicadas, procederam os mesmos, outrossim, à indicação do inicio e termo da respectiva gravação. Destarte, na sequência do exposto, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas aos pontos de facto indicados e impugnados. 3.1.- Dos pontos de facto impugnados pelos apelantes,porque alegadamente incorrectamente julgados. Os concretos pontos de facto, respectivas respostas proferidas pelo tribunal a quo e decisões diversas pretendidas pelos apelantes em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, são as seguintes : I – Quesito 1º 1º - Desde sempre, a pedido do réu, os autores cuidaram dele e de Maria de Jesus Nogueira? Resposta do a quo: Os Autores cuidaram do Réu e da companheira por serem afilhados do primeiro e devido ao afecto recíproco. Decisão diversa pretendida: a pedido do réu, os autores cuidaram dele e da companheira. II - Quesitos 2º e 4º 2º - E sempre o réu disse aos autores que havia de lhes pagar tais cuidados? 4º - Para o que já havia lavrado testamento? Resposta do a quo: Provado apenas que que o Réu dizia que os AA seriam seus herdeiros. Decisão diversa pretendida: O Réu dizia aos Autores que havia de lhes pagar todos os cuidados e serviços por eles prestados, fazendo deles seus herdeiros, e para tal já havia lavrado testamento em os Autores eram os beneficiários. III - Quesitos 5º a 9º. Resposta do a quo : Após a morte de MJN em 12/1/2005, os Autores continuaram a visitar o Réu na sua casa, fazendo-o com maior frequência, para ver se estava bem e para lhe fazerem companhia. Decisão diversa pretendida: Após a morte de MJN em 12/1/2005, os Autores continuaram a visitar o Réu na sua casa, passando a fazê-lo diariamente, para ver se estava bem e para lhe fazerem companhia. IV - Quesitos 14º, 15º e 16º. [O réu sempre foi pessoa doente?; O que se agravou com a idade?; Em especial devido a um problema que o réu sofria na próstata?] Resposta do a quo: Provado apenas que desde há algum tempo o Réu sofria de problemas na próstata. Decisão diversa pretendida: O Réu sempre teve limitações, e desde pelo menos 1997 até à sua morte, os problemas de saúde agravaram-se, sofrendo de problemas na próstata, de hipertensão (problemas cardíacos), articulares e de neurologia (perda de memória) necessitando de cuidados de terceiros. V - Quesitos 26º a 30º e 37º [ Sempre que o autor precisou de ir ao médico, foram o autor ou a autora quem marcou as consultas?; Exames médicos?; E análises ? As consultas, exames e análises foram realizados em Fafe, Guimarães e Porto? Foram ou o autor ou a autora quem levaram o réu às consultas, exames e análises referidos?; Para acompanhar o réu às consultas, exames e análises acima referidas, a autora precisou de faltar ao seu trabalho?]. Resposta do a quo : Provado apenas que “O Autor ia a consultas em Fafe e realizava exames complementares de diagnóstico no Porto e em Braga, sendo acompanhado ora pelo Autor, ora pela Autora “. Decisão diversa pretendida: O Réu ia a consultas em Fafe e realizava exames complementares de diagnóstico no Porto e em Braga, marcadas ora pelo Autor ora pela Autora, sendo também acompanhado ora pelo Autor, ora pela Autora, tendo esta por vezes de faltar ao seu trabalho. VI - Quesitos 43º e 46º [A pedido do réu, durante os últimos 15 anos, cinco a seis vezes por ano, o autor entregou-lhe lenha para o fogão e forno?; E tem o valor de € 11.250,00]. Resposta do a quo: Provado apenas que “ Ao longo dos anos o Autor forneceu ao Réu e à companheira lenha para queimar no fogão, em valor não concretamente apurado “. Decisão diversa pretendida: A pedido do Réu e durante os últimos 15 anos, cinco a seis vezes por ano, o Autor forneceu-lhe e ele e à sua companheira lenha para o fogão. VII - - Quesito 49º [o autor pagou a pessoas por si angariadas, a pedido do réu, o trabalho para este realizado v.g. na poda das videiras?]. Resposta do a quo: Provado apenas que “O Autor pagava aos seus funcionários o respectivo salário“ Decisão diversa pretendida: O Autor pagava aos seus funcionários pelos trabalhos realizados e mencionados na resposta ao perguntado no quesito 48º. VIII - Quesito 53º [A pedido do réu, o autor construiu um muro de vedação do prédio denominado Medelinho?] Resposta do a quo: Provado apenas que “Quando a Junta de Freguesia necessitou de alargar o caminho público que confrontava com um campo do Réu, este cedeu terreno com a contrapartida da edificação de um muro de vedação do prédio, tendo o Autor negociado com o empreiteiro a sua construção em pedra, que mandou executar pagando valor não concretamente apurado“. Decisão diversa pretendida: Quando a Junta de Freguesia necessitou de alargar o caminho público que confrontava com um campo do Réu, este pediu ao Autor para tratar do assunto, e este cedeu terreno, e como o prédio já tinha um muro, a contrapartida da edificação de um muro de vedação do prédio, tendo também o Autor negociado com o empreiteiro a sua construção em pedra, que mandou executar pagando valor não concretamente apurado. (resposta ao artigo 53º da base instrutória)”. IX - Quesito 22º [O réu exigiu que fossem os Autores a colocar-lhe as gotas na vista?] Resposta do a quo : Não provado. Decisão diversa pretendida : provado. X – Quesito 38º [A Autora viu descontado o seu salario quando acompanhou o réu a consultas] Resposta do a quo: Não provado. Decisão diversa pretendida: provado. XI – Quesito 45º [A lenha entregue pelo autor ao réu atinge as 150 toneladas?] Resposta do a quo: Não provado. Decisão diversa pretendida: provado. XII– Quesito 52º [O Autor pagou a quantia de 1.500,00€ em reparações do veículo automóvel do Réu”]. Resposta do a quo: Não provado. Decisão diversa pretendida: provado XIII - Quesitos 59, 60º, 61º e 63º [O Autor, em sede de declarações fiscais anuais do Réu, apresentou uma dedução em despesas de saúde no valor total de 706,51€? E contribuição autárquica de 1.133,84€?; O autor pagou as despesas de saúde e de contribuição autárquica referidas?; O autor, no registo dos prédios do Réu, despende €560,00?]. Resposta do a quo: Não provado. Decisão diversa pretendida: provado que “O Autor pagou a quantia de 706,51€ com despesas de saúde referentes ao Réu, a quantia de 1.133,84€ de contribuição autárquica dos prédios do R. e a quantia de 546,74€ com o registo dos prédios do R.” XIV - Quesitos 64º, 65º e 66º [A autora desde pelo menos 1995, que efectuou diariamente os serviços domésticos na casa do Réu?; E participou nas vindimas, sementeiras e colheitas realizadas pelo Réu ? ; E tratou dos animais que o réu criava?] . Resposta do a quo: Não provados. Decisão diversa pretendida: provado que “A autora desde a morte da companheira do Réu, efectuou diariamente os serviços domésticos na casa do Réu, bem como participou nas vindimas realizadas pelo Réu e tratava dos animais que este criava”. Balizado o objecto da impugnação pelos apelantes da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, é tempo de o tribunal ad quem formar a sua própria convicção, o que deve fazer outrossim no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova (cfr. artº 607º,nº5, do CPC ). Neste conspecto, recorda-se, e tal como o referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora (21), formada - a convicção - na mente do julgador e posteriormente expressa na decisão proferida, há-de a mesma resultar necessariamente do convencimento que ao julgador (o destinatário da convicção) advenha da prova produzida (judici fit probatio), no atendimento de critérios de normalidade, mas também da experiência esclarecida que para o caso seja exigível, constituindo a certeza subjectiva da realidade do facto aquela que, embora não absoluta e lógica, se mostre assente num grau elevado de probabilidade de ter ocorrido (certeza relativa), e conforme o julgador a apreendeu. Em todo o caso, impondo-se , é certo, a este tribunal formar a sua própria convicção, pertinente é todavia não olvidar que não cabe de todo ao tribunal de segunda instância – em sede do julgamento do mérito da impugnação da decisão de facto - realizar um segundo ou um novo julgamento, sendo antes a sua competência residual [“À segunda instância cabe proceder ao julgamento da decisão de facto por forma a corrigir erros de julgamento patentes nos tribunais de 1.ª instância, mas dentro de limites que não podem exacerbar ou expandir-se para além do que a lei comina.”] , razão porque, em principio deve o Tribunal da Relação evitar a introdução de alterações quando não lhe seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação da prova relativamente aos concretos pontos de facto impugnados. (22) Isto dito, e incidindo, agora sim, a nossa atenção sobre a valia da prova produzida e invocada pelos apelantes como fundamento do erro - assacado ao tribunal a quo - na apreciação de provas, e começando pelo depoimento prestado por JHFC, médico que examinou o Réu, em consultas, maxime como seu paciente durante cerca de 10 anos, é verdade que referiu a testemunha que o Réu tinha problemas de saúde (v.g. da próstata e de hipertensão, relacionados sobretudo com o avançar da idade), mas, em rigor, não disse que “O Réu sempre teve limitações”, ou que, “ desde pelo menos 1997 até à sua morte, o mesmo réu necessitava de cuidados de terceiros”, aludindo tão só que a determinada altura o mesmo réu passou a ser um utente interno de um Lar. Por outra banda, e não se olvidando que as respostas aos pontos de facto não carecem tão só de ser, ou positivas ou negativas, podendo também ser restritivas, o certo é que, neste último caso, importa porém que a resposta se integre no âmbito do ponto de facto controvertido e que pela parte tenha sido alegado/articulado, sem prejuízo todavia de serem outrossim atendidos aqueles factos que dos alegados sejam um complemento e/ou concretização ( nos termos do artº 5º, nº2, alínea b), do CPC). Em razão do referido, e tendo presente o depoimento prestado pela testemunha JHFC [breve e perfunctório] , de todo não se justifica que este tribunal confira a resposta diversa pretendida pelos apelantes ao perguntado nos quesitos 14º, 15º e 16º , antes deve tão só , ao invés da conferida pelo tribunal a quo, ser a mesma a seguinte: “Provado apenas que o réu, desde há algum tempo a esta parte , sofria de problemas de saúde, agravados pela idade, v.g. na próstata e no coração (hipertensão) “ . Ouvido de seguida o depoimento prestado pela testemunha AJEG [vizinho do Réu entre 1987 e 1994, e aposentado da GNR], no essencial explicou o depoente que era o autor – porque afilhado - quem praticamente tratava de tudo do réu falecido e, a sua companheira - a MJ - , chegou a dizer-lhe que os AA seriam os herdeiros do Réu O, tendo este último também chegado a dizer à testemunha que, após a morte da sua companheira MJ, os AA o visitavam praticamente todos os dias. Já relativamente à generalidade das despesas do falecido O, não foi a testemunha minimamente esclarecedora e convincente, não concretizando qualquer razão de ciência, revelando-se na referida matéria a testemunha bastante superficial no tocante ao pagamento daquelas (maxime se as despesas em causa eram efectivamente suportadas pelo Autor ou pelo Réu falecido). De resto, no tocante aos bens do falecido, revelou a testemunha não ser de todo uma pessoa imparcial e isenta , antes deu a entender que tinha também interesse em ser um dos contemplados/beneficiados do Réu O, o que no final acabou – para grande desapontamento da testemunha, a ponto de lhe ter instaurado uma acção ! - por não se concretizar. Ouvida a gravação do depoimento prestado pela testemunha MAF (mediador imobiliário, e que foi presidente da Junta de Freguesia de Medelo durante cerca de 12 anos), explicou a mesma quais os contornos ocorridos com a abertura/alargamento de uma estrada em zona/local de terrenos do Réu O, referindo que no essencial o réu disse que o autor tinha poderes decisórios (podendo tratar da questão) relativamente à matéria. Mais referiu a testemunha que efectivamente existia uma relação de grande proximidade entre os AA e o Réu O, mas, quais as efectivas decorrências e repercussões resultantes de tal relação de proximidade, disse não ter de todo qualquer conhecimento concreto. No essencial, o depoimento da testemunha MAF, porque bastante superficial e sóbrio, ainda que sério e isento, não se revelou de todo um valor acrescentado em sede de impugnação da decisão de facto. Ouvido também o depoimento prestado pela testemunha MOG, que foi vizinha do Réu O, precisou a mesma (denotando idoneidade e distanciamento) que efectivamente a Autora ajudava o Réu, levava-lhe o “comer”, sendo que ambos os AA, porque seus afilhados, auxiliavam-no muito, designadamente o A, o qual levava-o com frequência aos médicos. Em rigor, e em termos algo genéricos, explicou que efectivamente os AA prestaram muitos cuidados e atenções ao Réu, o que também sucedia porém com outros vizinhos, como a testemunha, designadamente nas vindimas. Já no tocante à lenha, disse a testemunha que a companheira do Réu O chegou-lhe a dizer/comentar que o afilhado autor já tinha fornecido a lenha, não tendo cobrado nada. De seguida, procedeu-se à audição integral do testemunho prestado por AMG (mecânico de automóveis), tendo a mesma precisado que trabalhou para A e R, designadamente chegou a reparar o Opel Corsa do Réu, viatura que era porém sempre levada para a oficina pelo Autor. Todos os valores – muito variáveis - pelos trabalhos realizados - ao longo de 4/5 anos - no Corsa, referiu a testemunha, eram e foram pagos pelo Autor Avelino, desconhecendo porém se entre A e Réu existiam v.g. pagamentos e ou acertos de contas. Já a testemunha ACF (empregado do Autor há cerca de 19 anos), confirmou a realização e a prestação pelo Autor (porque afilhado do réu) de diversos afazeres, trabalhos e atenções ao Réu (em lenha, bens, alimentos, passeios, transporte para os médicos, vindimas, etc. , etc.), isto ao longo de vários anos, mas, v.g. no tocante à lenha, desconhecia se era a mesma, ou não, paga pelo réu. Mais referiu esta testemunha que, obviamente, porque empregado do Autor, era este quem lhe pagava o trabalho prestado, ainda que o beneficiário final do mesmo fosse o réu falecido. De seguida, já do depoimento - ouvido que foi - prestado por MALDC, amigo do Autor e técnico de electrónica, retira-se tão só que a testemunha , em determina altura, prestou serviços da sua área – em antenas - numa habitação do Réu/falecido, os quais lhe foram porém pagos pelo autor (desconhecendo se o Carlos foi reembolsado, ou não, pelo Réu). Adiantando deste já o nosso veredicto no tocante a este testemunho, porque direccionado para uma situação isolada, e de todo inofensiva para a decisão de facto, maxime em sede de comprovação de eventual erro do tribunal a quo em sede de apreciação/valoração da prova, não se revelou minimamente relevante. Também a testemunha DRS, técnico de vendas, limitou-se a explicar que, através do autor A, vendeu um Opel Corsa seminovo, o qual seria para o Réu/falecido, tendo sido o autor que efectuou o pagamento, desconhecendo todavia se o dinheiro era, ou não, do réu, ou se este posteriormente reembolsaria o autor. Este último testemunho, em termos de valia para o mérito da impugnação da decisão de facto, tem a mesma valia do anterior, que o mesmo é dizer, bastante reduzida. Ouvido de seguida o depoimento prestado por AJGC, marido da Autora (proprietário de uma oficina) , do mesmo retira-se a identificação e enunciação dos inúmeros e diversos favores, auxílios, atenções e préstimos efectuados por qualquer dos AA ao Réu falecido , mas mais do autor A [v.g. pagamento de consultas , alimentos, lenha, passeios, aniversários, vindimas, podas, etc. etc.], revelando – além de muito genérico e superficial - porém algum desconhecimento e bastantes incertezas relativamente aos pagamentos. No essencial, também este último testemunho, em termos de valia para o mérito da impugnação da decisão de facto, não se revelou – apesar de longo, com pouco conteúdo concreto - de todo importante, nada acrescentando de significativo , e isto apesar de, prima facie (porque próximo de uma das partes) ser de esperar um conhecimento mais aprofundado pormenorizado. Finalmente, ouvido o testemunho prestado por MFLCP, irmã da Autora, precisou que efectivamente esta última viveu com o Réu quando nova (até aos 14 anos), tendo o réu dela cuidado como se fosse sua filha. Mais explicou que a Autora/irmã, sempre se manteve muito próxima do Réu/falecido, dizendo este último, amiúde, que a Autora seria sua herdeira [pelo menos no tocante à propriedade encostada à casa dos pais da autora]. Aqui chegados, impondo-se finalmente concluir, e ouvida que foi toda a prova testemunhal produzida em audiência final e indicada pelos apelantes a fundamentar a sua impugnação, e que, no entender de ambos, impõe e justifica uma decisão diversa sobre os concretos pontos da matéria de facto que impugnam, e adiantando desde já o veredicto deste Tribunal e/ou convicção do tribunal de recurso, temos para nós que , e com segurança, que nada justifica considerar que no geral enveredou o tribunal a quo por uma deficiente e errada valoração da prova. Bem pelo contrário. De resto, em rigor, como que nos revemos em absoluto na maior parte dos considerandos do tribunal a quo vertidos na sua motivação, a qual subscreveríamos - aqui e agora – no essencial e até por remissão, e isto caso o legislador o permitisse (cfr. vg. o disposto no artº 663º, nºs 5 e 6, do CPC). Na verdade, analisada a referida prova, e começando pela resposta conferida ao perguntado no quesito 1º, mostra-se a mesma perfeitamente adequada com os depoimentos ouvidos, não se justificando de todo acrescentar [porque nesta matéria não foram eles de todo esclarecedores] à resposta do tribunal a quo que “ Os Autores cuidaram do Réu e da companheira a pedido do réu”. Acresce que, o grosso das testemunhas aludiu aos comportamentos dos AA como sendo praticados de livre e espontânea vontade, por serem afilhados do Réu, sendo este último portanto merecedor de muitos dos afectos, atenções e mimos da parte de ambos. Do mesmo modo, também a resposta da primeira instância ao perguntado nos quesitos 2º e 4º está em total harmonia com a prova produzida e indicada pelos apelantes, ou seja, o que as testemunhas no essencial disseram é que ouviam o réu e a sua companheira dizer que os AA seriam ou eram naturalmente [porque os únicos mais chegados e os afilhados] os seus herdeiros, e não que, tal estatuto ser-lhes-ia concedido pelo réu como forma/meio de lhes pagar – qual retribuição ou contraprestação - todos os cuidados e serviços que ambos lhes prestavam. Já relativamente à resposta ao perguntado nos quesitos 5º a 9º, em razão sobretudo da resposta conferida pelo próprio tribunal a quo ao perguntado nos quesitos 10º, 32º e 39º [Os Autores levavam diariamente refeições ao Réu, bem como alimentos não cozinhados], em coerência, e para evitar a existência de decisões contraditórias (cfr. artº 662º, nº2, alínea c), do CPC) , tem-se por adequado sufragar a resposta dos impugnantes [Após a morte de Maria de Jesus Nogueira em 12/1/2005, os Autores continuaram a visitar o Réu na sua casa, passando a fazê-lo diariamente, para ver se estava bem e para lhe fazerem companhia]. Destarte, relativamente ao ponto de facto correspondente aos quesitos 5º a 9º, a impugnação procede. Do mesmo modo, é para nós de todo pertinente a ligeira alteração almejada pelos impugnantes no tocante ao ponto de facto dos Quesitos 26º a 30º e 37º, e isto tendo sobretudo em atenção o depoimento prestado pelas testemunhas Artur Jorge Gonçalves Cunha, marido da Autora, e Maria de Fátima Lopes da Costa Pereira, irmã da Autora, os quais efectivamente aludiram ao facto de a Autora trabalhar, razão porque, para acompanhar o réu às consultas, teve necessariamente de faltar ao seu trabalho. Logo, procedendo nesta parte a impugnação da decisão de facto, deve a resposta ao ponto de facto impugnado e ao em apreço passar a ser a seguinte: “O Réu ia a consultas em Fafe e realizava exames complementares de diagnóstico no Porto e em Braga, marcadas ora pelo Autor ora pela Autora, sendo também acompanhado ora pelo Autor, ora pela Autora, tendo esta por vezes de faltar ao seu trabalho“. Seguindo-se a análise da resposta restritiva conferida aos Quesitos 43º e 46º, temos para nós que a mesma mostra estar em perfeita consonância com a prova produzida, revelando-se em rigor sensata e bem ponderada a decisão do tribunal a quo de não se dar como provado que a lenha era fornecida a pedido do réu, e que os fornecimentos ocorreram durante os últimos 15 anos, cinco a seis vezes por ano. Na verdade, sobre tal matéria, esteve a prova testemunhal produzida bastante longe de se revelar bem esclarecedora, a que acresce que, ademais, lidando o autor profissionalmente com tal negócio, e sendo afilhado do Réu, não é de afastar/excluir a possibilidade de não existirem em rigor fornecimentos pedidos/solicitados/encomendados, mas antes meras entregas de lenha concretizadas por livre e espontânea vontade do autor. Sendo agora a vez do ponto de facto correspondente ao Quesito 49º, é também nosso entendimento que a resposta da primeira instância está de acordo com a prova produzida, sendo que, a resposta pretendida pelos impugnantes, permite concluir/conjecturar que o autor, pelo trabalho que os seus funcionários realizavam no interesse do Réu O (v.g. na poda das videiras), pagava um qualquer extra que acrescia aos respectivos salários mensais. Não. O que as testemunhas disseram (v.g. o ACF) é que a respectiva remuneração era paga pelo Autor, porque era este a entidade patronal, e isto independentemente de, em algumas circunstâncias, o beneficiário final do trabalho e/ou actividade que desempenhavam acabasse por ser o réu falecido. Logo, nesta parte, a impugnação improcede. Já no que concerne ao ponto de facto correspondente ao Quesito 53º, e tendo essencialmente por base o depoimento prestado por MAF, ficou claro que relativamente à questão do caminho e muro, o Autor teve interferência em sede de resolução , o que sucedeu a solicitação do réu. Destarte, ao invés da resposta do tribunal a quo, deve a mesma passar a ser a seguinte: Provado que “Quando a Junta de Freguesia necessitou de alargar o caminho público que confrontava com um campo do Réu, e após intermediação do autor a pedido do Réu, este último veio a ceder terreno com a contrapartida da edificação de um muro de vedação do prédio, tendo então também o Autor negociado com o empreiteiro a sua construção em pedra, que mandou executar pagando valor não concretamente apurado “. Relativamente às respostas negativas ao perguntado nos quesitos 22º e 38º, temos para nós que nenhuma alteração se impõe efectuar. Na verdade, no tocante ao primeiro, não resultou do depoimento de AJG que a colocação das gotas pelos AA resultasse de uma exigência (expressão demasiado forte) ou imposição do Réu, antes resultava de uma inevitabilidade, por ausência de alternativa. Já no que ao segundo quesito diz respeito, não se revelou a testemunha suficientemente credível e sincera, sendo que, porque ademais não completamente imparcial e isenta, não se justifica conferir uma ao ponto de facto impugnado uma diferente resposta. Sendo agora a vez dos quesitos 45º e 52º, ambos julgados pela primeira instância como não provados, e pugnando os apelantes por respostas opostas, alicerçados fundamentalmente nos depoimentos testemunhais de ACF e de AMG (mecânico de automóveis), a verdade é que, apenas relativamente ao primeiro se justifica uma resposta restritiva. Na verdade, se relativamente ao quesito 45º não foi a primeira testemunha suficientemente esclarecedora e fundamentada relativamente ao cálculo da quantidade de lenha fornecida, já a segunda testemunha AMG (mecânico de automóveis), foi peremptório em reconhecer que, em rigor, desconhecia se efectivamente era o Autor A que suportava (que é o que importa para o quesito) os custos das reparações do veículo automóvel do Réu e por si efectuadas (ainda que fosse o autor que consigo tratava das reparações e lhe pagava directamente). Assim sendo, ao perguntado n quesito 45º, afigura-se-mos apenas razoável conferir a seguinte resposta: “A lenha entregue pelo autor ao réu atingia a quantidade de algumas toneladas por ano”. Por fim, também no tocante aos quesitos 59, 60º, 61º e 63º, e aos 64º, 65º e 66º, os quais foram pelo tribunal a quo respondidos não provados, e com base na prova produzida, pelos apelantes indicada, e por nós escalpelizada, é de todo algo temerário imputar à primeira instância um erro de julgamento de facto. Na verdade, se é certo que o grosso das testemunhas ouvidas referiu que a autora, designadamente após a morte da companheira do Réu, com mais frequência estava com o mesmo, o certo é que não permite de todo a prova produzida concluir, longe disso, que a partir de então a autora efectuou diariamente os serviços domésticos na casa do Réu, ou que sempre participou nas vindimas do Réu, ou, ainda, que era ela (e só ela), que tratava dos animais que o mesmo réu criava. Do mesmo modo, não se desconhecendo o papel das presunções judicias em sede do julgamento de facto (cfr. artº 349º, do CC), não estando ao julgador vedado retirar ilações de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, podendo/devendo aquelas colher fundamento bastante no âmbito da livre apreciação da prova, e sendo as mesmas complementadas com as regras da experiência, forçoso é todavia que sejam tais presunções usadas com tempero, a máxima prudência, de forma equilibrada, e com o recurso a critérios de racionalidade. Designadamente, apenas se justifica dar o salto no escuro quando na presença de um nexo lógico seguro, causal, preciso e unívoco, sob pena de se acabar por decidir em desconformidade com a realidade factual, ou desta última totalmente desligado. Isto dito, e SODR pelo entendimento dos apelantes, é para nós de todo desadequado, mesmo à luz das máximas da experiência e do senso comum, que pelo simples facto alguém se revelar bastante poupado e muito governado, dizendo amiúde que tudo o que tinha seria para os afilhados, que permite com segurança aferir/concluir que os gastos efectuados pelos últimos em proveito do primeiro não eram por este pagos. Convenhamos, que o referido salto, porque arriscado e não seguro, podendo conduzir e terminar em queda, não deve ser dado. Em suma, em razão de todos os considerandos acabados de aduzir, os últimos pontos de facto escalpelizados não merecem diferentes julgamentos do ad quem. E, assim sendo, em termos de ganhos, temos que, em razão da procedência parcial da impugnação da decisão de facto, são os seguintes os factos provados que, no lugar – substituindo-as ou alterando-as - das respostas impugnadas, se adicionam à motivação de facto: - Provado apenas que o réu , desde há algum tempo a esta parte , sofria de problemas de saúde, agravados pela idade, v.g. na próstata e coração ( hipertensão ). - Após a morte de MJN em 12/1/2005, os Autores continuaram a visitar o Réu na sua casa, passando a fazê-lo diariamente, para ver se estava bem e para lhe fazerem companhia - O Réu ia a consultas em Fafe e realizava exames complementares de diagnóstico no Porto e em Braga, marcadas ora pelo Autor ora pela Autora, sendo também acompanhado ora pelo Autor, ora pela Autora, tendo esta por vezes de faltar ao seu trabalho“. - Quando a Junta de Freguesia necessitou de alargar o caminho público que confrontava com um campo do Réu, e após intermediação do autor a pedido do Réu, este último veio a ceder terreno com a contrapartida da edificação de um muro de vedação do prédio, tendo então também o Autor negociado com o empreiteiro a sua construção em pedra, que mandou executar pagando valor não concretamente apurado“. - A lenha entregue pelo autor ao réu atingia a quantidade de algumas toneladas por ano. * 4 . Motivação de Direito 4.1- Da aferição se, em razão das alterações introduzidas na decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, ou independentemente de tais alterações, importa revogar e alterar a sentença recorrida em razão da factualidade assente. Tendo os AA/apelantes impetrado que, sendo a acção julgada provada e procedente, fosse o Réu condenado a pagar , ao primeiro autor, a quantia de € 32.400,35, e, à segunda autora, o montante de €48.749,37, tudo acrescido de juros de mora, foi a acção pelo tribunal a quo julgada não provada e improcedente, sendo o Réu habilitado Centro Social Paroquial S dos pedidos formulados. Para tanto, recorda-se, considerou a primeira instância, que: Primo – Com base nos factos provados, licito não era concluir pela celebração de qualquer contrato (designadamente de prestação de serviços, previsto no artigo 1.154º do Código Civil) o contrato de prestação de serviços é um negócio jurídico entre os Autores e o Réu, e isto porque, se é certo que os primeiros se disponibilizaram a auxiliar o segundo e a respectiva companheira, e praticaram actos que correspondem ao fornecimento de refeições e alimentos não cozinhados, lenha, acompanhamento a consultas, meios complementares de diagnóstico, participação em tratamentos, levar a passear, fazer companhia, não se apurou que o demandado os tivesse solicitado, nem que tivesse acordado o pagamento – aos AA - de uma contrapartida; Secundo – A admitir-se que os actos dos AA e que beneficiaram o réu/falecido, foram pelos primeiros praticados na suposição de que pelo Réu seriam instituídos como os seus herdeiros, cai-se no domínio das obrigações naturais, sendo estas definidas pelo artigo 402º do Código Civil como sendo fundadas num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas , nos termos do artigo 403º nº 1 do Código Civil , o certo é que não pode ser repetido o que foi prestado espontaneamente em cumprimento de uma obrigação natural; Tertio – Podendo, no tocante à construção pelo autor de um muro em pedra, a respectiva e pertinente factualidade ser reconduzida à figura do instituto do enriquecimento sem causa (artº 473º do Código Civil), acontece que, in casu, não logrou porém o ora apelante provar os pressupostos necessários à aplicação de tal instituto, maxime, por um lado, o valor que despendeu e, por outro, que a deslocação patrimonial no referido caso tivesse constituído um enriquecimento para o apelado e em que medida; Quator - Ainda relativamente à construção pelo autor de um muro em pedra, a admitir-se que se está na presença de uma benfeitoria útil ou eventualmente voluptuária, só relativamente à útil há lugar ao respectivo valor e, ainda assim, também por aplicação das mesmas regras na relação enriquecimento – empobrecimento (cfr. artº 1273º, do CC). Dissentindo da apontada fundamentação, começam os apelantes, num primeiro momento, por insurgirem-se contra o entendimento do tribunal a quo, no sentido de que, no tocante ao grosso das prestações (serviços e cuidados) dos AA, se está perante obrigações naturais. Depois, considerando que o grosso das prestações (serviços e cuidados) dos AA ao réu falecido se enquadram na figura do instituto do enriquecimento sem causa, concluem de seguida os apelantes pela verificação – em razão da factualidade assente – de todos os pressupostos da respectiva obrigação de restituir, nos termos dos artºs 473º,476º,479º e 480º, todos do CCivil, e sobretudo no tocante: a) À quantia de 1.500,00€, que o autor pagou em reparações do veículo do Réu O; b) À quantia total de €2.387,09, que o autor pagou com despesas de saúde do Réu O, com a contribuição autárquica e com o registo dos prédios do mesmo réu; c) À quantia, a liquidar, com a construção pelo autor do muro de prédio do Réu O; d) À quantia, a liquidar, com o fornecimento pelo autor ao Réu O de lenha; e) À quantia, a liquidar, com o fornecimento pelos autores ao Réu O e companheira, de cuidados vários, de géneros alimentícios, de bens para a casa, etc. Quid Juris? Antes de mais, importa começar por “excluir” do objecto da apelação dos AA a pretensão que deduzem com referência aos valores/quantias identificadas nas alíneas a) e b) que antecedem [À quantia de 1.500,00€ - que alegadamente o autor pagou em reparações do veículo do Réu O -, e a de €2.387,09, que alegadamente o autor pagou com despesas de saúde do Réu O, com a contribuição autárquica e com o registo dos prédios do mesmo réu]. Na verdade, porque no tocante à referida factualidade e despesas não logrou o apelante conseguir quaisquer ganhos em sede de impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo (como decorre do item 3.1. que antecede) , inevitável se mostra a improcedência da apelação na referida parte. Resta, assim, aferir, da pretensão dos apelantes dirigida para a alteração do julgado no tocante à construção pelo autor do muro de prédio do Réu O, ao fornecimento pelo autor ao Réu O de lenha e ao fornecimento pelos autores ao Réu O e companheira, de cuidados vários, de géneros alimentícios, de bens para a casa, etc. É que, relativamente a tal matéria, provado está, efectivamente, que: - Os Autores levavam diariamente refeições ao Réu, bem como alimentos não cozinhados [resposta aos artigos 10º, 32º, 39º da base instrutória]. - Os Autores festejavam os aniversários do Réu, organizavam as respectivas festas e levavam-lhe presentes, suportando os respectivos custos [ resposta aos artigos 33º a 36º da base instrutória]. - O Réu foi sujeito a intervenção cirúrgica no Hospital de Riba D’ Ave necessitando da colocação de gotas nos olhos, diariamente, no período pós-operatório, revezando-se os AA na prestação dos cuidados referidos [resposta aos artigos 20º e 21º da base instrutória]. - O Réu ia a consultas em Fafe e realizava exames complementares de diagnóstico no Porto e em Braga, marcadas ora pelo Autor ora pela Autora, sendo também acompanhado ora pelo Autor, ora pela Autora, tendo esta por vezes de faltar ao seu trabalho. - Ao longo dos anos o Autor forneceu ao Réu e à companheira lenha para queimar no fogão, em valor não concretamente apurado, mas que atingia a quantidade de algumas toneladas por ano. - O Autor levava trabalhadores ao seu serviço para fazer a poda das videiras e a vindima nos terrenos do Réu [resposta ao artigo 47º da base instrutória]. - Também cedia o tractor para realização de trabalhos agrícolas nos terrenos do Réu [resposta ao artigo 48º da base instrutória]. - O Autor pagava aos seus funcionários o respectivo salário [resposta ao artigo 49º da base instrutória]. - Quando a Junta de Freguesia necessitou de alargar o caminho público que confrontava com um campo do Réu, e após intermediação do autor a pedido do Réu, este último veio a ceder terreno com a contrapartida da edificação de um muro de vedação do prédio, tendo então também o Autor negociado com o empreiteiro a sua construção em pedra, que mandou executar pagando valor não concretamente apurado. - Os Autores levavam o Réu a passear, suportando o custo do combustível [resposta aos artigos 55º, 56º e 70º da base instrutória]. - A Autora auxiliava o Réu e a companheira nos trabalhos dos campos, designadamente, nas vindimas, bem como no tratamento dos animais e na lide doméstica [resposta ao artigo 68º e 69º da base instrutória]. Ora, relativamente à referida factualidade, e ao não extrair – o tribunal a quo - da mesma nenhuma consequência jurídica com base na existência, subjacente, de um qualquer vínculo jurídico estabelecido entre apelantes e apelado, nenhuma censura merece a primeira instância. Na verdade, e sem margem para quaisquer dúvidas, estão muito longe os factos provados, ainda que coadjuvados por aqueles que o ad quem acrescentou à decisão de facto da primeira instância, de configurarem a constituição de uma qualquer obrigação e/ou vínculo jurídico através do qual tenha o apelado/falecido, ficado vinculado/adstrito à realização de uma qualquer prestação pecuniária aos Autores/apelantes, como credores (cfr. artº 397º, do CC). Já o mesmo, porém, se não poderá dizer no tocante ao entendimento da primeira instância no sentido de que, no tocante à lenha fornecida e aos cuidados [cuidados vários, de géneros alimentícios, de bens para a casa, etc.] prestados pelos autores ao Réu Avelino e companheira, se está na presença de meras obrigações naturais [nos termos do art.º. 402º do C.Civil], e isto porque tal conclusão não emerge já, de forma manifesta e inequívoca, do conjunto da factualidade assente. Senão, vejamos. É sabido que, para o referido efeito/qualificação, não basta que a obrigação se funde num mero dever de ordem moral e social, e cujo cumprimento não é judicialmente exigível, antes há-de a mesma corresponder outrossim a um dever de justiça. Ou seja, para que lícito seja qualificar uma obrigação como sendo subsumível à previsão do artº 402º do CC (23), importa (24) “ averiguar, primeiro, se existe um dever moral ou social, e, seguidamente, se esse dever moral ou social é tão importante que o seu cumprimento envolve um dever de justiça “, ou, dito de um outro modo, “Exige-se que o dever de uma pessoa para com outra não respeite somente à consciência moral, mas algo mais, que respeite também à consciência jurídica", e, estando esta última apurada, então sim, inevitável é que funcione um dos 3 princípios que caracterizam as obrigações naturais, a saber ,sua incoercibilidade (25). Em suma, para além de a obrigação natural pressupor um dever de ordem moral ou social especifico entre pessoas determinadas (26) [o qual não é definido por lei, incumbindo antes ao tribunal – e independentemente do juízo que o autor da prestação faça acerca da existência do dever - a determinação casuística sobre se existe ou não um dever que justifique a qualificação da obrigação como natural (27) ] , exige-se que a mesma corresponda outrossim a um dever de justiça [o qual depende também das concepções sociais e morais predominantes de cada sociedade], sendo que este último não se confunde com o dever jurídico. O necessário trabalho de aferição de verificação da existência, ou não, dos pressupostos exigíveis para a qualificação de concreta situação como preenchendo o tatbestand do artº 402º, do CC, insiste-se, é tarefa que recai sobre os tribunais, a este competindo “em cada caso, definir, segundo o sentimento prevalecente no meio social, se se está na presença de um simples dever moral ou social ou de um verdadeiro dever de justiça”, isto é, de “ um dever que à face das concepções dominantes se justificaria pudesse ser judicialmente reclamado se não fora uma razão particular que leva a excluir a possibilidade de realização coactiva (28). Ora, procurando exemplificar casos de efectivas obrigações naturais, directa ou indirectamente referidas na lei, alude Antunes Varela (29) à situação prevista no artº 495º, nº3, do Código Civil, explicando o ilustre Prof. que cabem na referida previsão legal os parentes próximos - não compreendidos no artº 2009º - que tenham vivido com o lesado ou que este tenha auxiliado, a mulher com quem ele tenha vivido maritalmente, o criado que envelheceu ou se inutilizou ao serviço do patrão etc.. E, em sede de juízo conclusivo, termina Antunes Varela por referir que “haverá obrigação natural na prestação de alimentos quando os laços de sangue ,as relações de convívio ou os serviços prestados a lesado imponham como um dever de justiça o encargo da sustentação, habitação e vestuário da pessoa a quem são facultados. Isto dito, recorda-se que no âmbito do conceito de alimentos, e obrigação respectiva [cfr. v.g. artºs 1878,nº1, e 2003º,nº1, ambos do CC], se integra tudo o que é indispensável ao sustento, vestuário, habitação, segurança e saúde do alimentando. Por outra banda, como bem se chama à atenção na sentença apelada, “A relação padrinho/afilhados assenta numa tradição de prestação de cuidados, potencialmente associada à substituição ou coadjuvação dos progenitores, mormente, em casos de pobreza por parte destes e por forma a permitir melhores condições de vida quotidiana ou futura quando associada à instrução, visando potenciar um acesso a um estatuto social ou profissional mais elevado; também não raro, por parte das pessoas sem filhos, os afilhados assumem em termos afectivos e de prestação de cuidados, a posição dos descendentes inexistentes, beneficiando também em termos patrimoniais” , e, “além desta perspectiva que tem os afilhados como destinatários, por vezes, ocorre uma relação inversa, ou seja, surgem para estes “obrigações” similares às que existem dos filhos para com os pais”. De resto, como se pode ler em obra muito longínqua [in Direito Civil de Portugal, de 1827] do então Desembargador Supranumerário da Relação e Casa do Porto, Manuel Borges Carneiro (30), e no tocante aos alimentos, já em meados do inicio do século XIX se considerava que “Tão bem se tem opinado que há obrigação de alimentos entre o padrinho do baptismo e o afilhado, que são considerados como Pai e Filho espirituaes: o que comtudo geralmente não tem uso“. E, já muito recentemente, com a Lei nº 103/ 2009 de 11 de Setembro (que Aprova o regime jurídico do Apadrinhamento Civil, e alterada pela Lei 141/2015, de 8/9), vem o nosso legislador a consagrar no nosso sistema jurídico, um novo instituto jurídico – o Apadrinhamento Civil –, criando como que uma relação jurídica para-familiar, através da figura do “Padrinho”, o qual é mais que um tutor (porque constitui-se uma relação quase familiar, não se extingue com a maioridade e é para toda a vida, salvo se existir revogação), e, no âmbito da qual, precisamente, estabelece “uma obrigação recíproca de alimentos” (31), mas afasta a existência de direitos sucessórios recíprocos entre padrinho e afilhado. Não se olvida, é preciso deixar bem claro, que a figura jurídica do “Padrinho” criada pela Lei nº 103/ 2009 de 11 de Setembro (ainda que prima facie sem grandes resultados práticos), nada tem que ver com o conteúdo que o cidadão comum atribui às expressões “padrinho” e “madrinha”, as quais, como bem nota Ana Catarina G. Helena (32), são bastante correntes no seio da nossa sociedade, e isto porque, consabidamente, Portugal é um país predominantemente Católico, não ignorando a importância do papel que o patrinus ocupa na vida de uma criança. De qualquer forma, não deixa para nós de ser sintomático que, no âmbito da designação da figura central do instituto criado pela Lei nº 103/ 2009 de 11 de Setembro, tenha o legislador utilizado e lançado mão exactamente do/s termo/s de padrinho/madrinha, pois que, são eles utilizados pelo cidadão comum como equivalendo/correspondendo precisamente a alguém que se compromete a cuidar de um menor. Postas estas breves considerações, e descendo agora ao concreto, diz-nos a factualidade provada que “os Autores cuidaram do Réu e da companheira por serem afilhados do primeiro e devido ao afecto recíproco“, sendo que, após a morte da companheiro do Réu/falecido, ”Os Autores combinavam entre si de forma a alternarem no convívio com o Réu para que este estivesse menos sozinho e nada lhe faltasse, levavam-lhe diariamente refeições, bem como alimentos não cozinhados , festejavam os aniversários do Réu, organizavam as respectivas festas e levavam-lhe presentes, suportando os respectivos custos , e revezavam-se na prestação de cuidados de saúde ao Réu e na ida do mesmo a consultas e exames médicos. Também nos diz a factualidade provada que, “ao longo dos anos o Autor forneceu ao Réu e à companheira lenha para queimar no fogão, levava trabalhadores ao seu serviço para fazer a poda das videiras e a vindima nos terrenos do Réu, cedia o seu tractor para realização de trabalhos agrícolas nos terrenos do Réu, pagando aos seus funcionários o respectivo salário e, também, que ambos os AA, levavam o Réu a passear, suportando o custo do combustível. Por fim, e agora no tocante apenas à Autora, da factualidade assente decorre que a mesma auxiliava o Réu e a companheira nos trabalhos dos campos, designadamente, nas vindimas, bem como no tratamento dos animais e na lide doméstica, sendo que, entre os 3 e os 14 anos , a Autora viveu em casa do Réu, ai permanecendo de dia e de noite e, subsequentemente, até começar a trabalhar, apenas de dia. Ora, em razão dos considerandos acima aduzidos no tocante à caracterização do instituto das obrigações naturais, e aplicando-os agora à factualidade provada acabada de relembrar e especificamente no tocante à autora, não se descortina existir fundamento pertinente que justifique não subsumir todos os actos/comportamentos/prestações que praticou e que beneficiaram o réu falecido, à previsão do artº 402º, do CC, tal como o considerou o tribunal a quo. Na verdade, relativamente à autora, e para além de afilhada do réu, foi com o Réu/falecido – na casa deste - que viveu durante vários anos, e quando era ainda muito nova. Ou seja, e socorrendo-nos dos ensinamentos do Prof. Antunes Varela, acima aduzidos, pertinente é que, quer pelos laços de afecto, quer pelas relações de convívio existentes e pelo relacionamento padrinho/afilhada e, essencialmente por prima facie ter o Réu falecido cuidado da autora durante vários anos e quando a mesma era ainda uma criança de tenra idade, pertinente é considerar que todos os actos/prestações da Autora provados – e dirigidos para o Réu/falecido - se enquadram no âmbito de uma obrigação natural (de alimentos), pois que, em rigor, correspondem todos eles a encargos assumidos/prestados como efectivos deveres de justiça [claro está, em face das concepções dominantes tidas por vigentes na nossa sociedade]. E, assim sendo, nenhuma censura nos merece a sentença apelada, tendo a mesma decidido, em relação à autora, com total acerto, e com base em fundamento legal pertinente e subsumível nos artºs 402º e 403º, ambos do CC. Já relativamente ao Autor/apelante, e aplicando-se ao mesmo, mutatis mutandis, todos os considerandos já aduzidos em relação à autora e com referência aos actos/prestações mais vulgares, correntes e quotidianas em sede de prestação de alimentos (lato sensu), no sentido de configurarem as mesmas, outrossim, prestações fundadas em mero dever moral e social e, concomitantemente, corresponderem a um dever de justiça [em razão das relações de bastante proximidade, de afecto, de convício e de ligação padrinho/afilhado existentes entre A e Réu], logo, integrarem a previsão do artº 402º, do CC, temos para nós que, porém, e porque, prima facie inabituais e algo extraordinárias [em sede de prestação de alimentos], se justifica/impõe abordar em separado as prestações do muro (de prédio do Réu Avelino) e do fornecimento de lenha (que se provou atingir a respectiva quantidade algumas toneladas por ano). Na verdade, cabendo, como vimos supra, ao tribunal, aferir em cada caso, se segundo o sentimento prevalecente no meio social, se se está na presença de um simples dever moral ou social ou de um verdadeiro dever de justiça, a verdade é que, no tocante às prestações agora em apreciação, a respectiva integração na previsão do artº 402º, do CC, não é já indiscutível e evidente, bem pelo contrário. Consequentemente, daí a pertinência de, à luz do instituto do artº 473º, do Código Civil [ do enriquecimento sem causa e porque invocado – v.g. no artº 26º - , ainda que não de uma forma desejavelmente explicita, na petição inicial e como causa petendi (33)] , aferir de seguida da consistência de relativamente às referidas prestações se justificar reconhecer o direito do autor A de lograr o respectivo ressarcimento. Vejamos. Como decorre do preceituado no artº 473º, nº1, do Cód. Civil, a obrigação de restituir com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, pressupõe a alegação e prova [a cargo do alegadamente empobrecido – cfr. artº 342º,nº1, do CC ] de que : a) ocorre o enriquecimento do património de alguém em razão de concreto facto; b) o referido enriquecimento é conseguido à custa do empobrecimento do património de outrem por causa do mesmo facto; c) não existe causa justificativa para a referida alteração patrimonial. (34) O enriquecimento sem causa, enquanto fonte da obrigação do enriquecido de entregar ao empobrecido o valor do beneficio alcançado, acontece/ocorre portanto prima facie “quando o património de certa pessoa se valoriza ou deixa de desvalorizar, à custa de outra pessoa, e sem que para isso exista uma causa justificativa”. (35) Porém, porque o conceito de vantagem patrimonial é mais amplo que o do enriquecimento, porque nem sempre a obtenção de um beneficio avaliável em dinheiro permite concluir que o beneficiário se enriqueceu, necessário é , para efeitos do artº 473º, nº1, do CC, que o benefício se tenha projectado no património do beneficiário, influído no seu conteúdo, v.g. tornando-o mais valioso, ou impedido que passasse a ser menos, originando pois um ganho ou a desnecessidade de um dispêndio.(36) Já relativamente ao 3º pressuposto do instituto, a ausência de causa justificativa, a definição do seu correcto alcance é tarefa mais melindrosa, tudo dependendo, em última análise da determinação da vontade legislativa, ou seja, importa averiguar, em cada situação, e no âmbito do instituto jurídico aplicável, se o enriquecimento corresponde à vontade profunda da lei. (37) Em todo o caso, quando na presença de suposto enriquecimento ancorado em prestação do pretenso empobrecido, pertinente é lançar mão das indicações que constam do nº 2, do artº 473º, do CC., quais auxiliares para a concretização do elemento de ausência de causa justificativa (38), dispondo o mesmo que a obrigação de restituir tem por objecto o que for indevidamente recebido, o que for recebido por causa que deixou de existir ou em vista de efeito que não se verificou. Este último pressuposto, como todos os demais, insiste-se, é àquele que se arroga como o “empobrecido” que incumbe provar (39) , e isto porque, como de resto há muito já defendia Cunha Gonçalves (40 ),“ Em caso de dúvida deve presumir-se que o enriquecimento derivou de justa causa e ao autor incumbe a prova de que o seu detrimento foi produzido “sine causa”, ou seja , porque a existir uma deslocação sem causa tal representa um rompimento com a normalidade da vida patrimonial, daí compreender-se bem que esse rompimento haja de ser considerando elemento integrante do direito de restituição, com a consequente demonstração por quem o invoca. (41) Postas estas breves considerações, e incidindo agora a nossa atenção sobre o grosso da factualidade provada, mais exactamente a relacionada com as prestações do Autor referentes ao muro e à lenha, e admitindo-se que pelo menos no tocante à construção do muro (porque provado está que o Autor negociou com empreiteiro a sua construção em pedra, que mandou executar, pagando valor não concretamente apurado), existe um empobrecimento do Autor, pois que ficou despojado do dinheiro entregue ao empreiteiro, já relativamente à lenha não aponta a factualidade assente, de um forma inequívoca, para que o mesmo tenha sucedido. Porém, quer relativamente ao muro , quer à lenha, é já a factualidade provada nada explicita no tocante à verificação do requisito atinente ao enriquecimento do Réu/falecido, e isto porque, para além de não decorrer da mesma – factualidade - que a construção do muro proporcionou um valor acrescentado ao prédio do réu, tornando-o mais valioso, também o fornecimento da lenha , por si só, não obriga também a concluir que , por causa do mesmo, o réu evitou um dispêndio, o qual teria necessariamente que efectuar, não podendo evitá-lo. Acresce que, ainda no tocante ao muro, da factualidade provada resulta que o Réu cedeu parte de um terreno com a contrapartida da edificação pela Junta de Freguesia de um muro de vedação do prédio parcialmente amputado , razão porque, prima facie, obrigado não estava o Réu sequer a efectuar qualquer dispêndio com a sua construção. Em rigor, portanto, não é a factualidade provada suficientemente demonstrativa de que existiu uma efectiva deslocação patrimonial do património do Autor para o do réu/falecido, tendo este último enriquecido/beneficiado à custa o primeiro. De qualquer modo, ainda que, forçoso/pertinente fosse, com base nos factos provados, concluir pela verificação dos requisitos acima indicados sob as alíneas a) e b), ou seja, que manifesto é que existe um enriquecimento do réu e um correspondente empobrecimento do autor, e em razão do mesmo facto/prestação, a verdade é que também o requisito atinente à ausência de causa justificativa daquele – o enriquecimento – não se mostra também presente/demonstrado. É que, reconhecendo-se e não se olvidando que da factualidade assente resulta que o Réu dizia que os Autores seriam seus herdeiros , tal facto por si só não justifica concluir que as prestações do autor ao réu/padrinho e ora em análise foram realizadas tão só na suposição/pressuposto de que o primeiro viria a ser instituído herdeiro do segundo , e , porque tal não veio a ocorrer, então verificar-se-ia portanto a previsão do nº 2, in fine, do artº 473º, do CC [ recebimento de prestação em razão de um efeito que não se verificou ] . De resto, tal factualidade específica, quiçá por algum comedimento e ou decoro dos AA, não foi sequer e expressis verbis alegada, e , ademais, provado ficou também que os Autores cuidaram do Réu e da companheira por serem afilhados do primeiro e devido ao afecto recíproco existente . Em conclusão, porque a falta de causa da atribuição ou vantagem patrimonial que integra o enriquecimento terá sempre de ser alegada e demonstrada por quem invoca o direito à restituição dela decorrente, em conformidade com as exigências das regras gerais sobre os ónus de alegação e prova , sendo que, a mera falta de prova da existência de causa da atribuição não é suficiente para fundamentar a restituição do indevidamente pago, sendo necessário provar que efectivamente a causa falta, tudo visto e sopesado, inevitável é que a sentença apelada deva ser confirmada. A apelação dos AA, portanto, improcede in totum. * 5 - Sumariando ( cfr. artº 663º, nº7, do Cód. de Proc. Civil ). I - As obrigações naturais, fundando-se num mero dever de ordem moral ou social, e não sendo o seu cumprimento judicialmente exigível, devem porém corresponder a um dever de justiça, cabendo em ultima análise aos tribunais, em cada caso, definir, segundo o sentimento prevalecente no meio social, se se está na presença de um simples dever moral ou social ou de um verdadeiro dever de justiça; II – As relações de afecto reciproco existentes por vários anos entre afilhado e padrinho, e, bem assim, o amparo e a protecção conferida pelo segundo ao primeiro durante vários anos, justifica concluir pela existência de uma obrigação natural em sede de prestação de alimentos do afilhado ao padrinho; III - A falta de causa do enriquecimento do demandado carece de ser pelo autor/empobrecido alegada e provada, maxime e v.g deve ele alegar e provar que as deslocações patrimoniais - v.g. do A/afilhado para o R/padrinho - se verificaram no pressuposto, entretanto não verificado, de o autor vir a ser instituído pelo segundo como seu herdeiro. *** 6. - Decisão. Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em, não concedendo provimento à apelação dos AA A e I: 6.1. - Determinar a alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, nos termos indicados no item 3.1., do presente Acórdão; 6.2. - Manter e confirmar, ainda assim, a sentença apelada, Custas a cargo dos apelantes. *** Guimarães, 11/2/2016 António Manuel Fernandes dos Santos (O Relator) Maria Amália Pereira dos Santos ( 1º Adjunto) Ana Cristina Oliveira Duarte ( 2º Adjunto) *** (1) In Recursos em Processo Civil, Almedina, Novo Regime, 2010, Pág. 152. (2) Cfr. Ac. do STJ de 18/11/2008, proc. nº 08A3406 e disponível in www.dgsi.pt. (3) Cfr. Ac. do STJ de 1/10/2015, proc. nº 6626/09.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt (4) Cfr. Ac. do STJ de 15/9/2011, proc. nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt. (5) Cfr. Ana Luísa de Passos Martins da Silva Geraldes, in Trabalho de Agosto de 2012, publicado na Obra realizada em Homenagem ao Professor Lebre de Freitas. (6) Cfr. Ac. do STJ de 15/09/2011, Proc. nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1 , in www.dgsi.pt. (7) Vide os Acs de 23/2/2010 e de 21/4/2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt . (8) Conforme v.g. os Acórdãos do STJ de 13/11/2012, Proc. nº 10/08.0TBVVD.G1.S1, de 4/7/2013, proc. nº 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1, e de 2/12/2013, Proc. nº 34/11.0TBPNI.L1.S1 , todos eles acessíveis in www.dgsi.pt. (9) Cfr. Ac. do STJ de 1/10/2015, Proc. nº 824/11.3TTLRS.L1.S1 , e de 3/12/2015, Proc. nº 3217/12.1TTLSB.L1.S1, ambos in www.dgsi.pt. (10) Cfr. Ac. do STJ de 18/6/2013, Proc. nº 483/08.0TBLNH.L1.S1 e in www.dgsi.pt. (11) Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3/12/2013, Proc. nº 6830/09.0YIPRT.L1-1, e in www.dgsi.pt. (12) Ibidem, pág.158/159 (13) Neste sentido vide o Ac. do STJ de 9/12/2012, Proc. nº 1858/06.5TBMFR.L1.S1, e in www.dgsi.pt. (14) Ibidem, pág.159 (15) Cfr. Ac. de 25/6/2014, in Proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, sendo Relator o Exmº Cons. Gabriel Catarino e in www.dgsi.pt. (16) Cfr. João Aveiro Pereira, in “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil“,www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf. (17) Cfr. Ac. de 25/11/2014, in Proc. nº 100482/10.6PRT.G1, sendo Relator o Exmº Cons. João José Martins de Sousa , e não publicado. (18) Cfr. Ac. do STJ de 19/2/2015, in Proc. nº 299/05.6TBMGD.P2.S1 , sendo Relator o Exmº Cons. Tomé Gomes e in www.dgsi.pt. (19) Cfr. ainda o supra citado Ac. do STJ de 19/2/2015. (20) In Ac. de 29/10/2015, Proc. nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, sendo Relator Lopes do Rego, e in www.dgsi.pt.. (21) In Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs.. (22) Cfr. António Santos Abrantes Geraldes , in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, 3ª Edição, págs. 309 e 3018 e Acs. do STJ de 1/7/2014, Proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, e de 8/6/2011, Proc. nº 350/98.4TAOLH.S1, ambos in www.dgsi.pt. (23) “ A obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça” ( cfr. artº 402º, do CC ) (24) Cfr. refere Mário Júlio de Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", 5ª edição, Coimbra, 1991, págs.142/3. (25) Vide Luís Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 5 tª Edição, pág. 651. (26) Cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, Vol. I, 3ª edição, Almedina, pág. 596/597. (27) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 351. (28) Cfr. Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações , 3ª Edição, pág. 41/42. (29) In Das Obrigações em geral, Vol. I, 3ª edição, Almedina, pág. 598. (30) Direito civil de Portugal : contendo três livros, I das pessoas, II das cousas, III das obrigações e acções , Impressão Regia de 1827 , Lisboa , Vol. II, págs. 228 e segs. . (31) Reza o artº 21º da Lei n.º 103/2009, de 11 de Setembro, que : 1 - Os padrinhos consideram-se ascendentes em 1.º grau do afilhado para efeitos da obrigação de lhe prestar alimentos, mas são precedidos pelos pais deste em condições de satisfazer esse encargo. 2 - O afilhado considera-se descendente em 1.º grau dos padrinhos para o efeito da obrigação de lhes prestar alimentos, mas é precedido pelos filhos destes em condições de satisfazer este encargo. (32) In A NOVA FIGURA JURÍDICA DO APADRINHAMENTO CIVIL E A CONTROVERSA QUESTÃO DA HOMOSSEXUALIDADE DOS CANDIDATOS A PADRINHOS/MADRINHAS CIVIS , MESTRADO FORENSE , Orientadora: Professora Doutora Maria Clara Sottomayor, 30 de Março de 2012, UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA -Escola de Lisboa – Faculdade de Direito, acessível em sitio da internet; 33) Como deve suceder, e bem se chama a atenção no Ac. do STJ de 8/9/2015, Proc. nº 201/09.6TBVRM-A.G1.S1, sendo Relator o Exmº Cons. Paulo Sá, e o qual incidiu, curiosamente, sobre situação que se aproxima muito/demasiado da questão discutida nos presente autos, e sobre a qual também este Tribunal da Relação teve o ensejo de se debruçar ( em Ac. de 17/12/2014, por nós também relatado ). (34) Cfr. Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, aafdl, 1975/76, 1º Volume, pág. 231 e segs.. (35) Cfr. Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 3ª Edição, 1980, pág. 124 e segs.. (36) Cfr. Inocêncio Galvão Telles, ibidem, pág. 128. (37) Cfr. Inocêncio Galvão Telles, ibidem, pág. 132. (38) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I , 2ª edição, pág. 399/400. (39) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I , 2ª edição, pág. 401. (40) In Tratado de Direito Civil, IV, pág. 743. (41) Cfr. Ac do STJ de 31/03/2009, Revista n.º 09B652, sendo Relator João Bernardo e in www.dgsi.pt. *** |