| Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ISABEL SILVA | ||
| Descritores: | COMPROPRIEDADE ACÇÃO DE PREFERÊNCIA CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO INTERPRETAÇÃO | ||
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| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/03/2016 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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| Sumário: | a)	Descontando os casos da denominada prova vinculada, a valoração da prova não pode ser efetuada de forma seccionada, antes se impondo uma ponderação global dos diversos depoimentos e outros meios probatórios, analisando indícios e contraindícios, tudo conjugando numa apreciação objetiva e de acordo com as regras da lógica, da racionalidade e da experiência comum. b) O princípio do dispositivo tem também repercussões no âmbito da atuação do tribunal, pois implica limitações ao seu poder de cognição: o tribunal só pode mover-se dentro dos limites da causa de pedir invocada e não pode condenar ultra petitum ou extra petitio: art. 5º e 609º nº 1 do CPC. c) Mas não se trata de uma exata correspondência, sabido como é que muitas vezes o Tribunal tem de interpretar as pretensões das partes; pretende-se que o tribunal não extravase os limites qualitativos (objeto diverso) e quantitativos (quantidade superior) do que lhe é pedido. d) Na situação de compropriedade de um prédio rústico, em 2 quotas, e em que incide um direito de usufruto sobre uma dessas quotas a favor de terceira pessoa, se o comproprietário da metade sobre a qual incide o usufruto, e o usufrutuário, vendem os seus direitos a uma mesma pessoa, ocorre a extinção do usufruto: art. 1476º nº 1 al. b) do CC. e) Não deve confundir-se a qualidade de preferente com a constituição do direito (ou relação) de preferência legal, pois aquela deriva e constitui-se com a simples qualidade de comproprietário, sem que na esfera jurídica deste resida desde logo o direito a celebrar um determinado contrato em lugar de um terceiro. f) Na ação de preferência intentada pelo comproprietário preferido, este tem direito a substituir-se na posição do adquirente, quer quanto à aquisição da nua propriedade, quer quanto do direito de usufruto relativo à outra metade do prédio. | ||
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - HISTÓRICO DO PROCESSO 1. Em ação instaurada em 17/07/2010, que recebeu o nº 1160/10.8TBVRL, por B. e o marido C. contra D., E., F., e esposa G., pretendiam os Autores que lhes fosse reconhecido o direito de preferência na compra de metade de determinado prédio rústico vendido pelo 1º e 2ª Réus aos 3ºs Réus, substituindo-os na compra, ordenando-se o cancelamento na Conservatória do Registo Predial do registo efetuado a favor dos 3º Réus. Alegaram os Autores, em resumo, serem comproprietários do dito prédio, na proporção de metade, com o Réu D., sendo a Ré E. usufrutuária; que, em 2009, estes Réus venderam ao F. a quota de 1/2 do direito de propriedade referente ao dito prédio, bem como o direito de usufruto, sem que lhes tivesse dado o direito de preferência, nem comunicado as condições do contrato. Apenas contestou o réu F.. Para além de impugnar a factualidade alegada, excecionou com o uso anormal do processo, com a caducidade do direito de ação, a renúncia ao direito de preferência e a simulação quanto ao preço de alienação dos direitos de propriedade e de usufruto. Em reconvenção, a título subsidiário, deduziu pedido de condenação dos Autores a pagar-lhe € 8.900,00, correspondente ao diferencial entre o montante depositado pelos autores e o preço por ele efetivamente pago. Os Autores ainda replicaram. Os réus E. e D. apenas requereram a suspensão da instância até à prolação da decisão definitiva a proferir no processo n.º 1747/10.9TBVRL, que por eles havia sido instaurada em 18/11/2010, contra F., e esposa G.. Em 20/12/2011 foi determinada a apensação da ação nº 1160/10.8TBVRL ao processo n.º 1747/10.9TBVRL. Em 28/02/2012 foi declarada a suspensão da instância quanto à ação nº 1160/10.8TBVRL até se mostrar decidida a causa que corria termos no processo n.º 1747/10.9TBVRL. Por despacho proferido em 15/10/2014, foi julgada deserta a instância no processo n.º 1747/10.9TBVRL, por falta de iniciativa processual, exceto no tocante à ação nº 1160/10.8TBVRL. Retomando os autos da ação nº 1160/10.8TBVRL o seu curso, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou inadmissível a reconvenção e se selecionou a matéria de facto pertinente. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu: «a) Reconhecer aos autores B. e C. o direito a preferirem aos réus F. e G. na transmissão efectuada por D., no acto notarial identificado no facto provado n.º 4, de metade do direito de propriedade relativo ao prédio rústico sito na freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o artigo …, condenando-se os indicados réus a reconhecê-lo; b) Julgar improcedente o pedido de reconhecimento formulado pelos autores B. e C. do direito a preferirem aos réus F. e G. na transmissão efectuada por E., no acto notarial identificado no facto provado n.º 4, do usufruto referente a metade do direito de propriedade relativo ao prédio rústico sito na freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o artigo …, absolvendo-se os indicados réus de tal pretensão; c) Determinar a substituição dos réus F. e G. pelos autores B. e C. na escritura pública identificada no facto provado n.º 4, quanto à alienação efectuada pelo réu D. e, consequentemente, considera-se transmitida a favor dos autores a quota identificada em a); d) Cancelar os registos efectuados a favor dos réus F. e G., quanto ao imóvel identificado no facto provado n.º 1, na sequência da aquisição indicada em a);» 2. Inconformados, vêm os Autores apelar para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «1)- A Ação de preferência instaurada pelos AA. deveria ter sido julgada totalmente procedente, face aos documentos juntos aos autos e à matéria de facto provada. 2)- Os AA., são consortes do direito de usufruto, na proporção de metade (1/2), com a R. E., sendo contitulares ou consortes de direitos reais sobre o prédio rústico inscrito na matriz rústica da Freguesia de …ob o artº … pois os AA. eram co-usufrutuários do prédio rústico, na proporção de metade (1/2), com a R. E. e eram comproprietários, da nua propriedade, na proporção de metade (1/2), com o Filho desta, o R. D., porque o direito de compropriedade de metade dos AA. era pleno, o que resulta da certidão do registo predial junta com a P.I. 3)- O artº 1403º do Código Civil define a compropriedade, mas o artº 1404º do C.Civil, prescreve que “As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles”. 4)- Pelo que o direito de preferência legal, no caso de venda do co-usufruto, como é a situação também nos autos, está expressamente prevista neste artº 1404º do C.C., não sendo caso omisso, como por lapso manifesto constou da douta Decisão proferida, o que deverá ser retificado. 5)- Neste sentido, e seguindo a anotação do artº 1404º do C.C., em Código Civil anotado, vol. III, de Pires de Lima e Antunes Varela, 2ª ed., pág. 350, os Insignes Professores escreveram: “2. A regulamentação da compropriedade como figura paradigmática da comunhão justifica-se plenamente, pois é em relação ao domínio, especialmente sobre coisas imóveis, que as situações de contitularidade de direitos surgem com mais frequência e assumem maior importância”. 6)- “(…) o artigo 1404º manda aplicar subsidiariamente as regras da compropriedade à comunhão de quaisquer outros direitos”. 7)- “Entre os casos de comunhão assumem especial relevo a contitularidade de direitos reais, (…)”, “No primeiro grupo, além do co-usufruto, do co-uso ou habitação, (…) da co-superfície, figura a compropriedade intelectual”. 8)- “3. Entre os efeitos do regime subsidiário instituído pelo artigo 1404º destacam-se a aplicação do direito de preferência (arts. 1409º e 1410º)”. 9)- Pelo que as regras da preferência legal aplicáveis á venda de ½ do direito de nua compropriedade aplicam-se por força deste dispositivo legal à venda de ½ do co-usufruto, pelo que o direito de preferência legal dos AA. na sua compra, abrange ambos os direitos, e consequentemente, por se verificarem os demais pressupostos, sobre ambos os direitos dos RR. vendedores, lhes deverá ser reconhecido o direito preferência aos AA. 10)- O escopo legal imanente á preferência legal, com regime imperativo, e visando impedir que com a entrada de Terceiros se frustrem os fins unitários de exploração e rentabilização da exploração para a titularidade singular, sendo até o direito que é hierarquicamente o 1º na preferência, quando se é consorte, sairia assim totalmente gorado. 11)- Também em idêntico sentido, em anotação ao artº 1404º do C.Civil, Abílio Neto e Herlander Martins, 5ª ed., 1984, pág. 773, escreveram: “A aplicação das regras da compropriedade à comunhão de quaisquer outros direitos tem importância, designadamente para efeitos do direito de preferência.” (…), o qual invoca Mota Pinto, em Direitos Reais, pág. 252. 12)- Aliás as regras da compropriedade são referenciais para outros direitos, nomeadamente o de preferência. Neste sentido, a propósito da análise do direito de preferência, em Direito Civil, Reais, Coimbra Editora, 4ª ed., do Prof. José de Oliveira Ascensão, na pág. 513 e ss. o mesmo refere: “As preferências legais resultam automaticamente da verificação de dadas situações, e vêm reguladas a propósito de cada uma delas. São típicas. A figura-padrão continua a ser o direito de preferência do comproprietário.” 13)- “Estas preferências são em extremo numerosas na lei portuguesa, muito mais do que em qualquer outra ordem jurídica que conheçamos. Normalmente, surgem em hipóteses de sobreposição de direitos reais. Além da existente na comunhão, temos a preferência do arrendatário comercial e assim por diante”. 14)- Além disso, o direito de co-usufruto da Vendedora E. já se extinguiu, no exato momento da venda da respetiva metade, em simultâneo com a venda de metade da nua propriedade por porte do R. D., pois nesse exato momento reuniu-se a metade do co-usufruto com a metade da nua compropriedade, no mesmo Adquirente, como resulta do artº1476º, nº 1, al. b) do Código Civil. 15)- Direito agora que de plena compropriedade de metade, ou seja, reunindo a metade do co-usufruto da R. E., com a metade da nua compropriedade do R D., e que por prelação, preempção ou preferência asiste aos AA. 16)- Porque os AA. eram os comproprietários plenos da outra metade do imóvel, ou seja, a A. B. era consorte ou contitular de metade do usufruto com a R. E. e consorte de metade da nua compropriedade ou da raiz com o R. D.. 17)- Direitos que ambos se reuniram, no momento das duas vendas simultâneas, dando-se a respetiva extinção do co-usufruto e o direito de preferência dos AA. Na aquisição da plena metade ou compropriedade do referido prédio rústico objeto da Ação. 18)- Situação que demanda e justifica a preferência legal que a Lei justamente lhes concede, nos supra citados incisos legais e deveria ter conduzido ao reconhecimento e condenação dos RR. nos pedidos formulados pelos AA. nos seus precisos termos. 19)- Este artº 1404º do C.C. é a norma jurídica expressa para a situação em apreço, a qual por sua vez manda aplicar as regras da compropriedade, norma que existe no nosso ordenamento jurídico e devia ter sido aplicada e que só por mero lapso ou erro manifesto o não terá sido. 20)- Com o devido respeito, o douto Acórdão citado na douta Sentença, refere-se à inexistência do direito legal de preferência do usufrutuário, no caso de venda da raiz ou nua propriedade, que não é o caso versado nos autos e por isso inaplicável. “I - O usufrutuário não goza do direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do prédio sobre o qual incide o usufruto. II - As situações de preferência legais resultam directamente da lei e dada a sua natureza de direito real não é lícito fazer qualquer aplicação analógica a respeito de casos omissos.” 21)- O caso dos autos não é uma situação omissa na lei, pois se lhe aplica por remissão legal expressa, no artº 1404º do CC., as disposições da compropriedade, ou seja, as normas legais que o Mmo Juiz aplicou para o reconhecimento do direito de preferência na compra da metade da nua propriedade do R. D., as quais aplicam-se também à venda e direito de preferência legal de metade do co-usufruto da R. Maria José a favor dos AA. 22)- A douta Sentença enferma ainda das nulidades previstas nos arts. 615º, nº 1, al. b), do C.P.C., porque não foram especificados os fundamentos de direito que justificam a douta Decisão. 23)- E a da al) e), 2ªparte, do artº 615º, nº 1 do C.P.C., que condena em objeto diverso do pedido. 24)- Nulidades que deverão ser supridas nos termos do artº 617º nº 1 e 2 do C.P.C., tendo ainda ocorrido manifesto lapso do Mmo Juiz na determinação da norma aplicável, que deverá ser retificada atento o disposto no artº 614º, nº 1 do C.P.C., o que se requer. 25)- A douta Sentença proferida viola o disposto no artº 1404º do C.Civil e 1409º e 1410º do CC. e 1476º, nº 1, al. b) do C.C.., não tendo efetuado uma correta subsunção dos factos ao Direito. Nestes termos e nos demais de direito invocados e aplicáveis e pelo que será doutamente suprido por V.ªs Exas deverá dar-se provimento ao Recurso, revogando-se a douta Sentença na parte objeto de recurso, e substituindo-a por outra que julgue a ação totalmente procedente, bem como todos os pedidos formulados pelos AA. nos seus precisos termos. Assim se fazendo a esperada JUSTIÇA». 3. Igualmente inconformados, apela também o Réu José Barandas, CONCLUINDO: «1ª - A matéria alegada nos arts. 10º, 18º, 19º, 20º, 27º, 45ºe 48º da contestação de fls. 124-138, deveria ter sido dada como provada. 2ª - Na verdade, quer da prova documental (extractos bancários e documentação comprovativa da regularização da situação fiscal, tendo em conta o preço real do negócio), quer das declarações de parte prestadas por vendedores e comprador, impunha-se uma decisão diferente daquela que foi dada, no que tange a tal matéria que, por isso, se considera incorrectamente julgada (art. 640º nº.1 al. a) do C.P.C.). 3ª - Impunham decisão sobre a matéria de facto impugnada diversa da que foi dada na decisão recorrida, quer os extractos bancários de fls. 97 (processo principal) e 274 destes autos, bem como as declarações de parte do recorrente e RR. alienantes, conforme do trecho ou excerto das respectivas declarações, objecto de transcrição. 4ª - Declarações essas que, para além da razão de ciência invocada (incidiram sobre factualdiade de que tinham conhecimento pessoal) se revelaram absolutamente coerentes e verosímeis, tanto mais que incidiram, no que tange aos RR. alienantes, sobre factualidade (divergência entre o preço declarado e o preço real) que lhe era desfavorável, já que contrária aos seus interesses. 5ª - Sendo que, no exercício do direito de preferência pode discutir-se e provar-se, por qualquer meio, que o preço real da venda é diferente do que consta da escritura pública, pois que o que importa é aquele primeiro (Ac. R.L. de 7.3.1989: BMJ 385-599). 6º - Não obstante, ainda que se entendesse que o recurso à prova por declarações de parte apenas seria admissível (ao abrigo do disposto no art. 393º nº.3 do C. Civil) havendo um princípio de prova documental no sentido da existência dessa divergência, sempre teriam aqueles documentos de serem conotados como tais. 7ª - Ao não dar como provada tal matéria de facto (impugnada) ter-se-á de concluir que o Mº Juiz “a quo” não procedeu a uma adequada valoração racional e crítica, quer da indicada prova documental, quer das declarações de parte prestadas por recorrente e referidos vendedores, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão das máximas da experiência e conhecimentos científicos – o que constitui requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão. 8ª - Face à divergência entre o preço real e o declarado na escritura, haja ou não simulação, o direito de preferência só pode ser reconhecido se o preferente pagar o preço real (“preço devido”-nº.1 do art. 1.410º do C. Civil) pago pelo adquirente - Ac. R.E. de 23.10.1997: BMJ 469 – 669. 9ª - O que equivale por dizer que o reconhecimento do direito de preferência exercitado pelos AA. ficará subordinado à condição de por estes vir a ser depositado, no prazo consignado no nº.1 do art. 1.410º do C. Civil, o remanescente do preço (diferencial entre o valor já depositado e o valor real, ou seja 12.500€), sob pena de caducidade do seu direito. 10ª - Ao assim não decidir, violou a Sentença recorrida, por errada interpretação e aplicação, as disposições dos arts. 466º nº.1 do C.P.C. e, arts. 393º nº.3, 356º e1.410ºdo C. Civil, razão pela qual deverá a mesma ser revogada e substituída por outra em que, dando-se como provada a factualidade alegada nos arts, 10º, 18º, 19º, 20º, 27º, 45º e 48º da contestação, apenas se reconheça aos AA. o direito de preferência relativamente a ½ do rústico inscrito sob o art. … da freguesia de …l, contanto que, no prazo legal, por eles se mostre depositado o remanescente do preço em dívida (diferencial entre o valor já depositado e o valor real do negócio, sob pena de caducidade. Assim decidindo, far-se-á, uma vez mais, a costumada e devida JUSTIÇA.» 4. Perante o recurso do Réu, os Autores vieram então interpor RECURSO SUBORDINADO, o qual não foi admitido, por ter sido considerado prejudicado dado ter «os mesmos fundamentos do recurso principal interposto pelos autores», decisão com a qual os Autores se conformaram. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 4. OS FACTOS Foram os seguintes os factos considerados em 1ª instância: «Matéria de facto provada 1. Relativamente ao prédio rústico sito na freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, encontram-se inscritos no registo os seguintes factos (cfr. artigos 1.º e 2.º da p.i.): • aquisição de 1/2 do direito de propriedade a favor de B. (casada com C. no regime de comunhão de adquiridos), mediante a apresentação n.º 21 de 22/03/2000; • aquisição de 1/2 do direito de propriedade a favor de F. (casado com G., no regime de comunhão geral de bens), mediante a apresentação n.º 1695 de 12/08/2009; • área: 8120 m2; • composição: vinha, oliveiras, mato e instalações agrícolas; • confronta do norte com …, do sul com …, do nascente com … e do poente com caminho. 2. No dia 18/11/1998, no Cartório Notarial de…, foi outorgada escritura pública de partilha da herança aberta por óbito de H. (ocorrido em 14/06/1995), na qual, além do mais, foi adjudicado à autora B. e I., em partes iguais, o direito de propriedade relativo ao prédio do artigo n.º …– cfr. art. 3.º e 4.º da p.i. 3. No dia 16/03/2005, no Segundo Cartório Notarial de …, foi outorgada escritura pública de partilha da herança aberta por óbito de I. (ocorrido em 05/11/2001), na qual, além do mais, foi adjudicada ao réu D. a titularidade da quota de 1/2 do direito de propriedade relativo ao prédio do artigo …, enquanto à ré B. foi adjudicado o usufruto desse direito – cfr. art. 5.º da p.i. 4. No dia 30/07/2009, no Cartório Notarial de … (sito na Avenida…), J., na qualidade de representante voluntário de E., L., M e D., declarou vender a F., pelo preço global de € 4.500,00, já recebido, os seguintes direitos relativos aos prédios rústicos sitos na freguesia de … (cfr. art. 6.º da p.i.): a) direito de propriedade respeitante ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo …, integrante da herança aberta por óbito de I., pelo preço de € 500,00; b) 1/2 do direito de propriedade referente ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo …, pertencente a D., pelo preço de € 2.400,00; c) Usufruto do direito indicado em b), pertencente a E., pelo preço de € 1.600,00. 5. A ré E. era casada com I., pai do réu D. e irmão da autora B., a qual, por seu turno, é casada com o autor C. - cfr. artigo 2.º da cont. de fls. 124-138. 6. Em 18/10/2010, os réus E. e D. instauraram acção declarativa contra os réus F. e G., que correu termos nos autos principais, em cuja petição inicial consta (cfr. art. 1.º da cont. de fls. 124-138): “ 1.º Os AA. eram proprietários de metade de um prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de …l sob o número… e inscrito na matriz rústica da respectiva freguesia sob o artigo …, comummente e doravante também aqui simplesmente designado “Serro do Gato”, que em tempos havia pertencido a H., avô do A. D. (…) 2.º Por óbito de H., foi realizada a partilha por escritura pública em 18 de Novembro de 1998, lavrada no Cartório Notarial de … a cargo da Notária Licenciada …, exarada a fls, 3 e seguintes do livro trinta E (…) 3.º Nos termos da qual foi adjudicado, além de outros, metade do prédio rústico designado Serro do Gato ao herdeiro I. – marido da A. E. e pai do A. D. (…) 4.º Ficando a outra metade a favor da irmã deste – B. (…) 5.º Por altura desta partilha foi combinado entre estes irmãos dividir o prédio em causa em quatro lotes, de acordo com a vista aérea que aqui se junta e na qual se identificam os lotes com os limites em questão (…) 6.º I. ficou a administrar os assinalados lotes nº 1 e 3, e a B. ficou a administrar os lotes assinalados como 2 e 4. 7.º Assim, quem sempre tratou de todos os assuntos relacionados com os prédios rústicos foi este Domingos Cardeal, 8.º Que se encarregava por si só de pagamento de impostos, tratamento das terras, contratos para granjeio, colheita e venda dos produtos, etc. 9.º Os AA. apenas sabiam onde se situavam os prédios. 10.º Sendo que, sempre viram o prédio como fisicamente dividido em dois, 11.º O que os levou a ter o entendimento – que agora sabem ser errado – de que o prédio rústico acima identificado e designado serro do gato era composto por dois artigos e duas descrições prediais rústicos distintos. (…) 12.º Os lotes nº 1 e 2, encontram-se separados do lote nº 3 e 4 por um muro de pedra e por um caminho com cerca de 3 a 4 metros (…) 13.º Cada um dos referidos lotes tem entradas independentes. 14.º Têm culturas diferentes, 15.º Sendo que o do lote nº 1 tem licença para vinho do Porto (…) 16.º E o lote nº 3 não, tendo apenas árvores de fruto e vinha “não legalizada” (…) 17.º Também, diversos documentos a que os AA. foram tendo acesso distinguiam estes lotes como se de terrenos distintos se tratasse (…) 18.º Assim, sempre pensaram tratar-se – não de um prédio dividido em quatro lotes – mas sim de dois prédios rústicos que, aquando das partilhas por óbito de H., haviam sido divididos, cada um deles, em dois lotes. 19.º Acontece que no dia cinco de Novembro de 2001, faleceu também este I., tendo sido por escritura de partilha lavrada no Cartório Notarial de … a 16 de Março de 2005, exarada a fls 9 e ss do livro 465-D, adjudicado, entre outros prédios rústicos, à A. E. metade do usufruto e ao A. D. metade da nua propriedade do referido prédio designado “Serro do Gato” (…) 20.º Sendo que, por esta via, ficaram estes ainda com ideia de que esta metade que recebiam por herança era constituída por duas metades de dois prédios com dois artigos matriciais e duas descrições prediais distintas. 21.º Pois que, como acima já se referiu, sempre assim entenderam a realidade da divisão dos prédios. 22.º Desde a morte do seu marido, a A. tem vindo a defrontar-se com dificuldades económicas e financeiras graves, sendo que para lhes fazer face se tem visto na contingência de vender alguns dos seus bens. 23.º É neste contexto que, em 2008, os AA. e os restantes filhos da A. E. põem à venda o prédio rústico sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº …, e inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo …, assinalado como lote 5 na vista aérea acima junta como Doc. nº3. 24.º Conjuntamente com o Lote 1 acima referido, que era contíguo ao prédio descrito no artigo anterior (…) 25.º Nunca lhes passando pela ideia vender o lote 3, onde se encontram as árvores de fruto e vinhas corrente de que se socorre toda a família desde sempre para consumo pessoal. 26.º Os Autores apenas colocaram a placa de “vende-se” na confrontação do lote assinalado como nº 5 com o lote assinalado como nº 1. 27.º Mostraram apenas esta parte de terreno a diversas pessoas interessadas, especificando a área que iriam vender. 28.º Área esta que se encontrava aliás, como acima já referido, total e visivelmente separada da do lote 3. 29.º Apareceram interessados em comprar também o lote assinalado como nº 3, tendo os Autores sempre mencionando que este não se encontrava à venda. 30.º Aliás o próprio Réu, propôs comprar também essa parte, tendo os AA recusado. 31.º Perante a recusa em vender a parte correspondente ao lote nº 3, o Réu ainda sugeriu ficar só a granjeá-la, em troca de algumas uvas da colheita. 32.º Proposta que os AA. recusaram também. 33.º Foi assim ajustada a venda com os RR., que pelo preço global de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) se propuseram adquirir os terrenos acima identificados como lotes 1 e 5. 34.º Para formalização de tal negócio e outorga da respectiva escritura emitiram procuração a favor do Senhor Dr. (…) 35.º Nunca é demais reiterar que os AA. emitiram a referida procuração, convencidos que unicamente davam poderes para vender os prédios rústicos assinalados na planta como lotes nº 1 e 5. 36.º E nunca o lote 3! 37.º Não obstante, por escritura pública de 30 de Julho de 2009, lavrada no Cartório Notarial de …, a cargo do Licenciado…, exarada a fls. 26 e seguintes do livro de notas para escrituras diversas número 137-A, o que foi declarado foi a venda do prédio rústico sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, e inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo …, e a nua propriedade e usufruto na proporção de metade do prédio rústico, sito no Sêrro do Gato ou Serra do Gato, freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, e inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo …, pelo preço acordado de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) que os Autores receberam (…) 38.º Sendo que o que estava no espírito dos AA. era a venda de metade de metade do dito prédio rústico Serro do gato, (correspondente a cerca de um quarto), pois que para eles este prédio estava formalmente dividido em dois artigos e descrições distintos, 39.º Razão pela qual a Autora, mesmo depois da data da outorga da escritura de venda e durante quase um ano, continuou a administrar o lote assinalado na planta com o nº 3, encarregando o seu compadre … para o fazer em seu nome, à semelhança dos outros anos. 40.º Tendo este, a mando da Autora, podado, sulfatado, colocado herbicidas., enfim realizado todos os actos necessários à manutenção dos produtos agrícolas. 41.º O que o fez há vista de toda a gente e sem oposição de ninguém. 42.º Ora, como é bom de ver e decorre claro de todo o acima exposto, o que o Autores declararam, quer nas procurações acima referidas, quer, através do seu procurador, na escritura pública acima mencionada, no que se refere à quota-parte vendida do prédio rústico “Sêrro do Gato” ou “Serra do Gato”, não corresponde às suas vontades reais, 43.º Pelo que se verificou no negócio em causa uma inequívoca divergência entre a vontade real e a declarada, quer nas procurações, quer na decorrência desta na escritura pública. 44.º Disto se aperceberam os AA. da pior forma possível, 45.º Quando, em 15 de Junho de 2010, foi a A. E. notificada do conteúdo da Notificação Judicial Avulsa nº 3768/10.2 TBMTS do 6º Juízo Cível da Comarca de Matosinhos (…) 46.º E nos termos da qual o R. marido notifica A. para se abster de entrar no lote assinalado com o nº 3, directamente ou por interposta pessoa, abstendo-se de tratar da vinha e recolher as uvas ali produzidas, sob pena de vir a ser responsabilizada civil e criminalmente pelos prejuízos que ai pudessem advir para o requerente. 47.º Muito surpreendidos com o teor da notificação, os Autores foram analisar os documentos referentes ao prédio rústico, 48.º Tendo percebido depois de buscas e esclarecimentos diversos, que efectivamente o que resulta declarado na escritura pública de compra e venda é diferente das suas vontades reais. 49.º Que nunca incluíram ou sequer equacionaram a hipótese de vender o lote designado com o n.º 3. 50.º Os RR. bem sabiam e não o podiam ignorar que o que se lhes estava a ser vendido era só a parte correspondente ao lote nº 1, conjuntamente com o lote 5. 51.º Como bem o sabiam e nunca pretenderam ignorar todos os outros potenciais compradores. 52.º Seja porque o preço corresponde apenas ao valor de mercado correspondente à área que efectivamente os Autores queriam vender, 53.º Sendo inconcebível – senão mesmo usurário! – pretender-se adquirir os lotes 1, 3 e 5 pelo valor global de € 4.500,00; 54.º Seja porque tal resultava inequívoco para quem visse os sinais de venda colocados no terreno, mais a mais conhecendo bem a vizinhança, como era o caso dos RR. e de outros potenciais interessados 55.º Seja no caso em concreto dos RR. porque esta vontade lhes foi inequivocamente transmitida. 56.º Com a expressa recusa em vender o lote 3, quando esta compra por eles foi proposta aos AA. 57.º Perante a notificação judicial avulsa recebida, entrou a A. E. em contacto com o R. marido, que lhe comunicou com toda a desfaçatez ser único proprietário dos terrenos [aqui identificados pelos lotes 1, 3 e 5] que tinha adquirido de forma legal e que não lhe dizia respeito qualquer erro ou divergência que houvesse na escritura. 58.º Foi, pois, em desespero que os AA. procederam às buscas e à procura de esclarecimentos que acima se descreveram e que concluíram pela efectiva concretização da divergência entre o que eram as suas reais e efectivas vontades, transmitidas ao longo de todo o processo negocial ao R. marido que as conhecia e não podia ignorar, e aquilo que ficou plasmado na escritura de compra e venda, outorgada por procurador, e a que os RR. anuíram em clara má-fé. 59.º Factos que por aplicação do Direito não poderão deixar de acarretar a anulação da venda da nua propriedade e usufruto na proporção de metade do prédio rústico, sito no Sêrro do Gato ou Serra do Gato, freguesia de … 60.º Nos termos do artigo 253º do Código Civil, entende-se existir dolo, entre outras situações, naquela em que, num determinado negócio jurídico, o declaratário intencional e conscientemente dissimula um erro do declarante. 61.º Dos factos expostos acima e que devidamente resultarão provados, decorre inequivocamente a actuação – ainda que passiva – dos RR. no sentido de – conhecendo a real vontade dos AA. os deixarem manter-se em erro na devida identificação dos imóveis objecto do negócio. 62.º É inequívoco que os RR. conheciam bem a região, 63.º Conheciam bem os terrenos em questão, 64.º E não podiam desconhecer que os terrenos que estavam à venda correspondiam apenas aos lotes 1 e 5 acima indicados. 65.º É também facto que os RR. tinham interesse também na aquisição do terreno correspondente ao lote 3, mais a mais que inclusivamente se propuseram comprá-lo juntamente com os outros dois. 66.º Pelo que, ao constatarem que o erro dos AA. quanto à identificação dos prédios vendidos lhes permitia tornarem-se proprietários, pelo preço dos lotes 1 e 5, também do lote 3, não hesitaram em deixar a declaração ser concretizada, 67.º Mantendo-se em silêncio, com o fim, intuito e consciência de manter em erro os AA. 68.º Para depois virem notificar a A. para se abster de entrar no lote assinalado com o nº 3, directamente ou por interposta pessoa, abstendo-se de tratar da vinha e recolher as uvas ali produzidas, sob pena de vir a ser responsabilizada civil e criminalmente pelos prejuízos que ai pudessem advir para o R., lote esse, que desconhecia sequer ter vendido, 69.º E que, bem sabiam os RR., nunca tinha sido sua vontade vender. 70.º Trata-se de uma actuação ilegítima dos RR., contrária às boas praticas negociais e inequivocamente incorrecta, 71.º Actuação que conduziu à concretização de um negócio que os AA. não tinham nunca pretendido - a venda do Lote 3 72.º E que foi conscientemente mantida, com vista à ilegítima apropriação do dito lote, com base no erro que se verificou existir no declarante. 73.º Ainda que se não entenda ter havido dolo do declaratário que deliberadamente dissimulou o erro dos AA. – no que se não concede, 74.º Ainda assim, dizíamos, prevê o artigo 247º do Código Civil que, “quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.” 75.º Acrescentando o artigo 250º que “a declaração negocial inexactamente transmitida por quem seja incumbido da transmissão pode ser anulada nos termos do artigo 247º” 76.º Sendo certo que, no caso em apreço, os RR sabiam exactamente quais os terrenos que os AA. pretendiam vender, e que entre estes não se encontrava o supra designado lote 3. 77.º Sabiam estes também e não tinham como o desconhecer, que a não inclusão deste era elemento essencial do negócio para os AA., 78.º Pois que, tendo os RR. proposto adquirir também o remanescente do terreno – composto pelo dito lote 3, esta proposta foi pelos AA. expressa e inequivocamente recusada. Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exa. deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, consequentemente, declarada a anulabilidade parcial da compra e venda reduzindo-se o negócio aos precisos termos em que os AA. pretenderam celebra-lo, ou seja: vendendo-se o prédio rústico sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº … e inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo …, e a parte indivisa correspondente à área ocupada pelo lote nº 1, aproximadamente de um quarto, do prédio rústico, sito no Sêrro do Gato ou Serra do Gato, freguesia de Abaças, Concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº …, e inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo …, pelo preço total de € 4.500,00, Mais se condenando os RR. A indemnizar os Autores por todos os danos emergentes e lucros cessantes decorrentes da sua actuação dolosa, a liquidar em execução de sentença, Sem prescindir, Caso os RR. Virem alegar e provar que não tinham interesse no negócio tal como pretendido pelos AA., deverá ser anulada integralmente a compra e venda, com todas e devidas legais consequências”. 7. Nos autos principais, em 27/06/2011, os réus E. e D. apresentaram resposta à contestação oferecida pelo réu F., com o seguinte teor, no que releva para os presentes autos: “(...) 3.º No que concerne ao valor da transacção, esclarecem os AA. que, por lapso das aqui mandatárias, pelo qual desde já se penitenciam e que foi decorrente do que vem afirmado na documentação que lhes foi fornecida, foi indicado na petição inicial o preço de € 4.500,00 – constante da escritura de compra e venda dos prédios – quando na realidade o preço acordado entre as partes foi, efectivamente, de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros). 4.º Na verdade, na altura da escritura, o irmão da A., a quem ambos os AA. incumbiram da preparação dos formalismos tendentes ao negócio da venda, foi confrontado com a liquidação de IMT efectuada pelo R. tendo como base o valor de aquisição de € 4.500,00. 5.º Perante tal facto consumado, efectuado autonomamente pelo R., por alegadas vantagens ao nível do IMT que teriam a pagar – e não por qualquer imposição dos AA., como surpreendentemente se pretende na contestação – acederam estes a declarar na escritura o dito valor de € 4.500,00, ao invés dos reais € 17.500,00 acordados e efectivamente recebidos pela a venda. 6.º Não obstante, o preço efectivamente pago pelos RR. foi de € 17.500,00, valor este que – como adiante bem se verá – corresponde, ainda assim, somente ao valor comercial dos prédios compostos pelos lotes 1 e 5 indicados na vista aérea junta à p.i., como documento n.º 3. 7.º Por esta razão aqui se requer a V. Exa. se digne ordenar a alteração do valor da presente acção tendo como base o aqui corrigido de € 17.500,00, notificando, posteriormente as partes para qualquer correcção subsequente às taxas de justiça pagas (…)”. 8. Em 30/07/2010 os réus E. e D. foram citados para os termos da presente acção – cfr. art. 3.º do art. de fls. 145-155. * Matéria de Facto não provada: 1. O réu F. pagou o preço de € 17.500,00 pelos direitos identificados no facto provado n.º 4, que compreende € 5.000,00 para o direito ali referenciado sob a alínea a) e € 12.500,00 para os demais direitos ali indicados, tendo aquele montante global sido liquidado nos seguintes termos (cfr. art, 10.º, 18.º, 20.º, 27.º, 45.º e 48.º da cont. de fls. 124-138): • € 4.500,00, por meio de cheque bancário; • € 13.000,00, em numerário. 2. (…) apenas sendo declarado o montante de € 4.500,00 para evitar o pagamento de mais valias – cfr. art. 19.º da cont. 3. Antes de 30/07/2009, os réus E. e D. eram visitas assíduas da casa dos autores, os quais se ocupavam da administração do património daqueles - cfr. art. 6.º da cont. de fls. 124-138. 4. Há mais de um ano, por referência a 30/07/2009, que se encontrava colocada uma tabuleta com os dizeres “vende-se, tel…” no prédio do artigo 6141.º - cfr. art. 7.º da cont. de fls. 124-138. 5. Os autores contactaram a ré E. com vista a adquirirem os direitos identificados no facto provado n.º 4, pelo preço global de € 7.500,00 - cfr. art. 10.º da cont. de fls. 124-138. 6. Antes de 30/07/2009, os autores renunciaram à aquisição dos direitos identificados no facto provado n.º 4, al. b) e c), pelo preço indicado em 1, mormente quando foram informados verbalmente pelos réus E. e D. dos termos do negócio - cfr. art. 9.º a 11.º e 24.º da cont. de fls. 124-138. 7. Após 30/07/2009 o réu F. passou a deslocar-se regularmente ao prédio do artigo 6141.º e solicitou aos autores a chave do palheiro aí existente- cfr. art. 38.º e 41.º da cont. de fls. 124-138. 8. No dia seguinte ao casamento da filha dos autores, ocorrido em Setembro de 2009, o réu F. esteve no prédio do artigo … aí sendo visto pelos autores - cfr. art. 41.º da cont. de fls. 124-138. 9. (…) e M. fez saber ao réu F. do descontentamento dos autores pela venda do prédio do artigo … - cfr. art. 41.º da cont. de fls. 124-138. 10. Por altura dos festejos da Nossa Senhora da Guia, no dia 08/08/2009, os autores fizeram saber, em conversas mantidas com terceiros, que haviam de tirar o prédio ao réu F., mas que tinham um ano para o fazer - cfr. art. 41.º da cont. de fls. 124-138.» 5. O MÉRITO DOS RECURSOS O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos Recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 639º nº 1, 635º nº 3 e 4, art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2, do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC). No caso, são as seguintes as QUESTÕES A DECIDIR: • Quanto ao recurso dos Autores: (i) se a sentença é nula por falta de fundamentação e por condenação em objeto diverso do pedido; (ii) e se o comproprietário de um prédio rústico tem direito de preferência na alienação do direito de usufruto relativo à outra metade do prédio. • Quanto ao recurso do Réu: (i) se os factos tidos por não provados sob os números 1 e 2 devem ser considerados provados; (ii) a proceder tal questão, se tal implica alteração na solução jurídica do caso. Dado que o Réu impugna a matéria de facto, há que iniciar a abordagem pelo seu recurso. A. O RECURSO DO RÉU 5.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Pretende ele que sejam considerados provados os factos alegados nos artigos 10º, 18º, 19º, 20º, 27º, 45ºe 48º da sua contestação. Lidos esses artigos, e compaginados com a matéria considerada provada e não provada na sentença, temos que, afinal, o Réu está a reagir contra o facto não provado sob o nº 1, do seguinte teor: 1. O réu F. pagou o preço de € 17.500,00 pelos direitos identificados no facto provado n.º 4, que compreende € 5.000,00 para o direito ali referenciado sob a alínea a) e € 12.500,00 para os demais direitos ali indicados, tendo aquele montante global sido liquidado nos seguintes termos (cfr. art, 10.º, 18.º, 20.º, 27.º, 45.º e 48.º da cont. de fls. 124-138): € 4.500,00, por meio de cheque bancário; € 13.000,00, em numerário. Na verdade, no artigo 10 alegava-se que o preço efetivo do negócio foram € 17.500,00 (€ 12.500,00 pelo prédio preferendo e € 5.000,00 pelo prédio “….”); no artigo 18 reafirma-se que o preço efetivo do prédio preferendo foi € 12.500,00; no artigo 20 fala-se da forma de pagamento (€ 4.500,00, por meio de cheque bancário e € 13.000,00, em numerário); no artigo 27, repete-se que o preço efetivo do negócio foram € 17.500,00 (€ 12.500,00 pelo prédio preferendo e € 5.000,00 pelo prédio “…”); no artigo 45 volta a alegar-se ter o Réu pago € 5.000,00 pelo prédio “…” e € 12.500,00 pelo prédio preferendo e, por fim, no artigo 48, à exaustão, se volta a dizer ter o Réu pago € 17.500,00 (€ 12.500,00 pelo prédio preferendo e € 5.000,00 pelo prédio “…”)!! Nesta medida, não podemos deixar de manifestar a nossa incompreensão pelo facto de não se ter dito simplesmente que se pretende ver provado o facto considerado não provado sob o nº 1!! (1) Para além disto, resta o artigo 19 da contestação, do seguinte teor: «Ficando a simulação de preço havida a dever-se ao interesse manifestado pelos vendedores, (…), em ver declarado apenas o valor de € 4000,00, por forma a permitir-lhes o não pagamento do “imposto de mais valias” que incidiria sobre o remanescente do preço não declarado». Ora, basta ler o facto não provado na sentença sob o nº 2 para ver a total coincidência. 2. (…) apenas sendo declarado o montante de € 4.500,00 para evitar o pagamento de mais valias – cfr. art. 19.º da cont. Deslindada qual a matéria impugnada, vejamos então se os nº 1 e 2 dos factos não provados merecem ser considerados provados. Quanto à prova documental: O extrato bancário de fls. 97 do processo principal e fls. 274 destes autos, mais não é do que uma “consulta de movimentos de conta”, desconhecendo-se quem é o titular da conta pois aí nada se refere. Igualmente fica sem se saber quem foi o beneficiário ou à ordem de quem foram emitidos os cheques lá referenciados. Tão simples que era a junção dum efetivo “extrato” da sua conta onde, como é vulgar, se identifica a conta e o respetivo titular! E que, tratando-se de um cheque por si emitido, juntar aos autos a respetiva cópia ou requerendo aos autos que pedisse tal informação ao Banco. Nada disso foi feito, pelo que se trata de prova inócua. Quanto à “documentação comprovativa da regularização da situação fiscal, tendo em conta o preço real do negócio”, folheados integralmente estes autos e os principais, não vislumbramos a que documento se refere o Réu pois nenhum existe com esse objeto. No sentido contrário, resulta dos documentos de fls. 289-293 dos autos principais e fls. 38-46 destes autos ter sido pago o imposto municipal sobre as transmissões de € 2.400,00 (nua propriedade) e € 1.400,00 (usufruto) relativamente ao negócio aqui em causa. Por fim, as declarações de parte do Réu F.: Com pertinência para o preço real do negócio e forma de pagamento, extrai-se das declarações do Réu que durante a conversa da negociação, que diz ter ocorrido no dia anterior ao da escritura, que “aquilo ficou por dezassete mil e quinhentos”; que, antes da escritura deveriam ser pagos oito mil, o que pagou de imediato pois “por acaso tinha lá oito mil euros e passei-lhe o dinheiro para a mão”; no ato da escritura deveria pagar cinco mil em dinheiro e um cheque com quatro mil e quinhentos. Que foi o seu interlocutor que lhe disse que a irmã só lhe convinha fazer a escritura por quatro mil e quinhentos para não ter de “pagar as coisas para o Estado … aqueles impostos que é para pagar”; no dia da escritura levou os cinco mil euros em dinheiro e quatro mil em cheque. Mais referiu que os cinco mil euros “tinha-o no banco” e foi lá fazer o levantamento, enquanto que “os oito mil euros tinha-o no bolso”. É sabido que as declarações de parte estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal, “salvo se as mesmas constituírem confissão”: art. 466º nº 3 do CPC. No caso, não ocorre confissão já que os factos em causa são favoráveis ao Réu depoente: art. 352º do CC. Ora, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.09.2014 (processo n.º 216/11.4TUBRG.P1, relator António José Ramos): «As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.»(2) Efetivamente, descontando os casos da denominada prova vinculada (3), a valoração da prova não pode ser efetuada de forma seccionada, antes se impondo uma ponderação global dos diversos depoimentos e outros meios probatórios, analisando indícios e contraindícios, tudo conjugado numa apreciação objetiva e de acordo com as regras da lógica, da racionalidade e da experiência comum. Como contraindício da veracidade das afirmações do Réu, temos a “consulta de movimentos de conta” a que ele próprio alude como comprovativo do que pagou, que não demonstra o levantamento de quaisquer 5 mil euros; o que de tal documento se extrai é que foi debitado um cheque de 4.500 euros no dia 31/07/2009 e um outro cheque de 5.000 euros no dia 29/07/2009. E, como se refere na motivação da sentença, compaginando o depoimento com outros prestados e as posições dos diversos intervenientes no processo, «nas suas declarações a ré E., no que foi secundada pelo réu D., referiu que o preço negocial foi € 17.500,00, mas que somente pretendeu alienar o prédio do artigo 6142.º e parte do prédio do artigo 6141.º, apenas se tendo apercebido que o negócio tivera outros contornos alguns meses depois. Contudo, à semelhança do que alegaram nestes autos no requerimento de fls. 66-71, na petição inicial relativa ao processo n.º 1747/10.9TBVRL esses réus manifestaram que o preço real teria sido o declarado na escritura pública, formulando um pedido em conformidade (“declarada a anulabilidade parcial da compra e venda reduzindo-se o negócio aos precisos termos em que os AA. pretenderam celebra-lo, ou seja: vendendo-se (…) pelo preço total de € 4.500,00,”), apenas invertendo esse posicionamento na resposta, na sequência da contestação oferecida pelo réu F., mas sem que tivesse sido acomodado o pedido primitivo a tal modificação da alegação, o que denota o posicionamento errático dos réus E. e D.. Demais a mais, não deixa de ser significativo que o réu F. atribua ao procurador dos réus E. e D. a responsabilidade pela divergência entre o preço declarado e o preço real, mas na resposta estes asseveraram que fora o réu F. o responsável pela simulação quanto ao preço do negócio.». Concluindo, improcede a pretendida alteração da matéria de facto.  5.2. A pretendida alteração da matéria de facto teria consequências ao nível da subsunção dos factos ao direito pois implicando a alteração do preço pago pela venda, teriam os Autores de proceder ao diferencial do montante depositado, sob pena de caducidade. Assim, tendo resultado improcedente a alteração da matéria de facto, nenhuma implicação há que extrair em sede de subsunção dos factos ao direito, que se mostra corretamente efetuada na sentença recorrida. B. O RECURSOS DOS AUTORES 5.3. NULIDADES DA SENTENÇA Quanto à falta de fundamentação Desde logo por imperativo constitucional, as decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, são fundamentadas na forma prevista na lei: art. 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP). O art. 154º nº 1 do CPC estatui um dever de fundamentação para todas as decisões que versem sobre pedidos controvertidos, afastando-se até expressamente (nº 2) a fundamentação por simples adesão. Com essa exigência, pretende-se garantir o mérito e a legalidade dos atos dos magistrados, bem como o respetivo controlo. Essa fundamentação deve ser expressa, através da exposição dos factos e da escalpelização dos preceitos legais aplicáveis ao caso; ainda que sucinta, deve ser suficiente para permitir o controlo do ato. Só assim o cidadão destinatário pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo; também só por essa via, ele fica munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão: só sabendo quais os factos concretos considerados, ele pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos do julgador sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma; finalmente, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso. Especificamente para a sentença, rege o art. 607º n.º 3 e 4 do CPC, determinando que na fundamentação, deve o juiz descriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. Em consonância, a inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º n.º 1 al. b) CPC. Invocam os Autores que a sentença é omissa quanto aos fundamentos de direito no tocante ao não reconhecimento do pedido do direito de preferência do direito de usufruto. Não é verdade. Efetivamente, lê-se na pág. 28/29 da sentença: «Diversamente, como não existe uma situação de comunhão entre os comproprietários e os titulares de direito de usufruto, uma vez que os respectivos direitos se mostram qualitativamente distintos, não assiste aos autores, enquanto comproprietários, o direito a preferirem na alienação pela ré E. do direito de usufruto de parte alíquota do direito de propriedade, com fundamento no artigo 1409.º, n.º 1, do Código Civil14, sendo certo que não existe qualquer outra norma que confira tal direito de preferência e a consagração legal de um direito de preferência assume natureza excepcional15, não admitindo aplicação analógica (cfr. artigo 11.º do Código Civil). Por esse motivo, não se impunha à ré E. a obrigação de comunicar aos autores o projecto de venda, quando se propôs proceder à transmissão do direito de usufruto ao réu José Barandas, por inexistir direito de preferência dos autores na venda ou dação em pagamento do direito de usufruto, e, consequentemente, não poderá ser atendida a pretensão dos autores quanto a tal alienação. A este juízo conclusivo não obsta o regime substantivo contido no artigo 417.º do Código Civil (para o qual remete o artigo 1409.º, n.º 2, do Código Civil), pois a alienação do direito de usufruto foi realizada por uma disponente diversa do alienante da quota do direito de propriedade transmitido no mesmo acto notarial, o que derroga a aplicação daqueloutro normativo.» Podemos conceder que a sentença é muito parca quanto a esse aspeto; porém, não ocorre a nulidade, pois existe pronúncia sobre a questão e com expressa indicação dos preceitos legais que se consideraram aplicáveis (como se vê da parte acima transcrita). E, como é pacífico, quer na doutrina (4), quer na jurisprudência (5), a fundamentação meramente deficiente, sumária ou errada, não geram nulidade; esta sanção está prescrita apenas para a omissão total dos fundamentos de facto e/ou de direito. Quanto à condenação em objeto diverso do pedido Trave mestra do nosso processo civil é o princípio do dispositivo que, em sentido estrito, significa que, quer a instauração dum processo, quer os contornos do litígio, são da exclusiva iniciativa privada, da pessoa que propõe a ação: art. 3º nº 1, 1ª parte e art. 552º nº 1 al. e) do CPC. Mas, o princípio do dispositivo tem também repercussões no âmbito da atuação do tribunal, pois implica limitações ao seu poder de cognição: o tribunal só pode mover-se dentro dos limites da causa de pedir invocada e não pode condenar ultra petitum ou extra petitio: art. 5º e 609º nº 1 do CPC. Não se trata de uma exata correspondência, sabido como é que muitas vezes o Tribunal tem de interpretar as pretensões das partes; pretende-se que o tribunal não extravase os limites qualitativos (objeto diverso) e quantitativos (quantidade superior) do que lhe é pedido. No caso, a causa de pedir residia na preterição do direito de preferência relativamente ao contrato de compra e venda realizado em 30/07/2009, mediante o qual a Ré Maria José Fernandes vendeu “o usufruto na proporção de metade”, enquanto o Réu Carlos Cardeal vendeu “a nua propriedade na proporção de metade” do prédio rústico denominado Serra do Gato. E, terminaram pedindo os Autores que lhes fosse reconhecido «para todos os efeitos e consequências legais, o direito de preferência na compra de metade (1/2) do prédio rústico (…), e consequentemente, o direito de haverem para si a metade (1/2) do prédio rústico vendido (…), substituindo-se os AA. aos 3ºs RR., na compra, decretando-se que os AA. fiquem a ocupar a posição de adquirentes e compradores, pagando estes o preço e demais encargos, impostos e emolumentos devidos, levantando os 3ºs RR. o valor depositado.» No dispositivo da sentença, o M.mº Juiz, no entendimento (nos termos já atrás referidos) de que não se verificava uma situação de comunhão entre os comproprietários e os titulares de direito de usufruto, considerou que sobre a Ré E. não impendia qualquer obrigação de comunicar aos autores o projeto de venda, e terminou por «julgar improcedente o pedido de reconhecimento formulado pelos autores (…) do direito a preferirem aos réus (…) na transmissão efectuada (…) do usufruto referente a metade do direito de propriedade relativo ao prédio rústico (…); » Daqui se vê a referida necessidade de interpretação dos articulados.(6) É que, por pedido não deve entender-se tudo aquilo que formalmente é expresso como tal, exigindo-se, antes, que ele traduza ou consubstancie a substancialidade jurídica que a causa de pedir lhe atribui. No seu pedido, os Autores aludem apenas o seu direito de preferência “à compra”, sem descriminar se a compra do direito de propriedade ou do direito de usufruto. Não obstante, ao longo do seu articulado referem sempre, e também, a Ré E. que era a titular do direito de usufruto, contra ela deduziram a ação e procederam ao depósito do preço devido pela preferência em montante igual ao total de ambos os negócios, bem descriminados na escritura pública: € 2.400,00 pela nua propriedade e € 1.600,00 pelo usufruto. Deve por isso entender-se que os Autores pretendiam também exercer a preferência no tocante ao direito de usufruto, entendimento que sai absolutamente confirmado com o objeto do presente recurso, em que se reage apenas quanto à improcedência do pedido de reconhecimento do direito a preferirem na transmissão do usufruto, já que, em tudo o demais, tiveram os Autores ganho de causa. Improcedem, portanto, as invocadas nulidades da sentença. 5.4. DIREITO DE PREFERÊNCIA E USUFRUTO Sob este item trata-se de apurar se o comproprietário de um prédio rústico tem direito de preferência na alienação do direito de usufruto relativo à outra metade do prédio. Resulta dos factos provados que os Autores são comproprietários do prédio rústico aqui denominado por Serra do Gato, na proporção de metade. A outra metade pertencia ao Réu D., versando ainda sobre esta metade um direito de usufruto a favor da Ré E.. Estes dois Réus venderam depois os respetivos direitos ao Réu F.. Será que os Autores, comproprietários desse prédio têm direito de preferência na alienação do direito de usufruto relativo à outra metade do prédio? Numa primeira abordagem, incumbe dizer estarmos de acordo com a sentença recorrida de ao caso não ser aplicável o disposto no art. 417º do CC. Na verdade, o preceito dispõe apenas para as situações em que a coisa (7) objeto do direito de preferência é vendida juntamente com outras. Ora, não é esse o caso dos autos. A coisa aqui em causa é um prédio rústico e, sobre esse prédio incidiam dois direitos distintos, pertencentes a diversos titulares, o direito de propriedade (nua propriedade) e o direito de usufruto. Temos, portanto, dois direitos distintos, incidindo sobre a mesma coisa, e não várias coisas. Visto isto, há que averiguar se, com as vendas efetuadas pelo D. e pela E. ao F., se extinguiu o direito de usufruto (mediante a reunião dos dois direitos neste último): art. 1476º nº 1 al. b) do CC. Olhando apenas ao contrato celebrado entre os Réus, a resposta é evidentemente afirmativa, na medida em que nessa data se reuniram na pessoa de F. o direito de propriedade e o de usufruto. Mas convém também discernir quando se constituiu o direito de preferência e a especificidade de ele estar a ser exercido por via de ação judicial. Na verdade, não há que confundir a qualidade de preferente com a constituição do direito (ou relação) de preferência legal, pois aquela deriva e constitui-se com a simples qualidade de comproprietário, sem que na esfera jurídica deste resida desde logo o direito a celebrar um determinado contrato em lugar de um terceiro. A maioria da doutrina(8) atribui ao direito de preferência a natureza de direito potestativo, o qual só pode ser exercido uma vez verificados certos pressupostos (a decisão, por parte do obrigado à preferência, de alienar a um terceiro e a respetiva comunicação). Já Manuel Henrique Mesquita considera tratar-se de uma relação jurídica complexa, cujo conteúdo dependerá das situações em que o obrigado à preferência cumpre as suas obrigações e daquelas outras em que procede à alienação da coisa sem proporcionar ao preferente o exercício do seu direito.(9) E, quanto a este último caso, considera que, «[e]m tal eventualidade, o preferente passa a ter o direito potestativo de, por via judicial — através de uma acção de preferência —, se substituir ou subrogar ao adquirente da coisa, no contrato por este celebrado com o obrigado à prelação. Este direito, embora proporcione ao respectivo titular, pela via do ingresso no contrato, a aquisição da coisa, não incide directamente sobre esta e, por isso, não pode atribuir-se-lhe natureza real. Trata-se de um direito que incide sobre um contrato e que, bem vistas as coisas, tem por finalidade conseguir, à custa de um terceiro, em relação ao qual o direito de opção é eficaz, a execução específica da prestação, que o vinculado à preferência não cumpriu, de, em igualdade de condições (tanto por tanto), realizar o negócio com o preferente interessado em fazer valer o seu direito.»(10) Compaginando com o regime do direito alemão, refere ainda o Autor que, no regime legal português, «o direito de preferência não pode qualificar-se unitariamente, em todos os seus momentos e vicissitudes, como um direito de opção, com o sentido que atrás se referiu. Pelo que especificamente respeita à fase subsequente à alienação da coisa, feita sem que o vinculado à preferência tenha cumprido todas as obrigações, de conteúdo positivo ou negativo, que a lei lhe impõe, o exercício do direito do preferente, através de uma acção judicial, não origina a celebração de um novo contrato. O escopo da acção é a substituição ou sub-rogação do terceiro comprador pelo preferente, no contrato celebrado entre aquele e o obrigado à prelação.»(11) Cremos ser este o melhor entendimento já que é a própria lei a estabelecer a diferenciação ao “direito de preferência” (art. 1409º CC) e à “ação de preferência” (art. 1410º CC). Assim, se os Autores estão a exercer o direito ao contrato e se, com este, se extinguiu o usufruto, tal significa que não haveria sequer de ser tomado em linha de conta o usufruto, o que parece ter sido o entendimento dos Autores pois, pese embora tenham alegado factos relativos ao usufruto, terminam o seu pedido referindo apenas “o direito de preferência na compra de metade (1/2) do prédio rústico”. Numa outra perspetiva, há que entrar em linha de conta com os interesses subjacentes à consagração de um direito de preferência ao comproprietário, dos quais se destaca o de fomentar a plena in re potestas. O direito de propriedade é de pleno domínio (plena in re potestas), enquanto que o usufruto é um direito limitado e temporário (porque adstrito, no máximo, à vida do usufrutuário), que proporciona ao seu titular a possibilidade de usar e fruir de todas as potencialidades do bem que constitui o seu objeto (arts. 1439º, 1443º e 1446º do CC) e pode ser objeto de negócios jurídicos por si só. Daqui se retira que, atento o seu conteúdo, o usufruto é o direito real que mais conflitua com o direito de propriedade ou esvazia, do ponto de vista económico, o aproveitamento da coisa, uma vez que, perdido o poder de usar e fruir, ao titular da nua propriedade resta apenas o poder de a alienar(12)ou onerar.(13) Com esta fundamentação, de que o que se pretende é o pleno domínio da coisa, já o Supremo Tribunal de Justiça tomou posição, numa situação de contornos em tudo idênticos ao do presente caso, com a única diferença de se tratar de um locatário(14) e em que se concluiu: «I - A justificação que preside à atribuição do direito de preferência a favor do locatário é a de facilitar a aquisição do prédio, proporcionando o acesso à propriedade a quem beneficia já de direito de gozo mais ou menos prolongado sobre esse bem, desta forma dando realização à pretensão constitucional nesse sentido, ao mesmo tempo que se solidifica a paz social, ao eliminar potenciais conflitos entre locador e locatário. II - É pressuposto da acção de preferência que já tenha sido celebrado o negócio jurídico em relação ao qual existe direito de preferência e que este seja válido. III - Os locatários de um prédio alienado, sobre o qual recaíam um direito de usufruto e um direito de nua propriedade, não podem limitar o exercício do seu direito de preferência apenas ao segundo daqueles direitos, quando ambos foram transferidos para os adquirentes, em conjunto, no mesmo instrumento notarial. IV - Daqui decorre, como consequência, que era sobre o negócio jurídico com estes contornos e alcance que os locatários-preferentes deviam ter exercido a sua preferência e, nessa conformidade, estavam obrigados a depositar o preço global que os adquirentes tinham desembolsado, sob pena do seu direito caducar.» (15) (sublinhado nosso) Também no caso dos autos ambos os direitos, nua propriedade e usufruto, foram alienados num mesmo ato, e juntamente com um outro prédio, tendo sido considerado um preço global. Concluindo, a apelação merece provimento. 6. SUMARIANDO (art. 663º nº 7 do CPC) a) Descontando os casos da denominada prova vinculada, a valoração da prova não pode ser efetuada de forma seccionada, antes se impondo uma ponderação global dos diversos depoimentos e outros meios probatórios, analisando indícios e contraindícios, tudo conjugando numa apreciação objetiva e de acordo com as regras da lógica, da racionalidade e da experiência comum. b) O princípio do dispositivo tem também repercussões no âmbito da atuação do tribunal, pois implica limitações ao seu poder de cognição: o tribunal só pode mover-se dentro dos limites da causa de pedir invocada e não pode condenar ultra petitum ou extra petitio: art. 5º e 609º nº 1 do CPC. c) Mas não se trata de uma exata correspondência, sabido como é que muitas vezes o Tribunal tem de interpretar as pretensões das partes; pretende-se que o tribunal não extravase os limites qualitativos (objeto diverso) e quantitativos (quantidade superior) do que lhe é pedido. d) Na situação de compropriedade de um prédio rústico, em 2 quotas, e em que incide um direito de usufruto sobre uma dessas quotas a favor de terceira pessoa, se o comproprietário da metade sobre a qual incide o usufruto, e o usufrutuário, vendem os seus direitos a uma mesma pessoa, ocorre a extinção do usufruto: art. 1476º nº 1 al. b) do CC. e) Não deve confundir-se a qualidade de preferente com a constituição do direito (ou relação) de preferência legal, pois aquela deriva e constitui-se com a simples qualidade de comproprietário, sem que na esfera jurídica deste resida desde logo o direito a celebrar um determinado contrato em lugar de um terceiro. f) Na ação de preferência intentada pelo comproprietário preferido, este tem direito a substituir-se na posição do adquirente, quer quanto à aquisição da nua propriedade, quer quanto do direito de usufruto relativo à outra metade do prédio. III. DECISÃO 7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação de Guimarães: 7.1. Em julgar improcedente a apelação do Réu F.. 7.2. Em julgar procedente a apelação dos Autores, revogando-se parcialmente a sentença recorrida e decidindo-se: a) Reconhecer aos Autores B. e C. o direito de preferência na compra de metade do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da Freguesia de … artigo …e descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o nº …da Freguesia de …, realizada por escritura pública de 30/07/2009. Consequentemente, reconhece-se aos Autores o direito de haverem para si os direitos vendidos pelos Réus D. e E. aos Réus F. e G., substituindo-se os Autores a estes Réus na compra, ficando os Autores a ocupar a posição de adquirentes e compradores, pagando estes o preço e demais encargos, impostos e emolumentos devidos, levantando os Réus F. e G. o valor depositado. b) Ordena-se o cancelamento dos registos efetuados a favor dos Réus F. e G. quanto à metade desse imóvel. 7.3. Custas da ação a cargo dos Réus (art. 528º nº 1 CPC). As custas de ambas as apelações ficam a cargo do Réu José Guedes Pinto Barandas. Guimarães, 03.11.2016 ___________________________________________ (Relatora, Isabel Silva) ___________________________________________ (1º Adjunto, Pedro Alexandre Damião e Cunha) ___________________________________________ (2º Adjunto, Maria João Marques Pinto de Matos) (1) São realidades jurídicas diversas a impugnação da matéria de facto (provada ou não provada) por erro de julgamento e a arguição de que a sentença é omissa quanto a factos (no elenco dos provados ou não provados) alegados pelas partes e essenciais para a boa decisão da causa. (2) Disponível em www.gde.mj.pt, sítio a ter em conta nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem. No mesmo sentido, e do mesmo TRP, o acórdão de 17.12.2014 (processo 2952/12.9TBVCD.P1, relator Pedro Marins), considerando que as declarações de parte para «prova de factos favoráveis, (…) têm de ser minimamente corroboradas por outros meios de prova.». (3) Em que a lei vincula o julgador a determinados aspetos ou resultados dos meios de prova, como é o caso dos art. 371º nº 1 (documentos autênticos) e 358º nº 1 (confissão judicial), ambos do CC. (4) Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 703; Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, Almedina, pág. 141; Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 140; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 669 e 688. (5) Acórdão do STJ, de 15.03.1974 (processo 064831, relator Rodrigues Bastos), de 03.07.1973 (processo 064606, relator Campos de Carvalho). (6) «Nada impede que o juiz interprete o pedido, ou seja, determine o real sentido da pretensão do autor e, consequentemente, se for caso disso, profira uma decisão condenatória, cujo conteúdo ultrapasse a literalidade do pedido. Não pode, contudo, é afeiçoar esse sentido a uma futura eficácia da condenação, porque aqui já está fora da vontade das partes, da maneira como estas configuraram a relação jurídica controvertida. Estaria a condenar em coisa diferente, o que é expressamente proibido pelo artº 661º do citado código» - acórdão do STJ, de 06.10.2005 (processo 05B2002, Relator Bettencourt de Faria). (7) Um «conjunto de bens, neles incluindo a coisa sujeita à prelação», nas palavras de Agostinho Cardoso Guedes, “O Exercício do Direito de Preferência”, Publicações Universidade Católica, 2006, pág. 403. (8) Cf. Agostinho Cardoso Guedes, obra citada, pág. 341; Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª edição, Almedina, pág. 394. (9) Manuel Henrique Mesquita, “Obrigações Reais e Ónus Reais”, Almedina, 1990, pág. 225-229. (10) obra citada, pág. 226-228. (11) Obra citada, nota (152), pág. 227-228 (12) Mas, já não destruir, sob pena de responder perante o proprietário. Atente-se que o (13) Orlando de Carvalho, “Direito das Coisas”, Coimbra Editora, 2012, pág. 245-246: «Se bem que subordinado ao princípio da salva rerum substantia, o seu (do direito de usufruto) licere ou conteúdo é o de maior indeterminação de entre os jura in re aliena, porque embora consista só no uso e fruição, esta é suficientemente ampla para admitir a constituição de outros direitos reais mais restritos, tanto de gozo como de garantia (designadamente, de superfície, de servidão e de hipoteca), e, inclusive, a cessão do próprio usufruto.» (14) Particularidade que é de considerar irrelevante já que o preceito do RAU (art. 97º) que conferia o direito de preferência ao locatário é ainda mais restrito que o art. 1409º nº 1 do CC quanto ao leque dos contratos passíveis de o conferir, pois previa apenas a compra e venda. (15 Acórdão do STJ, de 04.02.2014 (processo 1359/06.1TBFAF.G1.S1, relator Martins de Sousa). |