Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1423/09.5TBVCT.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: CRÉDITO LABORAL
PREFERÊNCIA
HIPOTECA
LOCAL DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. No caso de insolvência da entidade empregadora, os créditos dos trabalhadores prevalecem sobre os créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre os mesmos bens, ainda que esta garantia seja anterior.
2. Sendo os reclamantes trabalhadores da sociedade insolvente e situando-se no único imóvel desta a sede e as instalações fabris da empresa, a qual se dedicava à transformação de madeiras e seus derivados, temos como demonstrado que, não obstante não ter sido especificamente alegado, era aquele o local onde desenvolviam a sua actividade, como, aliás, também se infere da própria natureza desta: operador de serra de corte, acabador de imóveis, a título de exemplo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Recorrente: “ C SA” (credor reclamante);


*****

Por sentença de 13 de Maio de 2009, transitada em julgado, foi declarada a falência de “ J. Palma Ldª”, a fls. 52 a 55 dos autos principais.

Vem o recurso interposto da sentença de 24.08.2011 que procedeu à verificação e graduação dos créditos reclamados nesse processo (Apenso C) e que deu preferência aos reconhecidos créditos dos trabalhadores relativamente ao crédito do ora recorrente, que beneficia de hipoteca voluntária sobre o imóvel apreendido para a massa insolvente e discriminado na relação de fls. 146 e seguintes, referência nº 15 :
- Prédio urbano sito no lugar de Reinas, freguesia de Neiva, do concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº 408 e inscrito na matriz predial urbana sob o artº 639º.
De igual modo, na decisão recorrida conferiu-se prevalência aos créditos laborais sobre o penhor a favor da apelante relativo aos bens móveis descritos nas verbas nºs 3 a 11 do auto de apreensão de fls. 21 e sgs. do apenso B.


Inconformada com tal decisão, dela interpôs a “C SA” a presente apelação, em cuja alegação formula, em suma, as seguintes conclusões:
1. O local do exercício da actividade do trabalhador constitui facto essencial ao reconhecimento – ou não – do direito ao privilégio imobiliário especial consagrado na alínea b), do nº 1, do artº 377º do Código do Trabalho.
2. Não consta da decisão recorrida qualquer alusão ao local do exercício da actividade dos trabalhadores cujos créditos foram reconhecidos e graduados acima do da C SA.
3. Com excepção da trabalhadora Paula, nenhum dos trabalhadores reclamantes alegou, sequer, o local do exercício da sua actividade.
4. Inexiste presunção legal que libere o trabalhador reclamante do ónus de alegação e prova do facto essencial à verificação do direito consagrado na alínea b), do nº 1 do artº 377º do Código de Trabalho.
5. Não está também em causa qualquer facto notório.
6. Não é legítima a criação de uma qualquer presunção judicial, pois não há facto conhecido do qual se possa extrair a conclusão de que todos os trabalhadores reclamantes trabalhavam nas instalações em causa – facto desconhecido.
7. Acresce que a presunção judicial só é admissível nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, e esta só é possível quando referida a factos alegados pelas partes, o que não sucedeu no presente caso.
8. Atento o disposto no art. 342º do código Civil, cabia a esses trabalhadores reclamantes alegar e provar os factos constitutivos do seu direito.
9. Devendo os mesmos fazer prova da existência dos seus créditos e das circunstâncias que o privilegiam relativamente aos demais.
10. Assim aliás, tem vindo a ser decidido pela jurisprudência maioritária, da qual, a título meramente exemplificativo, se referem os Ac. STJ de 20.01.2010, Ac. TRP de 25.03.2010, Ac. TRP de 08.07.2008 e Ac. TRP de 19.06.2008.
11. Tais factos não foram alegados nem provados pelos trabalhadores reclamantes – com excepção da já supra mencionada trabalhadora Paula.
12. Nesta conformidade, por ausência do facto necessário à constatação do direito, deverá entender-se não se encontrarem demonstrados os pressupostos de facto tendentes à aplicação do citado normativo.
13. A norma constante da alínea b), do nº 1, do art. 377º do actual Código de Trabalho, interpretada no sentido da sua aplicação às relações creditícias constituídas antes da sua entrada em vigor, despreza por completo as razões que subjazem ao entendimento jurisprudencial maioritário que, no domínio da Lei anterior, concedia preferência ao crédito hipotecário sobre o crédito laboral.
14. No caso dos autos, a graduação do crédito hipotecário acima ou abaixo do crédito dos trabalhadores determinará a recuperação integral ou a total irrecuperabilidade do crédito da CGD.
15. O financiamento concedido pela CGD foi garantido por forma a, de acordo com o direito vigente, garantir ao banco financiador a primazia sobre os demais credores em sede de eventual cobrança coerciva ou falimentar.
16. A opção adoptada da hipoteca sobre as instalações fabris afigurava-se, à data, como a mais adequada ao caso concreto por duas ordens de razão: em primeiro lugar porque tais instalações constituíam o mais significativo acervo patrimonial da sociedade financiada; em segundo lugar porque a possibilidade de execução hipotecária sobre as instalações em apreço garantiam ao financiador uma especial e acrescida preocupação, por parte da entidade financiada, na manutenção do regular e pontual cumprimento dos contratos de financiamento.
17. Nunca, em circunstância alguma, teria a CGD, no actual quadro legal, garantido o crédito reclamado nos presentes autos do modo como o fez entre 1990 e 1998, em face dos normativos então vigentes.
18. À data da concessão dos financiamentos reclamados era impossível à CGD prever quer a publicação do Código de Trabalho, quer a inclusão no mesmo de um privilégio imobiliário especial em benefício dos trabalhadores, com preferência sobre a hipoteca.
19. A vontade e o modo de contratar da C SA alicerçou-se nos institutos jurídicos vigentes e na confiança depositada no Estado no sentido da efectiva protecção e materialização dos direitos reconhecidos por tais institutos.
20. A aplicação do normativo constante da alínea b), do nº 1, do art. 377º do Código de Trabalho em situação em que dessa aplicação resulta a prevalência de créditos laborais sobre créditos hipotecários constituídos em data anterior à da entrada em vigor da nova lei, constitui uma clara violação do princípio da confiança do comércio jurídico, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art. 2º da Constituição.
21. A sentença recorrida viola as disposições constantes do art. 8º, nº 1 da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto; do art. 377, nº 1, alínea b) do Código de Trabalho, conjugado com o art. 342º do Código Civil; e do art. 2º da Constituição da República Portuguesa.
22. O crédito reclamado pela C, S.A. encontra-se garantido por penhor sobre os bens móveis melhor identificados pelas verbas nºs 3 a 11 do auto de fls. 21 e ss. do apenso B. 23. O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito – juros incluídos, se os houver – com preferência sobre os demais credores pelo valor de certa coisa móvel/valor de créditos/outros direitos – v.g. art. 666º C.Civil.
24. Nos termos do art. 377º/1, al. a) do Código do Trabalho, os créditos do trabalhador emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, gozam de privilégio mobiliário geral.
25. Todavia, nos termos do art. 749º do C.Civil, os privilégios mobiliários gerais (que, por isso, abrangem todos os bens móveis/valores de créditos ou de direitos do devedor) cedem perante créditos de terceiros titulares de direitos que consubstanciem uma garantia especial a incidir sobre a coisa penhorada, como é o caso do penhor.
26. Nesta conformidade, tendo em conta o supra exposto, deverão os créditos dos trabalhadores, garantidos por privilégio mobiliário geral, ceder perante o crédito da C SA, garantido por penhor sobre os bens móveis identificados pelas verbas nºs 3 a 11 do auto de fls. 21 e ss. do apenso B, devendo este último ser graduado em primeiro lugar para ser pago pelo produto da venda desses mesmos bens móveis.
Termos em que deve revogar-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra, que gradue o crédito da C SA acima dos créditos dos trabalhadores no que concerne ao produto da venda do bem imóvel descrito na Conservatória de Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº 408/Neiva e ao produto da venda dos bens móveis identificados pelas verbas nºs 3 a 11 do auto de fls. 21 e ss. do apenso B.


Não foram apresentadas contra-alegações.


II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).

As questões suscitadas pela recorrente são as seguintes:


Os identificados trabalhadores da insolvente gozam ou não de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel daquela, no que concerne ao identificado prédio urbano descrito na CRP de Viana do Castelo, sob o nº 408 e inscrito na matriz predial urbana sob o artº 639º, assim como gozam de privilégio mobiliário geral sobre os bens móveis apreendidos e constantes das verbas nºs 3 a 11, prevalecendo os respectivos créditos laborais sobre os créditos da recorrente garantidos por hipoteca e penhor?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente é a que releva do relatório supra e da sentença de verificação de créditos de fls. 213 a 223, a qual não foi impugnada nessa parte, da qual consta, além do mais, que «Nos termos do artigo 130º, nº3 do CIRE julgam-se verificados os créditos constantes da relação de fls. 146 a 158 dos autos, com os esclarecimentos constantes de fls. 142 e 143, 174 e 184, e concomitantemente as impugnações deduzidas pelos credores “Nautigás” e “Iberdrola”, relação essa que assim se homologa, e cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais, embora com a rectificação decorrente do despacho de fls. 95, no sentido de que o crédito do credor “La Pinariega, SL” deve ser reduzido para o montante de €20.689,77, sendo nesta medida reconhecido, e com a exclusão do crédito sob a referência nº25, da Fazenda Nacional, prevalecendo aqui a verificação ulterior de créditos do apenso H».


*****

2. De direito;


A questão que se suscita no presente recurso - preferência ou não dos créditos laborais em relação a crédito (da recorrente) garantido por hipoteca e por penhor - prende-se com a seguinte problemática que a recorrente também coloca, a saber i) a omissão de alegação do local onde os trabalhadores exerciam a sua actividade, ii) graduação de créditos relativamente ao dito imóvel descrito na CRP sob o nº 408/Neiva e iii) graduação de créditos relativamente aos bens móveis descritos nas verbas nºs 3 a 11.
Contrapõe a recorrente que não consta da decisão recorrida qualquer alusão ao local do exercício da actividade dos trabalhadores cujos créditos foram reconhecidos e graduados acima do da “C SA”, nem nenhum dos trabalhadores, à excepção da trabalhadores Paula, alegou e provou o local do exercício da sua actividade.
Vejamos.
Nos termos do art. 377º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27.08:
“1 – Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios;
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
2- A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no n° 1 do artigo 747. ° do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748. ° do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social.”


A lei confere privilégio imobiliário especial aos créditos laborais dos trabalhadores que ao tempo da declaração de insolvência exerciam a sua actividade nos imóveis do empregador.


No requerimento de reclamação de créditos dirigido ao administrador da insolvência, os credores devem mencionar, além do mais, a proveniência do seu crédito, a sua natureza, a existência de garantias e a taxa de juros – art. 128º, nº1, als. a) a e) do CIRE.
A recorrente afirma que os trabalhadores reclamantes, que viram os seus créditos laborais graduados em primeiro lugar para serem pagos pelo produto da venda do imóvel acima identificado e sobre o qual recai hipoteca daquela, não cumpriram o ónus que a lei lhes impunha por não terem alegado que exerciam a sua actividade laboral naqueles imóveis.
Após a reclamação dos créditos o administrador da insolvência elabora a relação a que alude o art. 129º do CIRE.
Na lista dos credores reconhecidos tem de constar a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios e a taxa de juros moratórios.
Essa lista pode ser impugnada pelos credores reconhecidos, em requerimento dirigido ao Juiz com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos – art. 130º, nº1, do CIRE.
Na ausência de reclamações é proferida sentença de verificação e graduação de créditos, salvo caso de erro manifesto, sendo a lista homologada pelo Juiz – art. 130º, nº1, e 3.


Ora, não consta que a recorrente tenha impugnado a lista elaborada pelo administrador da insolvência – fls. 146 a 158 – onde constam os nomes das pessoas singulares, v.g., dos trabalhadores reclamantes (atente-se, a título de exemplo, as referências 1, 17, 28, 30, 31 38, 40, 41), a natureza do crédito, onde se consigna “ crédito laboral, salários em atraso” e no item “Privilégios”, referencia-se expressamente como “privilegiado – artº 333 do Código de Trabalho”.
Assim, analisada a lista elaborada pelo administrador da insolvência, desde logo, poderia a recorrente impugnar os créditos em causa, já que dispunha dos elementos mínimos: nome dos reclamantes, menção do crédito como laboral, a respectiva proveniência e a designação de “privilegiado – artº 333 do Código de Trabalho”.
Não tendo impugnado qualquer desses créditos da lista, tinha ela que ser homologada com a graduação e verificação dos créditos.
Acresce que, compulsados os autos se constata que o imóvel, objecto da hipoteca da recorrente, corresponde às instalações fabris da insolvente, não lhe sendo apreendido qualquer outro destinado a esse fim – cfr. fls. 93 dos autos principais.
Na verdade, o outro imóvel apreendido (cfr. sentença recorrida e documento de fls. 143) é uma parcela de terreno destinada à construção urbana, descrita na CRP sob o nº 498/Barroselas.
Logo, é possível concluir, aliás, como articulado (artº 11º) no requerimento de fls. 360 a 362, relativo à reclamação da trabalhadora Paula Lourenço, que o único bem imóvel do empregador no qual os trabalhadores prestaram a sua actividade é aquele referido prédio urbano descrito na CRP sob o nº 408/Neiva.
Em suma, por tais razões, deve considerar-se processualmente adquirido o facto que se consubstancia na identificação daquele imóvel como sendo o local onde laborava o estabelecimento fabril da empresa insolvente, pelo que o tribunal recorrido podia ter em consideração tal facto, ao proceder à graduação dos créditos, ainda que não haja sido especificamente alegado no requerimento apresentado pelos trabalhadores reclamantes Neste sentido, vide Ac. da RG, de 28.06.2011, in dgsi.pt. .
Daí que, sendo trabalhadores da sociedade insolvente e situando-se naquele imóvel a sede e as instalações fabris da empresa, a qual se dedicava à transformação de madeiras e seus derivados, temos como demonstrado que era aquele o local onde desenvolviam a sua actividade, como, aliás, também se infere da própria natureza desta: operador de serra de corte, acabador de imóveis, a título de exemplo.
Carece de razão, pois, a recorrente nesta parte.

A segunda questão diz respeito à anterioridade do crédito hipotecário e inaplicabilidade do disposto no artº 377º, nº 1, al. b) do Código de Trabalho.
Esgrime a reclamante/recorrente que a aplicação deste normativo às relações creditícias constituídas antes da sua entrada em vigor - 28.08.2004 (por força da Lei nº 35/2004, que regulamentou o Código de Trabalho) – viola o princípio da confiança do comércio jurídico.
Tratando-se de problemática discutida jurisprudencialmente, partilhamos dos argumentos plasmados no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 335/2008, publicado no DR, 2ª série, de 18.07.2008, no sentido de que, quando os créditos laborais, com referência a bens imóveis do empregador onde os trabalhadores prestavam a sua actividade, concorrem com créditos de terceiros garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre os mesmos bens, aqueles ficam graduados antes do crédito garantido por hipoteca, ainda que esta garantia seja anterior.
Como se salienta em tal aresto, o Código de Trabalho (CT) não trouxe qualquer alteração directa do regime jurídico do instituto da hipoteca previsto no Código Civil, mas apenas uma alteração do próprio regime jurídico das garantias dos créditos laborais oriundas do Dec.Lei nº 17/86.
A prevalência dada aos créditos laborais não é mais do que uma alteração das regras de graduação dos diferentes créditos, v.g. dos créditos de contribuições devidas à segurança social, num concurso de credores.
Ademais, as normas que regem as graduações de créditos dizem sobretudo respeito ao modo de realização de direitos e não à substância dos mesmos, sendo naquela matéria mais ténue a relevância dos interesses e expectativas particulares (neste sentido, Baptista Machado, em “ Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, pág. 256, ed. 1968).
Também a preferência advinda da hipoteca não tem cariz absoluto, podendo ser preterida em caso de concurso com outras garantias reais, como é o caso dos privilégios creditórios especiais e do direito de retenção (artºs 751º e 759, nº 2, ambos do Código Civil (CC).
Daí que “a expectativa legítima que um credor hipotecário pode ter é a de que irá usufruir duma preferência na satisfação do seu crédito através do bem hipotecado, não podendo essa expectativa já abranger qual o grau ou valor relativo dessa preferência”.
A constituição duma hipoteca não pode conferir nem garantir ao seu titular uma imutabilidade na relação de forças (graduação) com os demais créditos, v.g. preferenciais (em que imperam razões de interesse público), em caso de insolvência do devedor.

Além disso, mesmo na hipótese de expectativa atendível de que o crédito da recorrente preferia sobre os créditos dos trabalhadores, tal expectativa deveria ceder perante a sua ponderação com o interesse que motivou a valorização da garantia legalmente atribuída aos créditos laborais.
O apontado artº 377º, do CT, pretendeu melhorar a graduação concedida aos créditos laborais no confronto com outros direitos reais de garantia.
Os salários devem gozar expressamente de garantias especiais – artº 59º, nº 3, da CRP.
É com esse objectivo que o legislador ordinário tem vindo a limitar ou a restringir os direitos dos demais credores (desde a aprovação do regime previsto na Lei nº 17/86 e do agora citado artº 377º do CT), tendo como desiderato, no caso de falência da entidade empregadora, proteger os créditos dos trabalhadores, ante uma preferência dos créditos garantidos por hipoteca preferenciais, de forma a que estes não posterguem de todo ou ponham em risco o último reduto de sobrevivência condigna dos trabalhadores e seus agregados, tanto mais que se trata de salários. Neste sentido, veja-se também o Acórdão do STJ de 06.07.2011, proc. 897/06.0TBIBR-B, in dgsi.pt.
Ou seja, de créditos que lhes advêm da contrapartida do trabalho por si realizado na empresa e que constituem o suporte da sua subsistência e da sua família.
Aliás, sem descurar a correlação de interesses em jogo, no binómio – interesses privados/colectividade – apenas fez incidir esse privilégio imobiliário especial sobre os bens do empregador onde o trabalhador tenha prestado a sua actividade.
Houve aqui, portanto uma ponderação, uma proporção na avaliação do interesses em conflito, de forma a que o princípio constitucional de confiança, próprio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artº 2º da CRP, tenha sido salvaguardado, não se descortinando violação do mesmo.
Justifica-se, assim, a aplicação retrospectiva da interpretação normativa da assinalada alínea b), do nº 1, do artº 377º, do CT.
Os créditos laborais reclamados prevalecem sobre a hipoteca da apelante, não tendo sido violados os preceitos legais citados pela recorrente.

No tocante a pretendida prevalência do crédito da recorrente garantido por penhor sobre os créditos laborais, assiste razão à mesma.
O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores pelo valor de certa coisa móvel, valor de créditos e de outros direitos – artº 666º, nº 1, do CC.
O crédito da “C SA” encontra-se garantido por penhor sobre os bens móveis constantes das verbas nºs 3 a 11 do auto de fls 21 e sgs. do apenso B.
Logo, não obstante, os créditos laborais gozarem também de privilégio mobiliário geral, nos termos do artº. 377º, nº 1, al. a) do CT, tal privilégio cede perante créditos de terceiros titulares de direitos que consubstanciem uma garantia especial a incidir sobre a coisa penhorada, como é o caso do penhor, face a natureza real deste e direito de sequela respectivo.
Destarte, os créditos dos trabalhadores, garantidos por privilégio mobiliário geral, cedem perante o crédito da C SA garantido por penhor sobre os bens móveis identificados pelas verbas nºs 3 a 11 do auto de fls. 21 e ss. do apenso B, devendo este último ser graduado em primeiro lugar para ser pago pelo produto da venda desses mesmos bens móveis.

Porquanto se deixa expendido, merece acolhimento parcial o recurso.


IV – Decisão;

Em face do exposto, na procedência parcial da apelação, acordam os Juízes desta secção cível em:
A. Revogar a sentença recorrida, em parte, nos seguintes termos, graduando-se:
I - C) Relativamente aos bens móveis melhor descritos no autos de fls. 21 do apenso B:
1º O crédito da “C…, SA” descrito com o nº15 da relação de fls. 146 e ss, garantido por penhor sobre os bens móveis descritos nas verbas nºs 3 a 11 do auto de fls. 21 e ss do apenso B;
2º Os créditos laborais descritos com os nºs 1, 17, 28, 30, 31, 38, 40, 41, 42, 43, 44, 47, 48, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 64, 66, 68, 69, 70, 78 da relação de credores e bem assim os reconhecidos e verificados nos apensos E, G e L;
II – Manter no mais o decidido, quanto aos bens imóveis e móveis.

Custas pela apelante e massa insolvente na proporção de metade cada.


Guimarães, 15.03.2012
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira