Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE SEABRA | ||
Descritores: | EXPROPRIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO ARRENDAMENTO RURAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/07/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. Em sede de aferição do pressuposto da legitimidade processual é de acolher o seguinte critério geral: - tomando e aceitando como referência a relação material controvertida, tal como é ela desenhada pelo Autor, serão o Autor e o Réu partes legítimas se forem eles, respectivamente, os titulares activos ou passivos daquela relação material controvertida, admitindo a existência desta última, e, portanto, sem indagar do seu mérito. 2. A indemnização devida ao arrendatário por caducidade de contrato de arrendamento decorrente de acto expropriativo não se confunde com a indemnização devida ao proprietário, antes constitui um encargo autónomo a suportar pela entidade expropriante. 3. Esse montante indemnizatório devido ao arrendatário não é, assim, de abater ao montante indemnizatório devido ao proprietário, antes lhe acresce. 4. O processo de expropriação é, pela sua ampla publicidade, pelo direito de intervenção reconhecido a qualquer aparente interessado e pelos meios procedimentais e judiciais colocados ao dispor dos interessados para a invocação de qualquer vício ou irregularidade ocorridos na sua fase administrativa ou judicial, um processo universal, no sentido de que todas as questões relevantes ali devem ser suscitadas e decididas. 5. Só em casos excepcionais é de admitir a decisão de questões que têm a sua sede própria no processo expropriativo (v.g. indemnização ao arrendatário rual por caducidade do contrato) através de acção declarativa autónoma. 6. A prescrição, constituindo excepção peremptória que depende da sua invocação pelo respectivo beneficiário, só pode ser dirimida e decidida no âmbito do concreto e preciso acervo factual alegado (e provado) pelo excepcionante, não cabendo ao tribunal fazer, nesse âmbito, qual indagação factual que ultrapasse o assim alegado, segundo o princípio do dispositivo - “ judicata secundum allegata partium ”. 7. O direito de indemnização por acto (lícito) de expropriação levado a cabo pelo Estado, por ter natureza “ ex lege ” e expressa consagração constitucional (art. 62º da CRP) não está sujeito ao prazo de prescrição previsto no art. 498º do Código Civil, mas antes ao prazo ordinário de prescrição (20 anos), em conformidade com o disposto nos arts. 309º e 311º, n.º 1 do mesmo Código. 8. Incumbe ao lesado, no âmbito da responsabilidade civil, a prova da existência de danos ou prejuízos ressarcíveis, sendo que, sem essa prova, inviável se mostra a afirmação de qualquer tipo de responsabilidade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães. I – RELATÓRIO. Recorrentes: A e B. Recorridos: A. e B. * 1. A. propôs, a 18.05.2009, perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, acção declarativa de condenação contra a Ré B., pedindo, a final, que seja a Ré condenada a pagar-lhe: a)- a quantia de € 19. 750, 00, a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes da cessação do contrato de arrendamento rural sobre as parcelas expropriadas de que este era titular, em 29.03.2004, data da posse administrativa das parcelas 5 e 5s; b)- a quantia de € 40. 000, 00, a título de indemnização pela perda de água e do respectivo tubo de plástico, acrescida de juros à taxa legal, desde 29.03.2004, data do auto de posse administrativa das parcelas expropriadas, até à data do efectivo pagamento, com fundamento na privação da água de que o Autor é dono e legítimo possuidor, durante quatro dias por semana, e da inutilização do tubo que a conduz, àgua essa que rega o prédio de que o Autor é proprietário e de onde foram desanexadas as parcelas expropriadas, tudo conforme é descrito na vistoria a.p.r.m., nos seguintes termos: «Ao longo da parcela e paralela ao muro que margina o caminho público, a uma distância de 300 m passa um tubo de plástico com o diâmetro de 30 cm e enterrado à profundidade de 1, 00 m., que serve de passagem de água, de actualmente dois consortes, tendo o proprietário direito a quatro dias por semana.» Invocou o Autor, como causa de pedir que, por via da declaração constante do Despacho n.º 19354/2003 (2ª série), de 8.09.2003, do Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado no DR, n.º 234, da 2ª série, de 9.10.2003, foi declarada a utilidade pública (DUP) e atribuído caracter de urgência à expropriação das parcelas 5 e 5s, necessárias à execução da empreitada de obras públicas “ A11/IC 24, lanço Esposende – Barcelos – Bragal nó de Barcelos. Mais alegou que, em 29.09.1987, tomou de arrendamento o prédio de onde foram desanexadas as parcelas 5 e 5s, objecto de expropriação, pagando a devida renda anual, arrendamento esse pelo prazo de um ano, renovável. Este contrato vigorou até 29.03.2004, data em que a Ré, na sequência do processo de expropriação antes referido, tomou posse administrativa daquelas parcelas 5 e 5s, o que fez caducar o aludido arrendamento ficando inviabilizado o aproveitamento económico da exploração do restante do prédio. Assim, sendo o Autor arrendatário rural das fracções 5 e 5s à data da posse administrativa, 29.03.2004, assiste-lhe o direito a ser indemnizado, ao abrigo do preceituado no art. 30º, n.º 5 do Código das Expropriações. Por outro lado, tem o Autor, ainda, direito a ser indemnizado pelo facto de a Ré ter destruído a passagem de água referida na aludida v.a.p.r.m., sendo certo que, no decurso do processo de expropriação, se tornou ele proprietário do prédio de onde foram desanexadas as parcelas expropriadas, mediante escritura pública de compra e venda outorgada a 15.03.2015. Esse processo judicial de expropriação, que também incluiu a parcela 3., terminou com a aceitação do valor da indemnização fixado no Acórdão de Arbitragem, homologado por sentença de 21.11.2005, valor esse recebido pelo Autor por precatório cheque datado de 7.12.2005, no qual não estava incluída qualquer quantia relativa à perda da água, nem um qualquer valor relativo à indemnização do arrendatário. * * 2. Citada a Ré, veio ela impugnar parcialmente a matéria de facto invocada pelo Autor e, ainda, invocar as excepções de prescrição, de caso julgado e de ilegitimidade passiva. Concluiu, assim, a Ré, face ao exposto, pela sua absolvição da instância e, em qualquer caso, pela sua absolvição do pedido. * * 3. O Autor respondeu às aludidas excepções e concluiu pela improcedência das mesmas. * * 4. Dirimida e decidida, a título definitivo, a questão da competência em razão da matéria dos tribunais comuns para o conhecimento da presente acção, veio a ser proferido despacho de saneamento e condensação, com fixação de factos assentes e base instrutória, que não mereceram reclamação. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da Ré, foi julgada procedente a excepção de caso julgado quanto ao pedido relativo à indemnização por cessação do arrendamento rural, absolvendo a Ré da instância, nesta última parte. Quanto à excepção de prescrição foi considerado prejudicado o seu julgamento visto se reportar a mesma excepção apenas à indemnização por cessação do arrendamento rural, pedido do qual foi decretada a aluidda absolvição da Ré da instância. * * 5. Deste despacho, recorreram o Autor e a Ré, recursos que, por decisão desta Relação, foram mandados subir com o recurso que vier a ser interposto da sentença final (vide apenso A- 2º volume). * * 6. No decurso da audiência de julgamento, veio o Autor proceder à ampliação do pedido acima referido sob a alínea b)- para o montante de € 48. 900, 00, o que foi admitido por despacho a fls. 713. * * 7. Concluído o julgamento, foi proferida sentença que julgou a presente acção não provada e improcedente, absolvendo a Ré do pedido. * * 8. Inconformado com assim decidido, veio o Autor interpor recurso de apelação da mesma, recurso que foi admitido. ** 9. No âmbito do recurso do despacho saneador antes referido em 4. e 5., vieram os ali recorrentes apresentar as seguintes conclusões recursivas: 9.1 Síntese das conclusões apresentadas pela Recorrente B.: i). A presente acção é deduzida contra a B. alegadamente pelos prejuízos causados por causa da construção da via rápida que utilizou o terreno do Autor onde se localizava a benfeitoria que alegadamente terá sido destruída. ii). Não restam dúvidas quanto à pretensão do Autor individualizada no art. 30º da sua p.i: alegadamente a R. teria destruído a passagem de água referida na vistoria a.p.r.m. para a construção da A11/IC 24 – lanço Esposende/Barcelos/Braga. iii). Causa que o Autor reitera no art. 44º do mesmo articulado, quando diz que a R. cortou o tubo que a conduzia ao prédio do A. iv). Ora a R. não fez as obras em causa, não destruiu nenhuma passagem nem cortou nenhum tubo, pela simples razão de não ser ela a Dona da Obra do contrato de empreitada de obras públicas celebrado para a construção da sobredita estrada. v). Foi celebrado um contrato de concessão com o Estado Português, em que este concedeu a construção da dita auto-estrada a entidade diversa da aqui R., sendo a aqui R. unicamente responsável pela gestão dos contratos de expropriação dos bens necessários à execução do empreendimento. vi). No âmbito do contrato de concessão, a actuação da EP limita-se a verificar o cumprimento por parte da Concessionária das obrigações emergentes do contrato de concessão firmado e não se os trabalhos estão a ser devidamente executados. vii). Entre o Concedente e o Concessionário não existe uma relação de comissão que pressupõe subordinação e dependência. A Concessionária é autónoma na gestão da sua actividade e responsável pelos danos causados na execução da mesma. viii). Operou-se uma transferência, mediante contrato, da responsabilidade pela concepção, projecto e construção do mencionado lanço de auto-estrada, bem assim como de reparação de quaisquer danos, que daí advenham para terceiros, como será, hipoteticamente, o caso dos autos, sempre sem conceder. ix). Haveria que concluir pela ilegitimidade processual da Ré B. porquanto da confirguração da relação material controvertida pelo A, na sua p.i., resulta claro que a EP não é sujeito da mesma, visto não ser responsável directo pela construção da obra sub judice, causa directa e adequada dos alegados prejuízos. x). Por sua vez, entendeu o tribunal recorrido que conhecendo da excepção de caso julgado julgava prejudicada a questão da prescrição porquanto a mesma se reportava à mesma questão a que se reconduzia a excepção de caso julgado. xi). A R. invocou a excepção de caso julgado e de prescrição em relação a todos os pedidos formulados pelo A. e este assim o entendeu. Tanto é assim que a resposta que foi apresentada pelo A. contempla precisamente este entendimento (cfr. artigo 12º e 28º da resposta à contestação). xii). A R. invocou que os pedidos do A. estavam abrangidos pela excepção de caso julgado porquanto a decisão que fixara o valor definitivo da justa indemnização devida por força da expropriação tinha conhecido de todos os prejuízos que a entidade expropriante, aqui R., estaria obrigada a indemnizar ao expropriado aqui A., decorrentes da expropriação da parcela de terreno de que era expropriado. xiii). A sentença final que decide da indemnização devida por força da expropriação, da mesma forma decide da inexistência de qualquer outra devida pelo mesmo facto, a saber a expropriação. xiv). Encontra-se definitivamente estabelecido o montante indemnizatório que corresponde aos prejuízos decorrentes da expropriação, está legalmente vedada a possibilidade de outra decisão judicial ser proferida em sentido contrário. xv). Deverá nessa medida proceder a excepção de caso julgado invocada em relação a todos os pedidos que foram formulados pelo A.. xvi). O Dign. Julgador remete para o artigo 13º da contestação para justificar que a excepção de prescrição apenas foi invocada em relação ao primeiro pedido mas esquece-se que já previamente o tinha estendido ao segundo no artigo 1º. xvii). Assim, nessa medida, o Dignº Julgador quando muito deveria remeter para a decisão final a decisão sobre a prescrição, devendo levar à base instrutória todos os factos que foram alegados pela R. e que representam o decurso do tempo prescricional invocado. xvii). Assim sendo, e na própria versão do A., este teve, necessariamente, conhecimento do alegado direito de indemnização a quando do início do processo expropriativo administrativo e, no máximo, em Outubro de 2003. Deste modo, o prazo para o exercício de qualquer direito de indemnização pelos danos invocados pelo A., iniciou-se para estes, na melhor das hipóteses, no dia 11.10.2003. xviii). Tendo aquele prazo transcorrido sem a ocorrência de quaisquer causas interrupção ou suspensão do mesmo, a respectiva prescrição completou-se (pelo menos) em 11.10.2006. xix). Foi ainda a R. condenada em custas pela improcedência da excepção de ilegitimidade que invocou. xx). Atendendo a que esta excepção integra a sua defesa e não constitui expediente anómalo, encontrando-se devidamente fundamentada e a sua actuação em conformidade com as regras processuais, entende-se que não existe fundamentação para a condenação de que foi alvo, pelo que igualmente requer a sua revogação. 9.2. Síntese das conclusões apresentadas pelo Recorrente A.: i). De acordo com a matéria de facto assente (alínea C), a declaração de utilidade pública (DUP) das parcelas referidas nos autos, ocorreu em 9.09.2003, tendo a posse administrativa ocorrido em 29.03.2004. ii). À data da DUP, o recorrente era arrendatário das parcelas expropriadas, sendo proprietários, de acordo com a alínea D) dos factos assentes, X. e mulher; iii). Em 15.03.2005, o recorrente tornou-se proprietário do prédio de onde foram desanexadas as parcelas expropriadas (alínea F dos factos assentes); iv). Em 7.12.2005, o recorrente recebeu o valor da indemnização fixado no acórdão de arbitragem, homologado por sentença de 21.11.2005, valor que não contempla o valor relativo à indemnização do arrendatário, por cessação do arrendamento (alíneas E e H dos factos assentes); v). A indemnização do arrendatário rural, nos termos do n.º 1 e 5 do art. 30º do CE, é considerada encargo autónomo para efeito de indemnização dos arrendatários, atendendo-se, para o seu cômputo, ao valor dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas, ao valor das benfeitorias a que o rendeiro tenha direito e aos demais prejuízos emergentes da cessação do arrendamento, calculados nos termos gerais de direito. vi). O direito à indemnização do arrendatário rural não se extingue pela superveniência do direito de propriedade adquirido na pendência do processo de expropriação. vii). Tendo o recorrente «invocado a existência de um contrato de arrendamento rural, e uma vez ultrapassada a fase da arbitragem, e findo que está o processo jurisdicional de expropriação, é em acção autónoma que se pode conhecer da qualidade invocada pelo recorrente, bem como da subsistência de tal contrato e da existência de prejuízos concretos para o arrendatário, emergentes da cessação do arrendamento, cuja competência cabe aos tribunais comuns» - AC RP de 9.03.1998, CJ, 2º, 192. viii). Sendo certo que, tal como se decidiu no AC RP de 23.01.2003, publicado em www.dgsi.pt, «a indemnização ao arrendatário não sai do valor do prédio expropriado, mas tem de acrescer a esse valor.»; ix). Assim, nos casos em que o próprio proprietário do prédio nele exerce directamente qualquer actividade de exploração agrícola e para o conjunto desta resultarem prejuízos por força da expropriação, à indemnização correspondente (pela ablação do direito de propriedade) acresce a relativa àqueles prejuízos, calculada nos termos gerais de direito (art. 31º, n.º 2 do CE); x). Verifica-se a excepção de caso julgado se uma causa se repetir, depois de a primeira ter sido decidida por uma sentença que já não admite recurso ordinário. (art. 497º do CPC); xi). Repete-se a causa de pedir quando se propõe uma acção idêntica a outra, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art. 491º, n.º 1 do CPC). xii). Nos termos do art. 498º do CPC «há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica.» xiii). No caso dos autos, não existe identidade de sujeitos, uma vez que o recorrente pleiteia na sua qualidade jurídica de ter sido arrendatário, enquanto no processo expropriativo, o direito decorre da qualidade de proprietário das parcelas expropriadas; xiv). Não há identidade de pedido, uma vez que, nos presentes autos, o pedido de indemnização decorre da existência de um arrendamento rural, nos termos do artigo 30º do CE, direito esse constituído a favor do recorrente na data da DUP, contrariamente à indemnização fixada no acórdão arbitral que respeita, apenas e só, ao direito de propriedade das parcelas expropriadas; xv). No caso dos autos, o pedido formulado resulta da existência de um direito de arrendamento, que constitui encargo autónomo para efeitos de indemnização, em sede de expropriação; xvi). Por sua vez, o acordão arbitral respeita apenas e só à avaliação da propriedade, não fixando qualquer indemnização por cessação do arrendamento, como se reconhece no despacho saneador, concretamente nas alíneas E) e H) da matéria de facto assente. xvii). Resulta do exposto que, não havendo identidade da causa de pedir, do pedido e dos sujeitos, não se formou caso julgado. * * 9.3. Cada um dos recorridos apresentou contra-alegações, atinentes ao recurso apresentado pela parte oposta, pugnando pela respectiva improcedência. * * 10. No âmbito do recurso da sentença proferida a final, o recorrente A. (Autor) apresentou as seguintes conclusões recursivas: 1º Em causa nos autos está o pedido de condenação da R. no pagamento ao A. da quantia de € 48.900 (valor decorrente da ampliação do pedido), a título de indemnização pela perda da água e do tubo de plástico, acrescida dos juros à taxa legal, desde 29-03- 2004, data do auto de posse administrativa das parcelas expropriadas, até à data do efectivo pagamento, com fundamento na privação da água de que o A. é dono e legítimo possuidor, durante 4 dias por semana, e da inutilização do tubo que a conduz. 2º Para tanto, e como causa de pedir, o autor alegou os factos referidos na sentença, alíneas A a J, L e M dos factos provados, factos que constituem a matéria alegada nos arts. 4, 7, 8, 30 a 43 e 44 a 54, todos da petição inicial. 3º Em síntese, a causa de pedir traduz-se no facto de a Ré, no desenvolvimento de obra da construção da auto-estrada, não ter acautelado a passagem do tubo de água, reportado na vistoria a.p.r.m. (ali. J) dos factos provados), e que os peritos no Acórdão de Arbitragem referem que deveria ser mantida (ali. I) dos factos provados), tubo e água pertencente ao recorrente que, assim, se viu privado do seu direito á água nele conduzida, causando o prejuízo decorrente da privação daquele direito, para cuja reposição será necessário despender o montante do pedido. 4º Resulta da matéria de facto provada (doravante m.f.p.) que, para a construção da auto-estrada “A-11/IC24 – lanço Esposende/Barcelos/Braga), foram expropriadas ao recorrente as parcelas identificadas com os nºs. 3, 5 e 5s (ali. A e B da m.f.p.) 5º O Perito, na v. a. p. r. m. (relativa à parcela nº 5), faz referência á existência de um tubo de plástico e à passagem da água, dizendo o seguinte: “Ao longo da parcela e paralela ao muro que margina o caminho público, a uma distância de 300 m passa um tubo de plástico com o diâmetro de 3” e enterrado à profundidade de 1,00 m, que serve de passagem de água, de actualmente dois consortes, tendo o proprietário direito a quatro dias por semana “, ali.J) da m.f.p. 6º Na ali. I) da m.f.p.) diz-se que “Os Senhores Árbitros, no seu acórdão (relativo à parcela nº 5), referem, em obs. “a passagem de água referida na vistoria “ad perpetuam rei memoriam” concretizada por um tubo de plástico com 3”, deverá ser mantida”. 7º Porém, essa passagem de água não só não foi mantida como foi destruída (ali L) da m.f.p.). 8º O tubo e a água que nele passava é propriedade do recorrente, quatro dias por semana (ali.J da m.f.p.), por a ter adquirido por usucapião, conforme decorre das ali F, G e M da m.f.p, bem como do alegado nos artigos 39 a 43 da P.I.- matéria não contestada pela Ré (artigo 70 da contestação). 9º Entende o recorrente que, tendo em conta os factos assentes e os documentos juntos ao processo, as respostas de não provado dadas pelo Tribunal às alíneas A, B, C, D, E e F, padecem de incorrecções de julgamento que impõem decisão diversa. 10º Assim, relativamente à ali A) verifica-se que a resposta é a de provado quanto á parte inicial da mesma (A destruição do tubo referido na alinea J), e de não provado quanto à restante resposta.) 11º Ora, sendo efectivamente verdade que não se provou que, com a destruição e não reposição do tubo (ali.J e L da m.f.p.), o prédio de onde foram desanexadas as parcelas 5 e 5s tenha deixado de ser regado, 12º o que é facto é que, de acordo com a sentença, o corte do tubo impediu a condução e aproveitamento da água no prédio da parcela 3, onde se localiza a casa do recorrente, prédio esse que se situa do outro lado da auto-estrada, conforme resulta da análise da planta parcelar junta a fls. 138 do processo 3118/04.7TBBCL. 13º pelo que, entende o recorrente que a resposta dada pelo Tribunal à matéria da alínea A) dos factos não provados, deveria dar predominância á parte provada da resposta, ou seja, á destruição do tubo referido naquela alínea J), e, consequentemente ser alterada a resposta dessa alínea A) para: “Provado apenas que a destruição do tubo referido na línea J) não originou que o A. se visse privado da água nele conduzida para sua utilização na rega do prédio rústico denominado Lavadouros ou Campo de Lavadouros, situado no lugar de Souto das Freiras, freguesia de Alvelos, concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº 52/Alvelos, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 36 (parte não provada). 14º A perícia, conforme resulta do Relatório e esclarecimentos (documentos de fls. 483 a 483, 489 a 490 e 499), não procedeu à avaliação de prejuízos decorrentes da não utilização da água na rega do prédio do A., independentemente dessa rega se reportar ao prédio da parcela 5 e 5S ou da parcela 3. 15º A perícia realizada nos autos para determinar a indemnização decorrente da prática do acto ilícito da Ré, pelos danos resultantes da destruição e privação do direito do recorrente ao tubo e á água conduzida, visou exclusivamente avaliar o “quantum” necessário que o recorrente tem de despender para repor a situação existente antes da prática do acto ilícito – destruição do tubo, e consequente impossibilidade da utilização da água por ele conduzida -, nos termos do disposto no art. 562º do Cod. Civil. 16º Com efeito, constituiu objecto da perícia a matéria reportada nas alíneas B, C, D, E e F da matéria de facto não provada, sendo a mesma dos números 3, 4, 5, 6 e 7 da Base Instrutória (cfr. quesitos formulados pelo recorrente com o seu requerimento de prova, apresentado nos autos nos termos do então art. 512º do Cód. Proc. Civil). 17º Sendo que, para a determinação desses prejuízos, tal como se alega no artigo 46 da p.i., “deverá utilizar-se o chamado “método do custo de substituição”, o qual, na prática, traduz-se na determinação do custo que é necessário despender para obter os mesmos resultados antes da lesão do direito”. 18º De acordo com a perícia, para repor a situação existente antes da prática do acto ilícito, “o A./ recorrente tem de fazer um furo de captação para obter, em substituição, a água de que se viu privado por acção da Ré”( artigo 47 da p.i.), como tem de “adquirir um grupo submersível, composto de electrobomba, com ligação hidráulica e eléctrica ” (art. 49 da pi) - cfr. resposta aos quesitos nº 3 e 4 da perícia. 19º bem como a suportar as despesas de consumo de energia eléctrica, para além do custo de desvalorização do material (cfr. artºs 44º a 53º da p.i. e nºs 3, 4, 5, 6 e 7 da BI), tudo avaliado num montante global de € 48.900,00 – cfr. resposta aos quesitos 5, 6 e 7 da perícia. 20º É certo que, de acordo com a sentença, o pedido formulado na acção se refere à água que regava um prédio do recorrente, que na sentença se identificou como sendo o de onde foram desanexadas as parcelas 5 e 5s, 21º como certo é que, não foi feita prova de que, com a destruição do tubo, esse prédio deixasse de ser regado com essa água, 22º ao contrário do que aconteceu com o prédio da parcela 3, onde se localiza a casa do recorrente, que, com o corte do tubo, deixou de ser irrigado e abastecido com essa mesma água. 23º Ora, em causa está a avaliação dos custos necessários para reposição da situação existente antes do facto ilícito, e não a avaliação de qualquer prejuízo decorrente da não utilização da água na rega do prédio do A., independentemente dessa rega se reportar ao prédio da parcela 5 e 5S ou da parcela 3. 24º É que, uma coisa é o dano decorrente da destruição do tubo e do não acautelamento da sua passagem, no desenvolvimento da obra, que implica a perda do direito de propriedade do recorrente a quatro dias por semana sobre a água referida na vistoria a.p.r.m (alínea J e L dos factos provados), outra coisa é o dano resultante do não uso desse direito, dano este que é acessório daquele. 25º E foi precisamente essa avaliação sobre que se debruçou a perícia nos autos, a qual determinou o custo da reposição do “status quo ante”, face á destruição tubo e consequente impossibilidade de nele conduzir a água, 26º perícia essa que não foi questionada pela Ré, que a aceitou nos seus precisos termos e se conformou com os esclarecimentos por si pedidos (doc. fls. 483 a 485 e 489, 490 e 499), pelo que não podem as suas conclusões deixar de se considerarem válidas. 27º Versando a perícia, “ipsis verbis”, sobre a matéria das alíneas B, C, D, E e F dos factos não provados, e dos nºs 3, 4, 5, 6, e 7 da base instrutória, a mesma não partiu de um erróneo pressuposto, como se conclui na sentença. 28º Pelo que, a resposta não provada dada aos factos de cada uma das alíneas B,C,D,E e F, está em total contradição com os factos provados, devendo, por isso mesmo ser substituída por provado. 29º Razão porque, a resposta a cada uma daquelas alíneas B, C, D,E e F, ao contrário do que se concluiu na sentença em recurso, terá de ser a de provado. 30º A factualidade alegada integra os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que, como reporta a sentença “a obrigação de indemnizar, em virtude de imputação do dano, exige não só um facto, voluntário, ilícito, e a imputação subjectiva de tal facto ao lesante, como a existência de danos e de um nexo de causalidade entre o facto e os danos (artº 483º do Cod. Civil), sendo certo que, em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 483º e no artº 563º do Cod. Civil, o lesante só tem obrigação de reparar os danos que, em concreto, se tenham verificado como consequência necessária de evento danoso e que, em abstrato, sejam igualmente consequência adequada do mesmo”. 31º No caso concreto, o pedido formulado na acção corresponde ao custo da reposição do status quo ante, concretizado no pedido de condenação da Ré “ a pagar ao A. a quantia de 40.000 euros (ampliada para 48 900 euros) a titulo de indemnização pela perda da água e do referido tubo de plástico, acrescida dos juros à taxa legal, desde 29-03-2004, data do auto de posse administrativa das parcelas expropriadas, até à data do efectivo pagamento, com fundamento na privação da água de que o A. é dono e legítimo possuidor, durante 4 dias por semana, e da inutilização do tubo que a conduz, água essa que rega o prédio de que o A. é proprietário, e de onde foram desanexadas as parcelas expropriadas. 32º Está provado nos autos que o tubo e a àgua que nele passava é propriedade do recorrente, quatro dias por semana (ali. J da m.f.p.), por a ter adquirido por usucapião, conforme decorre das ali. F, G e M da m.f.p, bem como do alegado nos artigos 39 a 43 da P.I.- matéria não contestada pela Ré (artigo 70 da contestação). 33º Como está provado que esse direito foi violado por força da destruição do tubo cuja manutenção a Ré não acautelou como devia (alínea L dos factos provados). 34º Igualmente ficou provado que “A Ré, no desenvolvimento da obra, não acautelou a passagem do tubo referido na alínea J, que foi destruído (parte provada da ali.A) dos factos não provados),” ficando, assim, o recorrente privado da água que nele passava, e de que é proprietário 4 dias por semana. 35º A prática do facto ilícito da Ré gera a obrigação de indemnizar, na sua vertente da obrigação de reposição do status quo ante, por forma a garantir ao recorrente todas as utilidades e benefícios decorrentes da existência do tubo que foi cortado com as obras da auto-estrada, 36º conferindo ao recorrente o direito à reparação dos prejuízos causados pela destruição do tubo em causa, atenta a responsabilidade civil da Ré pela prática de acto ilícito, prejuízos esses para cuja reparação é necessário proceder como referido nos nº 17 e 18 das conclusões e, de acordo com o relatório de Perícia de fls. 483 a 485, e 489 a 490 e 499 dos autos, cujo montante ascendem a 48.900 euros. 37º A referência às parcelas desanexadas, no contexto do pedido, é irrelevante e meramente circunstancial, ao contrário do concluído na sentença, uma vez que não é pedida qualquer indemnização por prejuízos decorrentes da não rega do prédio sejam os das parcelas 5 e 5s sejam da parcela 3. 38º Determinado o custo da reposição do status quo ante - € 48.900,00 - e provado o dano como consequência da prática do facto ilícito, ter-se-á de concluir, ao contrário da conclusão vertida na sentença recorrida, que estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, de que depende a obrigação de indemnizar da Ré e, consequentemente, concluir-se pela procedência da acção. 39º A sentença recorrida por erro de interpretação e de aplicação do direito violou o disposto nos artigos 483º, 562º, 563º e 566º do Cód. Civil. Termos em que, alterada a matéria de facto nos termos supra referidos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue a acção procedente e condene a recorrida no pedido (ampliado) formulado na al. b) dos autos. * * 11. A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação e, consequente, manutenção da sentença recorrida. * * * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * * * II. FUNDAMENTAÇÃO de FACTO. Em primeira instância, foi julgada provada a seguinte factualidade: A) Por Despacho n.º 19354/2003 (2ª Série), de 08.09.2003, do Secretário de Estado das Obra Públicas, publicado no DR n.º 234, 2ª Série, de 09.10.2003, foi declarada a utilidade pública (DUP) e atribuído o carácter de urgência à expropriação das parcelas n.º 5 e 5s, necessárias à execução da empreitada de obras públicas das Estradas “A11/IC24-lanço Esposende/Barcelos/Braga – nó de Barcelos ”. B) A expropriação das referidas parcelas, bem como da parcela n.º 3, fez-se de forma litigiosa, em processo judicial que correu termos no …, ali constando todos os documentos relativos à expropriação, nomeadamente, cópia daquele despacho publicado no DR, declaração de utilidade pública, auto de posse administrativa, adjudicação, vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, acórdão arbitral, depósito e levantamento da indemnização devida ao proprietário das parcelas expropriadas, documentos que constam de fls. 333 a 356, e cujo teor se reproduz para os devidos efeitos. C) A declaração de utilidade pública (DUP) das parcelas referidas, ocorreu em 09.09.2003, estando o auto de posse administrativa datado de 29.03.2004. D) Do auto de posse administrativa, bem como da cópia da guia de depósito, consta que os proprietários do prédio, donde foram destacadas as parcelas 5 e 5s, eram X. e mulher Y. E) O A. foi notificado do acórdão de Arbitragem, em 22.09.2005, laudo, este, que não fixa qualquer indemnização por cessação de arrendamento. F) No decurso do processo judicial da expropriação, o A. tornou-se proprietário do prédio de onde foram desanexadas as parcelas expropriadas (nºs 5 e 5s), pois que em 15 de Março de 2005, por escritura lavrada no 1º Cartório Notarial de Barcelos, o comprou, aos ditos X. e Y. G) Tendo a venda ocorrido antes da adjudicação das parcelas, o despacho de adjudicação emitido pela Juiz do … do Tribunal …, no referido processo …, em 21.09.2005, indicava já como proprietário das parcelas (nºs 5 e 5s), o aqui Autor e sua mulher. H) Esse processo judicial de expropriação, que também incluiu a parcela 3., terminou com a aceitação do valor da indemnização fixado no Acórdão de Arbitragem, homologado por sentença de 21.11.2005, valor esse recebido por precatório cheque datado de 07.12.2005, e no qual não estava incluída qualquer quantia relativa à perda da água, nem foi considerado qualquer valor relativo à indemnização do arrendatário. I) Os Senhores Árbitros, no seu acórdão (relativo à parcela nº 5), referem, em obs. “ a passagem de água referida na vistoria ad perpetuam rei memoriam concretizada por um tubo de plástico com 3 ”, deverá ser mantida ”. J) O Perito, na v. a. p. r. m. (relativa à parcela nº 5), faz referência ao tubo de plástico e à passagem da água, dizendo o seguinte: “ Ao longo da parcela e paralela ao muro que margina o caminho público, a uma distância de 300 m passa um tubo de plástico com o diâmetro de 3 ” e enterrado à profundidade de 1,00 m, que serve de passagem de água, de actualmente dois consortes, tendo o proprietário direito a quatro dias por semana ”. K) Entre o Estado Português e a Estradas, SA. foi celebrado o contrato de concessão, a 09.07.1999, cuja minuta foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 67-A/99 de 01 de Julho, publicada no DR, Iª série, n.º 155 de 06.07.1999, a qual teve ainda por suporte as Bases da Concessão aprovadas pelo DL 248- A/99 publicitado a 06.07, conforme documento que consta de fls. 97 e ss, e cujo teor se reproduz. L) A Ré, no desenvolvimento da obra, não acautelou a passagem do tubo referido na alínea J), que foi destruído (parte provada do nº 1 da BI) M) X. e Y., há mais de 20 anos, por si e antepossuidores, utilizavam, quatro dias por semana, a água referida, usando-a para os mais variados fins, nomeadamente para rega do prédio rústico denominado …, situado no lugar de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº …, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, o que sempre fizeram à vista e conhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, e com intenção de exercerem um direito próprio de propriedade sobre a água em causa, nas condições do seu exercício (quatro dias por semana) (nº 2 da BI). * Por seu turno, a mesma primeira instância julgou não provada a seguinte factualidade: A) A destruição do tubo referido na alínea J) tenha originado que o A. se visse privado da água nele conduzida e, consequentemente, da sua utilização, nomeadamente na rega do prédio rústico denominado …, situado no lugar de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …., sob o nº …, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … (parte não provada do nº 1 da BI) B) A perda da água conduzida no tubo, e cujo aproveitamento era o referido, obrigue o A. a ter de fazer um furo de captação para obter, em substituição, a água de que se viu privado e para o que despenderá quantia não inferior a 3 500 euros (n.º 3 BI). C) Para além disso, tenha o A. de adquirir um grupo submersível, composto de electrobomba, com ligação hidráulica e eléctrica, grupo, este, que tem um custo de aquisição da ordem dos 5.000 euros (nº 4 da BI) D) O A. vá despender, em energia eléctrica, quantia que se calcula em 917 euros anuais para obter um caudal de água idêntico àquele que obtinha, sendo que, este custo estimado, tem em conta a utilização do grupo submersível apenas durante 4 dias por semana (nº 5 da BI, com a alteração decorrente da admitida ampliação do pedido) E) A tudo isto acresça o custo anual estimado para desvalorização do equipamento, o qual se calcula em 250 euros ano, sendo que, neste custo, se integra o custo das reparações e degradação do sistema (nº 6 da BI) F) O valor para repor a situação da disponibilidade do caudal da água antes da inutilização do tubo e interrupção da utilização da água seja no valor de 48.900 euros (nº 7 da BI, com a alteração decorrente da admitida ampliação do pedido). * * III. FUNDAMENTAÇÃO de DIREITO. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 3, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. No seguimento desta orientação, e no que respeita aos recursos interpostos do despacho saneador, as questões que importa dirimir reportam-se à excepção de ilegitimidade passiva da Ré, à excepção de caso julgado e, ainda, à excepção de prescrição, todas invocadas pela Ré e objecto de decisão no aludido despacho saneador. Por seu turno, quanto ao recurso interposto da sentença proferida nos autos, as questões que importa dirimir reportam-se à alteração dos factos não provados em A), B), C), D), E) e F) do respectivo elenco e, ainda, à responsabilidade civil da Ré pelos prejuízos invocados nos autos pelo Autor. Em face da precedência temporal e sobretudo lógica, conhecer-se-á, em primeiro lugar, das questões suscitadas nos recursos interpostos do despacho saneador e, em segundo lugar, se assim se impuser, das questões suscitadas no recurso interposto da sentença proferida a final. * * III.A. Da excepção de ilegitimidade passiva: No despacho saneador ora em crise, foi a Ré B. julgada parte legítima. A mesma Ré, todavia, discorda deste julgamento, sustentando, no essencial, que, estando em causa os alegados prejuízos causados ao Autor por via do corte de um tubo de passagem de água, corte esse ocorrido durante a execução da obra de construção da A/11/IC 24 – lanço Esposende/Barcelos/Braga, sucede que não foi ela que levou a cabo qualquer obra ou construção, antes foi esta última obra/construção concessionada pelo Estado Português a entidade diversa da aqui Ré, sendo certo, ademais, que não existe uma qualquer relação de comissão entre a ora Ré e a dita concessionária, que é autónoma na gestão da sua actividade e a única responsável pela reparação de danos causados a terceiros, como será, hipoteticamente, o caso dos autos. Em seu entender, face à configuração que o Autor faz da própria relação material controvertida, resulta claro que a Ré não é sujeito da mesma, visto não ser reponsável directa pela obra em apreço, pela sua execução ou fiscalização, sendo certo que é esta a causa directa e necessária dos alegados prejuízos. Decidindo. Segundo o disposto no art. 26º/n.º 1 do CPC. (na versão vigente à data do despacho saneador ora em análise), o autor será parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu, por seu turno, será parte legítima quando tem interesse directo em contradizer. Digamos, portanto, que a legitimidade processual do autor ou do réu se afere pelo seu interesse directo em demandar ou em contradizer, à luz da utilidade derivada da procedência da acção e do prejuízo decorrente dessa procedência. É certo, porém, que estes conceitos de «interesse directo» ou «utilidade derivada da procedência/prejuízo decorrente dessa procedência», atenta a sua natureza de conceitos indeterminados, carecem de um critério que os torne, em termos práticos, verdadeiramente operativos. Este critério mostra-se hoje, após larga controvérsia sobre a matéria (vide, por todos, sobre a dita controvérsia, A. VARELA, “ Manual de Processo Civil ”, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 140/149), definido expressamente pelo art. 26º, n.º 3 do citado CPC. Com efeito, ali se consignava expressamente que “ Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor ”. (sublinhado nosso) [ preceito que se manteve no novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013 – art. 30º, n.º 3. ] Assim, aplicando o dito critério ter-se-á o seguinte princípio a aplicar em sede de apreciação da legitimidade processual: - tomando e aceitando como referência a relação material controvertida, tal como é ela desenhada pelo Autor, serão o Autor e o Réu partes legítimas se forem eles, respectivamente, os titulares activos ou passivos daquela relação material, admitindo que esta exista, ou seja independentemente do mérito da causa. Neste sentido, refere J. LEBRE de FREITAS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, Coimbra Editora, 1999, I volume, pág. 50-51, que o pressuposto processual da legitimidade «exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.» (sublinhado nosso) Destarte, dir-se-á, no que tange à legitimidade activa, que a parte só estará em posição (relativamente ao objecto do processo) de deduzir a respectiva pretensão formulada em juízo se for, na sua própria configuração (através da causa de pedir e do pedido), a titular activa da relação jurídica substantiva que suporta aquela sua pretensão, admitindo que ela exista. Do mesmo modo, no que tange à legitimidade passiva, dir-se-á que a parte só estará em posição de contradizer a pretensão formulada em juízo se for ela, na configuração da relação material controvertida desenhada pelo Autor (através da causa de pedir e do pedido), a titular passiva dessa relação jurídica, admitindo que ela exista e, portanto, sem indagar do seu mérito substantivo. Vide, neste sentido, ainda, MANUEL de ANDRADE, “ Noções Elementares de Processo Civil ”, Coimbra Editora, 1979, pág. 84. De outro modo, i.é, não sendo ela a titular activa ou passiva da relação jurídica invocada em juízo, não terá ela um interesse directo nessa pretensão, por falecer a conexão legalmente configurada e exigida entre o Autor ou o Réu e o objecto do processo. Perante os ensinamentos expostos, importa, assim, definir a pretensão deduzida em juízo, à luz da respectiva causa de pedir e do pedido, configurados pelo Autor, por forma a determinar se existe entre a Ré e objecto do processo a conexão exigida por lei, isto é, se a Ré é parte legítima. Como se evidencia dos autos, o Autor formula contra a Ré dois pedidos perfeitamente distintos. O primeiro reporta-se à indemnização por cessação de um contrato de arrendamento de que seria ele titular, cessação essa que decorreu de expropriação levada a cabo pela entidade a quem a ora Ré sucedeu ex lege (cfr. DL n.º 374/2007 de 7.11 e DL n.º 239/2004 de 21.12.) - vide pedido formulado em a)- da petição inicial e, ainda, por todos, o art. 12º da mesma petição inicial. O segundo reporta-se já à circunstância de a mesma entidade expropriante, e a quem a ora Ré sucedeu ex lege, «ter destruído a passagem de água referida na vistoria ad perpetuam rei memoriam, contrariamente ao recomendado pelos árbitros, na parte final do seu acórdão de arbitragem» ou, em outra versão, de a mesma entidade, no desenvolvimento da obra, não ter acautelado a passagem do referido tubo de condução de águas, gerando, por isso, prejuízos que o Autor invoca e peticiona da mesma – vide pedido formulado em b)- e, por todos, os arts. 36º a 53º da petição inicial. Em suma, como se alcança do antes exposto, as pretensões do Autor radicam, por um lado, na qualidade de expropriante da Ré (e por, no âmbito desse processo expropriativo, não lhe ter sido paga a «justa indemnização» pela cessação do contrato de arrendamento que incidia sobre as parcelas expropriadas 5 e 5s) e, por outro, na prática pela mesma Ré, também enquanto expropriante, de um facto ilícito (omissivo), qual seja o de não ter precavido ou acautelado a existência de um tubo de passagem de águas, àguas essas a que alegadamente o Autor teria direito. Ora, perante os aludidos pedidos e causa de pedir, e sem curar do seu mérito, não cremos existirem dúvidas que, à luz dos preceitos e princípios citados, é segura a legitimidade processual da Ré, sendo certo que, ao contrário do que a mesma sustenta na sua instância recursiva, é patente que, à luz da relação material controvertida desenhada pelo Autor (e antes exposta), a mesma é a titular, pelo lado passivo, dessa mesma relação. As demais questões suscitadas pela Ré, nomeadamente quanto à execução da obra de construção da auto-estrada, da sua concessão a uma terceira entidade, e da responsabilidade exclusiva desta por danos causados a terceiros com a dita construção [ que, diga-se, apenas relevam quanto ao mérito do pedido formulado em b)- da petição inicial ], não contendem com o pressuposto de legitimidade processual, antes extravasam, manifestamente, este âmbito processual/adjectivo, inserindo-se já em sede de apreciação do mérito substantivo da pretensão do Autor. O que vale por dizer que, nesta matéria, nenhuma censura merece a decisão elaborada em sede de despacho saneador por parte do tribunal recorrido e quanto à questão da ilegitimidade passiva, decisão que assim se mantém. Todavia, é de salientar que, de facto, sendo julgada improcedente a excepção (dilatória) de ilegitimidade passiva suscitada pela Ré (e inexistindo, portanto, com esse fundamento, qualquer decisão de absolvição da instância que ponha termo, total ou parcialmente, ao processo), carece de suporte a condenação da Ré em custas, nesta parte. Com efeito, nesta hipótese, a aludida matéria de excepção (dilatória) faz parte do conteúdo «normal» do direito de defesa da Ré, em sede de contestação, não originando a sua improcedência uma qualquer decaímento no pleito ou um qualquer incidente autónomo ou anómalo que justifique a condenação em apreço - cfr. art. 446º, n.º 1 do CPC. Destarte, em conclusão, nesta parte, deverá a apelação da Ré improceder, salvo quanto à condenação em custas pelo decaímento na excepção de ilegitimidade passiva, que se revoga. * * III.B. Da excepção de caso julgado: Como se evidencia dos termos dos recursos interpostos pela Ré e pelo Autor quanto à excepção de caso julgado decidida em sede de despacho saneador [ e que ali conduziu à absolvição da instância da Ré apenas quanto ao pedido formulado em a)- do petitório, ou seja a pretensão indemnizatória por cessação do contrato de arrendamento invocado pelo Autor ], ambos discordam de tal decisão. Segundo a Ré, a excepção de caso julgado foi por si suscitada em relação a todos os pedidos formulados pelo Autor, pois que a decisão arbitral (homologada por sentença judicial) que fixou o valor definitivo da «justa indemnização» devida pela expropriação conheceu de todos os prejuízos que a entidade expropriante, aqui R., estaria obrigada a indemnizar ao expropriado, aqui Autor, sendo certo que a dita sentença final não só conhece e decide da indemnização, mas ainda decide da inexistência de qualquer outra indemnização devida pelo mesmo facto, a saber a expropriação. Asim, do seu ponto de vista, encontra-se definitivamente estabelecido o montante indemnizatório que corresponde aos prejuízos causados pela expropriação, encontrando-se legalmente vedada a possibilidade de outra decisão judicial em sentido contrário. Por seu turno, segundo o Autor, no caso em apreço, não ocorrem os pressupostos da excepção de caso julgado, pois que não ocorre entre os presentes autos e as pretensões indemnizatórias nele formuladas e o processo de expropriação uma identidade de sujeitos, de causa de pedir e do pedido, sendo certo que a indemnização a favor do arrendatário se traduz num encargo autónomo (art. 30º, n.ºs 1 e 5 do Cód. Expropriações) e, ainda, que a presente acção comum será o meio próprio para definir outros prejuízos que não foram atendidos na indemnização arbitrada na expropriação. Cumpre decidir. Para a apreciação da questão que se coloca nos autos, importará distinguir a figura do caso julgado e da autoridade do caso julgado. Preceituava o art. 671º, n.º 1 do CPC que «Transitada em julgado a sentença ou o despacho ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele dentro dos limites fixados pelos artigos 497.º e 498.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 771.º a 777.º». Por sua vez, dispunha o art.º 673.º do mesmo diploma que «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: (…).» [Estes preceitos mostram-se hoje reproduzidos, sem alterações de conteúdo, nos arts. 619º, n.º 1 e 621º do novo CPC). Sobre as aludidas figuras, refere-se no AC RP de 24.11.2015, relator Des. ANABELA DIAS da SILVA ou no AC RP de 9.11.2015, relator Des. CARLOS QUERIDO, in www.dgsi.pt, que as normas legais citadas referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial – cfr. art. 628º do mesmo Código. «O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas – art.º 497.º, n.ºs 1 e 2 do CPC (vigente à data do despacho saneador e actualmente consagrado no art. 580º, n.ºs 1 e 2 do novo CPC.) A autoridade de caso julgado da sentença que transitou e a excepção dilatória do caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica. Como refere também J. LEBRE de FREITAS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, II volume, Coimbra Editora, 2001, pág. 325, “ pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito ”, enquanto que “ a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida ”. Na mesma linha de pensamento, refere MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “ O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material ”, BMJ 325º, pág. 49, que “ a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica ”, ao passo que “ quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior.” A nossa Jurisprudência vem entendendo que a autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art.º 581.º do CPC. - sujeitos, pedido e causa de pedir - pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida – Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 13.12.2007, relator Cons. NUNO CAMEIRA, AC STJ de 06.03.2008, relator Cons. OLIVEIRA ROCHA e AC STJ de 23.11.2011, relator Cons. PEREIRA da SILVA, in www.dgsi.pt . Neste sentido, refere-se, nos citados Acordãos do STJ de 13.12.2007 e de 23.11.2011, que «A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o artº 498º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode actuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão.» (sublinhado nosso) Por outro lado, é ainda entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário ou indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado – cfr., por todos, AC do STJ de 12.07.2011, relator Cons. MOREIRA CAMILO e AC RP de 23.10.2012, relator Des. RUI MOREIRA, in www.dgsi.pt . Desta forma, poder-se-á concluir «que a força e autoridade do caso julgado visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes por outro ou pelo mesmo tribunal e que possui também um valor enunciativo, que exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada e afasta todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada.» Tem-se em vista, como era ensino de MANUEL de ANDRADE, op. cit., pág. 306, que o fundamento do caso julgado reside no prestígio dos tribunais, considerando que “ tal prestígio seria comprometido no mais alto grau se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente ” e, numa razão de certeza ou segurança jurídica, pois que “ sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa. ” O caso julgado consubstancia uma excepção (dilatória) de conhecimento oficioso – cfr. arts. 494.º al. i)- e 495.º do CPC [arts. 577º, al. i)- e 578º, no Código actual] – que implica a absolvição da instância - cfr. arts. 288.º, al. e)- e 493º, n.º 2 do citado CPC [arts. 278º, n.º 1 al. e)- e 576º, n.º 2 do actual Código], inviabilizando qualquer pronúncia de mérito. Esta excepção, como resulta do exposto, tem a ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada por órgão judicial, mediante decisão transitada em julgado. Por seu turno, « a figura da autoridade do caso julgado tem a ver com a existência de relações, já não de identidade jurídica, mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria em acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto dessa primeira causa, sobre essa precisa “questio judicata”, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes, incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na acção posterior.» Vide o citado AC RP de 24.11.2015, cuja lição aqui se perfilha. (sublinhado nosso) Ora, feitas estas considerações, é nosso julgamento que, de facto, ao contrário do decidido no despacho saneador em reapreciação, nenhuma das ditas figuras ocorre no caso dos autos. De facto, in limine, sendo certo (pois que nenhuma parte o impugna) que o acórdão arbitral atinente à fixação da indemnização devida pela expropriação das parcelas 3., 5. e 5s. não contemplou a indemnização por cessação do contrato de arrendamento em apreço (que incidia sobre as parcelas 5. e 5s.) ou por ablação do direito às àguas do ali expropriado e ora Autor [ vide factos provados em E) e H) dos factos assentes, isto é factos que se mostram provados por acordo das partes ], é bom de ver que inexiste possibilidade de contradição entre a decisão proferida em sede expropriativa e a decisão a proferir nestes autos, pois que os aludidos direitos do Autor não foram ali objecto de qualquer decisão jurisdicional que conhecesse do seu fundamento ou sequer constituíram um seu pressuposto necessário ou lógico. Nesta sede, é de referir, em particular quanto ao contrato de arrendamento, que, à luz do preceituado no Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99 de 18.09, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 13/2002 de 19.02 e n.º 4-A/2003 de 19.02) - aplicável aos presentes autos por ser o vigente à data da Declaração de Utilidade Pública da expropriação em apreço (Outubro de 2003) -, a dita expropriação importa a caducidade de tal contrato, salvo se a sua subsistência se mostrar compatível com o acto expropriativo - cfr. art. 1051º, n.º 1 al. f)- do Cód. Civil. Sobre o relevo da data da DUP para efeitos de definição da lei expropriativa aplicável, vide, por todos, J. OSVALDO GOMES, “ Expropriações por Utilidade Pública ”, Texto Editora, pág. 328 (e demais jurisprudência referida sob a nota 621) Por outro lado, ainda, segundo o art. 30º, n.º 1 do citado CE, o arrendamento rural (pois que é a espécie em apreço nos autos) é considerado um encargo autónomo para efeitos indemnizatórios. A propósito desta matéria, referem P. LIMA, A. VARELA, “ Código Civil Anotado ”, II volume, 3ª edição, pág. 486, que «a ideia de considerar o arrendamento rural como encargo autónomo, para o efeito do arrendatário ser indemnizado à custa da entidade expropriante pelo prejuízo que lhe causa a caducidade do contrato, corresponde sem dúvida à orientação mais avisada. Não se lesa o proprietário, que recebe a indemnização correspondente ao valor da propriedade plena do imóvel; não se prejudica o arrendatário, que recebe a indemnização adequada ao prejuízo sofrido; apenas se sobrecarrega o expropriante com uma indemnização suplementar, o que é justo, uma vez que recebe o prédio imediatamente livre do vículo contratual que sobre recaia.» Vide, ainda, no mesmo sentido, J. OSVALDO GOMES, op. cit., págs. 75 e 221. Aliás, segundo conhecemos, a ressarcibilidade autónoma pelos prejuízos causados ao arrendatário pela caducidade do contrato de arrendamento é posição uniforme da jurisprudência, que tem vindo a salientar, de forma constante, que esse encargo autónomo não se confunde com a indemnização ao proprietário, possuindo critérios diversos para a sua própria determinação (cfr. art. 30º, n.º 5 do Cód. Expropriações – doravante apenas CE), não sendo de abater ou deduzir à indemnização arbitrada a favor do proprietário. Vide, por todos, neste sentido, AC STJ de 24.06.2010, relator Cons. ORLANDO AFONSO, AC RP de 10.04.2014, relator Des. JOSÉ MANUEL ARAÚJO BARROS, AC RP de 15.04.2008, relator Des. CRISTINA COELHO, todos in www.dgsi.pt e, ainda, AC RG de 31.01.2008, CJ, ano XXXIII, tomo 1, pág. 276. Destarte, consistindo a questão da caducidade do contrato de arrendamento rural uma questão diversa da propriedade das parcelas expropriadas para efeitos indemnizatórios e, ainda, um encargo autónomo relativamente ao encargo que decorre da ablação do direito de propriedade por via da expropriação, é seguro que o acórdão arbitral, que não conheceu desse outro encargo autónomo e/ou o não considerou como seu pressuposto lógico, não formou, a nosso ver e com o devido respeito por opinião em contrário, um efeito de caso julgado ou de autoridade de caso julgado relativamente à aludida matéria. Na verdade, se o processo expropriativo visa, em última análise, a fixação da«justa indemnização» (cfr. art. 1º do CE e art. 62º da Lei Fundamental), esta não pode, em termos substantivos, reconduzir-se a um conceito abstracto, desligado dos concretos «bens imóveis e direitos a eles inerentes» expropriados e cuja compensação indemnizatória é suscitada e decidida no processo expropriativo. Ora, quanto aos bens expropriados, e estando em causa o arrendamento (rural), como refere J. OSVALDO GOMES, op. cit., pág. 75, este constituirá, por norma, um objecto secundário ou indirecto do acto expropriativo, pressupondo a ablação do direito de propriedade sobre o prédio arrendado. Dito por outra forma, o acto expropriativo visa, por norma, em primeira linha, a ablação do direito de propriedade sobre o imóvel, mas existindo sobre o mesmo um direito de arrendamento, este tornar-se-á um objecto reflexo ou indirecto da expropriação, pois que, como se viu, a expropriação poderá revelar-se incompatível com a subsistência do arrendamento, conduzindo à sua cessação por caducidade (cfr. art. 1051º, al. f)- do Cód. Civil) e, por outro, em tal hipótese, essa cessação do arrendamento constituirá um encargo autónomo para a expropriante, no sentido de que «a respectiva indemnização não sai do valor do prédio, mas tem de acrescer a esse valor.» Ora, sendo assim, e sendo certo que, de facto, este outro objecto (reflexo ou secundário) da expropriação nele não foi considerado para efeitos indemnizatórios, é claro, a nosso ver, que a decisão arbitral em apreço não formou, como já se salientou, caso julgado sobre a aludida matéria ou autoridade de caso julgado. Nesta persectiva, impor-se-ia, portanto, a nosso ver, a procedência da apelação interposta pelo Autor, com a consequente anulação parcial do despacho saneador proferido, tendo em vista o prosseguimento dos autos para julgamento e decisão (apenas) sobre os alegados prejuízos decorrentes da cessação, por caducidade, do contrato de arrendamento em causa (incidente sobre as parcelas expropriadas 5 e 5s). E dizemos impor-se-ia pois que, não obstante o exposto, certo é que os autos fornecem, à luz do direito aplicável (e sendo certo que este tribunal não está vinculado às alegações das partes em matéria de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – cfr. art. 5º, n.º 3 do novo CPC., aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26.06), o acervo factual bastante para uma qualificação jurídica diversa da perfilhada pelo tribunal recorrido, qualificação essa que exclui a dita solução anulatória parcial que, prima facie, se nos imporia. Apreciando. Como se evidencia dos autos de expropriação que correu termos pelo Tribunal Judicial de … (processo n.º ….) – processo que foi requisitado pelo tribunal recorrido e do qual foi dado conhecimento às partes e sobre o qual as mesmas se pronunciaram (vide despacho a fls. 713-725 dos autos) –, o aqui Autor interveio no dito processo expropriativo, seja na sua fase administrativa, seja já na sua fase judicial, após a avocação do processo pelo tribunal junto da entidade expropriante e a pedido do aqui Autor. E o mesmo Autor, seja na fase em que o dito processo correu perante a entidade expropriante, seja na fase em que o mesmo corria já perante o Tribunal, invocou ali expressamente a sua qualidade de arrendatário rural das parcelas em causa (5 e 5s), como se vê dos documentos a fls. 8/9 dos aludidos autos (carta expedida pelo Il. Mandatário do aqui Autor dirigido à entidade expropriante), a fls. 103/104 (documento da própria expropriante onde é dada nota da existência de um contrato de arrendamento sobre as parcelas 5 e 5s), a fls. 205 (requerimento junto aos autos de expropriação pelo ali interessado e ora Autor, datado de 19.05.2005), a fls. 222/223 (requerimento datado de 17.10.2005 e efectuado pelo Il. Mandatário do interessado e ora Autor, onde expressamente é referido pelo mesmo que foi ele [ até 15.03.2005 – vide escritura pública de compra e venda junta pelo Autor a fls. 208-210 dos autos de expropriação ] arrendatário do prédio de onde foram desanexadas as parcelas expropriadas 5 e 5s. Mas, ainda, nesse último requerimento, o ali proprietário/interessado veio requerer expressamente que «seja ordenado aos Senhores Árbitros a elaboração de laudo que tendo em conta o disposto no n.º 5 daquele preceito (refere-se ao artigo 30º do CE.), determine o valor da indemnização decorrente da existência do referido contrato de arrendamento à data da posse administrativa da parcela em causa.» Em suma, como se alcança com linear clareza do exposto, o ora Autor interveio no processo expropriativo em apreço invocando a sua qualidade de interessado/ arrendatário no aludido processo e suscitou ali – na sequência da notificação prevista no art. 51º, n.º 5 do CE. (notificação da decisão arbitral para efeitos de interposição de recurso da mesma – cfr. art. 52º) – a questão da irregularidade do Acórdão Arbitral por não ter ele, na sua perspectiva, contemplado a indemnização que lhe era devida pela caducidade do contrato de arrendamento rural, ou seja, suscitando, precisamente, a pretensão indemnizatória que agora, autonomamente, pretende exercer por via da presente acção, concretamente por via do pedido formulado em a)- do petitório inicial. Sucede que, na sequência deste requerimento formulado nos autos pelo ora Autor, foi proferido a 2.11.2005, despacho judicial em que se consignou o seguinte (ipsis verbis): «Salvo o devido respeito, nesta fase, o acordão arbitral só pode ser sindicado mediante recurso próprio, não cabendo ao tribunal ordenar que o mesmo seja “ completado ” conforme ora requerido. Pelo exposto, indefiro o requerido por manifesta ausência de fundamento legal.» Ora, como se pode ainda constatar do processo expropriativo, o ali interessado (alegado proprietário e arrendatário) e ora Autor não só não impugnou por via de recurso este despacho de 2.11.2005, como, também, não interpôs recurso do próprio acórdão arbitral, sendo certo que se encontrava em prazo para o fazer. Vale por dizer que, neste circunstancialismo, somos de concluir que, não obstante conhecer o interessado (ora Autor) o teor do aludido despacho de 2.11.2005 (cujo mérito ou correcção não nos cumpre apreciar, pois que o mesmo se encontra há muito transitado), não obstante conhecer - pois que resulta expresso do teor do mesmo - que, pretendendo ver corrigida a irregularidade invocada e decidida da indemnização por cessação do contrato de arrendamento rural, teria ele que interpor o pertinente recurso da decisão arbitral (questão definitivamente assente por via do aludido despacho judicial de 2.11.2005, que não foi objecto de recurso), tendo optado por o não fazer (isto é, por não interpor recurso de qualquer das ditas decisões – a decisão arbitral e o despacho judicial de 2.11.2005), essas ditas decisões se consolidaram, de forma definitiva, e o exercício do seu direito indemnizatório por caducidade do arrendamento não pode, sob pena de o dito despacho judicial de 2.11.2005 ser tão-só «letra morta», ter lugar por via de acção indemnizatória autónoma. Com efeito, o processo expropriativo (em que, recorde-se, o autor interveio e em que teve a possibilidade de arguir e invocar as suas eventuais irregularidades ou vícios, mormente a não consideração do encargo autónomo ora em apreço) é, por princípio, digamos assim, um processo universal. De facto, seja por força da ampla publicidade de que se reveste (expressa na publicitação e divulgação do requerimento e declaração de utilidade pública, bem como da autorização para a posse administrativa – cfr. arts. 14º, 15º, 18º do CE), seja por força da possibilidade conferida a todos os interessados de nele intervirem em razão do princípio da legitimidade aparente (cfr. art. 9º, n.º 3, 36º, n.º 4 e 40º do CE) e, ainda, dos mecanismos procedimentais e judiciais que são colocados à disposição dos interessados para a arguição de qualquer irregularidade ou vício substantivo (cfr. arts. 51º, 52º e 54º do CE), por princípio, todos os interessados ali devem intervir e todas as questões relevantes ali devem ser dirimidas e decididas, «de modo a que, num período curto, ditado por relevantes razões de interesse público, a expropriação acordada se possa definitivamente estabilizar e consumar.» Vide, neste sentido, AC STJ de 12.12.2013, relator Cons. LOPES do REGO, in www.dgsi.pt . É certo que, em casos excepcionais, como é o caso de inexistir processo de expropriação (vide os casos dirimidos no AC STJ de 26.11.2015, relator Cons. SALAZAR CASANOVA e no AC STJ de 30.09.1999, relator Cons. SOUSA INÊS, ambos in www.dgsi.pt) ou, em que, por hipótese, o eventual interessado foi preterido, com culpa grave, por parte da expropriante e o processo expropriativo se encontra findo (vide o caso citado no já aludido AC STJ de 12.12.2013), é de aceitar a possibilidade do exercício desse direito indemnizatório por via autónoma, ou seja através do actual processo comum declarativo. Porém, com o devido respeito, assim já não poderá ser, por preclusão adjectiva do direito do expropriado/interessado, quando, como é o caso, o mesmo interessado conhecia a pendência do processo expropriativo, nele interveio (invocando a qualidade de arrendatário) e, ainda, tendo suscitado irregularidade ou vício decorrente de não ter sido considerada a sua pretensão indemnizatória por cessação do arrendamento, vê a mesma ser desatendida por despacho judicial, com o qual se conforma, e, ainda, opta por não interpor recurso da própria decisão arbitral, não obstante conhecer, confessadamente, que a mesma não contemplava a reclamada indemnização por cessação do contrato de arrendamento de que se arrogava titular. Sobre o princípio adjectivo da preclusão, vide, por todos, MANUEL de ANDRADE, op. cit., pág. 382/384 e, no âmbito específico do processo de expropriação, J. OSVALDO GOMES, op. cit., pág. 370. O que, em conclusão, conduz, em nosso julgamento, embora por fundamentos jurídicos diversos dos invocados, à absolvição da Ré da instância quanto ao pedido formulado pelo Autor e constante da alínea a)- do petitório final da sua petição e atinente à cessação do contrato de arrendamento por caducidade decorrente do processo expropriativo, o que se julga. Porém, a preclusão, neste segmento decisório, limita-se ao dito pedido formulado em a)-, não colhendo, manifestamente, quanto ao pedido formulado em b)-, qual seja o direito indemnizatório decorrente da eliminação do direito de propriedade do Autor sobre as águas que eram conduzidas pelo tubo assinalado na vistoria ad perpetuam rei memoriam e existente sob o solo da parcela 5. Com efeito, nesta parte, a pretensão do Autor não radica, a nosso ver, no acto expropriativo em si mesmo. Na verdade, a expropriação no caso em apreço, não previu a ablação do dito «direito» a águas e uma qualquer compensação indemnizatória a esse título , precisamente porque partiu do pressuposto que este «direito» se manteria por via da conservação do tubo de passagem das mesmas águas, como assinalado na citada vistoria ad perpetuam rei memoriam (vide factos provados em I) e J) dos factos assentes). Dito de outra forma, esta outra pretensão indemnizatória não decorre de qualquer irregularidade ou vício do processo expropriativo em causa ou de um erróneo arbitramento indemnizatório ali decidido, mas já de facto ilícito posterior, ou a montante da expropriação, alegadamente levado a cabo pela expropriante, qual seja o de não ter a mesma «acautelado» ou «garantido» a conservação do tubo de passagem de águas, tubo este que veio a ser destruído no desenvolvimento das obras que tiveram lugar na parcela onde o mesmo se encontrava implantado (parcela 5), sendo certo que a existência do mesmo foi assinalada no relatório da vistoria atinente às parcelas 5 e 5s (vide fls. 136, 137 e 141-145 dos autos de expropriação apensos) e foi consignado no acórdão arbitral atinente às mesmas parcelas 5 e 5s que um tal tubo deveria ser mantido (vide acórdão arbitral a fls. 121-126 dos mesmos autos, em especial fls. 126). Ora, sendo assim, cremos ser de afirmar que, nesta matéria, a pretensão indemnizatória do ora Autor extravasa o âmbito do processo expropriativo, o conteúdo da decisão arbitral e as pretensões indemnizatórias que ali constituíam o objecto da causa, o que, naturalmente, face ao já antes exposto a propósito do caso julgado e da autoridade do caso julgado, afasta, de todo, a aplicação estas figuras, sendo certo, ainda, que, nestes termos, não se coloca um qualquer problema de preclusão quanto a esta outra pretensão indemnizatória em apreço, a qual só poderia, a nosso ver, ser exercida por via de acção autónoma em relação ao próprio processo expropriativo. * * III.C. Da excepção de prescrição: Improcedendo, assim, a pretensão indemnizatória formulada pelo Autor em a)- do seu petitório, o conhecimento da prescrição, neste segmento, revela-se prejudicada. Com efeito, como decorre do preceituado no art. 608º, n.º 2 do actual CPC [ou do art. 660º do anterior Código], deve o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, «excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada outras.» (sublinhado nosso) A dita norma visa, por razões de economia processual, evitar que o tribunal tenha de conhecer de todas as questões suscitadas, ainda que as mesmas se apresentem, em concreto, destituídas de interesse útil para as partes que a invocaram ou que dela aproveitam. De facto, como é bom de ver, nesta última hipótese, a decisão corresponderia a um exercício puramente intelectual ou teórico, desligado do concreto litígio que aos tribunais incumbe dirimir. Ora, neste conspecto, é de referir que, como foi já decidido no despacho saneador em crise, e ao contrário do que sustenta a recorrente e ora Ré, a prescrição por si invocada (e que, como é consabido, não é de conhecimento oficioso – cfr. art. 303º do Cód. Civil) foi direccionada apenas e só ao pedido indemnizatório formulado pelo autor por via da cessação do contrato de arrendamento em consequência da expropriação das parcelas 5 e 5s. Com efeito, independentemente da interpretação ou defesa que o autor entenda por bem apresentar em matéria prescricional, o acervo factual relevante para a aferição da dita excepção de prescrição tem de ser alegado (e provado) pelo réu ou excepcionante, como emerge claramente da regra contida no art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil. Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, P. LIMA, “ Código Civil Anotado ”, I volume, 4ª edição, pág. 306 e, ainda, AC RP de 2.10.2010, relator Des. JOSÉ FERRAZ, in www.dgsi.pt. É que, como se salienta neste último aresto, estando em causa uma excepção que carece de ser invocada pela parte a quem aproveita, e vigorando no processo civil o princípio do dispositivo, caberá ao excepcionante alegar os factos que integram a dita excepção, não podendo o tribunal servir-se (sem prejuízo da sua liberdade em sede de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito) senão dos factos articulados pelas partes, estando-lhe vedado carrear para os autos quaisquer outros factos essenciais à decisão, segundo o princípio “ judicata secundum alllegata partium ”. De facto, se o autor tem o ónus de alegação da causa de pedir, do fundamento do pedido, do mesmo passo tem o réu o ónus ou encargo da invocação da excepção, não se bastando o cumprimento desse ónus com a alegação da norma legal ou do facto abstracto de que a mesma emerge, antes lhe incumbindo a invocação (e prova) do acervo factual necessário à eventual procedência da dita excepção. No caso da prescrição, terá o réu de alegar os factos em que mesma se funda, cabendo-lhe a prova desses factos, não olvidando que o facto/causa da prescrição é sempre o decurso de determinado lapso de tempo previsto na lei sem que o direito seja exercido, contado desde o dia em que o direito pode ser exercido – cfr. arts. 298º, n.º 1 e 306º, n.º 1, ambos do Cód. Civil. O decurso do prazo de prescrição é determinado em função do momento em que começa a correr e o concluir-se pela prescrição (ou não) há-de ser por referência a esse momento e àquele em que se pretende exercer o direito. Ora, feito este excurso, vê-se, de forma clara da contestação da Ré e dos seus artigos 1º a 17º (e segundo a interpretação que dela faria um declaratário normal – cfr. art. 236º, n.º 1 do Cód. Civil) que a excepção em apreço apenas se pode considerar direccionada ao pedido indemnizatório atinente à indemnização por cessação do contrato de arrendamento (vide os arts. 8º e 13º da contestação), sendo certo que, como já antes se aludiu, a Ré não pode esgrimir ou invocar, em seu benefício, alegações abstractas, generalistas ou não específicas, antes lhe incumbe (até em razão dos deveres de boa fé e lealdade processual que se lhe impõem) tomar posição expressa sobre os factos e invocar os mesmos de forma clara e especificada. Assim, e não obstante o ora sustentado pela Ré, que não colhe qualquer apoio factual na sua contestação, estando em causa apenas a pretensão indemnizatória do autor atinente à cessação do contrato de arrendamento e sendo esta pretensão de improceder, pelas razões já expostas, o julgamento da questão da prescrição é, de facto, e como já decidido, de ter como prejudicada em face do disposto no art. 608º, n.º 2 do CPC.. Todavia, para que dúvidas não fiquem, sempre é de referir que a dita excepção não colhe sequer em relação a qualquer um dos pedidos. Relativamente à pretensão indemnizatória decorrente da cessação do contrato de arrendamento por via da expropriação em causa, o prazo prescricional não é, a nosso ver, o prazo previsto no art. 498º, n.º 1 do Cód. Civil. Esta hipótese coloca-se em sede de responsabilidade extracontratual do Estado por via de facto lícito, qual seja a expropriação. Nesta matéria, o art. 5º do DL n.º 48051, de 21.11.1967 estabelecia a aplicação das regras de prescrição fixadas na lei civil. Este preceito foi implicitamente revogado pelo DL n.º 267/85, de 16.07, Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA), que previa no seu art. 71º, n.º 2, que: «o direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos (…) por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o direito de regresso, prescreve nos termos do art. 498º do Código Civil.» Hoje tal direito encontra-se previsto no art. 5º do DL n.º 67/2007 de 31.12, que aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas. Dispõe tal preceito que: «O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos respectivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição». Reportando-se o art. 5º a toda e qualquer responsabilidade civil extracontratual do Estado, não há dúvida que também inclui na sua previsão a responsabilidade emergente de actos lícitos. Importa ora apreciar se o direito indemnizatório que advêm dum acto expropriativo se contém nos limites da responsabilidade civil por acto lícito e, nessa medida, fica sujeito ao prazo prescricional do artº 498º do Cód. Civil. Afigura-se-nos que não. Tal direito tem garantia constitucional, pois que, dispõe o artigo 62º nº 2 da Constituição da República Portuguesa que «a requisição e expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento da justa indemnização». «Quando expropria ou autoriza a imposição de uma expropriação, o legislador faz uma escolha: decide sacrificar ao bem comum certo ou certos patrimónios privados, infligindo-lhes sacrifícios graves e especiais que ultrapassam, em dimensão e em intensidade, os encargos gerais que são impostos a todos pelas exigências normais da vida colectiva. (…) Uma escolha como esta só se transforma em escolha lícita, conforme à Constituição, quando é tomada em simultâneo com a decisão de indemnizar. Quem decide prejudicar decide pagar: a lei expropriatória deve por isso conter uma cláusula indemnizatória conjunta, destinada a compensar o prejuízo imposto.» Cfr. MARIA LÚCIA AMARAL PINTO CORREIA, “ Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador ”, Coimbra Editora, pág. 627. Refere, ainda, a mesma Autora, que: «o alcance deste imperativo constitucional não se esgota num simples “ indemnize-se ”. A decisão que se lhe exige, e que é requisito da licitude da expropriação, não é a de conferir ao particular uma qualquer indemnização mas antes a de garantir o pagamento da compensação que se afigure justa, ou seja, que se revele capaz de anular o peso anormal do sacrifício que o bem comum impôs ao património privado». Deve por isso a lei expropriatória definir com rigor os critérios do que seja ou não a justa compensação. Podemos, pois, concluir que o direito indemnizatório que advém de um acto expropriativo não se contém nos limites da responsabilidade civil por acto lícito, tem antes reconhecimento constitucional, tendo em vista o equilíbrio entre garantias patrimoniais privadas e o interesse público. Daí que a pretensão indemnizatória por expropriação, reconhecida constitucionalmente, seja moldada por um regime especial. O prazo do art. 498º, n.º 1, do Cód. Civil tem apenas em vista os casos em que o direito indemnizatório não está formalmente reconhecido, o que não é o caso. Na expropriação o direito indemnizatório está formalmente reconhecido, incluindo por norma constitucional, não tendo o lesado, para efeitos indemnizatórios, que provar o prejuízo pressuposto da indemnização. Assim, e do mesmo modo que, depois da sentença judicial reconhecer o direito à indemnização, a obrigação de indemnizar prescreverá no prazo ordinário de 20 anos (arts. 309º e 311º, n.º 1, do Cód. Civil), é de aceitar que o direito à indemnização por factos ilícitos ou lícitos, depois desta ser reconhecida por lei, ou por acto administrativo, prescreverá no prazo geral de 20 anos. Daí que, para as expropriações, cujo direito à indemnização decorre directamente da Constituição da República Portuguesa (art. 62º), prevendo-se ex lege o direito à indemnização, seja defensável um regime de prescrição fora do âmbito do art. 498º, 1 do Cód. Civil, pela aplicação do art. 311º, n.º 1 do mesmo Código. Em suma, porque a obrigação nasce ex lege, com garantia constitucional, os seus pressupostos verificam-se em todos os casos possíveis, não sendo necessário que o lesado prove o prejuízo concreto, estando o direito formalmente reconhecido, e não existindo qualquer razão fundamental para considerar um prazo curto de prescrição, é de considerar aplicável ao caso, o prazo prescricional previsto no artº 309º do Cód. Civil, ou seja, o prazo de vinte anos. Vide, neste sentido, cuja posição aqui se perfilha, AC RP de 25.03.2010, relator Des. ANABELA LUNA de CARVALHO e AC STA de 11.03.2009, relator Cons. SÃO PEDRO, ambos in www.dgsi.pt. Vale assim por dizer que, na hipótese de a pretensão indemnizatória do autor, enquanto arrendatário rural, não ser de afastar (como é, pelas razões já expostas), a mesma não estaria, manifestamente, prescrita, sendo certo que a expropriação em apreço data de 2003 e a presente acção data de 2009, ou seja em data muito anterior ao preenchimento do prazo ordinário (20 anos) de prescrição. Dito isto quanto à pretensão indemnizatória atinente à cessação do arrendamento rural, a improcedência da prescrição quanto à pretensão indemnizatória decorrente da privação do direito à àgua por via da destruição do tubo de condução das mesmas, é, a nosso ver, ainda mais evidente. Com efeito, nesta outra hipótese, estando em causa a alegada prática de um acto ilícito (não conservação ou manutenção do citado tubo) por parte da Ré, o prazo prescricional previsto no art. 498º, n.º 1 do Cód. Civil não pode ter o seu início (termo a quo) na data da expropriação ou da posse administrativa das parcelas em apreço. Esse prazo, ao invés, só poderia ter tido o seu início na data em que o autor tivesse tido conhecimento da «destruição» do tubo em apreço, pois que, naturalmente, só a partir dessa data estaria o mesmo Autor em condições de exercer o seu direito, qual seja exercer a pretensão indemnizatória que lhe competiria em razão de tal facto (destruição do tubo), ainda que desconhecendo a pessoa do responsável pelo mesmo e a extensão integral dos danos subsequentes. Ora, sendo assim, nesta matéria, compulsados os arts. 1º a 17º da contestação da ora Ré, em nenhum momento a mesma invoca a data em que terá o autor tido conhecimento da destruição ou inutilização do aludido tubo, facto este essencial, como se viu, para o início de contagem do prazo prescricional em apreço e para o preenchimento da dita excepção. De facto, como cremos ser evidente, não efectuando a Ré a sobredita alegação (e, logicamente, a sua posterior prova), sempre inexistirá o termo a quo para efeitos de contagem e preenchimento do prazo prescrional em causa. O que, em conclusão, e atento o preceituado no art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil, sempre teria que conduzir à improcedência da excepção de prescrição, na parte atinente à pretensão indemnizatória formulada em b)-, e no pressusposto [ que, em nosso julgamento, não se verifica, como deixámos explicitado ] de que a dita excepção de prescrição foi suscitada pela Ré também relativamente a esta última pretensão indemnizatória. * * Em síntese final, a apelação atinente ao despacho saneador julga-se parcialmente procedente, mantendo-se a absolvição da instância da Ré, embora por diversa fundamentação jurídica, quanto ao pedido formulado pelo Autor por cessação do contrato de arrendamento que incidia sobre o prédio rústico de onde foram desanexadas as parcelas 5 e 5s, absolvendo-se, ainda, a mesma Ré quanto às custas pelo decaimento na ilegitimidade passiva por si suscitada, e mantendo-o em todo o mais. * * Dirimida a primeira apelação, cumpre agora conhecer da apelação atinente à sentença proferida pelo tribunal recorrido. III.D. Da impugnação da matéria de facto: Nesta matéria, insurge-se o recorrente Autor contra a não prova da factualidade constante das alíneas A), B), C), D), E e F) do elenco dos factos não provados. Decidindo. Quanto à citada alínea A), na perspectiva do Autor, a mesma deveria, em termos de prova, ter merecido resposta positiva e com a seguinte redacção: “ provado apenas que a destruição do tubo referido na alínea J) não originou que o Autor se visse privado da água nele conduzida para sua utilização na rega do prédio rústico denominado de …, sito no Lugar de …, freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …. Ora, com o devido respeito por opinião oposta, a resposta de sentido negativo pretendida pelo Autor (ou seja de que não ficou ele privado de água para rega do seu prédio rústico …), para além de não assumir, a nosso ver, qualquer relevo para a procedência da pretensão do Autor (antes pelo contrário…), não colhe qualquer apoio no conteúdo do artigo 1º da Base Instrutória e de onde foi retirada a factualidade não provada. De facto, o que ali se perguntava era se a destruição do tubo (que ocorreu e consta da factualidade provada em L) dos factos provados na sentença recorrida), tinha dado origem «a que o A. se visse privado da água nele conduzida e, consequentemente, da sua utilização, nomeadamente na rega do seu prédio (?)», isto é o prédio de onde foram desanexadas as parcelas 5 e 5s objecto de expropriação, ou seja o dito prédio rústico …, sito em …, …, concelho de …. Ora, sendo este o sentido e o alcance da factualidade incluída no artigo 1º da BI, e admitindo o próprio Autor que, de facto, do corte/destruição do tubo não decorreu qualquer eliminação de águas para utilização/rega do aludido prédio rústico, é bem evidente que a resposta à matéria factual em apreço não poderia ser outra da que foi proferida. Assim, resultou provado que o dito tubo foi destruído no decurso das obras (como consta da alínea L dos factos provados na sentença recorrida e extraído da 1ª parte do artigo 1º da BI) e não provada toda a demais factualidade referida no mesmo artigo 1º da BI, como consta, em consonância lógica, da alínea A) dos factos não provados na mesma sentença recorrida, ou seja que o Autor não ficou privado da água para o aludido prédio rústico. Assim, em conclusão, impõe-se a improcedência desta questão, sendo de manter como não provada a matéria factual feita constar da alínea A) dos factos não provados constante da sentença recorrida. No que se refere às demais alíneas B), C), D), E) e F) do elenco dos factos não provados, no entender do mesmo Autor e ora recorrente, a matéria factual ali contida deveria ter sido considerada provada à luz da prova pericial efectuada nos autos – cujos resultados foram aceites pela Ré –, sendo certo, ademais, que a mesma não padece de qualquer erro ou vício nos seus pressupostos. Vejamos. A propósito da fundamentação da matéria em apreço, e afigurando-se-nos relevante para o cabal esclarecimento das questões suscitadas, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte: «A testemunha J., que foi perito averiguador, referiu expressamente que o tubo referido na vistora a.p.r.m. relativo à parcela nº 5 foi cortado, não sabendo dizer se o mesmo foi reposto, e, por seu turno, a testemunha L., que trabalha para a empresa que construiu a A11, referiu que nunca ninguém lhe disse que era necessário manter a passagem da água, tudo levando, pois, a crer que o tubo foi destruído e não reposto, não tendo sido, portanto, acautelado o referido a esse respeito no Acórdão de Arbitragem. Mas, por outro lado, da generalidade da prova produzida resulta incontroverso que, apesar da destruição do tubo de passagem da água a que se refere a vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela nº 5, a parcela sobrante do prédio de onde foram desanexadas as parcelas nºs 5 e 5 s podia continuar a receber a água em causa da respectiva nascente (exterior ao dito prédio) sem qualquer problema, uma vez que esta se situava do lado oposto ao da parcela expropriada onde se encontrava o tubo destruído, pelo que, independentemente do mais que infra se dirá, nunca se poderia dizer que o Autor sofreu uma perda de água, isto é, que ficou privado da dita água. É certo que da análise da Planta Parcelar junta a fls. 138 do processo nº resulta claro que, efectivamente, a parte sobrante da parcela n.º 3 fica, em relação à parte sobrante do prédio de onde foram destacadas as parcelas n.ºs 5 e 5 s, do outro lado da auto-estrada, o que face à destruição do tubo de passagem de água anteriormente existente, implica a impossibilidade de condução, da água que nasce desse outro lado da auto-estrada e ali é retida num tanque, até ao prédio de onde foi destacada a parcela nº 3, prédio esse onde se situa a casa do Autor de que falaram as testemunhas M. e N., e, consequentemente, a impossibilidade da utilização da dita água nos termos em que, segundo as referidas testemunhas, a mesma era feita até à construção da auto-estrada. Mas, recorde-se, face à interpretação da petição inicial, o prédio ali referido não é este, mas sim o prédio de onde foram desanexadas as parcelas nºs 5 e 5 s, nesse mesmo sentido tendo de ser interpretadas as questões de facto inseridas na “ Base Instrutória ”. (sublinhado nosso) E, ainda, mais se consignou na mesma motivação da sentença recorrida que: «Por seguro se pode ter, sim, face ao que consta da própria vistoria, que há mais de 20 anos, os referidos X. e Y. (os anteriores proprietários do prédio de onde foram desanexadas as parcelas nºs 5 e 5S) – e ainda que por intermédio do Autor, na qualidade de arrendatário do dito prédio –, por si e antepossuidores, utilizavam, quatro dias por semana, a água referida, usando-a para os mais variados fins, nomeadamente para rega do prédio rústico denominado ….,(…). De tudo o que se veio de expor resulta a ausência de prova da ligação das despesas invocadas pelo Autor com a destruição do tubo em questão. É certo que da perícia efectuada nos autos (fls. 483 a 485) e dos esclarecimentos ulteriormente prestados (fls. 489 a 490 e 499) resulta, aparentemente, provada a verificação dos alegados prejuízos. Mas a perícia não pode ser isoladamente vista, impondo-se perceber os seus pressupostos e se os mesmos são compatíveis com a restante prova produzida. Ora, da prova testemunhal produzida e da análise da prova documental junta aos autos resulta claramente que a dita perícia não procedeu à avaliação de prejuízos causados pela destruição do tubo e relacionados com a rega do prédio de onde foram desanexadas as parcelas nºs 5 e 5 s (únicos que, face à interpretação acima fixada, estão em causa nos presentes autos), mas sim dos prejuízos eventualmente resultantes da destruição do dito tubo relacionados com a rega do prédio de onde foi desanexada a parcela nº 3. Assim sendo, a perícia partiu de um pressuposto erróneo e de nada valem as suas conclusões.» (sublinhados nossos) Feita a exposição anterior, é de referir, à partida, que este tribunal partilha da convicção ou motivação antes exposta, em razão do que não vislumbra razões para proceder a qualquer alteração no âmbito da aludida factualidade não provada. Explicitando. O Autor alega que o corte ou destruição do tubo implantado no subsolo da parcela expropriada 5 pôs em causa o «seu direito a águas», sendo certo o dito tubo efectuava o transporte ou condução das ditas águas a favor do prédio onde se situa a sua casa de habitação, ou seja o prédio de onde foi expropriada a parcela 3 – vide conclusões 11º e 12º do recurso do Autor e Recorrente. Sucede que o único «direito a águas» que resulta evidenciado dos autos e da factualidade provada não é em favor do prédio do Autor e de onde foi desanexada a parcela 3, mas antes a favor do prédio rústico denominado … [pertença do Autor por o ter adquirido a X. e Y. – vide facto provado em F) dos factos provados provados], ou seja a favor do prédio de onde foram desanexadas e expropriadas as parcelas 5 e 5 s. Com efeito, como resulta claramente da alínea M) dos factos provados, aquele X. e Y., há mais de 20 anos, por si e antepossuidores, utilizavam, quatro dias por semana, a água referida (que passava pelo aludido tubo), usando-a para os mais variados fins, nomeadamente para rega do prédio rústico denominado …., situado no lugar de …, freguesia de …., concelho de …, descrito na CRP de … sob o n.º …, e inscrito na matriz predial rústica sob o art. .., o que sempre fizeram à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, e com intenção de exercerem um direito próprio de propriedade sobre a água em causa, nas condições do seu exercício (quatro dias por semana). Em suma, como se evidencia da dita factualidade, o Autor tinha (e tem) direito às águas nos termos em que o tinham os seus antepossuidores X. e Y. (pois que adquiriu por compra e venda o aludido prédio rústico aos mesmos), mas não tem mais do isso e, em particular, não tem, pois que tal não se evidencia minimamente da factualidade provada, direito a águas (conduzidas pelo tubo em causa) a favor do prédio de onde foi desanexada a parcela 3, ou seja a favor do prédio onde se situa a sua casa de habitação. Na verdade, embora o Autor alegue um tal direito a águas (a favor do prédio de onde foi desanexada a parcela 3), do mesmo não resulta qualquer prova nos autos, não sendo, para tal, bastante o mero teor da vistoria ad perpetuam rei memoriam por si invocada. Esta vistoria, no âmbito do processo expropriativo, não confere ou retira direitos, antes visa apenas fixar os elementos de facto susceptíveis de desparecerem com a execução da obra e cujo conhecimento seja de interesse ao julgamento do mesmo processo – cfr. art. 21º, n.º 4 do CE. Destarte, sendo certo que o Autor não coloca em causa que o prédio a favor do qual existiria o seu aludido e único direito a águas (ou seja, o prédio rústico de onde foram desanexadas as parcelas expropriadas sob os n.ºs 5 e 5s) não foi afectado/atingido pelo corte ou destruição do tubo em apreço nos autos (pois que continua ele a obter directamente as mesmas águas para utilização, nomeadamente, para rega – vide conclusões 11º, 20º, 21º e 22º do recurso do Autor), seguro e evidente se torna que não ocorreu qualquer ablação do direito de propriedade do Autor sobre as ditas águas (em favor do prédio rústico Lavadouros), e, bem assim, que nenhum prejuízo sofreu o Autor que justifique a «substituição» do tubo de plástico por um outro sistema de captação e condução de águas. Por outro lado, do raciocínio antes exposto, resulta, ainda, como referido na motivação da sentença recorrida, que a perícia efectuada (sem prejuízo da exactidão técnica das suas conclusões e dos valores ali consignados, que não estão em causa), partiu, para a sua elaboração e respectivas conclusões, de um pressuposto ou circunstância incorrecta, qual seja a de considerar que o Autor «tinha direito a águas» em favor do seu prédio de onde foi desanexada a parcela expropriada 3, quando, de facto, à luz da factualidade provada, assim não sucede, antes radicando o aludido direito a águas apenas e só a favor do prédio rústico denominado de … e de onde foram desanexadas as parcelas expropriadas 5 e 5 s. O que vale por dizer que, na realidade, a dita perícia, sem prejuízo da sua exactidão técnica, que, repete-se, não está em causa, não é demonstrativa dos prejuízos invocados pelo Autor (com a substituição do tubo em plástico por um sistema de furo e transporte hidráulico de água), sendo certo que, como o próprio Autor admite, o prédio rústico tinha (antes da expropriação levada a cabo) e continua a ter (após a expropriação e não obstante o corte ou destruição do tubo de plástico assinalado na vistoria ad perpetuam rei memoriam) acesso directo às águas a que o Autor tem direito, nomeadamente para efeito de rega (quatro dias por semana). O que, portanto, em conclusão, justifica, de forma linear e lógica, a convicção/motivação do tribunal recorrido, não existindo, por isso, em nosso julgamento, razões para alterar o decidido, em particular quanto à matéria julgada como não provada nas alíneas B, C, D, E e F, que se mantém. * * III.E. Da Responsabilidade Civil da Ré: Dirimida a questão de facto, cumpre dirimir da questão atinente à alegada responsabilidade civil extracontratual da Ré (por facto ilícito). Nesta matéria, pouco há, de facto, a acrescentar ao decidido pelo tribunal recorrido. De todo o modo, conforme bem é consabido, e resulta do preceituado no art. 483º do Cód. Civil, constituem pressupostos da responsabilidade aquiliana por factos ilícitos: a prática de um facto voluntário pelo agente (acção ou omissão); a ilicitude desse facto; a culpa (enquanto nexo de imputação subjectiva do facto ao agente); o dano; e o nexo de causalidade (adequada) entre o facto e o dano. Vide, ainda, nesta matéria, por todos, A. VARELA, “ Das Obrigações em Geral ”, I vol., Almedina, 6ª edição, pág. 495-496, ALMEIDA COSTA, “ Direito das Obrigações “, Almedina, 11ª edição, pág. 557 e LUIS MENEZES LEITÃO, “ Direito das Obrigações “, I vol., Almedina, 7ª edição, pág. 289. Quanto ao dano ou prejuízo do lesado, constitui ele condição sine qua non para se poder falar de responsabilidade civil. Neste sentido, como referia de forma impressiva I. GALVÃO TELLES, “ Direito das Obrigações ”, Coimbra Editora, 6ª edição, pág. 369, «para que o devedor se constitua em responsabilidade não basta que deixe de cumprir culposamente a obrigação. É necessário, ainda, que o credor tenha sofrido prejuízos: que ao acto ilícito e à culpa acresça este outro elemento. Não obstante o comportamento reprovável ou censurável do devedor, nada o credor pode pretender se desse comportamento não lhe advieram danos. A responsabilidade civil, incluindo a obrigacional, traduz-se na obrigação de indemnizar, ou seja, de reparar prejuízos, e, portanto, sem estes, não existe.» (sublinhado nosso) Ora, no caso dos autos, e compulsada a factualidade provada, nenhuma evidência existe de um qualquer prejuízo concreto ou real tenha decorrido para o Autor e fruto da conduta da ora Ré, nomeadamente quanto ao direito a águas invocado pelo Autor e ora Recorrente Na verdade, como já antes se deixou explícito em sede de apreciação da decisão da matéria de facto não provada, não logrou o Autor (e ao mesmo incumbia esse ónus, enquanto elemento constitutivo da sua pretensão – cfr. art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil) fazer prova de que do corte/inutilização do tubo em plástico assinalado na vistoria ad perpetuam rei memoriam tenha decorrido um qualquer prejuízo ou ablação do seu direito às águas, nomeadamente para rega (quatro vezes por semana) a favor do prédio rústico denominado …, prédio este que, antes e após a expropriação em causa e após o corte do aludido tubo na sequência das inerentes obras públicas em causa (construção de auto-estrada), sempre manteve o pleno acesso e fruição/gozo da água em causa, em proveito do Autor, seu proprietário. Razões que, como já salientado pela sentença recorrida, conduzem à improcedência da pretensão indemnizatória em apreço, com a consequente confirmação da sentença recorrida, o que se julga. * * IV. Decisão: Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar : 1. parcialmente procedente a apelação interposta do despacho saneador proferido e, 1.1. por diversa fundamentação jurídica, absolver da instância a Ré quanto ao pedido indemnizatório decorrente da cessação, por caducidade, do ajuizado contrato de arrendamento, de que o ora Autor se arroga titular e incidente sobre o prédio rústico denominado de ….; 1.2. absolver a mesma Ré da condenação em custas pela improcedência da excepção de ilegitimidade passiva suscitada pela mesma (vide fls. 369 dos autos). 1.3. mantendo-o em tudo o mais. 2. improcedente o recurso de apelação da sentença proferida, confirmando integralmente a mesma. * Custas da 1ª apelação pelo Autor e pela Ré, na proporção de 75% e 25% das custas devidas, respectivamente. Custas da 2ª apelação pelo Autor, que nela decaíu integralmente. * * Guimarães, 7.04.2016 * Sumário: 1. Em sede de aferição do pressuposto da legitimidade processual é de acolher o seguinte critério geral: - tomando e aceitando como referência a relação material controvertida, tal como é ela desenhada pelo Autor, serão o Autor e o Réu partes legítimas se forem eles, respectivamente, os titulares activos ou passivos daquela relação material controvertida, admitindo a existência desta última, e, portanto, sem indagar do seu mérito. 2. A indemnização devida ao arrendatário por caducidade de contrato de arrendamento decorrente de acto expropriativo não se confunde com a indemnização devida ao proprietário, antes constitui um encargo autónomo a suportar pela entidade expropriante. 3. Esse montante indemnizatório devido ao arrendatário não é, assim, de abater ao montante indemnizatório devido ao proprietário, antes lhe acresce. 4. O processo de expropriação é, pela sua ampla publicidade, pelo direito de intervenção reconhecido a qualquer aparente interessado e pelos meios procedimentais e judiciais colocados ao dispor dos interessados para a invocação de qualquer vício ou irregularidade ocorridos na sua fase administrativa ou judicial, um processo universal, no sentido de que todas as questões relevantes ali devem ser suscitadas e decididas. 5. Só em casos excepcionais é de admitir a decisão de questões que têm a sua sede própria no processo expropriativo (v.g. indemnização ao arrendatário rual por caducidade do contrato) através de acção declarativa autónoma. 6. A prescrição, constituindo excepção peremptória que depende da sua invocação pelo respectivo beneficiário, só pode ser dirimida e decidida no âmbito do concreto e preciso acervo factual alegado (e provado) pelo excepcionante, não cabendo ao tribunal fazer, nesse âmbito, qual indagação factual que ultrapasse o assim alegado, segundo o princípio do dispositivo - “ judicata secundum allegata partium ”. 7. O direito de indemnização por acto (lícito) de expropriação levado a cabo pelo Estado, por ter natureza “ ex lege ” e expressa consagração constitucional (art. 62º da CRP) não está sujeito ao prazo de prescrição previsto no art. 498º do Código Civil, mas antes ao prazo ordinário de prescrição (20 anos), em conformidade com o disposto nos arts. 309º e 311º, n.º 1 do mesmo Código. 8. Incumbe ao lesado, no âmbito da responsabilidade civil, a prova da existência de danos ou prejuízos ressarcíveis, sendo que, sem essa prova, inviável se mostra a afirmação de qualquer tipo de responsabilidade. *Dr. Jorge Miguel Pinto de Seabra Dr. José Fernando Cardoso Amaral Dra. Helena Maria Gomes Melo |