Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
100/96.0TBAVV.G1
Relator: PAULO FERNANDES SILVA
Descritores: LEI MAIS FAVORÁVEL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
PENA SUSPENSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – No confronto de regimes jurídicos, de forma a apurar-se o mais favorável ao arguido, deve atender-se aos institutos jurídicos no seu todo, devendo encarar-se o princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido em função do caso concreto.
II – Tendo o arguido sido condenado numa pena de prisão suspensa, com a condição de pagar determinadas quantias anualmente, durante quatro anos, e sendo este lapso de tempo superior ao daquela pena, não se tem por automática a aplicação do disposto no artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, impondo-se, antes, apurar in casu qual o regime sancionatório mais favorável ao arguido.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: --

RELATÓRIO. ---

Nestes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, do Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, por acórdão transitado em julgado em 15.01.2007 Cf. volume IX, fls. 1620. ---, o arguido Manuel F... foi condenado, além do mais, como autor material de um crime de homicídio tentado, previsto e punido pelos artigos 131.º, 22.º, 23.º, n.º 1, 71.º e 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão suspensa por quatro anos, sob condição do arguido pagar a Manuel P... em 4 (quatro) prestações anuais a indemnização a que foi condenado, cifrando-se esta, sem juros, no montante de € 99.940,00 (noventa e nove mil, novecentos e quarenta euros), sendo que as três primeiras prestações correspondem à quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e a última ao montante restante de € 24.940,00 (vinte e quatro, novecentos e quarenta euros) Cf. volume IX, fls. 1587 a 1595 verso, acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2006. ---. ---
Por requerimento de 27.05.2009, o arguido requereu ao Tribunal recorrido a aplicação do regime decorrente da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, entendendo que do mesmo decorre para o caso em apreço que «a suspensão não pode ser superior à pena aplicada» e que «deve igualmente ser decretada a desoneração da condição imposta de poder beneficiar da suspensão efectuando o pagamento ao ofendido» Cf. volume IX, fls. 1662 a 1667. ---. ---
O Tribunal recorrido determinou a reabertura da audiência e entretanto, por acórdão datado de 25.02.2010, depositado no dia subsequente àquele, considerou «que o regime concreto mais favorável ao arguido Manuel F... é aquele que decorre da lei que vigorava ao tempo da condenação, ou seja, antes da alteração introduzida pela Lei 59/2007 de 04 de Setembro, designadamente no que toca ao período de suspensão da pena que lhe foi aplicado» Cf. volume IX, fls. 1697 a 1701. ---. ---
Do recurso para a Relação. ---
Inconformado com tal decisão, o arguido dela interpôs recurso em 12.03.2010 para este Tribunal, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição): ---
«1.ª Por acórdão transitado em julgado foi o requerente entre outros condenado como autor material de um crime de homicídio, na forma tentada, tal como previsto e punível nos termos dos artigos 131°, 22°, 23°, n.° 1, 71° e 73°, n.° 1 a) e b) do Cód. Penal, na pena de dois anos e dez meses de prisão.
2.ª Nos termos do art 50° do Codigo Penal foi declarada suspensa a execução da pena aplicada, por um período de quatro anos, na condição de proceder ao pagamento da indemnização ao ofendido, no valor global de 24.000.000$00, a efectuar em prestações anuais de 6.000.000$00, acrescida de juros devidos.
3.ª À data dos factos vigorava o art. 50° do C.P., na redacção anterior à L 59/2007 de 4 Set. (LN).
4.ª Tal artigo permitia a suspensão da execução da pena de prisão até 3 anos por um período de 1 a 5 anos, independentemente do montante da pena de prisão concretamente fixado.
5.ª O Recorrente, através de requerimento apresentado no Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, requereu que lhe fosse aplicado o regime mais favorável previsto na Lei 59/2007, de 4 de Setembro.
6.ª Exige a LN que (art. 50°, n.° 5) a suspensão tenha duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, com a ressalva do período mínimo, que nunca poderá ser inferior a um ano.
7.ª O douto Acórdão recorrido considerou que a solução pretendida pelo Recorrente não se adequava aos termos do art. 51°, n.° 2 do Código Penal, isto porque, por um lado, era um exagero excessivo exigir ao Arguido o cumprimento da condição num prazo mais curto de dois anos e dez meses, e não se podia pura e simplesmente eliminar a condição a que o Recorrente foi sujeito na referida suspensão.
8.ª A Nova Lei 59/2007, de 4 de Setembro, é clara e inequívoca, de que a suspensão não pode ter período superior à pena de prisão aplicada.
9.ª Ao abrigo do n.° 4 do art. 29° da Constituição da República Portuguesa, ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao Arguido.
10.ª A finalidade do direito penal é a protecção da liberdade e segurança das pessoas, e não ressarci-las dos eventuais danos com indemnizações. Essa é a função do direito civil, sendo que através do princípio da adesão se pode formular em processo penal o pedido de indemnização, não sendo todavia essa a finalidade que o direito penal pretende assegurar.
11.ª A solução mais favorável ao Arguido é a redução do período de suspensão de execução da pena ao limite máximo da pena aplicada como preconiza a LN no art. 50°, n.° 5.
12.ª Não sendo o ressarcimento de danos a função primordial do direito penal, esse ressarcimento a que a suspensão estava condicionada não pode ser usado para impedir a aplicação da lei penalmente mais favorável.
13.ª O que há de penalizador na suspensão da pena de prisão é a possibilidade de ser revogada, nomeadamente pela prática de outros crimes.
14.ª O Tribunal, ao suspender a pena aplicada ao Arguido, atendeu à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluindo por um prognóstico favorável de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
15.ª Não se compreende que agora o Tribunal entenda que as finalidades da punição só estão asseguradas com o pagamento da indemnização, recusando assim aplicar a LN de conteúdo mais favorável ao Arguido.
16.ª Ao aplicar ao Recorrente a lei que vigorava ao tempo da condenação, ou seja, introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, e não a Nova Lei estatuída pelo mesmo diploma, violou o Acórdão recorrido o disposto nos arts. 2°, n.° 4, 50°, n.° 5, e 51°, n.° 2, entendendo-se que, de tal forma, este é o regime mais favorável para o Recorrente, existindo uma violação às normas referidas, sendo as mesmas, com tal interpretação, inconstitucionais, nos termos do art. 29°, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa.
17.ª Pelo que, deve ser o Acórdão revogado e substituído por um outro que aplique ao Recorrente a Nova Lei, no sentido de que o período de suspensão aplicado ao Recorrente seja igual à pena de prisão aplicada, e, consequentemente, desonerando-se o mesmo da condição imposta.
Assim se fazendo JUSTIÇA!» Cf. volume X, fls. 1701 a 1718. ---. ---
Notificado do recurso, o Ministério Público a ele respondeu, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição): ---
« 1.ª Para decisão do caso dos autos, no que aqui releva (período de suspensão), concorrem, agora, dois regimes legais — que apenas diferem quanto ao período de tempo da suspensão (pelo que subsistirá tudo o mais, nomeadamente a condição, no caso sine qua non, do pagamento, pelo arguido, de uma indemnização ao ofendido);
2.ª Confrontando as duas alternativas decorrentes da aplicação, em bloco, de cada regime, mostra-se, nitidamente, mais favorável ao arguido, segundo as regras da experiência e porque nada em contrário resulta, aquela que lhe permita mais tempo para o referido pagamento/satisfação da condição suspensiva (sem prejuízo, é claro, do que, futuramente, poderá resultar, em termos de culpa, sobre o cumprimento ou não da obrigação, pelo arguido, em período mais curto ou mais longo, tudo a aferir, a seu tempo, pelo Juiz do processo, no aberto incidente de incumprimento);
3.ª Não foram, pois, violadas quaisquer normas, mormente as citadas pelo arguido.
Termos em que, se promove a improcedência deste recurso e, em consequência, se mantenha a douta decisão recorrida» Cf. volume X, 1721 a 1725. ---. ---
Neste Tribunal, na intervenção aludida no artigo 417.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público foi de parecer que o recurso deve improceder, devendo manter-se a decisão recorrida Cf. volume X, fls. 1735 a 1738. ---. ---
Devidamente notificados daquele parecer, o recorrente e o recorrido/assistente nada disseram. ---
Proferido despacho liminar, colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre ora apreciar e decidir. ---
II.
OBJECTO DO RECURSO.
Atentas as indicadas conclusões apresentadas, sendo que é a tais conclusões que este Tribunal deve atender no presente recurso, definindo aquelas o objecto deste, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, cumpre no presente acórdão apreciar e decidir tão-só da aplicabilidade in casu do regime decorrente da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, nomeadamente da requerida alteração do prazo de suspensão da pena de prisão e da desoneração da obrigação a que ficou condicionada tal suspensão. ---
III.
FUNDAMENTAÇÃO. ---
1. Do regime legal. ---
No que ora releva, em matéria de suspensão da execução da pena de prisão, o artigo 1.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, introduziu duas alterações: ---
· Por um lado, o pressuposto formal da suspensão da pena de prisão passou de 3 (três) para 5 (cinco) anos, o que significa que o Tribunal pode suspender penas de prisão até 5 (cinco) anos; ---
· Por outro lado, consagrou-se o princípio de que «o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença (…)», sendo que no regime anterior tal limitação inexistia, podendo o período de suspensão ser «fixado entre 1 e 5 anos». ---
O referido artigo 1.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, introduziu também alterações ao n.º 4 do artigo do 2.º do Código Penal: ---
· Onde antes constava que: «quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado»; ---
· Passou a estipular-se que «quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior».
Ou seja, mercê daquela alteração, a lei penal mais favorável passou a aplicar-se mesmo relativamente a condenações transitadas em julgado. ---
No confronto de regimes jurídicos de forma a apurar-se o mais favorável ao arguido deve atender-se aos regimes em presença no que respeita a cada um dos institutos jurídicos no seu todo, pois de outra forma o que se faria era aplicar as normas mais favoráveis de uma pluralidade de regimes jurídicos a um mesmo instituto jurídico, criando um outro regime jurídico que o legislador não previu, nem quis. –-
Tal como deve encarar-se o princípio da aplicação da lei mais favorável em função do caso concreto. ---
«O juízo complexivo de maior ou menor favor não deve resultar apenas, em princípio, da contemplação isolada de um elemento do tipo legal ou da sanção, mas da totalidade do regime a que o caso se submete. Como seguro é que o sopeso da gravidade dos dois regimes não pode fazer-se só na consideração abstracta da lei, mas tem de ser feito depois de conexionada aquela consideração com as circunstâncias concretas do caso», sendo que «a opção por um dos regimes em bloco» «não pode obstar a que, considerando-se, v. g., aplicável a lei antiga à apreciação do tipo legal ou (e) da pena, todavia acabe por aplicar-se a lei nova na parte em que considera, diversamente da lei anterior, que o crime está já prescrito. Porque, em definitivo, aquela conduz à responsabilização, esta à irresponsabilização penal do agente» Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, edição de 2004, página 191. ---. ---
2. Da situação em apreço. ---
Dito isto, do que cumpre ora apreciar e decidir é do sistema punitivo adequado à situação concreta em presença, por mais favorável ao arguido/condenado, atentos o regime vigente à data dos factos e o decorrente da indicada Lei n.º 59/2007. ---
Vejamos. ---
Do ponto de vista criminal, o arguido foi condenado numa pena de prisão suspensa e com a condição de pagar determinadas quantias anualmente, durante quatro anos. ---
Refere-se na decisão condenatória que a suspensão incondicionada – num caso como este, de homicídio tentado com graves e permanentes sequelas na saúde da vítima – não realizaria, «de forma adequada e suficiente», «as finalidades de punição», designadamente as de protecção de bem jurídico lesado, sendo que se a conduta criminosa em causa pode ser vista como um acidente de percurso de vida do arguido/condenado, é «de toda a conveniência reforçar tal juízo presuntivo com redobrada garantia, pelo que se deve aliar esse reforço à conveniência de também garantir o efectivo pagamento da indemnização ao ofendido. Em suma, assegurar o efeito de prevenção especial da pena, coincidente com uma maior certeza de que o ofendido será ressarcido». ---
“Em suma, o tribunal colectivo entendera – muito razoavelmente – que a suspensão da pena de prisão só realizaria as finalidades preventivas da punição se subordinada ao cumprimento de deveres que garantissem, em prazo razoável, o pagamento da indemnização devida à vítima e, desse modo, a «reparação do mal do crime» (art. 51.1.a) do CP)” Cf. volume IX, fls. 1604 verso. ---. ---
Nestes termos, como, aliás, decorre do próprio regime legal, a pena de prisão suspensa condicionada ao pagamento de uma indemnização constitui uma sanção criminal em sentido próprio e não como que uma simples vertente civilística da conduta criminal, como parece pretender o recorrente. ---
Mais, sob pena de postergação manifesta do caso julgado, tal sanção criminal aplicada em concreto ao arguido constitui um todo indivisível, não podendo, por isso, sacrificar-se tout court algum dos seus aspectos. ---
Nomeadamente, não pode sem mais eliminar-se a condição de suspensão ou reduzir-se o período de suspensão, pois ao assim proceder-se desvirtuar-se-ia a decisão condenatória transitada em julgado. ---
O novo regime jurídico decorrente da Lei n.º 59/2007 não alterou o que antes constava em sede de suspensão condicionada da pena de prisão, pelo que em tal matéria a decisão condenatória em causa não é beliscada. ---
Alteração relevante refere-se ao prazo de suspensão, na medida em que este, face ao novo regime, não pode ultrapassar a pena aplicada, no caso 2 (dois) anos e 10 (dez) meses. ---
Contudo, a aplicação de tal regime não se configura automática em situação como a presente em que se está perante uma pena de prisão suspensa condicionada, sob pena de se desvirtuar a decisão condenatória transitada em julgada nos termos indicados – vista ela como um todo do ponto da sanção penal aplicada. ---
Do que se cuida neste caso saber é qual a pena concreta que o Tribunal aplicaria face ao regime sancionatório decorrente da Lei n.º 59/2007. ---
Por certo, a manter-se a pena suspensa, manter-se-ia a condição fixada, pois é certo que aquela realiza «de forma adequada e suficiente», «as finalidades de punição», designadamente as de protecção de bem jurídico lesado e é «de toda a conveniência reforçar» o juízo presuntivo inerente à suspensão «com redobrada garantia». ---
Nesses termos, uma sequer diminuição proporcional da condição em função do tempo da pena de prisão fixada configurar-se-ia desajustada à situação, não satisfazendo os fins da pena. ---
Por outro lado, atento o declarado pelo arguido/condenado e o que dos autos resulta, o prazo de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses seria manifestamente insuficiente para o cumprimento de tal condição, representando uma obrigação cujo cumprimento não seria «razoavelmente» impor ao arguido/condenado Cf. artigo 51.º, n.º 3, do Código Penal, segundo o qual «os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir». ---. ---
Daí que, tal como flui implicitamente da decisão recorrida, aplicando o novo regime decorrente da Lei n.º 59/2007 haveria sempre que aplicar ao recorrente uma pena de prisão suspensa de maior duração àquela que lhe foi aplicada nos autos, o que sempre seria suportado segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem nomeadamente dos artigos 40.º Com a epígrafe de "finalidades das penas (...)", aquele preceito legal dispõe que "1. A aplicação de penas (...) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". --- e 71.º O qual preceitua que “1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta de ser censurada através da aplicação da pena”. --- do Código Penal: importa que a pena reforce a consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança, bem como salvaguarde os chamados interesses de prevenção especial de integração do agente, sem postergar a culpa deste, pois a medida da sanção não deve em caso algum ultrapassar a medida da culpa. ---
Trata-se de uma sanção criminal manifestamente mais desfavorável ao arguido/condenado que aquela que decorre da decisão condenatória proferida nos autos em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.
Em consequência, não resultando da aplicação concreta daquela Lei uma sanção penal mais favorável ao arguido, cumpre não a aplicar no caso sub judice. ---
A pretensão do recorrente deduzida nos autos posterga, por um lado, o caso julgado e, por outro lado, as regras legais relativas à aplicação no tempo do direito penal, criando um regime jurídico que o legislador não quis, nem previu. ---
Com efeito, ao pretender eliminar a condição de suspensão e reduzir substancialmente o prazo desta, o recorrente faz tábua rasa de todo a fundamentação que o Tribunal explicitou quando condicionou a pena suspensa e fixou o prazo desta, violando a força de caso julgado que a decisão proferida tem na matéria. ---
Por outro lado, apelando a aspectos parcelares do nosso regime legal, o recorrente esquece-se que relativamente à aplicação da lei penal no tempo importa atender a institutos jurídicos, como o do regime sancionatório penal, e encará-los no seu todo, aplicando depois o regime mais favorável ao arguido/condenado, sob pena de considerar como normativo o que de todo não o é. ---
Vistos assim os autos, carece de qualquer fundamento a alegada violação do n.º 4 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa. ---
Segundo aquela disposição, «ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido». ---
Na presente situação releva a parte final daquela disposição constitucional: aplicação retroactiva de lei penal favorável. ---
Ora, do exposto decorre que a aplicação in casu da Lei n.º 59/2007 não é mais favorável ao arguido/condenado. ---
Pelo contrário, na medida em que configuraria um agravamento da pena, a aplicação daquela lei é que seria inconstitucional nos termos do apontado preceito legal. ---
Improcede, pois, a pretensão do recorrente, devendo, pois, julgar-se improcedente o respectivo recurso e manter-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos. ---
IV.
DECISÃO. ---
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida. ---
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC. ---
Notifique. ---
Guimarães, 14 de Dezembro de 2010