Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HELENA MELO | ||
Descritores: | PROVA TESTEMUNHAL SÓCIO GERENTE INABILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/06/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. A sócia gerente de uma sociedade, ainda que não disponha de poderes para obrigar sozinha a sociedade, não pode ser inquirida como testemunha. 2. A circunstância de não obrigar sozinha a sociedade é relevante, não para o efeito da admitir a depor como testemunha, mas para saber se pode ou não confessar, desacompanhada do ou dos demais que, conjuntamente com ela, obrigam a sociedade. 3. A sua audição como testemunha é um acto proibido por lei, e, tendo o Tribunal se fundado no seu depoimento para fixar os factos provados, a irregularidade cometida gera nulidade porque influencia na decisão da causa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório A…, Lda, veio requerer procedimento cautelar de arresto contra D…, residente no Fundo do Povo, Poiares, Peso da Régua, invocando que: - Por força da sentença transitada em julgado nos autos de Oposição à Execução n.º362/11.4TBPRG-A que correu termos no 1° Juízo deste Tribunal o requerido reconheceu ser devedor à requerente da quantia de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), comprometendo-se a pagar tal quantia em prestações. - O Requerido, em 4/10/2012 procedeu ao pagamento da quantia de € 2.000,00 para pagamento da lª prestação, em 25/01/2013 entregou à Requerente a quantia de € €4.000,00, quando estava obrigado a entregar a quantia de € 6.000,00, e em 22/10/2013 entregou a quantia de € 8.000,00, entregando à Requerente apenas a quantia de € 14.000,00, encontrando-se assim em incumprimento. - Aquando do último pagamento, o Requerido comprometeu-se perante a Requerente que o remanescente seria pago em prestações mensais de € 437,50 conforme consta na sentença, sendo que desde 22/10/2013 não entregou qualquer quantia à Requerente, - A Requerente abordou várias vezes o requerido no sentido deste proceder ao pagamento da quantia em divida, sem sucesso, encontrando-se neste momento em dívida € 8.500,00, quantia a que acrescem juros à taxa legal, calculados desde 22-10-2013, o que perfaz à presente data a quantia de € 157,19. - O Requerente teve conhecimento que outros credores têm procurado o requerido para obter a cobrança dos seus créditos e que o requerido leva, desde algum tempo, uma vida comercial irregular e agitada, sendo que o requerido encontra-se a desfazer do seu património, pretendendo vender os prédios que estiveram penhorados na acção executiva n. ° 362/11.4TBPRG que foi extinta por força do acordo celebrado. - Pelo que existe fundado receio de perder a garantia patrimonial do Requerido, em virtude de actos de dissipação e ocultação do seu crédito, uma vez que o Requerente desconhece do Requerido quaisquer outro património para além dos prédios que foram objecto de penhora nos autos acima mencionados. Conclui, o requerente, pedindo o arresto dos referidos bens, como das quantias em dinheiro, obrigações ou fundos, depositadas em nome do requerido. Procedeu-se à inquirição de testemunhas e foi proferida sentença decretando o arresto sobre os bens indicados na petição inicial. O requerido foi notificado e veio interpor o presente recurso, oferecendo as seguintes conclusões: (...) II – Objecto do recurso Considerando que: . o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e, . os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a decidir são as seguintes: . se pode ser admitida a depor como testemunha a sócia-gerente da requerente com poderes para obrigar a sociedade, ainda que conjuntamente com outro sócio; . em caso negativo, se a sua audição como testemunha determina a nulidade da inquirição. . caso assim não se entenda, . se a petição inicial é inepta; e, . se a matéria de facto deve ser alterada. III – Fundamentação Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos: 1 - Por força da sentença transitada em julgado nos autos de Oposição à Execução n." 362/11.4TBPRG-A que correu termos no 1° Juízo deste Tribunal o Requerido reconheceu ser devedor à Requerente da quantia de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), comprometendo-se a pagar tal quantia em prestações, melhor discriminadas na cláusula 2ª da acta de audiência de discussão e julgamento. 1ª questão : nulidade de produção de prova relativamente à inquirição de E…, sócia-gerente da requerente, na qualidade de testemunha Nos autos procedeu-se à inquirição de duas testemunhas: E… que aos costumes referiu ser sócia gerente da requerente, com poderes de representação com a assinatura de outro sócio e E…, que disse ter a profissão de empregado de balcão e ser funcionário da requerente. A Mma. Juíza na motivação da decisão de facto disse ter-se baseado “no teor dos documentos juntos aos autos a fls 16 e 19, bem como no depoimento das testemunhas inquiridas, as quais, pese embora sejam sócia e funcionário da requerente, demonstraram conhecimento directo dos factos e depuseram de forma simples e credível”. O princípio geral deve ser o de que todas as pessoas devem ser admitidas a depor a fim de, com o seu depoimento, auxiliarem a descoberta da verdade[1]. Parte, para todos os efeitos processuais, nomeadamente no atinente a inabilidade para depor como testemunha, é quem requer e contra quem é requerida a providência judiciária objecto da acção. Se o depoente tem a posição de parte, é nessa qualidade que deve prestar o seu depoimento; se não tem essa posição, então pode depor como testemunha. A circunstância de uma pessoa ter interesse directo na causa é elemento a que o juiz atenderá naturalmente para avaliar a sua força probatória do depoimento, mas não é fundamento de inabilidade[2]. No tocante ao momento relevante para aferir da inabilidade ou não para se depor como testemunha, a jurisprudência é unânime no sentido de que o impedimento previsto no art. 496ºdo CPC se reporta ao momento da inquirição de quem vai depor[3]. No caso vertente, no momento em que começou a depor, E…, identificou-se como sócia gerente da sociedade requerente e sua legal representante. Ora, a sócia gerente de uma sociedade, com poderes para obrigar a sociedade, não pode depor como testemunha, porque é parte[4] e isso independentemente de obrigar ou não sozinha a sociedade. Se obriga ou não sozinha a sociedade apenas é relevante, não para o efeito da admitir a depor como testemunha, mas para saber se pode ou não confessar, desacompanhada do outro gerente. Como se consagra no nº 2 do artº 453º do CPC, o depoimento só tem valor de confissão nos precisos termos em que os depoentes se possam obrigar e possam obrigar a parte sua representada. Não é por não obrigar sozinha a sociedade que deixa de revestir a qualidade processual de parte. No actual CPC é admitida a comparência pessoal da parte não só para a prestação de depoimento, como também para prestar informações ou esclarecimentos sobre factos que interessam à decisão da causa (artº 452º do CPC). Assim, ao ter-se admitido a sócia-gerente da requerente a depor como testemunha, praticou-se um acto não permitido por lei. As nulidades processuais são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo prescrito na lei e a que esta faça corresponder uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais[5] que pode assumir um de três tipos: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido[6]. Das nulidades processuais, umas são principais, típicas ou nominadas, sendo-lhes aplicável a disciplina fixada nos artºs 186º,187º, 194º e 196º CPC; outras são secundárias, atípicas ou inominadas e têm a sua regulamentação genérica no artº 195º CPC, estando a sua arguição sujeita ao regime previsto no artº 199º CPC. Assim, ao ter-se admitido a depor E… como testemunha, praticou-se um acto que a lei não admite, gerador de nulidade, na medida em que a Mma. Juíza a quo também se fundamentou neste depoimento para fixar os factos provados, pelo que influiu na decisão da causa. A nulidade do acto importa também a anulação dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente, como é o caso da sentença. Consequentemente há que declarar a nulidade do acto e dos actos subsequentes, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas. Sumário: . A sócia gerente de uma sociedade ainda que não disponha de poderes para obrigar sozinha a sociedade, não pode ser inquirida como testemunha. . A circunstância de não obrigar sozinha a sociedade é relevante, não para o efeito da admitir a depor como testemunha, mas para saber se pode ou não confessar, desacompanhada do ou dos demais que, conjuntamente com ela, obrigam a sociedade. . A sua audição como testemunha é um acto proibido por lei e tendo o Tribunal se fundado no seu depoimento para fixar os factos provados, a irregularidade cometida gera nulidade porque influencia na decisão da causa. IV – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação e, consequentemente, declaram a nulidade do acto consistente na audição como testemunha da legal representante da requerente, e consequentemente do julgamento e da sentença. Custas pela apelada. Guimarães, 6 de Novembro de 2014 Helena Melo Heitor Gonçalves Amílcar Andrade _____________________ [1] Como refere Alberto dos Reis, CPC Anotado, IV Vol., pág. 348. [2] Cfr. Ac. do STJ de 11.05.2006, proferido no proc. 06B987, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados, sem indicação de outras fontes. [3] cfr. Acórdãos do TRP de 20/04/2006, Procº 0630190, de 28/09/2006, Procº 0634627, de 12/07/2007, Procº 0733620, de 25/10/2010, Procº.4041/07 e de 10/02/2003, Proc. nº 0252781. [4] Neste sentido, Acs. da RL de 13/04/82, CJ, Tomo II, pág. 180, do STJ de 5/05/92, BMJ 417, pág. 626, Acs do Tribunal do TRP de 10/02/2003, Proc. 0252781, de 20.04.2006 , Proc. nº.0630190, Ac. do TRL de 16.03.2006, Proc. nº 11794/2005-6 e Ac. do TRG de 21.05.2009, proferido no Proc. nº 1402/08. [5] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 175. [6]Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 387. |