Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | LINA CASTRO BAPTISTA | ||
Descritores: | CONTRATO DE DEPÓSITO BANCÁRIO CONTA SOLIDÁRIA PENHORA DE DEPÓSITO BANCÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/08/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2º SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – Os contratos de depósito bancário, como categoria geral, apesar de atípicos, regem-se essencialmente pelas disposições que, na lei civil, regulam os contratos de depósito em geral e as normas que disciplinam o contrato de mútuo, conjugados com as cláusulas contratuais gerais a que os respetivos contratos crescentemente recorrem e, por fim, com os usos bancários. II – Nas contas solidárias, é absolutamente distinto o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários (podendo cada um mobilizar a totalidade do saldo) e o direito real que recai sobre o quantitativo numerário depositado (que pode pertencer a todos ou só pertencer a um deles). Na falta de determinação da propriedade sobre o quantitativo monetário depositado, as partes dos vários credores no crédito presumem-se iguais, por aplicação do disposto no art.º 516º do C.Civil. III - A notificação para penhora de depósitos bancários tem por efeito o imediato “congelamento” dos saldos existentes e penhoráveis, sendo precisamente neste mecanismo que reside o seu especial grau de eficácia. | ||
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Decisão Texto Integral: | I - RELATÓRIO M, residente na Rua Pedro Homem de Melo, n.º …, 5.º Direito, freguesia de Aldoar, Porto, e MM, residente na Quinta da Bouça, Rua Dr. Lindoso, freguesia de Briteiros (S. Salvador), Guimarães, entretanto falecida e habilitada pelos seus herdeiros D, T, P e J, intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “B”, pessoa coletiva com sede na Av. António Augusto de Aguiar, n.º …, Lisboa, e A, residente na Quinta das Casas Amarelas, n.º …, Covas, Guimarães, pedindo que os Réu sejam solidariamente condenados ao pagamento da quantia de € 101 274,64, acrescida de juros vencidos, no montante de € 6 847,83, e vincendos até efetivo e integral pagamento. Subsidiariamente, pedem que os Réus sejam solidariamente condenados no pagamento da quantia de € 67 516,43, acrescida de juros vencidos, no montante de € 4 565,22, e vincendos até efetivo e integral pagamento, quantia esta correspondente a dois terços do montante total depositado na conta bancária em que as Autoras e o Réu A são contitulares. Alegam, em síntese, que elas e o Réu, irmão de ambas, têm aberta em nome dos três a conta bancária n.º …, no Balcão de Guimarães do Banco Réu, sito na Avenida de Londres, Bloco 1-B, na qual tinham depósito à ordem e depósitos a prazo. Afirmam que o Réu Agostinho tinha responsabilidades pessoais junto do Banco Réu. Dizem que, por esse motivo, em data posterior a fevereiro de 2005 e a pedido deste, se deslocaram a agência bancária indicada, onde assinaram um documento no qual autorizaram que, caso a quota-parte do montante depositado na referida conta que pertencia ao Réu A (um terço do total) fosse insuficiente para a liquidação das responsabilidades que este havia assumido, o Banco Réu poderia obter o pagamento à custa da quota-parte que lhes pertencia (dois terços do total). Também que, nesse mesmo documento, ficou previsto que o saldo remanescente após a integral liquidação das responsabilidades do Réu Agostinho ficaria a pertencer-lhes exclusivamente a elas. Mais alegam que, em 19 de dezembro de 2013, foram informadas por funcionários do Banco Réu que as responsabilidades do Réu A perante o Banco já se encontravam totalmente regularizadas e que, naquela data, a conta bancária apresentava um saldo de € 101 274,64. Relatam que, no dia seguinte, se deslocaram ao balcão de Guimarães do Banco Réu com o intuito de levantarem o saldo acima indicado, que entendem lhes pertencia, uma vez que a regularização das responsabilidades do Réu A perante o Banco havia consumido, para além da quota-parte deste, parte dos montantes de que elas eram titulares. Afirmam que, neste Balcão do Banco Réu, lhes foi comunicado que não poderiam movimentar a conta bancária em causa, em virtude de ter chegado a tal instituição bancária uma notificação da Autoridade Tributária para penhora de saldos bancários de contas que pertencessem ao Réu A, por dívidas deste. Bem como que, apesar da sua declarada oposição e sem sequer lhes dar prévio conhecimento, o Banco Réu, em 05/05/14, liquidou o depósito a prazo no valor de € 56 333,33, entregando, no mesmo dia, à Autoridade Tributária um cheque no montante de € 99 517,79, para pagamento de dívida fiscal do Réu A. Acrescentam que o Banco Réu sabia que o montante depositado na conta bancária não pertencia ao Réu A, pertencendo-lhe a si, em exclusivo. Defendem que, com a sua conduta, o Banco Réu as lesou na quantia de € 101 274,64, acrescida de juros. Dizem que, mesmo que assim não fosse, o Banco nunca poderia entregar a totalidade do montante depositado na conta bancária supra identificada porquanto, de acordo com as regras da presunção, só poderia dispor de um terço do depósito bancário. O Banco Réu veio contestar, contrapondo que existia uma conta de Depósitos à Ordem titulada pelas Autoras e 2º Réu, a que tinha sido atribuído o n.º 22407146, e associado à mesma um depósito a prazo, no montante de € 169 000,00, e uma carteira de títulos, correspondentes a aplicações financeiras, subscritas pelos seus titulares. Relata que, por escrito particular de 05/04/05, concedeu ao 2º Réu um financiamento, através de contrato de mútuo, no montante de € 124 000,00, e um outro financiamento, igualmente através de contrato de mútuo, no montante de € 250 000,00. Também que, com data de 26/10/09, foi concedido ao 2º Réu um crédito pessoal, no montante de € 25 000,00 e, com data de 08/02/10, um outro crédito pessoal ao mesmo, no montante de € 50 000,00. Acrescenta que, dado o elevado montante de financiamentos concedidos ao 2º Réu, à data de 11/02/09, ele e as Autoras constituíram sobre os indicados depósitos a prazo e aplicações financeiras dois penhores em benefício do então “B”, os quais se destinavam a servir de garantia do bom pagamento e liquidação de todas as responsabilidades assumidas e/ou a assumir pelo 2º Réu junto desta instituição bancária. Afirma que, por ofício da “Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de março de 2012, foi notificado da penhora dos saldos de depósitos bancários e de valores mobiliários de que o 2º Réu fosse ali titular, em pagamento de dívidas fiscais que tinha, no montante de € 198 668,30. Bem como que respondeu a tal ofício, por carta datada de 04/04/12, na qual dava conta da existência, a essa data, de penhor sobre o património do devedor e que, assim, a penhora recairia sobre um terço de tais depósitos e aplicações (€ 56 333,33 e € 42 300,00, respetivamente). Alega que, por efeito do incumprimento dos financiamentos e contratos de mútuo indicados, remeteu ao 2º Réu, em 14/11/12, cartas registadas com A/R, dando por resolvidos todos os mútuos concedidos. E que, por força de tal resolução, imputou ao pagamento dessas responsabilidades, no valor total de € 197 266,67, os valores e títulos que constituíam o objeto dos penhores acima indicados, ficando o saldo reduzido a € 99 517,79. Diz que, sequencialmente, recebeu da ATA ofício, datado de 27/02/14, no qual era confirmada a manutenção da penhora antes operada e solicitando que lhe fosse remetido cheque no montante de € 99 517,79 da conta de Depósitos à Ordem e € 322,32, da conta n.º 22407259 – tendo emitidos dois cheques em conformidade e remetido os mesmos ao Sr. Chefe das Finanças de Guimarães. O 2º Réu não apresentou Contestação nem interveio por qualquer forma nos autos. Em sede de Audiência Prévia, proferiu-se despacho a determinar a recolha de um conjunto de elementos documentais, com a justificação de, eventualmente, ser possível conhecer do mérito da causa. Entretanto, em face do falecimento da Autora MM, suspendeu-se a instância até à habilitação dos seus herdeiros D, T, P e J. Posteriormente, em continuação desta Audiência Prévia, proferiu-se saneador-sentença, que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu “B” a pagar à 1ª Autora e aos herdeiros da 2ª Autora a quantia de € 67 637,75, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados desde 20 de dezembro de 2013 e até integral pagamento, absolvendo ambos os Réus no mais que vinha peticionado. Inconformado com o saneador-sentença, o Banco Réu interpôs recurso, terminando com as seguintes CONCLUSÕES: 1. A penhora da ATA foi efetuada em março de 2012, altura em que o saldo da conta a prazo era de 169.000,00€ e das aplicações financeiras era de 126.900,00€. 2. Constando dessa comunicação expressamente, e conforme previa à data o artigo 861-A e agora o artigo 780.º do Código de Processo Civil, que ficavam congelados desde essa data, a movimentação dos saldos e valores mobiliários penhorados. 3. O banco réu comunicou então, respeitando a presunção de propriedade de 1/3 do réu Agostinho, que o saldo disponível para penhora era de, respetivamente, 56.333,33€ e 43.200,00€. o montante que ficaria penhorado. 10. Não houve assim qualquer atuação ilícita por parte do banco recorrente não tendo este incumprido de forma alguma as suas obrigações contratuais ou as suas obrigações enquanto instituição bancária para com as suas clientes. pelo Código de Procedimento de Processo Tributário. 13. Competia às autoras, se entendessem estar a ser penhorado património que lhes pertenciam em exclusivo, lançar mão de meio processual adequado junto da execução fiscal, de modo a que fosse emitida ordem contrária que permitisse ao banco réu libertar os fundos como aquelas pretendiam. * II—DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSOA questão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, é a da licitude da atuação do Banco Réu ao entregar à Autoridade Tributária e Aduaneira a quantia de € 99 840,11, na sequência de ordem de penhora dos saldos de depósitos bancários e valores mobiliários. * III - DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A matéria de facto considerada provada e não provada na decisão recorrida é a seguinte: MATÉRIA DE FACTO PROVADA: 1) A 2ª Autora faleceu em 3 de janeiro de 2016, tendo sido julgados habilitados como seus herdeiros D, T, P e J. 2) As Autoras e o Réu A eram titulares da conta bancária n.º . (…) no Balcão de Guimarães do Banco réu, sito na Avenida de Londres, Bloco 1-B, … Guimarães, na qual tinham depósito à ordem. 3) Os extratos relativos à conta titulada pelas Autoras e seu irmão Agostinho Areias eram apenas remetidos para este último como primeiro titular da dita conta. 4) Associado a essa conta existia um depósito a prazo no montante de € 169.000,00, como existia ainda uma carteira de títulos, correspondentes a aplicações financeiras, subscritas pelos seus titulares. 5) Tais aplicações financeiras tinham por objeto 334 Obrigações de Caixa subordinadas “BPN Rendimento Mais - 1ª Emissão” e 935 Obrigações de Caixa subordinadas “BPN Rendimento Mais – 2ª emissão” as quais, à data de 17 de junho de 2013, foram liquidadas pelo valor total de € 129.600,00 (cento e vinte e nove mil e seiscentos euros). 6) Por escrito particular de 05.04.2005, o Banco réu, então denominado “BPN”, concedeu ao irmão das autoras, aqui 2º Réu, um financiamento através de contrato de mútuo, no montante de € 124.000,00. 7) Nessa mesma data, foi também concedido um outro financiamento ao mesmo irmão das Autoras, no montante de € 250.000,00, por via de um contrato de mútuo, contrato esse alterado em 05.09.2008, no que toca aos juros e prazos de vencimento. 8) Com data de 26.10.2009 foi concedido ao mesmo irmão das autoras um crédito pessoal no montante de € 25.000,00. 9) Com data de 08.02.2010 foi concedido ao mesmo irmão das autoras um outro crédito pessoal no montante de € 50.000,00. 10) Dado o montante de financiamentos que já tinham sido concedidos ao dito irmão das Autoras, à data de 11.02.2009, ele e as ora Autoras, na qualidade de únicas e exclusivas titulares do depósito a prazo então existente no montante de € 169.000,00, bem como das aplicações financeiras acima referidas, constituíram sobre esse depósito a prazo e sobre as ditas aplicações financeiras dois penhores em benefício do então “BPN”. 11) Tais penhores destinavam-se a servir de garantia do bom pagamento e liquidação de todas as responsabilidades assumidas e/ou a assumir por A junto do banco “BPN”, derivadas de “crédito concedido e/ou a conceder, por valores descontados e/ou adiantados e/ou por garantias bancárias prestadas e/ou a prestar…”. 12) Num e noutro dos documentos de constituição de tais penhores estava expressamente prevista a possibilidade e direito de o banco, em caso de incumprimento das obrigações por eles garantidas, imputar ao seu pagamento o montante do depósito dado de penhor e/ou fazer suas as obrigações empenhadas ou fazer-se pagar pelo produto da sua venda extrajudicial (cf. fls.103 e 105 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). 13) Por ofício da ATA (Autoridade Tributária e Aduaneira) datado de março de 2012, o banco ora réu foi notificado da penhora dos saldos de depósitos bancários e de valores mobiliários de que o dito A fosse ali titular, em pagamento de dívidas fiscais que tinha, no montante de € 198.668,30 (cf. documento de fls.107 cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 14) A esse ofício respondeu o banco ora réu, por carta datada de 04.04.2012, na qual dava conta da existência, a essa data, de penhor sobre o património do devedor (cf. documento de fls.109 e de fls.280, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) e que, assim, a penhora recairia sobre € 56.333,33 (quanto ao depósito) e € 42.300,00 (quanto às aplicações), respetivamente, como segundo ónus. 15) Por efeito do incumprimento dos financiamentos e contratos de mútuo celebrados entre o banco e aquele A, o banco réu remeteu a este seu devedor, em 14.11.2012, cartas registadas c/ aviso de receção, dando por resolvidos todos os mútuos concedidos (cf. documentos de fls.112 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). 16) E por força de tal resolução, o banco réu imputou ao pagamento dessas responsabilidades os valores e títulos que constituíam objeto dos penhores acima indicados, até ao limite do seu crédito. 17) Esse crédito era, aquando da resolução dos contratos de financiamento existentes, de € 84.600,00 + € 112.666,67, ou seja, um total de € 197.266,67. 18) O banco ora réu deu conta à ATA do pagamento dos montantes que se achavam garantidos pelos penhores acima mencionados e que tal pagamento havia provocado uma alteração do saldo disponível na conta titulada pelas autoras e seu irmão A, comunicando que o saldo era de € 99.517,79 (cf. documento junto a fls.128 e de fls.286). 19) O banco réu recebeu da ATA ofício datado de 25.02.2013 no qual era confirmada a manutenção da penhora antes operada, no montante de € 56.333,33 do depósito a prazo, e bem assim no valor de € 42.300,00 relativo às “Obrigações Rendimento Mais” (cf. documento fls.130 e de fls.284). 20) E, com data de 20.02.2014, recebeu novo ofício da ATA solicitando que lhe fosse remetido cheque no montante de € 99.517,79 da conta DO 22407146 e € 322,32 da conta nº 22407259 (cf. fls.287, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). 21) Face a tal notificação, emitiu dois cheques nos ditos montantes de € 99.517,79 e € 322,32, que remeteu ao Sr. Chefe de Finanças de Guimarães (cf. documento de fls.134 e seg. e de fls.288, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 22) Com a emissão do cheque no dito montante de € 99.517,79 sacado sobre a conta titulada pelas Autoras conjuntamente com A, o respetivo saldo passou a ser apenas de € 1.496,60 (cf. documento junto a fls.137 e 138, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). 23) Na manhã do dia 20 de dezembro de 2013, as autoras dirigiram-se ao balcão de Guimarães do Banco réu com o intuito de levantarem o saldo remanescente da conta nº. 22407146, o que não lhe foi permitido. 24) Considerando a posição do Banco réu, às 14:38 da tarde desse dia 20, a I. Advogada das Autoras, em representação da Autora M, enviou por fax à agência do Banco Réu a comunicação junta a fls.13 e 14 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), manifestando a oposição da autora M a qualquer movimentação da conta bancária sem o seu consentimento prévio e por escrito. 25) No dia 23 de Dezembro de 2013, a pedido e em representação das autoras, a mesma I. Advogada enviou nova comunicação escrita à agência de Guimarães do Banco réu, comunicando que as autoras pretendiam que o saldo existente na conta bancária acima mencionada fosse imediatamente transferido para a conta bancária do Banco Millennium BCP com o NIB …, reiterando que o saldo da conta bancária lhes pertencia em exclusivo – cf. documento de fls.15 e 16 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido). * MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADAa) Nos documentos assinados pelas Autoras ficou previsto que o saldo remanescente após integral liquidação das responsabilidades do 2º Réu perante o Banco ficaria a pertencer exclusivamente às Autoras. b) A partir dessa data, as Autoras passaram a receber em exclusivo os juros resultantes dos depósitos. * IV – ILICITUDE DA ATUAÇÃO DO BANCO RÉU AO ENTREGAR À AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA A QUANTIA DE € 99 840,11, NA SEQUÊNCIA DE ORDEM DE PENHORA DOS SALDOS DE DEPÓSITOS BANCÁRIOS E VALORES MOBILIÁRIOSO Banco Recorrente advoga que a penhora da ATA foi efetuada em março de 2012, altura em que o saldo da conta a prazo era de € 169.000,00 e das aplicações financeiras era de € 126.900,00. Diz que, nessa altura, foi fixado o valor da penhora em, respetivamente, € 56 333,33 e € 43 200,00, respeitando a presunção de propriedade de 1/3 do réu Agostinho. Acrescenta que, no momento da passagem dos cheques à Autoridade Tributária, se limitou a efetuar a entrega dos valores anteriormente penhorados. Bem como que a única alteração que poderia ocorrer relativamente aos valores penhorados em março de 2012 apenas se poderia ficar a dever ao facto de algum ónus anterior, como era o caso dos penhores, esgotarem o saldo disponível não permitindo a concretização da penhora na sua totalidade. Defende que não houve qualquer atuação ilícita da sua parte, não tendo incumprido de forma alguma as suas obrigações contratuais ou as suas obrigações enquanto instituição bancária para com as suas clientes. Contrapõem os Recorridos que o Banco Réu, depois de executados os penhores a seu favor e sem previamente os informar, comunicou à ATA estar disponível para lhe entregar o montante existente na conta bancária, fazendo tábua rasa das obrigações contratuais a que está vinculado e da legislação aplicável - procedendo à movimentação irregular da conta, atuando de modo ilícito e culposo. Vejamos: A figura do depósito bancário tem sido, desde há largos anos, motivo de controvérsia doutrinal e jurisprudencial. Afastando-se do depósito típico (art.ºs 1185.º e ss. do Código Civil), e integrando a obrigação de o depositário remunerar o capital depositado (juro), aproximar-se-ia do contrato de mútuo e, por tal motivo, viria a merecer denominações diversas: a doutrina clássica considerava-o uma variedade do depósito civil; também já se considerou depósito irregular (assim, Pires de Lima in RLJ, 101º, pág. 368, sendo esse, no nosso entendimento, o enquadramento que o Código Civil conferiu ao depósito de coisas fungíveis - especialmente o dinheiro - cfr. art.º 1205.º do Cód. Civil); foi, ainda, apelidado de contrato inominado (Lobo Xavier in RDE, Ano XIV, pág. 296), ou mesmo de contrato de mútuo (neste sentido, Pinto Coelho in RLJ, pág. 81, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/07/68, in BMJ 179, pág. 205). Ao longo dos tempos, o depósito bancário foi-se tornando crescentemente mais abrangente e mais complexo: passou a ter por objeto quer dinheiro, quer uma diversidade de outros bens de valor, tais como títulos, outros produtos financeiros ou valores em cofres-forte, e a incluir cumulativamente um conjunto de serviços prestados pelas instituções bancárias aos seus clientes. Por outro lado, a sua regulamentação, essencialmente por referência a cláusulas contratuais gerais e usos bancários, deixou de ter um núcleo típico e definidor rígido. Tal como explica Pestana de Vasconcelos (in “Dos contratos de depósito bancário” in Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano VIII, 2011, pág. 177) “O contrato de depósito bancário não tem natureza unitaria, devendo antes falar-se em contratos, diferentes entre si, de depósito bancário. Para a construção destes contratos deve partir-se das cláusulas contratuais gerais a que os bancos recorrem, dos usos e do regime legal, decorrente da lei bancária, para as modalidades de depósitos.” No entanto, apesar de atípico, o contrato de depósito à ordem é estruturalmente um contrato pelo qual uma das partes (o depositante) entrega a uma instituição bancária (depositário) certa quantia em dinheiro, eventualmente mediante retribuição de juros, ficando o depositário proprietário dela, com o direito de a utilizar e com a obrigação de restituir-lhe outro tanto, do mesmo género e qualidade, quando o depositante lho solicitar. Juridicamente integra essencialmente elementos de um contrato de depósito irregular e, caso preveja o pagamento de juros, cumulativamente elementos de um contrato de mútuo. Captando precisamente o núcleo deste contrato, refere-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 08/03/12, tendo como Relatora Isoleta Almeida Costa (proferido no Processo n.º 1950/11.4YYLSB-C-8 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão) que “No depósito bancário, o depositante troca a propriedade da soma depositada por um direito de crédito à restituição de outro tanto, com a transferência do risco a acompanhar a transmissão da propriedade (“res perit domino” – art. 796.º, n.º 1, do C.Civil).” Este contrato está ainda habitualmente ligado a um contrato de abertura de conta, no âmbito da qual se processa o registo dos movimentos a débito e a crédito e se define a prestação de um conjunto cada vez mais abrangente de serviços bancários, tais como transferências bancárias, autorizações de débito, concessão de cartões de crédito e débito e serviços vários de intermediação financeira. Citando, uma vez mais, as palavas de Pestana de Vasconcelos (ob. cit., pág. 166) “(…) o contrato de abertura de conta, onde se insere o depósito, como vimos, é verdadeiramente nuclear para a vida moderna, quer das pessoas singulares, quer das empresas. É ele que permite aos sujeitos participarem no moderno tráfego económico em que a grande generalidade das transações se realizam através do sistema bancário, recorrente a moeda escritural. As entregas realizadas no âmbito do depósito permitem aprovisionar, “alimentar” a crédito essa conta (e são, por isso, nessa medida, instrumentais à participação nesse tráfego).” Por seu turno, o contrato de depósito a prazo, com prazo fixo ou mobilizável antecipadamente, apesar de ser, da mesma forma, atípico, é juridicamente um contrato próximo de um contrato de mútuo. Em síntese, podemos dizer que os contratos de depósito bancário, como categoria geral, apesar de atípicos, se regem essencialmente pelas disposições que, na lei civil, regulam os contratos de depósito em geral e as normas que disciplinam o contrato de mútuo, conjugados com as cláusulas contratuais gerais a que os respetivos contratos crescentemente recorrem e, por fim, com os usos bancários. Descendo ao caso concreto, e tal como já ficou referido, temos que as Autoras e o Réu A eram titulares da conta bancária n.º 22407146 (…) no Balcão de Guimarães do Banco réu, sito na Avenida de Londres, Bloco 1-B, … Guimarães, na qual tinham depósito à ordem. Além disso, associado a essa conta existia um depósito a prazo no montante de € 169.000,00, como existia ainda uma carteira de títulos, correspondentes a aplicações financeiras, subscritas pelos seus titulares. As contas bancárias de depósito à ordem ou de depósito a prazo podem ser, em razão do número de titulares, singulares ou coletivas. Estas, por sua vez, podem ser tipicamente solidárias ou conjuntas. Da análise da ficha de abertura de conta constante dos autos (cf. fls. 53) resulta que as partes acordaram que a conta em conta seria do “tipo misto”. No entanto, das alegações das partes, de acordo entre si nesta parte, resulta que a mesma se aproximava de uma conta solidária. As contas solidárias são aquelas em que qualquer dos depositantes, apesar da divisibilidade da prestação, tem a faculdade de movimentar livremente e integralmente. É pacífico que é absolutamente distinto o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários (podendo cada um mobilizar a totalidade do saldo) e o direito real que recai sobre o quantitativo numerário depositado (que pode pertencer a todos ou só pertencer a um deles). Ou seja, a titularidade pode nada ter a ver com a propriedade do montante monetário nela depositado. Na falta de determinação da propriedade sobre o quantitativo monetário depositado, as partes dos vários credores no crédito presumem-se iguais, por aplicação do disposto no art.º. 516º do C.Civil. Cita-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/02/11, tendo por Relator Sebastião Póvoas (proferido no Processo n.º 1561/07.9TBLRA.C.1.S1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão) onde se decidiu “Há que distinguir entre titularidade da conta e propriedade das quantias depositadas mas pela presunção “tantum iuris”, aplicável às contas solidárias do artigo 516.º do Código Civil, na relação interna, os depositantes participam no crédito em partes iguais.” Prosseguindo com a análise da matéria de facto dos autos, temos que, por ofício da ATA (Autoridade Tributária e Aduaneira) datado de março de 2012, o banco ora réu foi notificado da penhora dos saldos de depósitos bancários e de valores mobiliários de que o dito A fosse ali titular, nos seguintes termos: “(…) por esse meio notificada essa instituição, nos termos do art. 861.º-A do Código de Processo Civil e do art. 223.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) de que são penhorados: os saldos dos depósitos bancários existentes nessa instituição, em nome do titular abaixo identificado; os valores mobiliários registados ou depositados nessa instituição, em nome do mesmo titular. A penhora destina-se a garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, cuja cobrança em execução fiscal corre termos neste Serviço de Finanças, com o número acima identificado, no montante de € 198 668,30, limitando-se a penhora a este valor. Em face da penhora, fica congelada desde esta data, a movimentação dos saldos e valores penhorados, cujo valor perfaça o montante da dívida, sem prejuízo do disposto (…).” A esse ofício, o Banco Réu respondeu o banco ora réu, por carta datada de 04/04/2012, onde refere – em síntese – que “O saldo da(s) conta(s) co-titulada(s) pelo(s) indivíduo(s) identificado(s), de € 150,00 (Saldo a prazo) -conta nº 22407146, ficou penhorado à ordem desse Serviço. (…) informa-se que o Depósito a Prazo e as Obrigações BPN Rendimento Mais referido no(s) anterior(es) ponto(s) 2 já se encontram onerados a favor desta Instituição para garantia de responsabilidades junto do BPN, pelo que a V. penhora incidirá sobre os mencionados bens como um segundo ónus, pelos valor de € 56.333,33 (Depósito a Prazo) e € 42.300,00 (Obrigações BPN Rendimento Mais), apenas passando a incidir como primeiro ónus se, assim que, deixarem de existir as responsabilidades que estes se encontram a garantir.” (Cf. fls. 109). A penhora, como se sabe, “(…) tem por objeto a apreensão de bens em quantidade suficiente para satisfação integral do direito do credor, retirando-os da disponibilidade do executado e afetando-os exclusivamente aos fins da execução.” Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo in A ação Executiva Anotada e Comentada”, 2015, Almedina, pág. 275). Em concreto, a penhora de direitos efetuava-se, à data dos factos em apreciação, através da notificação do devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução (cf. art.º 856.º do C.P.Civil, na redação anterior). Uma vez que o n.º 3 do art. 223.º do Código de Procedimento e Processo Tributário remete para as disposições legais do C.P.Civil, a estatuição aplicável foi a do art.º 861.º-A do C.P.Civil (vigente à época dos factos e, entretanto, substituído pelo atual art.º 780.º do C.P.Civil), de onde decorria expressamente que o crédito equivalente ao saldo da conta bancária à ordem ou a prazo podia ser penhorado. Constava de tal normativo, na parte aqui especialmente aplicável, que “Sendo vários os titulares do depósito, a penhora incide sobre a quota-parte do executado na conta comum, presumindo-se que as quotas são iguais.” (n.º 2). Bem como que “A notificação é feita diretamente às instituições de crédito, com a menção expressa de que o saldo existente, ou a quota-parte do executado nesse saldo, fica cativo desde a data da notificação e, sem prejuízo do disposto no n.º 8, só é movimentável pelo agente de execução, até ao limite estabelecido no n.º 3 do artigo 821.º.” (n.º 5). Tal como decorre da leitura das disposições legais referidas, a notificação para penhora de depósitos bancários tem por efeito o imediato “congelamento” dos saldos existentes e penhoráveis, sendo precisamente neste mecanismo que reside o seu especial grau de eficácia. Explica-se, a este propósito, no Acórdão da Relação de Lisboa de 02/10/14, tendo por Relatora Maria Teresa Albuquerque (proferido no Processo n.º 1111/12.5TMLSB-B.L1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão) que “O objeto da penhora não é a conta do executado, isto é, a universalidade de posições ativas que compõem a sua posição contratual perante o banco, mas o direito de crédito do executado sobre uma instituição de crédito decorrente de um saldo positivo num depósito bancário. Por isso, a penhora do saldo bancário é uma penhora do saldo presente.” Assim sendo, temos que concordar com a tese exposta pelo Banco Recorrente, ao afirmar que a penhora da ATA foi efetuada em março de 2012, ficando nessa data fixado o valor devido. Em face da análise conjugada dos factos provados, teremos – da mesma forma – que concordar que o Banco Réu respondeu à ATA respeitando a presunção de propriedade de 1/3 do réu Agostinho, que o saldo disponível para penhora era de, respetivamente, 56.333,33€ e 43.200,00€. Teremos igualmente que concordar com a tese exposta pelo Banco Recorrente ao declarar que, no momento da passagem dos cheques à Autoridade Tributária, se limitou a efetuar a entrega dos valores anteriormente penhorados. Concordamos, por inerência, também com a sua afirmação, no sentido de que a única alteração que poderia ocorrer relativamente aos valores penhorados em março de 2012 apenas se poderia ficar a dever ao facto de algum ónus anterior, como era o caso dos penhores, esgotarem o saldo disponível não permitindo a concretização da penhora na sua totalidade. O penhor, usando a definição de Pestana de Vasconcelos (in Direito das Garantias, 2011, Almedina, pág. 229) “(…) confere ao seu titular uma preferência na satisfação do seu crédito na alienação da coisa móvel, direito ou outro bem sobre que incida.” O art.º 856.º, n.º 6 do C.P.Civil, na redação anterior, determinava expressamente que “Se o crédito estiver garantido por penhor, faz-se a apreensão do objeto deste, aplicando-se as disposições relativas à penhora de coisas móveis, ou faz-se a transferência do direito para a execução. (…).” Esta disposição legal, aliás mantida na redação atual, destinava-se a compatibilizar o direito de sequela do penhor e/ou da hipoteca com a efetivação da penhora. A este respeito, provou-se especificamente que, dado o montante de financiamentos que já tinham sido concedidos ao dito irmão das Autoras, à data de 11.02.2009, ele e as ora Autoras, na qualidade de únicas e exclusivas titulares do depósito a prazo então existente no montante de € 169.000,00, bem como das aplicações financeiras acima referidas, constituíram sobre esse depósito a prazo e sobre as ditas aplicações financeiras dois penhores em benefício do então “BPN”. Provou-se complementarmente que tais penhores se destinavam a servir de garantia do bom pagamento e liquidação de todas as responsabilidades assumidas e/ou a assumir por A junto do banco “BPN”, derivadas de “crédito concedido e/ou a conceder, por valores descontados e/ou adiantados e/ou por garantias bancárias prestadas e/ou a prestar…”. Bem como que num e noutro dos documentos de constituição de tais penhores estava expressamente prevista a possibilidade e direito de o banco, em caso de incumprimento das obrigações por eles garantidas, imputar ao seu pagamento o montante do depósito dado de penhor e/ou fazer suas as obrigações empenhadas ou fazer-se pagar pelo produto da sua venda extrajudicial (cf. fls.103 e 105 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). Considerou-se que, por efeito do incumprimento dos financiamentos e contratos de mútuo celebrados entre o banco e aquele A, o banco réu remeteu a este seu devedor, em 14.11.2012, cartas registadas c/ aviso de receção, dando por resolvidos todos os mútuos concedidos (cf. documentos de fls.112 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). E por força de tal resolução, o banco réu imputou ao pagamento dessas responsabilidades os valores e títulos que constituíam objeto dos penhores acima indicados, até ao limite do seu crédito (esse crédito era, aquando da resolução dos contratos de financiamento existentes, de € 84.600,00 + € 112.666,67, ou seja, um total de € 197.266,67). Resulta desta factualidade que o Banco Recorrente acionou os penhores de que era detentor, mas sem que deste acionamento tivesse resultado diminuição dos saldos anteriormente penhorados. Por isso, em face de posteriores ofícios da ATA a confirmar a manutenção da penhora antes operada, o Banco Recorrente limitou-se a cumprir a sua obrigação ao emitir dois cheques nos montantes de € 99.517,79 e € 322,32, que remeteu ao Sr. Chefe de Finanças de Guimarães (sendo que este último cheque, no valor de € 322,32 teve por fundamento a ordem de penhora posteriormente recebida relativamente a outra conta bancária, com o n.º 22407259). É certo que está especificamente provado que, com a emissão do cheque no dito montante de € 99.517,79 sacado sobre a conta titulada pelas Autoras conjuntamente com A, o respetivo saldo passou a ser apenas de € 1.496,60 (cf. documento junto a fls.137 e 138, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). No entanto, tal situação não pode entender-se ter resultado da entrega à ATA dos cheques em causa, mas diversamente do acionamento dos penhores indicados, ocorrido em data bastante posterior à da efetivação da indicada penhora. E os Autores nada opõem na presente ação quanto à legalidade do modo concreto de acionamento destes penhores. Tal como já se referiu acima, dos documentos de constituição de tais penhores estava expressamente prevista a possibilidade e direito de o banco, em caso de incumprimento das obrigações por eles garantidas, imputar ao seu pagamento o montante do depósito dado de penhor e/ou fazer suas as obrigações empenhadas ou fazer-se pagar pelo produto da sua venda extrajudicial. Assim sendo, a conclusão necessária e final é a de que – tal como defende o Banco Recorrente – não houve qualquer atuação ilícita da sua parte, não tendo este incumprido de qualquer forma as suas obrigações contratuais ou as suas obrigações enquanto instituição bancária para com as suas clientes. Procede, consequentemente, o presente recurso, com a inerente total improcedência da ação. * V - DECISÃOPelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso do Banco Recorrente/Réu, revogando-se a sentença dos autos, absolvendo o Banco Réu da totalidade dos pedidos contra si formulados nos autos. * Custas a cargo dos Recorridos/Autores - art. 527.º do C.P. Civil.* Notifique e registe.(Processado e revisto com recurso a meios informáticos) Guimarães, 08 de junho de 2017 _______________________________ (Lina Castro Baptista) _______________________________ (Maria de Fátima Almeida Andrade) _______________________________ (Alexandra Maria Rolim Mendes) |