Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2983/16.0T8VNF.G1
Relator: MARIA JOÃO MARQUES PINTO DE MATOS
Descritores: QUOTA SOCIAL
HERANÇA INDIVISA
CONTITULARIDADE DE QUOTA SOCIAL
SUCESSÃO HEREDITÁRIA
PLURALIDADE DE HERDEIROS
EXERCICIO DOS DIREITOS INERENTES À QUOTA SOCIAL INDIVISA
REPRESENTANTE COMUM DOS CONTITULARES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. Sendo uma quota social passível de constituir objecto de sucessão hereditária, e nada se dispondo em contrário no pacto social da respectiva sociedade, falecendo o sócio que a detinha, e existindo uma pluralidade de herdeiros, enquanto a herança permanecer indivisa passará a verificar-se a contitularidade daquela participação social (arts. 2024º e 2015º, ambos do C.C., e art. 225º do C.S.Com).
II. Os contitulares de uma quota social indivisa devem imperativamente exercer os direitos a ela inerentes através de um representante comum, cuja nomeação decorrerá, sucessivamente, da lei, de disposição testamentária, de deliberação maioritária dos contitulares, ou será realizada a pedido destes por tribunal (arts. 222º, nº 1 e 223º, nº 1 e nº 3, ambos do C.S.Com.).
III. Existindo cabeça-de-casal da herança aberta por morte de anterior sócio, será o mesmo necessariamente o representante comum dos plúrimos contitulares da quota indivisa do de cuius, sendo nula qualquer nomeação de outrem como representante comum, enquanto aquele primeiro não for removido do cargo de cabeça- de-casal, ou destituído em acção judicial intentada para o efeito, com fundamento em justa causa (art. 223º, nº 1, in limine, do C.S.Com., e arts. 2086º e 2087º, n.º 1, ambos do C.C.).
IV. São nulas quaisquer deliberações aprovadas com o voto necessário ou determinante de representante comum designado pela maioria dos contitulares de quota social indivisa, contra a vontade e à revelia do cabeça-de-casal que exerça essas funções (arts. 56º, nº 1, al. d) e 58º, nº 1, al. a), ambos do CSC).
Decisão Texto Integral: Comarca de Braga - Instância Central de Vila Nova de Famalicão - 2ª Secção de Comércio (J4)

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente no Porto, (aqui Recorrida), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, Limitada, com sede em Braga, (aqui Recorrente), pedindo que

· fossem declaradas nulas e sem efeito as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré, de 31 de Março de 2016;

· fossem declarados nulos e sem efeito os registos de destituição dela própria do cargo de gerente da Ré, bem como de nomeação de CC como gerente da mesma, ou qualquer outro registo das ditas deliberações inválidas;
· (subsidiariamente) fossem anuladas as referidas deliberações da Assembleia Geral da Ré, de 31 de Março de 2016.

Alegou para o efeito, em síntese, encontrar-se o capital social a Ré, de € 5.000,00, dividido em duas quotas, uma de € 2.000,00, sendo ela própria a sua titular, e outra de € 3.000,00, antes pertencente a BB e hoje aos seus Herdeiros (por o mesmo ter falecido em 14 de Março de 2015, no estado de casado consigo, no regime de separação de bens).
Mais alegou que, não obstante ser gerente estatutária da Ré e cabeça-de-casal da herança indivisa de BB, viu CC (filho daquele e seu herdeiro), na alegada qualidade de gerente da Sociedade, convocar uma assembleia geral para o dia 31 de Março de 2016; e, realizada esta, na sua ausência, veio outro dos herdeiros de BB, o seu filho DD, arrogar-se a qualidade de representante comum dos contitulares da quota indivisa que pertencera àquele, e assim votar as deliberações aí tomadas.
Defendeu, porém, a Autora que, sendo ela própria a única legal representante comum de tal quota, e não tendo tomado parte na nomeação de DD na mesma pretendida qualidade, seriam as deliberações por ele votadas - e desse modo aprovadas - nulas, por precisamente violarem o regime do representante comum de quota indivisa estabelecido no C.S.Com. (nomeadamente, nos seus arts. 222º e 223º, conjugados com os arts. 2079º e 2080º, ambos do C.C.).

1.1.2. Regularmente citada, a (BB, Limitada) não contestou, não constituiu mandatário, nem interveio por qualquer outro modo nos autos.

1.1.3. Foi proferido despacho, julgando confessados os factos articulados na petição inicial (nos termos do art. 567º, nº 1 do C.P.C.); e ordenando que o processo fosse facultado para exame ao Advogado da Autora (nos termos do art. 567º, nº 2 do C.P.C.).

1.1.4. A Autora veio alegar pro escrito, pedindo singelamente que fossem julgados procedentes os pedidos por si formulados.

1.1.5. Foi proferida sentença, na qual se julgou a acção procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, decido julgar provada e procedente a presente acção e, em consequência, declaro inválidas, por anulabilidade, todas as deliberações tomadas na AG da sociedade R. de 31/03/2016.
(…)»
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1.2. Recurso (fundamentos)
Inconformada com esta decisão, a (BB, Limitada) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a sentença recorrida, e proferida decisão julgando a acção totalmente improcedente.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):
1ª - O cabeça-de-casal não é, ope legis, o representante comum dos contitulares de quota indivisa (antes pertença de sócio falecido).

xvii - O cabeça de casal não é o representante ope leqis, designadamente para efeitos de representar os contitulares da quota indivisa.

xxi - Em lado algum se estatui que o cabeça de casal é o representante legal para efeitos representação dos contitulares da quota indivisa.

2ª - Prever o artigo 6º do seu Pacto Social que os herdeiros de sócio falecido nomeiem um entre si, que a todos represente na Sociedade (enquanto se mantiver a indivisão da quota).

viii - O Pacto Sacia I da R. estabelece que" Por falecimento de qualquer dos sócios a sociedade continuará com o sobrevivo e os herdeiros do sócio falecido, devendo estes nomear um entre si que a todos represente na sociedade enquanto a quota se mantiver indivisa" (art. 6º).

ix - Nos termos do Pacto Social, impõe-se que a quota indivisa tenha um representante comum nomeado, não se bastando com qualquer tipo de representatividade, designadamente a que resulta do cabeçalato.

xiv - Não é demais realçar que o pacto social, no seu artigo 6º, determina que os contitulares da quota, falecido um dos sócios, devem nomear representante comum, não que o mesmo resulte nomeado por qualquer outro modo. Pressupõem-se, impõe-se até, que haja um acto expresso de escolha e nomeação do representante comum.
3ª - Não exigir a eleição do representante comum unanimidade, mas apenas maioria (tendo a Autora, notificada para manifestar a sua vontade, optado por nada dizer).

x - Não se exige a unanimidade para eleger o representante comum, apenas se exige a maioria, como foi o caso.

xi - À A. foi enviada carta registada a pedir que manifestasse a sua posição, tendo esta optado por nada dizer.
4ª - Ainda que o cabeça-de-casal fosse o representante legal para efeitos de representação dos contitulares de quota indivisa, sempre poderia ser destituído pelos demais contitulares (estando a Autora impedida de votar nessa deliberação de destituição, face ao manifesto conflito de interesses que registaria).

xxvi - Mesmo que o cabeça de casal fosse, legalmente, o representante dos contitulares da quota sempre poderia ser destituído pelos demais contitulares (art. 223º, nº 1, CSC).

xxvii - Seja porque a vontade da maioria fosse nesse sentido sem necessidade de qualquer fundamentação acrescida a não ser a vontade de o cargo ser exercido por um dos outros contitulares,

xxviii - Seja porque o cabeça de casal viola grosseiramente, como é o caso, as regras a que está vinculado no exercício do cargo.

xxxiii - Tratando-se de uma situação de manifesto conflito de interesses - como é o caso de a sócia gerente - cuja destituição foi objecto de deliberação e constava da Ordem de Trabalhos anexa à Convocatória -, ser também a cabeça de casal que pretende assumir a posição de representante comum da quota indivisa não é aceitável jurídica ou moralmente

xxxiv - Para os efeitos da Assembleia Geral de 31.03.2016, todos os herdeiros contitulares da quota indivisa, à excepção da A., decidiram nomear como representante comum o herdeiro e contitular DD, assim se formando a esmagadora maioria dos contitulares da quota indivisa.

xxxv -Tal maioria sai reforçada porquanto nunca a Herdeira AA poderia - dado o manifesto conflito de interesses face à sua qualidade de sócia e gerente, tendo como ponto da Ordem de Trabalhos da Convocatória a destituição desta - ser considerada para o efeito de "nomeação" de representante comum que zelasse, no caso concreto, pela defesa dos interesses dos herdeiros/contitulares face a actos lesivos daquela gerente da sociedade.

xxxvi - Além de que lhe foi formalmente perguntado qual a sua posição acerca dos temas a deliberar e esta nada disse.

xxxvii - No caso dos autos, todos os contitulares intervieram, com excepção da que se
encontra em conflito de interesses pelo que nunca a sua posição poderia obstar à nomeação de DD como representante comum.
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1.3. Contra-alegações
A Autora (AA) contra-alegou, pedindo que fosse negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Alegou para o efeito, em síntese:

1 - Ter a Ré sustentado as suas alegações em factos que não foram dados como provados (v.g. a existência e o teor do testamento de BB, a existência e o teor do Pacto Social da Ré, e a suposta carta que teria sido enviada a ela própria, a solicitar a sua posição quanto à nomeação do representante comum), não podendo nessa parte ser aqui consideradas.

2 - Ter a Ré invocado como questão nova o seu alegado «conflito de interesses», sem especificar as circunstâncias e os fundamentos concretos em que se poderia radicar, sendo de resto inexistente, face à sua destituição como gerente, ocorrida por deliberação da Assembleia Geral de 31 de Março de 2016.

3 - Ter-lhe a Ré imputado a prática de actos lesivos de gerência, e de violar grosseiramente as regras a que está vinculada no exercício do cargo de cabeça-de-casal, o que não resulta dos factos dados como provados na sentença recorrida; e é falso.

4 - Decorrer directamente da lei, e da interpretação dominante da doutrina e da jurisprudência, que o representante comum de quota indivisa designado directamente por lei é o cabeça-de-casal (sendo que, só no caso em que não o seja, se permite que seja nomeado pelos contitulares de quota indivisa).
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

. Questão Única - Perante uma quota social indivisa, parte de herança ainda não partilhada, e em que se encontra já determinado o respectivo cabeça-de-casal, podem os respectivos titulares eleger pessoa diferente daquele como representante comum (da dita quota indivisa) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Realizada a audiência de julgamento, foram considerados provados pelo Tribunal de 1ª Instância, os seguintes factos:

A - BB, Limitada (aqui Ré) é uma sociedade comercial por quotas, com sede em Braga, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Braga sob o número único de matrícula e NIPC XXXXXX.

B - O capital social da Ré é de € 5.000,00 (cinco mil euros, e zero cêntimos), dividido em duas quotas: uma no valor de € 2.000,00 (dois mil euros, e zero cêntimos), pertencente a AA (aqui Autora); e outra no valor de € 3.000,00 (três mil euros, e zero cêntimos), que pertencia ao sócio BB.

C - O sócio BB faleceu no dia 14 de Março de 2015, no estado de casado com a Autora, no regime da separação de bens.

D - Por procedimento simplificado de Habilitação de Herdeiros, lavrado na Conservatória do Registo Civil de Braga no dia 15 de Abril de 2015, a Autora foi instituída cabeça de casal da herança do seu falecido Marido.

E - Pelo mesmo procedimento simplificado de Habilitação de Herdeiros, foram instituídos herdeiros de BB a sua Viúva (aqui Autora), seus Filhos (CC e DD), e seus Netos (EE e FF).

F - A quota de € 3.000,00 (três mil euros, e zero cêntimos) do falecido sócio BB está indivisa, sendo contitulares - em comum, e sem determinação de parte ou direito - os supra identificados respectivos Herdeiros.

G - Em 21 de Junho de 2015, os contitulares CC, DD, EE e FF, reuniram-se em Assembleia Geral, e deliberaram por unanimidade a aprovação das contas do exercício de 2014, a distribuição de lucros no valor de € 22.724,56 (vinte e dois mil, setecentos e vinte e quatro euros, e cinquenta e seis cêntimos), e ainda a nomeação de CC como gerente da sociedade Ré.

H - Em 15 de Março de 2016, na sua qualidade de gerente estatutária, a Autora enviou, por carta registada com aviso de recepção, para os demais Contitulares, a convocatória da Assembleia Geral, para apreciação das contas do exercício de 2015, a realizar na sede da sociedade Ré, no dia 31 de Março de 2016, pelas 18h30m, com a seguinte ordem de trabalhos:
«1 - Discussão e deliberação sobre as contas e o relatório de gestão do exercício de 2015;
2 - Outros assuntos de interesse para a sociedade».

I - Na mesma data de 15 de Março de 2016, o contitular CC, arrogando-se também gerente da sociedade Ré, subscreveu e enviou, à Autora e demais Contitulares, uma convocatória da Assembleia Geral, a realizar na sede da sociedade Ré, também no dia 31 de Março de 2016, pelas 18.00 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
«1 - Apreciação e votação do Relatório de Gestão e das Contas do exercício de 2015;
2 - Deliberar sobre a proposta da gerência de aplicação de resultados de 2015;
3 - Apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade;
4 - Apreciação e deliberação de outros assuntos da maior relevância e interesse da sociedade».

J - No dia 31 de Março 2016, a partir das 18.00 horas, estiveram reunidos na sede da sociedade Ré, os contitulares CC e DD, mais o TOC da Sociedade (GG), que se juntou a eles a partir das 18h30m, tendo a reunião terminado às 19h30m.

K - Cerca das 18.00 horas, a funcionária HH informou aqueles Contitulares que a ora Autora mandara comunicar-lhes que não se sentia bem, e que não iria estar presente.

L - A mesma Funcionária transmitiu-lhes também que a Autora pedira que deixassem uma cópia da acta quando terminasse a Assembleia Geral.

M - Terminada a reunião, o contitular DD informou a funcionária HH que a acta da Assembleia Geral ia ser elaborada, e quando estivesse pronta seria entregue à Autora.

N - Somente no dia 5 de Abril de 2016, o contitular CC entregou à Autora uma pública-forma da acta avulsa da Assembleia Geral de 31 de Março de 2016 (em causa).

O - Desde a Assembleia Geral de 21 de Junho de 2015 até à data da Assembleia Geral de 31 de Março de 2016, o contitular CC não chegou a exercer a gerência efectiva e generalizada da sociedade Ré (BB, Limitada), ao contrário da Autora, que exerceu ininterruptamente essas funções desde 14 de Março de 2015.

P - Na acta da Assembleia Geral de 31 de Março de 2016, consta que o contitular CC «não exerceu as funções de gerente, tendo-se apresentado nas instalações da sociedade apenas na data da Assembleia, pelas 16 horas, para iniciar tal exercício».

Q - O contitular CC comunicou à Autora primeiramente que ia assumir as funções de gerente no dia 1 de Abril de 2016 e, posteriormente, comunicou-lhe que seria no dia 31 de Março de 2016; mas, afinal, neste dia apresentou-se às 16.00 horas e logo saiu, para voltar somente cerca das 18.00 horas, para a Assembleia Geral.

R - Ficou lavrado na acta da Assembleia Geral de 31 de Março de 2016 que o contitular DD interveio na mesma na qualidade de representante comum dos Contitulares da quota indivisa que pertenceu ao falecido sócio BB; e que o mesmo «apresentou para arquivo como documento da reunião da Assembleia Geral três instrumentos de representação nomeando-o representante comum, subscritos pelos contitulares da quota indivisa CC, EE e FF».

S - Contrariamente ao que foi consignado, resulta da pública-forma entregue à Autora que não foram anexados à acta da Assembleia Geral de 31 de Março de 2016 quaisquer documentos, designadamente, os «três instrumentos de representação», as contas, o relatório de gestão e a carta datada de 16 de Março de 2016 (à qual é feita menção).

T - A Autora não tomou parte na nomeação de DD como representante comum.

U - É falso que o início dos trabalhos se realizou apenas às 18h 30m por se ter estado a aguardar a presença da Autora, uma vez que cerca das 18.00 horas a Funcionária lhes transmitiu que ela não iria estar presente.

V - Quem exerceu a gerência efectiva e de facto da sociedade Ré, desde a sua constituição, foi o sócio BB, até à altura em que faleceu.

W - A Autora desempenhava apenas as funções de directora técnica do laboratório de análises clínicas da sociedade Ré, instalado na sede desta.

X - Só após a morte do seu Marido, em 14 de Março de 2015, é que a Autora assumiu a gestão de facto da sociedade Ré, e foi tomando conhecimento da sua situação financeira, bancária, registral e contabilística.

Y - Constata-se que, na Assembleia Geral de 31 de Março de 2016, foram tomadas as seguintes deliberações: «Face às explicações apresentadas pelo TOC, a Assembleia deliberou, por unanimidade, com votos representativos de 60% do capital social:
1. Rejeitar as contas enviadas aos contitulares da quota indivisa pela gerente AA, por carta de 16/03/2016;
2. Determinar que as contas da sociedade sejam rectificadas de acordo com as explicações e elementos fornecidos pelo TOC, GG;
3. Aprovar as contas da Sociedade conforme as referidas rectificações, materializadas no Balanço elaborado pelo TOC, que fica a fazer parte do arquivo da presente Assembleia Geral e que será submetido às entidades competentes».

Z - A Assembleia Geral de 31 de Março de 2016, realizou-se sem a presença da Autora, que não pôde dar as explicações necessárias sobre a sua gestão no ano de 2015.

AA - A Autora havia previamente comunicado aos demais Contitulares (da quota indivisa de BB) a sua total discordância com as contas e os documentos de prestação de contas elaborados pelo TOC e a sua actuação indevida.

BB - Por carta registada com aviso de recepção, que enviou aos Contitulares (da quota indivisa de BB) em 16 de Março de 2016, a Autora denunciou o facto de o TOC ter efectuado movimentos e lançamentos contabilísticos com base em documentos manuais internos, não assinados.

CC - Evidenciavam tais contas as anomalias de o TOC ter transferido/lançado o empréstimo de € 300.000,00 à II SA como sendo dívida do falecido sócio BB à sociedade Ré, em Outubro de 2015 (ou seja, posteriormente ao seu óbito, que se verificou em 14 de Março de 2015); e de ter regularizado metade do investimento (participações sociais) de € 73.500,00 na II, SA, bem como os saldos das contas bancárias e da conta de caixa, fazendo com que passasse a registar a contabilidade um total de € 617.242,90 como sendo dívida do Falecido à sociedade Ré.

DD - A Autora manifestou a sua pretensão de solicitar auditoria às contas da sociedade Ré.

EE - Na Assembleia Geral de 31 de Março de 2016, foram aprovadas as contas do exercício de 2015, com base em documentos de prestação de contas que não foram assinados pela respectiva Gerente (aqui Autora), e que não foram apresentados nem submetidos por ela à apreciação da Assembleia Geral.

FF - Foi deliberado na Assembleia Geral de 31 de Março de 2016 rejeitar as contas enviadas aos Contitulares (da quota indivisa de BB) pela Autora, por carta de 16 de Março de 2016 – as quais foram também elaboradas pelo mesmo TOC.

GG - Todas estas contas são da autoria do TOC (e não da Autora), e de sua inteira iniciativa.

HH - Da pública-forma entregue à Autora, relativa à referida Assembleia Geral de 31 de Março de 2016, não consta qualquer Balanço ou outro documento de prestação de contas.

II - Aquando da sua constituição, em 2 de Janeiro de 1980, foi deliberado no respectivo pacto social que a administração da sociedade Ré, e a sua representação em juízo e fora dele, activa e passivamente, competia a ambos os sócios, a Autora e o falecido BB, que desde logo foram nomeados gerentes, sendo suficiente a assinatura de um só gerente para obrigar a Sociedade em todos os seus actos e contratos.

JJ - O gerente da sociedade Ré é, desde 24 de Junho de 2015, CC.

KK - Também foi deliberado na Assembleia Geral de 31 de Março de 2016 que a remuneração base de € 530,00 (quinhentos e trinta euros, e zero cêntimos) mensais é devida a CC desde 1 de Julho de 2015 até 31 de Março de 2016.

LL - Foi ainda deliberado na Assembleia Geral de 31 de Março de 2016 autorizar CC a celebrar com o contitular DD um contrato de consultoria de comunicação e imagem da sociedade Ré, e um plano de reestruturação da mesma Sociedade nos termos que entender adequados.

MM - Não foi deliberado o valor da remuneração de DD, nem concretizado em que consiste o suposto «plano de reestruturação» da sociedade Ré, e de renovação de imagem.

NN - Mencionou-se em acta da Assembleia Geral de 31 de Março de 2016 que será ratificada a nomeação do gerente CC na eventualidade de tal deliberação ser nula ou anulada por decisão judicial.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Direito aplicável - Indicação e interpretação
4.1.1. Contitularidade em quota indivisa
Lê-se no art. 197º, nº 1 do C.S.Com. que, na «sociedade por quotas o capital está dividido em quotas».
Contudo, poderá verificar-se uma situação de contitularidade de quota (originária ou derivada) se a posição por ela figurada competir a duas ou mais pessoas. Os direitos dos consortes serão, em qualquer caso, qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes.

Mais se lê, nos arts. 2024º e 2015º, ambos do C.C., que se tem por sucessão «o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam», sucedendo os herdeiros «em todos os direitos e obrigações do autor da herança, que não estejam excluídos por lei ou sejam puramente pessoais».
Ora, nessa sucessão (e nada dispondo o contrato social em contrário) incluem-se precisamente as participações sociais (quotas ou acções), gerando-se assim uma superveniente contitularidade de quota ou acção indivisa.
Com efeito, resulta do art. 225º do C.S.Com. que, falecendo um dos sócios na sociedade comercial por quotas, inexistindo no contrato social impedimento no sentido da quota não ser transmitida aos sucessores do falecido, e não deliberando a sociedade nos 90 dias seguintes ao conhecimento do falecimento do sócio, no sentido de amortizar a quota, adquiri-la, ou fazê-la adquirir por terceiro, então ipso jure a quota do falecido sócio transmite-se para os sucessores do mesmo.
Por outras palavras, «de acordo com o direito societário, como é sabido, o falecimento de um sócio pode, em tese, dar origem à chamada triple option: ou a sociedade se dissolve; ou amortiza ou adquire a quota do falecido aos herdeiros; ou continua a sua existência integrando como seus sócios os herdeiros do falecido. (…) Em ambas [referindo-se às duas últimas opções], com o falecimento do sócio, os seus herdeiros ficam ipso iure encabeçados na sua quota ou nas respectivas acções - naquela hipótese até que sejam efectivamente amortizadas ou adquiridas; nesta, em definitivo. Ora, havendo pluralidade de herdeiros e enquanto a herança permanecer indivisa, passa naturalmente a verificar-se a contitularidade da participação social, expressamente contemplada e regulada nos arts. 222-224 e 303 CSC» (Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina, 2005, p. 790).
Estes sucessores do sócio falecido passam, então, a ser sócios da sociedade, funcionando porém nos limites da sua quota.

Por fim, lê-se no art. 222º, nº 3 do C.S.Com., que os «contitulares respondem solidariamente pelas obrigações legais ou contratuais inerentes à quota».
Trata-se de uma reafirmação da regra geral civilística consignada para a contitularidade ou compropriedade de direitos, no art. 1405º, nº 1 do C.C., onde se lê que os «comproprietários exercem em conjunto todos os direitos que pertencem ao proprietário singular».
Dir-se-á, assim, que a contitularidade de quota social indivisa, de um «ponto de vista técnico parece tratar-se de uma comunhão. Menezes Cordeiro fala em comunhão, no tocante aos direitos subjectivos envolvidos e numa coadstrição, quanto às obrigações. Mas a figura da comunhão parece suficiente, abrangendo direitos subjectivos e as adstrições que lhe são inerentes. O regime da compropriedade constante do Código Civil é aplicável à quota indivisa, com as necessárias adaptações» (Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2ª edição, Almedina, Fevereiro de 2014, p. 649, com bold apócrifo).
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4.1.2. Representante comum de contitulares de quota indivisa
Lê-se no art. 222º, nº 1 do C.S.Com. que os «contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum».
Assim, se os «herdeiros do sócio falecido adquirem a qualidade de sócios», tal «não significa que todos eles - em caso de contitularidade do direito - possam intervir directa e individualmente nos destinos sociais, pois essa intervenção deve, como regra, ter uma voz única, isto é, ser exercida através de um representante comum». Pondera-se, para esse efeito, «por um lado, a unidade/indivisibilidade da participação social e, por outro, a necessidade de obstar à perturbação que geraria a intervenção individual de cada contitular da quota)» (Ac. da RP, de 21.12.2006, José Ferraz, Processo nº 0636729, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem, com bold apócrifo).
«A regra é, portanto, nas relações com a sociedade, a do exercício dos direitos, através de representante comum, e não em conjunto - e compreende-se bem que seja assim, pois a intervenção plural dos contitulares terá tendência a revelar-se embaraçosa para a actividade societária» (Ac. da RP, de 15.05.2012, Márcia Portela, Processo nº 720/11.4TYVNG.P1).
Face aos interesses em jogo (proteger o interesse da sociedade em ter uma unidade de actuação dos contitulares), o art. 222º, nº 1 do C.S.Com tem indiscutível carácter imperativo (neste sentido, Ac. da RC, de 06.11.2012, Henrique Antunes, Processo nº 281/08.1TBVNO.C1, e Ac. da RP, de 19.05.2014, Soares de Oliveira, Processo nº 502/10.0TBVFR.P1).

Faz-se notar que o «nosso Direito positivo leva este seu interesse tão longe que chega ao extremo de, no artigo 223-1 CSC, admitir expressamente quatro modos distintos de designação para o representante comum: por lei, por testamento, por nomeação dos contitulares, e por nomeação judicial» (Ac. da RP, de 15.05.2012, Márcia Portela, Processo nº 720/11.4TYVNG.P1).
Com efeito, lê-se no nº 1 do art. 223º do C.S.Com. que o «representante comum, quando não for designado por lei ou disposição testamentária, é nomeado e pode ser destituído pelos contitulares», sendo a «respectiva deliberação (…) tomada por maioria, nos termos do artigo 1407º, nº 1 do Código Civil, salvo se outra regra se convencionar e for comunicada à sociedade».
Precisa-se que, para esta maioria (do art. 1407º, nº 1 do C.C.), não basta a mera maioria dos comunheiros, exigindo-se que represente a maioria do valor total das quotas, isto é: a maioria para a escolha do representante comum é determinada em função da percentagem detida na quota social (em função do capital social), e não determinada por cabeça.
Lê-se ainda, no nº 2 do art. 223º do C.S.Com., que os «contitulares podem designar um de entre eles ou o cônjuge de um deles como representante comum»; e, não «podendo obter-se, em conformidade com o disposto nos números anteriores, a nomeação do representante comum, é lícito a qualquer dos contitulares pedi-la ao tribunal da comarca da sede da sociedade», podendo ainda pedir-lhe «a destituição, com fundamento em justa causa, do representante comum que não seja directamente designado pela lei» (nº 3 do preceito citado).
Logo, são efectivamente quatro os modos de designação do representante comum: por lei, por testamento, pelos contitulares e pelo tribunal.

Precisa-se que, quando o art. 223º, nº 1 do C.S.Com. se refere à designação do representante comum «por lei», sem dúvida que pretende abarcar no seu dispositivo o art. 2087º, nº 1 do C.C., onde se lê que o «cabeça-de-casal administra os bens próprios do falecido e, tendo este sido casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal». Logo, e por decorrência legal, as funções de representante comum da quota integrada em herança ainda indivisa pertencem ao cabeça-de-casal.
Por outras palavras, não «especificando o Código das Sociedades Comerciais nenhum concreto representante comum, entre os diversos contitulares, só restará, decerto, preencher a hipótese de designação legal pelos casos em que, no Direito geral, interesses colectivos possam ser prosseguidos por um representante comum - e o caso que saltará logo à lembrança será do cabeça de casal, a quem, nos termos do artigo 2079 CC, incumbe a administração da herança até à sua liquidação e partilha» (Ac. da RP, de 15.05.2012, Márcia Portela, Processo nº 720/11.4TYVNG.P1).
Neste mesmo sentido, pronuncia-se maioritariamente: a doutrina (v.g. Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª edição, p. 517, Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios - Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 2003, p. 432, e Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2ª edição, Almedina, Fevereiro de 2014, p. 651); e a jurisprudência (v.g. Ac. da RP, de 18.10.2005, Alberto Sobrinho, Processo nº 0524881, Ac. da RP, de 11.12.2006, Marques Correia, Processo nº 0653666, Ac. da RP, de 21.12.2006, José Ferraz, Processo nº 0636729, Ac. da RP, de 26.02.2009, Pinto de Almeida, Processo nº 0837016, Ac. do STJ, de 06.10.2009, Nuno Cameira, Processo nº 398/09.5YFLSB, Ac. da RP, de 15.05.2012, Márcia Portela, Processo nº 720/11.4TYVNG.P1, Ac. da RP, de 28.01.2013, José Eusébio Almeida, Processo nº 3618/12.5TBSTS-A.P1, Ac. da RL, de 16.09.2014, Maria Manuela Gomes, Processo nº 785/09.9TYLSB.L1-6, Ac. da RL, de 11.11.2014, Cristina Coelho, Processo nº 27/12.0TBPNI.L1-7, e Ac. da RG, de 30.06.2016, Helena Melo, Processo nº 992/15.5T8VNF.G1).
A posterior, e eventual, «destituição do representante que seja cabeça-de-casal obedece ao 2086º do CC.». Acresce ainda a hipótese, para uma tal remoção do cargo de representante comum, o pedido que qualquer contitular faça ao tribunal, com fundamento em justa causa, «sem embargo do aparente sentido restritivo literal» da lei. «A justa causa aproxima-se da requerida para a revogação do mandato» (Código as Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2ª edição, Almedina, Fevereiro de 2014, p. 651, com bold apócrifo).

Já quando seja realizada «pelos contitulares», a «nomeação e a destituição [de representante comum] devem ser comunicadas por escrito à sociedade, a qual pode, mesmo tacitamente, dispensar a comunicação» (art. 223º, nº 4 do C.S.Com.).
A lei não exige, assim, «a observância de particular forma para a nomeação ou destituição do representante comum. O 223/4 requer apenas um escrito que pode ser dispensado tacitamente pela sociedade» (Código as Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2ª edição, Almedina, Fevereiro de 2014, p. 651).
Precisa-se, a propósito, que há toda uma actividade que só diz respeito à quota indivisa (v.g. a nomeação do respectivo representante comum), e que, por isso, só diz respeito aos seus contitulares, entre si, e não também à sociedade. Face a esta, as deliberações que assim ocorram (dentro da quota, ou das quotas indivisas) têm exclusivamente a ver com o exercício dos direitos inerentes à quota ou quotas indivisas.
Compreende-se, por isso, que se afirme que a nomeação (e destituição) do representante comum dos herdeiros (quando não for designado por lei, ou disposição testamentária) compete (apenas) aos contitulares, devendo tal nomeação (e destituição) ser comunicada por escrito à sociedade.
Por outras palavras, não «é à sociedade que compete diligenciar pela nomeação do representante comum dos contitulares da quota, e, nessa medida, não lhe compete convocar AG para tal efeito, nem convocar os herdeiros para a mesma.
A AG (de sócios) destina-se à tomada de deliberações dos seus sócios sobre matérias que lhe são especialmente atribuídas pela lei (nomeadamente as previstas no art. 246º do CSC) ou pelo contrato (arts. 248º, nº 1 e 373º do CSC).
A nomeação do representante comum dos contitulares, por força das disposições legais acabadas de referir, não está, por natureza, sujeita a deliberação dos sócios, sendo, nessa medida, nula a deliberação» que a tenha por objecto (Ac. da RL, de 11.11.2014, Cristina Coelho, Processo nº 27/12.0TBPNI.L1-7).

Assente que essa nomeação de representante comum (pelos titulares de quota indivisa) consubstancia um «acto extra-societário», e que «teria de ter lugar fora da sociedade, em deliberação tomada entre todos os contitulares da quota», não «podendo formar-se essa maioria», só há «um caminho a seguir, que não» passa pela convocação» de qualquer assembleia, mas sim pelo requerer tal nomeação de «representante comum ao tribunal» (Ac. da RP, de 10.03.2015, Pinto dos Santos, Processo nº 560/14.9T8AMT.P1).
Ao mesmo tribunal deverá ainda, quando seja o caso, qualquer contitular pedir a remoção com fundamento em justa causa.

Uma vez determinado (por lei, por testamento, por nomeação dos contitulares, ou pelo tribunal), o «representante comum pode exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa», não lhe sendo porém «lícito praticar actos que importem a extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios, excepto quando a lei, o testamento, todos os contitulares ou o tribunal lho permitirem (art. 223º, nº 5 e nº 6 do C.S.Com.).
Trata-se, assim, de «um prestador de serviços inserido numa típica situação de mandato. Trata-se, na realidade de um mandatário dotado de poderes de representação. A toda a sua actuação se aplicam, destarte, as regras do mandato e da representação» (Código as Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2ª edição, Almedina, Fevereiro de 2014, p. 651).
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4.2. Caso concreto
4.2.1. Concretizando, verifica-se que, sendo a Ré (BB, Limitada) uma sociedade comercial por quotas, com um capital social de € 5.000,00, o mesmo encontra-se dividido em duas quotas: uma no valor de € 2.000,00, pertencente a AA (aqui Autora); e outra no valor de € 3.000,00, antes pertencente a BB, então marido daquela.
Mais se verifica que, tendo o antes sócio BB falecido no dia 14 de Março de 2015, no estado de casado com a Autora, no regime da separação de bens, veio a mesma, os Filhos daquele (CC e DD), e os seus Netos (EE e FF), a serem legalmente habilitados como seus herdeiros.
Verifica-se ainda que a quota de € 3.000,00 do falecido sócio BB está indivisa, sendo contitulares - em comum, e sem determinação de parte ou direito - os respectivos Herdeiros.
Por fim, verifica-se que, pelo procedimento simplificado de Habilitação de Herdeiros, lavrado na Conservatória do Registo Civil de Braga no dia 15 de Abril de 2015, a Autora foi instituída cabeça-de-casal da herança do seu falecido Marido.
Logo, e relativamente àquela quota indivisa, ficou a Autora, imperativamente (por força da lei), a ser a representante comum dos respectivos contitulares.

Compreende-se que, em hipótese análoga, se tenha afirmado que, «justamente, a autora é a cabeça de casal da herança aberta por morte de seu marido, accionista da ré, cabendo-lhe, nessa qualidade, a administração da herança, nos termos dos artºs 2079º e 2087º, nº 1, do CC; é, portanto, por designação da própria lei, o representante comum dos herdeiros. Logo, dispunha de legitimidade processual para instaurar sozinha a presente acção de anulação de deliberações sociais, tanto mais que isso constitui, não um acto de disposição - que, nos termos especificados no nº 6 do artº 223º, impeça a aplicação da regra do artº 303º, nº 1 - mas sim de simples administração» (Ac. do STJ, de 06.10.2009, Nuno Cameira, Processo nº 398/09.5YFLSB).
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4.2.2. Concretizando novamente, verifica-se que, em 15 de Março de 2016, o contitular CC, arrogando-se gerente da sociedade Ré, subscreveu e enviou, à Autora e demais Contitulares, uma convocatória da Assembleia Geral, a realizar na sede da Ré, no dia 31 de Março de 2016, pelas 18.00 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: «1 - Apreciação e votação do Relatório de Gestão e das Contas do exercício de 2015; 2 - Deliberar sobre a proposta da gerência de aplicação de resultados de 2015; 3 - Apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade; 4 - Apreciação e deliberação de outros assuntos da maior relevância e interesse da sociedade».
Mais se verifica que, no dia 31 de Março 2016, a partir das 18.00 horas e até às 19.30 horas, estiveram reunidos na sede da sociedade Ré, os contitulares CC e DD, mais o TOC da Sociedade (GG); e que, cerca das 18.00 horas, a Autora mandou comunicar que não se sentia bem, e que não iria estar presente.
Verifica-se ainda que ficaria lavrado na acta da Assembleia Geral de 31 de Março de 2016 que: o contitular DD interveio na mesma na qualidade de representante comum dos Contitulares da quota indivisa que pertenceu ao falecido sócio BB; e o mesmo «apresentou para arquivo como documento da reunião da Assembleia Geral três instrumentos de representação nomeando-o representante comum, subscritos pelos contitulares da quota indivisa CC, EE e FF» (sendo que a Autora não tomou parte na nomeação de DD como representante comum).
Por fim, verifica-se que, na Assembleia Geral de 31 de Março de 2016, foram tomadas as seguintes deliberações: «Face às explicações apresentadas pelo TOC, a Assembleia deliberou, por unanimidade, com votos representativos de 60% do capital social: 1. Rejeitar as contas enviadas aos contitulares da quota indivisa pela gerente AA, por carta de 16/03/2016; 2. Determinar que as contas da sociedade sejam rectificadas de acordo com as explicações e elementos fornecidos pelo TOC, GG; 3. Aprovar as contas da Sociedade conforme as referidas rectificações, materializadas no Balanço elaborado pelo TOC, que fica a fazer parte do arquivo da presente Assembleia Geral e que será submetido às entidades competentes». Também foi então deliberado que a remuneração base de € 530,00 mensais é devida a CC desde 1 de Julho de 2015 até 31 de Março de 2016, e que este foi autorizado a celebrar com o contitular DD um contrato de consultoria de comunicação e imagem da sociedade Ré, e um plano de reestruturação da mesma Sociedade, nos termos que entendesse adequados.

Contudo, e tal como detalhadamente explicitado supra, sendo a Autora, enquanto cabeça-de-casal da herança de BB, representante comum da sua quota social indivisa, imperativamente designada por lei, não poderiam os demais Contitulares de tal quota proceder à nomeação de um outro, contra a sua vontade e à sua revelia (sendo também nulo, nos termos do art. 224º do C.C., qualquer eventual disposição do Pacto Social da Ré nesse sentido).
Tal designação apenas seria válida se a lei não designasse representante comum, o que não é o caso.
Compreende-se, assim, que já se tenha afirmado que, «admitir que os co-titulares pudessem escolher um representante comum, à margem da designação legal, teria como efeito a remoção do cabeça de casal fora dos casos em que a lei o admite (artigo 2086.º CC). E teria como consequência um cabeçalato bicéfalo: a administração das acções da sociedade caberia ao representante comum designado por acordo, e a administração dos demais bens ao cabeça de casal, o que não faria grande sentido» (Ac. da RP, de 15.05.2012, Márcia Portela, Processo nº 720/11.4TYVNG.P1).
Acresce que, à pública-forma da acta avulsa da Assembleia Geral de 31 de Março de 2016 (em causa) que foi entregue à Autora, e contrariamente ao que foi consignado, não foram anexados quaisquer documentos, designadamente, os «três instrumentos de representação», as contas, o relatório de gestão e a carta datada de 16 de Março de 2016.
Logo, ficou desde logo o Tribunal a quo impedido de sindicar a efectiva existência, e o idóneo conteúdo, da pretendida nomeação do contitular DD como representante comum da quota indivisa em causa (se essa nomeação fosse possível, que o não era, repete-se).

Também não se valida a pretensão da Recorrente, de que lhe assistiria o direito de, face ao indevido exercício das suas funções por parte da Autora, de a remover do cargo, por meio de deliberação tomada por maioria dos demais Contitulares da quota social indivisa em causa.
Com feito, e também conforme detalhadamente explicitado antes, essa remoção só poderia ocorrer: ou no âmbito de incidente próprio de remoção de cabeça-de-casal, ou mediante acção judicial intentada para o efeito, com base em justa causa de destituição.
Acresce que, perante a falta de contestação da acção por parte da Ré, inexistem quaisquer factos (alegados e provados) que consubstanciassem o indevido exercício de funções por parte da Autora, e que aqui pudessem ser ratificados enquanto tal.

Ora, vindo todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré a ser aprovadas por meio do voto do indevidamente auto-proclamado representante comum da quota indivisa, há que: ter «por nulos – e, portanto, para descontar - os votos dos contitulares da quota indivisa» por ele alegadamente representados, dado que «o voto daqueles (…) é desconforme com a norma injuntiva relativa ao exercício do direito de voto em caso de contitularidade de quota»; e tendo as mesmas sido aprovadas com tais votos, também elas serão nulas, e não meramente anuláveis, atento o disposto nos arts. 56 nº 1, al. d), in fine, e 58, nº 1, al. a), ambos do C.S.Com. (Ac. da RC, de 06.11.2012, Henrique Antunes, Processo nº 281/08.1TBVNO.C1).
(No mesmo sentido, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, Ac. da RL, de 11.11.2014, Cristina Coelho, Processo nº 27/12.0TBPNI.L1-7, onde nomeadamente se lê que «não era caso de nomear um representante comum aos contitulares da quota porquanto o mesmo mostrava-se designado por lei», pelo que «também a deliberação em causa é nula por o seu conteúdo ofender o disposto no art. 223º, nº 1 do CSC»).
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência total do recurso de apelação interposto pela Ré (BB, Limitada), confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por BB, Limitada, e, em consequência em confirmar integralmente a sentença recorrida.
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Custas da apelação pela respectiva Recorrente (artigo 527º, nº 1 e nº 2 do CPC).



Guimarães, 04 de Maio de 2017.


(Relatora)_________________________________________
(Maria João Marques Pinto de Matos)



(2º Adjunto)_______________________________________
(Heitor Pereira Carvalho Gonçalves)


Consigna-se que a Exmª 1ª Adjunta (Sr.ª Juíza Desembargadora Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente) votou em conformidade a decisão exarada supra, que só não assina por não se encontrar presente (art. 153º, nº 1, in fine, do C.P.C.).

(Relatora)_________________________________________
(Maria João Marques Pinto de Matos)