Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
332/14.5TTBRG.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: O conceito de retribuição relevante na Lei dos Acidentes de Trabalho não coincide com o da lei laboral geral, abrangendo todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, o que sucede com uma prestação que o sinistrado vinha recebendo a título de gratificação de balanço desde 18 meses antes da data do acidente, no valor mensal de 340,00€ em 2012 e de 300,00€ em 2013.
Decisão Texto Integral: 1. Relatório

Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho que B., com o patrocínio oficioso do Ministério Público, move a “C., S.A.” e “D., Lda.”, aquele pede que a 1.ª ré seja condenada a pagar-lhe o capital de remição da pensão anual e vitalícia de 531,84€, acrescida de 25€ a título de despesas de transporte, e a 2.ª ré seja condenada a pagar-lhe o capital de remição da pensão anual e vitalícia de 234,75€, bem como a quantia de 1.711,93€ a título de incapacidades temporárias.
Para tanto alega ser trabalhador da 2.ª ré e ter sido vítima de um acidente de trabalho no dia 9/07/2013, do qual resultaram ITA, ITP e IPP. Mais alega auferir anualmente, à data, o salário de 523,74€ x 14 meses, 124,30€ x 11 meses de subsídio de alimentação e, ainda, a quantia de 320€ x 12 meses a título de gratificações de balanço.
Demanda a 1.ª ré em virtude do contrato de seguro celebrado entre esta e a 2.ª ré, na sequência do qual foi transferida a responsabilidade pelos danos emergentes de acidente de trabalho em função do salário de 523,74€ x 14 meses, acrescido de 124,30€ x 11 meses de subsídio de alimentação. Demanda a 2.ª ré em função do remanescente da sua retribuição, não transferida para a seguradora.
A 1.ª ré contestou, aceitando a sua responsabilidade em função do salário base e subsídio de refeição.
A 2.ª ré contestou, aceitando os factos alegados pelo autor mas negando o carácter retributivo da quantia de 320€ recebida pelo autor a título de gratificações de balanço, afastando, assim, qualquer obrigação de pagar os montantes peticionados.
Proferido despacho saneador, procedeu-se a julgamento, findo o qual pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Nestes termos e, pelo exposto, julgo a acção procedente por provada, considerando que o autor sofreu um acidente de trabalho no dia 9/07/2013, quando se encontrava ao serviço da sua empregadora D., Lda. e, consequentemente:
a) condeno “C., S.A.”, a pagar ao sinistrado:
- a título da incapacidade parcial permanente (IPP), a pensão anual de 531,84€ a que corresponde o capital de remição de 6.771,39€ - com início em 21/05/2014, acrescida de juros de mora desde esta data até efectivo e integral pagamento;
- a título de incapacidade temporária absoluta (ITA) e de incapacidade temporária parcial (ITP) em falta, o montante de 16,52€, acrescida de juros de mora desde o dia a seguir ao acidente até efectivo e integral pagamento; e
- a quantia de 25€ a título de despesas de transporte, acrescidas de juros de mora desde a data da não conciliação até efectivo e integral pagamento;
b) condeno “D., Lda.”, a pagar ao sinistrado:
- a título da incapacidade parcial permanente (IPP), a pensão anual de 220,08€ a que corresponde o capital de remição de 2.802,06€ - com início em 21/05/2014, acrescida de juros de mora desde esta data até efectivo e integral pagamento;
- a título de incapacidade temporária absoluta (ITA) uma indemnização no montante de 1.456,74€, acrescida de juros de mora desde o dia a seguir ao acidente até efectivo e integral pagamento; e
- a título de incapacidade temporária parcial (ITP) de 20% uma indemnização no montante de 142,22€, acrescida de juros de mora desde o dia a seguir ao acidente até efectivo e integral pagamento.
Custas pelos responsáveis, na proporção do decaimento.»
A ré empregadora, inconformada, veio interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«I- A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 11º, 129º, alínea d), 258º e 261º do Cód. do Trabalho, bem como o art. 71º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
II- A sentença recorrida incorre em manifesto erro de julgamento, ao desqualificar a prova documental e testemunhal produzida e ao dar como não provada a matéria do item 6º da base instrutória.
III- A atribuição patrimonial que o recorrido estava a receber, a título de gratificação de balanço, é uma mera liberalidade concedida pelos sócios da entidade empregadora e não por esta última.
IV- Tal liberalidade, também conhecida por gratificação de participação nos lucros, é uma atribuição que se desloca da esfera patrimonial dos sócios da entidade empregadora para o património do recorrido.
V- Os técnicos de contas têm perfeito conhecimento, como testemunhas especialmente qualificadas, de que as gratificações de balanço são parte dos lucros e a sua atribuição resulta da deliberação dos sócios da sociedade empregadora.
VI- Devido à sua especial qualificação técnica, o conhecimento directo e pessoal dos técnicos de contas dispensa-os de estarem presentes na assembleia geral de sócios do empregador para saberem que as gratificações de balanço resultam de lucros.
VII- Face à prova produzida, deve ser alterada a resposta ao item 6º da base instrutória, dando como totalmente provada tal matéria.
VIII- O pagamento da gratificação de balanço em prestações mensais, mesmo quando o trabalhador não dá a sua contrapartida, não confere à liberalidade a natureza de retribuição, nem tem carácter de regularidade.
IX- Não tendo a natureza de retribuição, a gratificação do balanço não pode ser considerada, nem computada, para efeitos de indemnização ou de pensão por acidente de trabalho.
X- A sentença recorrida deve ser parcialmente revogada, em tudo quanto respeita à condenação da aqui recorrente, absolvendo-se esta do pedido contra ela deduzido, como é de JUSTIÇA.»
O Ministério Público, no patrocínio do autor, veio apresentar resposta ao recurso da empregadora, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, e colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:
- modificação da decisão sobre a matéria de facto;
- natureza retributiva ou não da quantia mensal de 320€ recebida pelo autor.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:
A) O autor B., nascido em …, trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da ré entidade empregadora D., Lda., NIF …., com sede em V. N. de Famalicão, como carpinteiro de 2.ª na indústria da construção civil.
B) No dia 09/07/2013, em V. N. de Famalicão, exercia as funções próprias daquela actividade, procedendo ao manuseamento de vidro numa caixilharia.
C) Altura em que se feriu na mão direita.
D) Em consequência directa e necessária do acidente resultaram para o autor as lesões/sequelas constantes do auto da perícia médica a que se procedeu em 11/07/2014 – designadamente ferida da face dorsal dos 3.º e 4.º dedos da mão direita, com discreta rigidez dos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º dedos ao nível das MF – a que corresponde uma IPP de 8,7334%, sendo a alta reportada a 20/05/2014.
E) Das lesões sofridas, o autor esteve afectado de incapacidade temporária absoluta, isto é, sem poder trabalhar, entre 10/07/2013 (dia seguinte ao acidente) e 06/02/2014, e de incapacidade temporária parcial de 20% entre 07/02/2014 e 20/05/2014.
F) A responsabilidade por acidentes de trabalho relativamente ao autor tinha sido transferida pela ré entidade empregadora para a ré seguradora por contrato de seguro válido celebrado entre ambas através da apólice n.º 1501120100028, pela remuneração anual de 523,74€ x 14 meses, acrescida de 124,30€ x 11 meses de subsídio de alimentação.
G) A ré seguradora pagou ao autor a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária a quantia de 3.880,77€.
H) O autor despendeu em transportes com deslocações a Tribunal e ao GML a quantia de 25€.
I) O autor auferia ao tempo o salário de, pelo menos, 523,74€ x 14 meses (ano), acrescido de 124,30€ x 11 meses (ano) a título de subsídio de alimentação.
J) No ano de 2013, a ré empregadora pagou ao autor a quantia mensal de 300€, a título de gratificação de balanço.
L) No ano de 2014, não foi atribuída pela ré empregadora ao autor qualquer quantia, a título de gratificação.
M) No ano de 2011, não foi atribuída pela ré empregadora ao autor qualquer quantia, a título de gratificação
N) No ano de 2012, a ré empregadora pagou ao autor uma gratificação no montante de 4.050€, entregue em 12 prestações mensais, no valor de 340€ cada uma.
O) O autor continuou a receber da ré empregadora a quantia de 300€ mensais, durante o período em que esteve absoluta e temporariamente incapacitado para o trabalho, entre Julho e Dezembro de 2013.
P) O autor continuou a receber da ré empregadora a quantia integral de 300€ mensais, durante o período em que apenas trabalhou parte do tempo devido, entre Abril e Julho de 2013.
Q) As gratificações mencionadas em J) e N) apenas existiram e foram pagas porque os sócios da entidade empregadora deliberaram na sua atribuição. (aditado nos termos abaixo indicados)

4. Apreciação do recurso

4.1. A Recorrente pretende a alteração da matéria de facto provada, com reapreciação da prova, designadamente dos depoimentos testemunhais gravados.
Por força do art. 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, interessa ter em conta o art. 662.º do Código de Processo Civil, que, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», estabelece no seu n.º 1 que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por sua vez, o art. 640.º, n.ºs 1 e 2, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
A Recorrente observou devidamente estes ónus, pelo que cumpre conhecer da sua pretensão, que tem por objecto o n.º 6 da base instrutória, considerado como não provado e que aquela entende que devia ter sido dado como provado.
Naquele item perguntava-se o seguinte: As gratificações mencionadas em K) e 2.º eram parte integrante dos lucros obtidos pela sociedade no ano anterior e apenas existiram e foram pagas porque os sócios da entidade empregadora deliberaram na sua atribuição?
O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de o considerar como não provado nos seguintes termos:
«No que respeita ao facto não provado, entendeu o tribunal que não foi feita prova segura do mesmo.
De facto, lidas as actas juntas a fls. 184 e 185 não resulta em parta algumas das mesmas que o valor decidido distribuir pelos trabalhadores nelas constantes adviesse dos lucros obtidos pela sociedade.
O que do elemento literal das mesmas resulta é que os sócios deliberaram gratificar alguns funcionários pelo bom desempenho das suas funções pelo trabalho prestado nos anos a que se reportam (2012 e 2013).
É certo que as testemunhas Maria e Francisco, que prestam serviços de contabilidade à 2ª ré desde Setembro de 2012, afirmaram que a gratificação dos trabalhadores advinha dos lucros da empresa, sendo certo que não demonstraram conhecimento directo sobre esse facto, já que o seu conhecimento se resume ao que lhes era transmitido pela gerência da 2ª ré, não tendo estado sequer presentes aquando daquelas deliberações.»
Sustenta a Apelante que, perante tal fundamentação, a sentença recorrida devia ter dado como provado, pelo menos, que as gratificações mencionadas em J) e N) apenas existiram e foram pagas porque os sócios da entidade empregadora deliberaram na sua atribuição. Salienta ainda que há que ter em conta que os sócios deliberaram atribuir gratificações, para serem pagas em 2013, no dia 28 de Dezembro de 2012, atendendo a que verificaram que existiam lucros do exercício económico daquele mesmo ano, fixando o montante total a distribuir e o montante que quiseram entregar a cada um dos trabalhadores contemplados, sendo certo que diminuíram a gratificação atribuída ao recorrido, relativamente a 2012. Finalmente, invoca os depoimentos das testemunhas Maria e Francisco, que referiram que as gratificações advinham dos lucros da empresa, sendo certo que, sendo os técnicos de contabilidade da Recorrente, são as pessoas que melhor conhecem os resultados da actividade económica da empresa para a qual trabalham e os documentos contabilísticos que evidenciam esses resultados, por eles elaborados.
Vejamos.
Concorda-se que as testemunhas Maria e Francisco, sendo os técnicos de contabilidade da Recorrente, são das pessoas que melhor conhecem, directamente, os resultados da actividade económica da empresa para a qual trabalham e os documentos contabilísticos que evidenciam esses resultados, por eles elaborados.
Todavia, nos termos do art. 246.º, n.º 1, al. e) do Código das Sociedades Comerciais, dependem de deliberação dos sócios, além de outros actos, a aprovação do relatório de gestão e das contas do exercício, a atribuição de lucros e o tratamento dos prejuízos.
Assim, se as quantias em apreço tivessem sido pagas a título de participação nos lucros, isso deveria resultar expressamente da deliberação dos sócios, não sendo suficiente a prova testemunhal apresentada, tanto mais que os respectivos depoimentos também não estão corroborados pela junção de documentos contabilísticos (necessariamente existentes) a espelhar a alegada situação.
Não obstante, sempre se dirá que a pretensão da Apelante é irrelevante, como adiante se verá.
Admite-se, todavia, que a prova produzida justifica que se dê como provada a restante parte do quesito 6.º, ou seja, que as gratificações mencionadas em J) e N) apenas existiram e foram pagas porque os sócios da entidade empregadora deliberaram na sua atribuição, pelo que se determina o aditamento da alínea Q) com tal redacção (alteração acima introduzida no local próprio).
4.2. Cabe agora apreciar se merece censura o enquadramento jurídico que o tribunal a quo fez dos factos provados no que tange à questão da natureza retributiva ou não retributiva da quantia mensal de 320€ recebida pelo autor, sendo certo que é pacífico que, como aquele entendeu, o regime jurídico aplicável, atenta a data da ocorrência do acidente dos autos, é o constante da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
Ora, resulta da factualidade provada que, nessa data – 9 de Julho de 2013 –, o autor auferia o salário de 523,74€, acrescido de 124,30€ a título de subsídio de alimentação e de 300€ a título de gratificação de balanço.
O salário era pago 14 vezes por ano, o subsídio de alimentação em 11 meses e a gratificação de balanço em 12 meses, sendo certo que esta em 2012 tinha sido no valor mensal de 340€.
Mais se provou que nos anos de 2011 e 2014 não foi atribuída pela ré empregadora ao autor qualquer quantia a título de gratificação e que as gratificações pagas em 2012 e 2013 o foram porque os sócios da entidade empregadora deliberaram na sua atribuição. Acresce que foram pagas mesmo nos períodos em que o sinistrado não prestou trabalho ou prestou-o de forma reduzida por estar com incapacidade temporária absoluta e parcial, respectivamente.
Vejamos.
Estabelece o art. 258.º do Código do Trabalho:
1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
(…)
Por seu turno, esclarece o art. 260.º, sob a epígrafe «Prestações incluídas ou excluídas da retribuição»:
1 - Não se consideram retribuição:
a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
b) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido;
d) A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.
2 - O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.
3 - O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:
a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;
b) Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante.
Por sua vez, estabelece o art. 71.º da mencionada Lei dos Acidentes de Trabalho:
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
5 - Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.
(…)
11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Da conjugação destas normas decorre que o conceito de retribuição, para efeitos de acidente de trabalho, não coincide com o plasmado no Código do Trabalho e alarga-se a todas as prestações recebidas com carácter de regularidade, desde que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, isto é, “custos de natureza acidental e meramente compensatória” (Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Março de 2014, in www.dgsi.pt).
Ou seja, agora nas palavras do Acórdão da Relação do Porto de 1 de Dezembro de 2014 (in www.dgsi.pt), a Lei de Acidentes de Trabalho deixou de simplesmente “fazer remissão para os critérios da lei geral (como sucedia no âmbito da Base XXIII da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, em que o legislador começava por definir retribuição através de uma remissão genérica para "tudo o que a lei considere como seu elemento integrante"), mas continuou a conferir especial atenção ao elemento da regularidade no pagamento.
E exceptua agora expressamente do conceito as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios que tenha que suportar por causa do trabalho, consagrando o que já anteriormente constituía entendimento uniforme da jurisprudência do STJ, no sentido de que as prestações que constituam ajudas de custo regulares não se qualificam como retribuição quando têm efectivamente uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho, e não se traduzem num ganho efectivo para o trabalhador.
A característica essencial da retribuição que a LAT releva – marcada apenas pela regularidade da sua percepção e com a excepção das prestações destinadas a compensar custos aleatórios – assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares do mesmo.”
Por outro lado, ao falar de “regularidade”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante.
Como observa António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 458), “a repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa – uma expectativa que é justamente protegida.”
A jurisprudência, por seu turno, vem procurando estabelecer um critério objectivo de aferição em concreto de tal característica, como seja o que temos acolhido no sentido de que a assumem as prestações que sejam pagas ao trabalhador em pelo menos 11 dos 12 meses antecedentes (cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2010, 15 de Setembro de 2010, 16 de Dezembro de 2010 e 5 de Junho de 2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
E, em matéria de acidentes de trabalho, os n.ºs 1 a 5 do art. 71.º, acima transcritos, autorizam seguramente que o conceito de «retribuição anual normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente», seja densificado com recurso à ideia de prestações cujo carácter de regularidade seja evidenciado no período de um ano anterior ao acidente.
Ora, à data do acidente de trabalho dos autos – 9 de Julho de 2013 –, o autor vinha recebendo uma prestação a título de gratificação de balanço desde 18 meses antes, no valor mensal de 340,00€ em 2012 e de 300,00€ em 2013.
Em face das considerações tecidas, tem de entender-se que tal prestação revestia carácter de regularidade, sendo certo que, por outro lado, não se destinava a compensar o sinistrado por custos aleatórios, pelo que tem inequivocamente natureza retributiva para os efeitos previstos na Lei dos Acidentes de Trabalho, independentemente de a ter ou não para os efeitos previstos no Código do Trabalho.
Aliás, as objecções que a Apelante levanta relativamente a esta gratificação de balanço (e ainda que se traduzisse em participação nos lucros) têm fundamento semelhante ao que poderia ser invocado relativamente ao subsídio de alimentação, tendo em conta o constante do art. 260.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código do Trabalho, acima transcrito, sendo certo que a Recorrente não questiona o mesmo e teve o cuidado de o fazer incluir na apólice de seguro.
Não se descortina, pois, fundamento válido para o recurso, que, assim, necessariamente soçobra.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.


Guimarães, 3 de Março de 2016


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(Alda Martins)


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(Sérgio Almeida)


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(Antero Veiga)


Sumário (elaborado pela relatora):
O conceito de retribuição relevante na Lei dos Acidentes de Trabalho não coincide com o da lei laboral geral, abrangendo todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, o que sucede com uma prestação que o sinistrado vinha recebendo a título de gratificação de balanço desde 18 meses antes da data do acidente, no valor mensal de 340,00€ em 2012 e de 300,00€ em 2013.

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(Alda Martins)