Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2529/06-1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – O proprietário de qualquer prédio tem o dever de evitar ou eliminar todo o perigo que tenha criado ou mantido, em situações especiais, como consequência do princípio geral do dever de prevenir o perigo.
2 – A construção duma piscina, num local distante da povoação mais próxima, a 3,5 Km, sem acesso rodoviário público e escondida pela vegetação, não obriga o seu proprietário a vedá-la, porque não representa um perigo, em si, um perigo para o público em geral.
3 – Apenas tem o dever de a vigiar quando é utilizada com o seu consentimento, porque, nesse momento, tem a direcção da mesma, proporcionando aos utentes todos os meios necessário de segurança e prevenindo-se dos que não sabem nadar.
4 – E isso já não se impõe a quem a use de forma furtiva e abusiva, porque o utente está a violar o direito de propriedade, não se exigindo que o seu dono preveja uma tal actuação, nem que alguém, que não sabe nadar, ouse enfrentar o perigo.
5 – Os pais têm o dever de vigilância sobre os seus filhos menores, de os educar a respeitar a propriedade alheia e o perigo que esta pode representar, quando estejam em causa recintos com água, nomeadamente piscinas.
6 – Um acidente ocorrido numa piscina, utilizada por um menor, sem saber nadar e sem autorização do seu proprietário não é da responsabilidade deste.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

Os Autores, A e B, residentes no lugar de Pedrais ou Rua de S. João, n.º 406, da freguesia de Longos, concelho de Guimarães, intentaram a presente acção, sob a forma de processo ordinário, contra as Rés C, residente na Quinta da Bouça do Carvalhal, lugar de Toraz, Longos, deste concelho, por si e em representação da sua filha menor D, consigo residente, E, F, residentes na Av. João Paulo , n.º 413, 2º Dto., Barcelos, todas na qualidade de titulares da herança aberta por óbito de G, falecido em 4/6/2000, pedindo a condenação destas no pagamento, em conjunto, de 771,28 Euros, a título de indemnização devida por despesas de funeral e a quantia de 70.000 Euros a título de danos não patrimoniais e separadamente uma indemnização de 20.000 Euros para a Autora e 20.000 Euros para o Autor, também a título de danos não patrimoniais, indemnizações essas acrescidas de juros moratórios, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
Para tanto alega que o falecido G era dono do prédio identificado no art. 9º da p.i. e que a referida casa era servida por uma piscina, a céu aberto, localizado no logradouro daquele.
Referem que em 17/6/1999, a propriedade encontrava-se completamente aberta e sem qualquer vedação, muro ou portada tal como a respectiva piscina, sendo habitual e frequente as crianças e adolescentes da freguesia deslocarem-se até à referida propriedade nos dias úteis da semana e banharem-se na respectiva piscina, aproveitando a ausência do seu proprietário.
Naquele dia, a N, de dez anos de idade, depois de ter terminado a escola às 13 horas e de aí ter almoçado, resolveu, juntamente com outras crianças de idade aproximada da sua, tomar banho na referida piscina.
Quando chegou à altura do banho, tais crianças depararam-se com a N no interior da piscina aos gritos e a bracejar em completa aflição, pedindo ajuda.
Embora tais crianças fossem pedir ajuda, quando a ajuda chegou já a N estava morta por afogamento.
Alguns dias após a fatalidade, o G procedeu à vedação total da parte envolvente da piscina.
Referem que G estava obrigado ao dever, do homem comum e prudente, de vigiar o seu prédio e a respectiva piscina e sobretudo esta e de impedir o livre e fácil acesso à mesma, vedando-a, ou pelo menos, mantendo-a vazia durante os períodos da sua ausência.
Concluem, dizendo que o proprietário da referida piscina tinha o dever especial de vigilância e de cuidado relativamente à piscina, omissão que foi a causa directa e necessária da morte da N, estando obrigado a responder nos termos previstos no art. 493º, n.º 1 do C.Civil.
Alegam ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais.
As Rés, D, E e F, apresentaram contestação, alegando, em síntese, que G não tinha qualquer obrigação de vedar a entrada do caminho particular que nasce no termo do caminho público aí existente, sendo absolutamente platónica para o efeito a colocação aí de um letreiro a dizer “entrada proibida”, sendo que a N sabia bem que aquele caminho, o terreno envolvente à casa e o da piscina eram particulares, o que explica a desnecessidade de vedar a piscina. Referem, ainda, que cumpria aos pais o dever de velar pela segurança da filha, nomeadamente proibindo-a e tudo fazendo para que ela respeitasse a proibição de se não afastar da casa paterna, muito menos mais de três quilómetros e educá-la no respeito da propriedade alheia, sendo que os Autores autorizaram que a sua filha naquele dia se deslocasse à referida piscinas na ausência do seu proprietário.
Alegam ser desapropriada a referência ao art. 493º do C.Civil pois tal normativo refere-se aos danos causados pela coisa e não aos por quem quer sofridos na coisa.
Concluem, pedindo a improcedência da acção.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, e prolatada decisão final, foi julgada a acção improcedente.

Inconformados com o decidido, os autores interpuseram recurso de apelação formulando conclusões.

Houve contra-alegações pugnando pelo decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões, a saber:

1 – Impugnação na vertente do facto

1.1 Alteração das respostas negativas para positivas ou restritivas aos artigos 2, 5, 7, 8, 13 e 14 da base instrutória.
1.2 Alteração das respostas positivas para negativas, total ou parcialmente, aos artigos 31 e 40 da base instrutória.

2 – Impugnação na vertente do direito

2.1 Se o proprietário do prédio em que está implantada a piscina onde ocorreu a morte da menor, filha dos autores, por afogamento, tinha o dever de mantê-lo vedado e vigiado no sentido de evitar que qualquer pessoa pudesse aceder à área da piscina.
2.2 Se houve nexo causal entre a omissão do dever de vedação e vigilância e a morte da filha dos autores.
2.3 Se lhe é censurável a omissão de vedação e vigilância do seu prédio, onde está implantada a piscina, onde ocorreu a morte da menor.

Iremos conhecer as questões enunciadas.

1.1– Os autores impugnaram as respostas dadas aos artigos 2, 5, 6, 7, 8, 13 e 14 da base instrutória. Na sua perspectiva estes artigos deveriam ter tido respostas positivas, ou pelo menos restritivas, face à prova produzida nos autos, atendendo às fotografias juntas e aos depoimentos das testemunhas.

O julgador motivou as respostas num despacho extenso, em que ponderou todos os elementos de prova, fazendo a sua análise crítica, expressa na valoração de cada elemento para a formação da sua convicção. É um despacho claro, racional e coerente, onde o juiz expõe as razões porque respondeu desta forma à matéria controvertida. Falta saber se o fez de acordo com a prova produzida, ou se as respostas impugnadas sofrem de erro de julgamento.

Revisada a prova testemunhal e conjugando-a com a prova documental junta aos autos, mais concretamente as fotografias, chegamos à conclusão que as respostas estão de acordo com a prova produzida. Passaremos agora a justificar esta posição.

Da conjugação dos quesitos 2 e 5 resulta que o caminho que vem do aglomerado urbano até à casa das rés é de natureza pública e tem seguimento até ao Sameiro, contornando a piscina pelo lado de cima.

E da conjugação dos quesitos 6, 7, 8, 13 , pode concluir-se que o caminho em causa, pela sua natureza e pela falta de obstáculos físicos podia induzir qualquer pessoa a entrar na casa e piscina das rés, sem se aperceber, e do quesito 14 resulta que as crianças andaram à vontade na área da piscina sem qualquer impedimento estranho.

Quanto à natureza do caminho, temos de considerá-lo privado face à prova produzida em abundância, pelo menos pelas testemunhas que conheciam o prédio e o local, por lá viverem perto, terem conhecimento da sua existência antes e depois das obras de restauro da casa e do próprio caminho. Este dá serventia à casa em causa, que está implantada no quinta da Bouça. Foi o seu proprietário que o abriu, arranjou e pagou do seu bolso estas obras.

O caminho que vai para o Sameiro fica a muita distância da casa. E os rodados nas fotografias juntas a fls. 20 referem-se a um caminho alargado pela Junta de Freguesia aquando das obras realizadas para a utilização da piscina pelas crianças da freguesia, que ocorreram posteriormente ao acidente. Esse caminho dava acesso aos montes e era utilizado apenas pelos caseiros das quintas da Bouça e do Carvalhal, que pertenciam à mesma família.

No que concerne aos acessos fáceis à casa e à piscina temos de ter em atenção, não só aos obstáculos físicos, como aos psicológicos. Na verdade, não existiam avisos de que a propriedade era privada. Mas a cerca de 50 metros, qualquer pessoa que seguisse o caminho, com o mínimo de atenção, aperceber-se-ia que estava numa propriedade cuidada, com vegetação plantada ( limoeiros, arbustos e outra plantas decorativas). E a casa em si, no topo do caminho, era um aviso mais que suficiente no sentido de que aí vivia gente. E, como é do conhecimento geral, as casas habitadas, nas circunstâncias em que esta se encontrava, bem arranjada, são um sinal inequívoco de privacidade, de que não se deve ultrapassar determinados limites, neste caso o átrio, que dava para o seu interior. Isto é o que faz parte da cultura média de qualquer pessoa, integrada numa sociedade, em que existem regras de respeito pela propriedade alheia. Qualquer pessoa sentia que tinha que respeitar a privacidade da casa, mesmo na ausência dum portão, cancela, ou outro obstáculo físico, a ordenar a paragem.

No que respeita ao acesso à piscina temos de ter em conta que esta apenas tinha acesso adequado para tal, pelas escadas que foram construídas para o efeito. Pelo lado do monte, não havia um acesso no sentido estrito do termo. E isto porque estava vedada a toda a volta por vegetação natural, bem alta ( mato, giestas, codessos) que crescia num talude que envolvia a piscina em causa. Esta não era visível da parte de fora. Só quem soubesse da sua existência é que iria à sua procura e a encontraria pela pesquisa no meio do mato. E só ultrapassando a vegetação, que era densa, na envolvente junto ao monte, é que teria acesso, por essa parte, à piscina.

Isto foi o que resultou dos depoimentos de várias testemunhas com destaque para o H, I, J, L. O primeiro viveu sempre naquele local a cerca de 200 metros da quinta da Bouça, e tinha 78 anos, revelou ter conhecimento profundo dos donos das terras e dos caminhos e trabalhou no restauro da casa. O segundo era irmão do falecido G, dono da quinta da Bouça, e desde que teve memória conheceu os terrenos da família, tendo lá uma propriedade, e frequentou a casa antes e depois das obras, com a família. A J vive a cerca de 30 minutos a pé da quinta da Bouça e trabalha lá há cerca de 11 anos como mulher a dias. O L foi presidente da Junta de Freguesia desde 1982 a 2001, e negociou com o G a utilização da piscina e a realização das obras de alargamento do caminho de acesso à piscina e as da sua vedação.

Mais tarde, depois das obras de vedação e alargamento do acesso à piscina pelo monte, foram abertos caminhos “corta fogos” na propriedade das rés, no monte acima da piscina, que descaracterizaram a configuração morfológica do terreno envolvente à piscina, do lado dos montes, como se vê do fotografia junta a fls. 22, documento 12. Todas as fotografias de fls. 22 a 23 e de fls. 54 a 58, são posteriores ao acidente, retratam já o acesso à piscina pelo lado do monte com as obras realizadas pela Junta de Freguesia e as de corta fogos, cuja morfologia é muito diferente da que resulta dos depoimentos das testemunhas, que destacam o acesso com maior declive, ou rampa, e com vegetação silvestre mais alta e mais densa na envolvente da piscina junto ao talude .

As únicas anteriores, são as de fls. 17, que configuram ainda o caminho em terra batida, com a envolvente arbórea junto à casa, com limoeiros do lado esquerdo, e arbustos decorativos. E se analisarmos as fotografias de fls. 56 e 57, constata-se que, desde as obras de beneficiação do acesso à piscina e da sua vedação, que foram realizadas no ano de 2000, até ao ano de 2002, houve um grande crescimento da vegetação silvestre que envolve o acesso e o talude da piscina, a partir do monte. Isto para explicar como estava protegida a piscina por uma barreira de vegetação natural, vinda a partir do monte. Na verdade, não tendo havido intervenção nessa vertente, o mato, giestas, silvas e outros plantas silvestres cresceram livremente durante vários anos. E, face a um crescimento a este ritmo que as fotografias nos podem apresentar, é fácil concluir que anteriormente às obras e aquando do acidente, a vegetação vinda do monte, em toda a envolvente da piscina, estaria muito densa e alta. Apenas era aparada do seu interior e não do exterior, o que leva a concluir que havia uma barreira vegetal impeditiva, ou que criava grandes dificuldades de acesso à piscina, por banda do monte.

Em face de tudo isto, julgamos que as respostas negativas e restritivas a estes quesitos se adequam à prova produzida, avaliada no seu conjunto e não apenas de forma sincopada, ou parcial. E estão em consonância com as respostas positivas dadas aos quesitos 30 a 38, que exprime a posição das rés no processo quanto à descrição da natureza do caminho e acessos à piscina. Foi esta que vingou e está de acordo com a prova produzida e que é o oposto da defendida pelos autores.

Os menores que foram à piscina no dia do acidente tinham entre 10 e 12 anos, poucos conhecimentos tinham sobre a propriedade. Apenas contaram o que tinham visto naquela altura, e referiram alguns obstáculos que tiveram de ultrapassar para entrarem na zona da piscina, como a vegetação existente, que tiveram de furar e contornar alguma vedação em rede e portão. O que demonstra que o acesso à piscina não era tão fácil como foi descrito pelos autores.

E mesmo o caminho que um dos rapazes ( o M ) refere, que dava para a quinta do Fojo, estava vedado na parte final com rede. O que demonstra que o mesmo não era de acesso público, mas apenas confinado à utilização dos montes pelos seus proprietários, que fazia parte da quinta da Bouça, propriedade da herança aberta por óbito do G.

Assim julgamos que não houve erro de julgamento, pelo que não vamos alterar as respostas dadas aos quesitos.

1.2 – No que respeita aos quesitos 31 e 40, pelo que já explanamos acima em 1.1, também não merecem censura as respostas dadas. Estão enquadradas com as respostas aos quesitos 30 a 38, que consagra a posição das rés, e que exprime a prova produzida na audiência.

O acesso para a piscina foi sempre pelas escadas e nunca pelo lado do monte. Houve uma abertura por aí, para a construção da piscina, por onde passaram os materiais. Depois disso, não mais foi utilizada e a natureza acabou por fechá-la com o crescimento das ervas, matos, silvas e outros arbustos silvestres. Faz parte da envolvente que lhe dá a privacidade necessária para o seu uso habitual. E qualquer pessoa, mesmo com a idade da N, que frequentava a escola, no terceiro ano, sabia que aquele sítio era privado, tinha dono, e que não poderia ser usado sem autorização. Faz parte das regras sociais, que se interiorizam com a idade, com a convivência e com a escola. Daí que as respostas estejam de acordo com a prova produzida, pelo que as não vamos alterar.

Damos como assente a matéria fáctica da decisão impugnada, que passamos a transcrever:

1 – A N faleceu no dia 17 de Junho de 1999, com 10 anos de idade, e era filha dos Autores - cfr. certidão de fls. 14 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido ( A ).
2 - As Rés são as únicas herdeiras de G, falecido no dia 4 de Julho de 2000, no estado de casado com a Ré C, e sendo as restantes Rés suas filhas - cfr. documentos de fls. 16, 83 a 84, 101, 102 e 117 a 121 que aqui se dão por inteiramente reproduzidos ( B ).
3 - O G era dono e legítimo possuidor de um prédio misto, denominado Quinta da Bouça do Carvalhal, sito no Lugar de Toraz, da freguesia de Santa Cristina de Longos, desta comarca, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 167 e na matriz predial rústica sob os artigos 1004, 1005, 1006, 1007, 1010, 1011, 1014, 1015 e 1017 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 00265/300192 - cfr. documentos de fls. 106 a 111 que aqui se dão por inteiramente reproduzidos ( C ).
4 - O referido prédio tinha uma casa que era servida por uma piscina, a céu aberto, localizada no logradouro daquele ( D ).
5 - A morte da menor N ficou a dever-se a asfixia por submersão, resultante do seu afogamento na piscina referida em D) pertencente a G ( E ).
6 - A menor N frequentava a escola do ensino básico ( F ).
7 - Os Autores despenderam com o funeral da N a quantia global de 184.700$00 ( 921,28 Euros ) ( G ).
8 - Os Autores receberam da Segurança Social a título de subsídio de funeral a quantia de 35.650$00 (177.82 Euros) - cfr. documento de fls. 25 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido ( H ).
9 - O G entregou aos Autores a quantia de 50.000$00, para ajuda das despesas com o funeral da N ( I )
10 - Algum tempo após a data de 17/06/1999, o G procedeu à vedação da parte envolvente da piscina referida em D), com ferros e uma rede em ferro com mais de dois metros de altura e arame farpado em toda a sua extensão na parte superior ( J ).
11 - No dia 17/06/1999, a menor N deslocou-se ao prédio e piscina do G referidos em C) e D) porque chegada a casa, da escola, ali não encontrou a sua mãe, como era costume, a qual não havia ainda regressado do Centro de Saúde das Taipas, aonde teve de se deslocar ( L ).
12 – A piscina referida em D) tem 12 metros de comprimento, 5 metros de largura e cerca de 1,80 metros de profundidade na parte mais funda e 80 cm na parte mais baixa ( 3º ).
13 - O prédio referido em C) começa ligeiramente acima do campo de futebol da freguesia de Longos ( 4º ).
14 - O G, em 17/6/99, não tinha colocado qualquer letreiro que proibisse a entrada no prédio e na piscina referidos em C) e D) ou que alertasse ou informasse de que se tratava de propriedade privada ( 9º ).
15 – Por vezes crianças e adolescentes da freguesia de Longos deslocavam-se até ao prédio identificado em C) e banhavam-se na piscina referida em D), sobretudo em dias de calor e aproveitando a ausência do seu proprietário ( 10º ).
16 - A N, no dia 17 de Junho de 1999, já depois de ter terminado a escola, às 13.00 horas, e de ali ter almoçado, resolveu, juntamente com outras crianças de idade aproximada da sua, rumar até à piscina referida em D), com o objectivo de ali se banharem e resfriarem o imenso calor que naquele dia se fazia sentir ( 12º ).
17 – As referidas crianças entraram no mencionado prédio e área envolvente da piscina, onde não se encontrava ninguém ( 13º ).
18 - As referidas crianças, ali chegadas, entraram na piscina para se banharem e a dada altura depararam-se com a N no interior da piscina aos gritos e a bracejar em completa aflição e pedindo ajuda ( 14º ).
19 - Contudo, não foi possível às restantes crianças acudirem-lhe, dada a sua tenra idade, as quais, perante tal cenário de aflição, se sentiram impotentes para lhe acudirem ( 15º ).
20 - E, presenciando a luta que aquela travava com a profundidade da água, e o esmorecer das suas forças e resistência, entraram completamente em pânico e, assustadas com o que presenciavam, a única reacção que conseguiram ter foi fugir, apavoradas, e, algumas delas, correram em busca de socorro ( 16º ).
21 - Uma dessas crianças dirigiu-se até à residência de H, relatando o sucedido e pedindo que fosse chamada uma ambulância, o que este fez através de uma chamada telefónica para o Quartel dos Bombeiros Voluntários das Taipas ( 17º ).
22 - Posteriormente, um dos rapazes que acompanhou a N voltou ao local, antes da chegada dos bombeiros, e, constatando que aquela já se encontrava completamente inerte e estática na água, mergulhou na piscina e dela retirou a No, puxando o seu corpo para a borda ( 18º ).
23 - E foi assim que os bombeiros, que ocorreram prontamente ao local, encontraram a N já sem vida ( 19º ).
24 - A N lutou, durante alguns momentos, contra a profundidade da água da piscina, em permanente aflição, sofrendo dor, desespero e angústia ao aperceber-se de que não seria capaz de resistir à água e à profundidade, e da própria morte ( 20º ).
25 - A N era alegre e feliz ( 21º ).
26 - A alegria e sorrisos da N enchiam de felicidade o lar em que vivia, com seus pais e quatro irmãos, tanto mais que era a filha (e irmã) mais nova da sua família, por quem toda ela nutria um especial carinho ( 22º ).
27 – A N era uma criança acarinhada pelas pessoas que a rodeavam ( 23º ).
28 - Os Autores sofreram, e continuam a sofrer, abalo, desgosto, mágoa e tristeza, com a morte da sua filha N, por quem nutriam amor e carinho ( 24º ).
29 - Abalo e desgosto de que ainda se não recompuseram, nem se recomporão jamais, sentindo ainda, permanentemente, a falta e uma dolorosa saudade da sua filha N ( 25º ).
30 - Em 17/06/1999, o G era professor efectivo da Escola Preparatória Prof. João de Meira, sita nesta cidade de Guimarães ( 26º ).
31 – E tinha a sua residência na Quinta da Bouça do Carvalhal referida em C), apenas saindo dela, ocasionalmente, em trabalho eventual, como músico, em férias, fins de semana e uma ou outra viagem ( 27º ).
32 – No dia 17/06/1999, o G saiu da sua casa referida em D), próximo da qual se situa a piscina, pelas 13:00 horas, para ir dar aulas na escola mencionada em 26) ( 28º ).
33 - Tendo ali ficado uma empregada, que terminou o seu trabalho e regressou a casa dela cerca de uma hora depois ( 29º ).
34 - A piscina referida em D) situa-se sob a esquerda e para trás da casa, em terreno plano, absolutamente distinto do pátio, com cota superior a este em, pelo menos, dois metros ( 30º ).
35 - O acesso à referida piscina faz-se por uma escada em cimento encravada no muro de suporte de terras do dito terreno ( 31º ).
36 - A aludida piscina encontra-se implantada bem no meio desse terreno, bem visível e insusceptível de não ser percebida por quem quer que fosse que ao terreno assomasse ou a ele acedesse ( 32º ).
37 - A entrada da Quinta identificada em C) dista cerca de 3,5 km da casa dos Autores, cerca de 2,1 km da escola que a N frequentava, cerca de 1,1 km da Estrada Municipal referida em 30) e cerca de 0,5 km do campo de futebol referido em 4) ( 33 ).
38 - Para se aceder à piscina referida em D) a partir da casa dos Autores ou da escola que a N frequentava, é necessário alcançar a Estrada Municipal e daí entra-se no início do caminho público - fotos 1, 2 e 3 de fls. 54 - que segue durante cerca de 0,6 km - fotos 4 a 14 de fls. 54- ( 34º ).
39 - (...) até se encontrar a entrada, à direita, para o campo de futebol - fotos 14 e 15 de fls. 54- ( 35º ).
40 – (...) e aí começa, para quem segue em frente, a Quinta referida em C), momento a partir do qual o caminho passa a ser particular, por integrado nesta - fotos 16 e 17 de fIs. 55 -, prosseguindo durante cerca de 0,5 km, faceando, durante não mais que cerca de 100 metros, terreno afecto ao campo de futebol, que lhe fica à direita ( fotos 18 a 22 de fls. 55-), continuando por mais cerca de 400 metros, até se extinguir à entrada do pátio da casa.- fotos 23 a 38 de fIs. 55 e 56- ( 36º ).
41 – Aí começa, para quem segue em frente, a quinta referida em C), momento a partir do qual o caminho começa a ser particular, por integrado nesta – fotos 16 e 17 de fls. 55 -, prosseguindo durante cerca de 0,5 Km, faceando, durante não mais que cerca de 100 metros, terreno afecto ao campo de futebol, que lhe fica à direita – fotos 18 a 22 de fls. 55 -, continuando por mais cerca de 400 metros, até à entrada do pátio da casa – fotos 23 a 38 de fls. 55 e 56. ( 37º ).
42 - O acesso a tal terreno, e por isso à piscina, ficou a fazer-se a partir do pátio do lado esquerdo da casa, até se chegar às escadas em cimento mencionadas em 31), encravadas no muro de suporte de terras do terreno da piscina e, só após subidos os dois lances destas, se chegava, então, ao terreno da piscina, onde esta existia e existe - fotos 58 a 67 de fIs. 57 e 58- ( 38º ).
43 - A menor N sabia que pelo menos o terreno envolvente à casa e o da piscina eram particulares ( 40º ).
44 – G dotou o local de um camaroeiro em alumínio, como os existentes nas piscinas públicas, com o qual podia alcançar-se qualquer ponto da piscina a partir da sua borda e assim socorrer quem quer que necessitasse de auxilio ( 45º ).
45 - A vedação referida em J) foi efectuada para impedir que os alunos da escola de natação, utentes da piscina assim colocada ao dispor da colectividade local, se não espalhassem pelas redondezas, perdendo-se o controlo do seu número, o que poderia ser fonte de acidentes na piscina não detectados atempadamente ( 50º ).
46 - Para além do referido em H) e I), foi feita na freguesia uma colecta para cobrir o custo do funeral da G ( 51º ).

2.1, 2.2, 2.3, - Estas questões enquadram-se na responsabilidade civil extracontratual e estão conexas entre si, pelo que devem ser conhecidas globalmente.

No caso questiona-se se o proprietário do prédio onde está implantada a piscina onde ocorreu o acidente, com a filha dos autores, estava obrigado, legalmente, a vedá-lo e vigiá-lo de molde a evitar o acesso de pessoas à área da piscina.

A omissão dum acto só gera responsabilidade civil, se, por força da lei, ou contrato, alguém estiver obrigado a praticar o acto omitido e seja um garante da situação, isto é, se tivesse agido, o resultado não se teria verificado. Abrange a situação de dever de prevenir o perigo, resultante duma obrigação legal ou contratual de vigilância. É o que resulta da leitura do artigo 486 do C.Civil ( As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido).

Como resulta do artigo 1356 do C.Civil, ao proprietário cabe o direito de tapagem. Este direito emerge da exclusividade de uso do bem de que é titular. Se quiser manter, em exclusivo, o seu uso, tem a possibilidade de o vedar livremente, dentro dos limites da lei. O que daqui se pode concluir que a vedação não é um dever que se imponha ao proprietário, como princípio geral. Só se alguma norma, que regule determinada situação conexa com o exercício do direito de propriedade, assim o impuser. No caso da construção duma piscina, como equipamento dum prédio urbano para uso privativo, não há legislação específica que imponha a sua vedação. Daí que o proprietário em causa não tivesse o dever de agir, no sentido de vedar a sua propriedade, mais concretamente, o acesso à piscina.

Por sua vez, coloca-se também o problema da vigilância, como exigência inerente à qualidade de proprietário. Existe um conjunto de normas que impõem um dever de vigilância, para prevenir o perigo inerente à coisa de que é proprietário, mais precisamente, quando é potenciadora de perigo, isto é, susceptível de gerar perigo, capaz de se concretizar em danos. Aí a lei impõe ao proprietário um dever de prevenir o perigo, incutindo-lhe o dever de praticar um conjunto de actos, conforme as circunstâncias, sob pena de incorrer em responsabilidade, ou seja, em responder pelos danos causados pela coisa, de que é titular. Está em causa o controle do perigo que é inerente à coisa, em certas circunstâncias. É o que resulta da leitura dum conjunto de normas insertas no C.Civil ( artigo 492, 493, 502, 1347, 1348, 1349, 1350, 1352 etc.).

Por sua vez, não existe nenhuma norma ou preceito genérico da lei que imponha um dever legal de agir para prevenir uma situação especial de perigo criada ou mantida pelo proprietário. Porém, não deixa de se impor ao proprietário um dever de evitar ou eliminar o perigo que foi criado ou mantido por si, em situações especiais. Esse princípio resulta das normas acima elencadas, como o refere Antunes Varela, em R.L.J. Ano 114, pag. 77 a 79.

No caso em apreço estamos perante um prédio misto, em que, na parte urbana, foi construída uma piscina, cujo acesso não se encontra vedado. É um prédio situado numa zona rústica encostado ao monte, distante do centro da aldeia, a cerca de 3,5 Km, em que um equipamento desportivo ( campo de futebol) fica a cerca de 0,5 Km. O acesso ao mesmo faz-se, desde o campo de futebol, em caminho particular, não havendo circulação viária pública por perto. O que nos leva a concluir que quem quiser passar pelo prédio, terá de se deslocar propositadamente. É o que resulta da matéria de facto inserta nos pontos 32 a 40 da sentença impugnada, e das fotos juntas aos autos.

É um local onde não existem crianças por perto, nem pressão de pessoas que tenham de passar em via pública contígua, paralela ao prédio e aos limites da piscina, que está implantada num socalco, bem visível a quem entre na sua área de implantação. O que quer dizer que a piscina em si, face à sua localização, não representa qualquer perigo especial para quem quer que seja. Apenas incorpora o perigo que lhe é inerente, e que se traduz na ruptura de algum cano, ou outro elemento constitutivo da sua estrutura, que pode afectar os prédios vizinhos, mas que, neste caso, ficam muito distantes, o que seria muito difícil de serem atingidos, sem que o dono não se apercebesse antecipadamente.

O perigo do uso da piscina não está em causa, porque estamos perante uma piscina de uso privado, como equipamento dum prédio urbano. Apenas a usarão, em princípio, as pessoas da casa ou outras com autorização do dono. Nestas circunstâncias, o dono da piscina terá a direcção da mesma e será responsável pelas consequências do seu uso. Terá de se acautelar perante quem a utilizar nestes moldes, proporcionando-lhe toda a segurança necessária, e prevenindo-se de quem não souber a arte de nadar. Aí impõe-se um dever de prevenir o dano, mais concretamente o afogamento. O que implica um dever de vigilância de quem a utiliza, para evitar danos.

O acidente em causa foi provocado por alguém que invadiu a propriedade privada, praticou um acto ilícito, enquanto entrou em propriedade alheia sem autorização, e em momento em que ninguém se encontrava em casa. Fê-lo furtivamente, e utilizou este equipamento, sem saber nadar. A menor de 10 anos, sabia que estava a entrar em propriedade alheia sem autorização e que não sabia nadar. Isto resulta da forma como reagiu, entrando em pânico. Pois, uma pessoa que soubesse nadar não se afogaria como aconteceu com a Tânia.

Este acidente deveu-se à imprudência e ousadia da menor, e à falta de vigilância dos pais, que tinham o dever de a guardar, de a educar a respeitar a propriedade privada e de a prevenir dos perigos, como seja, o de não entrar em locais com água. Estes, mesmo conhecidos, para quem não domine a arte da natação, são sempre perigosos. E muito mais serão quando desconhecidos.

E não se poderá dizer que o proprietário tinha o dever de prever que o sua propriedade poderia vir a ser violada por crianças para se banharem na piscina. Face ao circunstancialismo exposto, julgamos que não era exigível que um proprietário medianamente inteligente e prudente previsse o que veio a acontecer. Pois não é exigível que se preveja a actuação ilícita e a imprudência de terceiros nestas circunstâncias. Estamos a falar duma piscina que se encontra praticamente escondida da sociedade. Só mesmo pessoas muito curiosas e aventureiras é que ousariam andar tantos quilómetros a pé, para se aproximarem da piscina em causa e não terem um mínimo de sensibilidade pelo respeito da propriedade alheia e pelo risco que uma piscina representa para quem não sabe nadar.

Não estamos perante uma situação especial de perigo crida ou mantida pelo proprietário ao construir a piscina. Ela, em si, nas circunstâncias em que se encontra, não representa perigo para ninguém, a não ser para os ousados, imprudentes, e desrespeitadores dos direitos dos outros.

Não se verifica a presunção de culpa enunciada no artigo 493, n.º 1 do C.Civil, porque este normativo refere-se ao caso da coisa, por falta de vigilância, ter causado danos a terceiros e não já aos danos causados com a coisa, isto é, aos danos ocorridos com o uso da coisa. O que acontece é que o acidente não foi causado pela piscina. Ele verificou-se na piscina por factos que lhe são estranhos . Foi o seu uso imprudente, por quem não sabia nadar e não tinha autorização, que provocou o acidente.

De tudo isto resulta que o proprietário da piscina não é responsável pelo acidente, devido à omissão do dever de vedar, de vigilância, nem de culpa pela falta de previsibilidade da ocorrência dos factos.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juizes da Relação em julgar improcedente a apelação, e, consequentemente, confirmam a decisão impugnada.

Custas pelos autores.

GuimarãeS, 22 de Fevereiro de 2006