Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1126/06-2
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: ACÇÃO DE CONDENAÇÃO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
PARTE COMUM
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1-A acção de condenação pode também ter lugar na previsão da violação do direito, dando então lugar a uma intimação ao réu para que se abstenha de o violar.
2- Neste caso, se a violação da obrigação negativa puder ser repetida, justifica-se e impõe-se o estabelecimento de uma sanção pecuniária compulsória para prevenção dessa repetição.
3- É corredor comum o espaço em frente às garagens que é utilizado pelos condóminos como passagem para os seus veículos.
Não podem os condóminos utilizar esse espaço para estacionar, se com isso prejudicarem objectivamente o acesso de outros condóminos a outras garagens
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
*
“A” e mulher “B” intentaram a presente acção com processo sumário contra “C” pedindo que o réu seja condenado: no reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre a fracção e veículos automóveis, referenciados na petição; a abster-se de praticar quaisquer actos que possam violar ou constituir infracção ao exercício dos direitos de propriedade dos autores referidos no pedido anterior; numa sanção pecuniária compulsória, do montante mínimo de €1 500,00, por cada infracção que venha a cometer, relativamente aos direitos de propriedade dos autores referidos no primeiro pedido, que pela prática de novos actos como os acima descritos, quer de outros da mesma natureza, ou que conduzam ao mesmo resultado; a pagar-lhes uma compensação pelos danos morais acima descritos que se computam até à presente data, no montante global de €4.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação e até efectivo pagamento; a pagar-lhes também uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, por todos os danos patrimoniais resultantes da conduta culposa do réu e acima descrita e uma compensação pelos danos não patrimoniais que vierem a sofrer até à cessação das consequências decorrentes do mencionado comportamento do réu.

Alegam para o efeito, que são proprietários da fracção " AB " sita no prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua Damião de Góis, com os números ímpares 225 a 241 de polícia e Rua Pedro Magalhães Gondavo, com os números 150, 154 e 160 de polícia, freguesia de Braga (Cividade ); que o réu é proprietário de uma fracção do mesmo prédio correspondente ao quinto andar direito; que são proprietários de dois veículos automóveis com matrícula 71-97-DA e 01-77-NI, sendo o réu proprietário do veículo com matrícula XI-00-57; que no dia 09.02.2005 tinham o veículo 71-97-DA estacionado no interior da sua garagem, sita na sub-cave do prédio e o veículo 01-77-NI estacionado na frente da porta da respectiva garagem; que, então, o réu estacionou o seu veículo na frente do veículo com matrícula 01-77-NI, impedindo desta forma que os autores retirassem os seus veículos da garagem e que os proprietários das garagens contíguas retirassem os seus; que o réu não dispõe de garagem no local onde estacionou o veículo, nem necessita de percorrer o corredor de acesso às garagens quando se dirige para o exterior ou vem do exterior; que com a sua conduta o réu está a causar-lhes prejuízos, porque não podem dispor dos veículos para as suas deslocações; na verdade, o autor exerce a actividade de comércio de carnes verdes e utiliza um dos veículos para se deslocar para o seu local de trabalho no Mercado Municipal e para fazer entregas de mercadorias aos clientes, enquanto a filha do autor é advogada e necessita do outro veículo para se deslocar no âmbito da sua actividade profissional; além disso, o outro filho do casal frequenta a Faculdade em Barcelos, para onde se desloca diariamente enquanto o filho mais novo frequenta a Escola Secundária de Maximinos, para onde o autor o leva no seu veículo.

Conclui, que a privação dos veículos causou prejuízos e danos morais, cuja indemnização peticiona.
Contestou o réu por impugnação, deduzindo, ainda reconvenção.
Alega, em síntese, que o autor exerce as funções de administrador da compropriedade de Aparcamentos dos prédios 227,235 e 239 da Rua Damião de Góis; que autor e réu estão incompatibilizados; que no dia 09.02.2005 quando ia retirar o seu automóvel da garagem deparou com sujidade na área de aparcamento e com o portão das garagens aberto, porque a calha tinha detritos, o que o obrigou a proceder à sua limpeza para posteriormente fechar a porta; que ao proceder da forma descrita verificou que o autor se encontrava a observá-lo sem nada fazer, motivo pelo qual o Réu decidiu colocar o seu veículo na frente do veículo do autor; que o seu automóvel permaneceu no local indicado até ao dia 10.02.2005: impugnou a matéria dos danos.
Em reconvenção pediu a condenação dos autores: a absterem-se da prática mencionada ao longo de todo o processo, ou seja, que sejam proibidos de utilizar o corredor de acesso às garagens para estacionar qualquer veículo e fixada uma sanção pecuniária compulsória, igual à demanda na alínea 3 do pedido, ou seja, € 1 500,00, para cada incumprimento; e a pagarem-lhe uma indemnização de € 1000,00, como litigantes de má-fé.
Os autores responderam mantendo o alegado na posição inicial e pedindo a condenação do réu como litigante de má-fé.
Elaborou-se o despacho saneador e dispensou-se a selecção da matéria de facto, nos termos do art. 787º CPC.
Realizou-se o julgamento, que culminou com a decisão da matéria de facto.
De seguida, foi proferida sentença que concluiu assim:
“ Pelo exposto julga-se parcialmente procedente, por provada, a acção e condena-se o Réu a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre a fracção ( art. 1º da petição ) e veículos automóveis ( art. 17º da petição ) e ainda, a pagar ao Autor a indemnização no montante de € 250,00 ( duzentos e cinquenta euros ) e à Autora a indemnização de € 200,00 ( duzentos euros ), acrescida de juros, a partir da citação, à taxa de 4%, até integral pagamento, absolvendo-se o Réus, dos restantes pedidos formulados.
Julga-se procedente, por provado, o pedido reconvencional e condena-se os Autores:
- a absterem-se de estacionar qualquer veículo automóvel no corredor de acesso ás garagens; e
- condena-se os Réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 1 500,00 ( mil e quinhentos euros ), por cada situação de incumprimento, revertendo tal valor a favor do condomínio.
Custas da acção, por Autores e Réu, na proporção do decaimento, ou seja, 3/4 e 1/4, respectivamente.
Custas da reconvenção, pelos Autores.
Julga-se improcedente, por não provado, o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má-fé e o pedido de condenação do Réu, como litigante de má-fé.
Custas por Autores e Réu, respectivamente.”
Desta sentença interpôs o réu recurso, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões:
A- Dispõe o artigo 336º do Código Civil, que as pessoas podem recorrer à acção directa quando lhe seja impossível obter uma decisão em tempo útil, não sendo dado por assente que os Autores poderiam evitar os danos morais que dizem ter sofrido.
B- Dispõe o número 1 do art° 570º do Código Civil, sob a epígrafe de "Culpa do lesado que ", quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, no caso, entende o Réu que a mesma deve ser excluída.
C- Só devem ser considerados os danos de tal modo graves que mereçam a tutela do direito, e nunca os danos morais como os que, eventualmente sofreram os Autores que de tal modo insignificantes, tanto que nem sequer foi dado por assente qualquer dano patrimonial, não devem não ter a tutela do direito, por força do disposto no n° 1 do art° 496 do Código Civil.”
Os autores não contra-alegaram.
Com a sentença também não se conformaram os autores que dela interpuseram recurso, formulando, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
“1 - Não se conformam os Apelantes com a douta decisão em crise, por entenderem que, em face da matéria de facto provada e do direito aplicável, o desfecho certo do pleito seria a total procedência da acção e a integral improcedência do pedido reconvencional.
2 - A Meritíssima Juiz "a quo" reconheceu o direito de propriedade dos Apelantes sobre a sua mencionada fracção e os referidos veículos automóveis.
3 - Tendo sido decidido, como foi, na douta sentença em crise, ter sido o comportamento do Apelado ilícito, e como tal constitutivo da obrigação de indemnizar os Apelantes, não se percebe a razão da não condenação daquele a abster-se de tais comportamentos ilícitos, posto que lhe é legalmente imposto o respeito dos aludidos direitos de propriedade dos Apelantes.
4 - Do mesmo modo, tendo sido o acto do Apelado um acto ilícito e tratando-se tal obrigação de abstenção da violação do direito dos Apelantes, uma obrigação de prestação de facto negativo infungível, também não se entende porque não foi o mesmo Apelado condenado na pretendida sanção pecuniária compulsória, para prevenção da repetição de tais condutas.
5 - Atendendo à perturbação e desassossego causados aos Apelantes com o descrito comportamento do Apelado e comparando com os montantes indemnizatórios atribuídos em situação de sofrimento psicológico de muito menor intensidade, afigura-se-nos que as quantias atribuídas aos Apelantes pecam por insuficientes, devendo as mesmas aproximar-se dos valores peticionados.
6 - A utilização do mencionado espaço por parte dos Apelantes, nos precisos moldes em que a mesma é feita e consta dos factos provados, constitui um exercício legítimo do direito de compropriedade daqueles sobre as partes comuns, que se contém dentro dos limites e no respeito do fim da coisa comum em questão.
7 - Deste modo, não possuem qualquer fundamento os pedidos feito em reconvenção, quer de facto, quer de Direito, que como tal deviam ter improcedido totalmente.
8 - Deste modo, ao decidir-se pela improcedência parcial da acção e pela procedência da reconvenção, houve-se a Meritíssima Juiz "a quo" com violação, além do mais, do disposto nos artigos: 483º,496º, 562°, 829°-A, 1406° e 1422, do Código Civil.”
Pedem, a final, que se revogue a sentença apelada e se profira acórdão que julgue a acção totalmente provada e procedente e o pedido reconvencional totalmente improcedente.
O réu respondeu pugnando pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir:
A matéria de facto provada dada como provada na 1ª instância é a seguinte:
“- PETIÇÃO -
- Os Autores ocupam a fracção autónoma designada pela letra
”AB”, correspondente ao 2º andar direito, lado poente, destinada a habitação, com uma garagem individual na sub-cave, designada pelo nº 17, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Damião de Góis, com os números ímpares 225 a 241 de polícia e Rua Pedro Magalhães Gondavo, com os números 150, 154 e 160 de polícia, freguesia de Braga (Cividade), inscrita na matriz predial respectiva sob o art.º 486-AB ( art. 1º );
- Por escritura pública, datada de 6 de Novembro de 1995, no Primeiro Cartório Notarial de Braga os Autores declararam comprar a fracção descrita no art. 1º ( art. 2º );
- São decorridos mais de vinte anos que os Autores, por si e antecessores, têm dado de arrendamento a parcela de terreno onde foi implantado o aludido edifício onde se integra tal fracção e recebido as rendas e quando não arrendada, cultivaram-na directamente e colheram os respectivos frutos e no exercício da faculdade de transformação que o direito de propriedade comporta e após a obtenção da respectiva licença autárquica, levaram a cabo a construção do mesmo edifício, que submeteram ao regime da propriedade horizontal, suportando o respectivo custo e posteriormente, utilizaram a mencionada fracção para habitação ( art. 3º a 9º );
- Sempre os Autores, por si e antecessores, têm suportado as respectivas despesas de conservação, inerentes à aludida parcela de terreno e, posteriormente, à sua citada fracção, pago os impostos, taxas e demais devido e a ela respeitantes ( art. 10º e 11º );
- Tudo isto tem sido levado a cabo pelos Autores, por si e antecessores, de dia e de noite, na frente de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente (art. 12º);
- Com o ânimo de serem seus únicos e exclusivos donos ( art. 13º, 14º, 15º );
- O Réu ocupa a fracção autónoma correspondente ao quinto andar, pertencente ao mesmo prédio, encontrando-se na posse desta fracção em moldes idênticos aos acima referidos quanto à posse dos Autores ( art. 16º );
- Na Conservatória do Registo Automóvel competente mostra-se registada a aquisição a favor dos Autores de dois veículos automóveis, de marca Toyota, modelo Corolla, com as matrículas 71-97-DA e 01-77-NI, sendo o primeiro ligeiro de mercadorias e o segundo ligeiro de passageiros ( art. 17º );
- Dispõe dos veículos há muito mais de quatro anos a esta parte, para os fins a que os mesmos se destinam, suportando as correspondentes despesas de conservação e pago os impostos a eles inerentes, com o ânimo de serem seus exclusivos donos ( art. 18º, 19º, 20º, 21º );
- Como a garagem é contígua a uma das paredes da sub-cave do prédio ( art. 24º );
- A sua frente tem o comprimento aproximado do de um veículo ligeiro de

passageiros ( art. 25º );
- Os Autores, normalmente, guardam um dos veículos no interior da garagem e o outro, por vezes, fica estacionado no seu exterior, encostado à parede da sub-cave e à porta da mesma garagem ( art. 26º e 27º );
- Como quando um dos veículos fica no exterior da garagem, se encontra a ocupar uma parte que é comum do prédio, apesar de não ser zona de passagem dos demais utentes da sub-cave, os Autores têm sempre o cuidado de não importunar os titulares das garagens mais próximas ( art. 28º );
- O Réu é dono do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula XI-00-5... ( art. 30º );
- O Réu guarda na garagem que integra a sua fracção e que se situa noutra parte da sub-cave do prédio ( art. 31º );
- Não carecendo, para aceder da garagem para a via pública e desta para aquela, de utilizar qualquer parte do pavimento da sub-cave, defronte da garagem dos Autores ( art. 32º);
- No dia 9 de Fevereiro de 2005, pelas dezasseis horas, o Autores tinham o 01-77-N... guardado no interior da sua citada garagem ( art. 34º );
- O 71-97-D... encontrava-se estacionado defronte da mesma garagem, com a frente voltada para a parede da sub-cave do prédio e encostado a esta ( art. 35º );
- Sem que nada o fizesse prever, sem o conhecimento, nem o consentimento, contra a vontade dos Autores, nessa ocasião, o Réu estacionou o citado veículo XI-00-57 imediatamente atrás do 71-97-DA e praticamente encostado a este ( art. 36º, 37º, 38º );
- Impossibilitando completamente os Autores, tanto de usarem este veículo, como de retirarem o 01-77-N... do interior da garagem ( art. 39º );
- A partir dessa hora, não mais puderam os Autores utilizar qualquer dos seus citados veículos ( art. 40º );
- Os próprios titulares das garagens próximas da dos Autores, concretamente, da garagem que é contígua à dos Autores e, bem assim, das três garagens que se encontram defronte àquelas duas ( art. 41º );
- Não puderam retirar, nem colocar os seus veículos, nas mesmas garagens ( art. 42º );
- Como ninguém atendeu, quando se pretendeu que viesse à porta de sua casa ( art. 45º );
- A filha dos Autores solicitou a intervenção da PSP, que nada fizeram por se
tratar de questões relacionadas com a propriedade privada ( art. 46º e 47º );
- No dia seguinte a filha dos Autores pedir a deslocação da Polícia Municipal, que nada fez , por entender que se tratava de questões relacionadas com a propriedade privada ( art. 48º, 49º );
- Em ambos os casos, os respectivos agentes dirigiram-se à residência do Réu, tocaram à campainha, mas do interior só tiveram como resposta um profundo silêncio ( art. 50º );
- No dia 9 de Fevereiro, um filho do Réu ter sido visto nas imediações, designadamente subindo e descendo, pelo menos parte, da Rua Magalhães Gondavo, onde se situa a rampa de acesso às garagens do prédio em questão, presume-se que a apreciar a situação ( art. 51º );
- A imobilização das referidas viaturas pertencentes aos Autores ( art. 53º );
- Que são as únicas que possuem ( art. 54º );
- Os Autores possuem os ditos veículos com vista à satisfação das suas necessidades pessoais e profissionais, bem como dos restantes elementos que compõem o seu agregado familiar e que, para além da referida filha, que é advogada, é composta por dois filhos ( art. 56º );
- O filho “D”, com catorze anos de idade e “E”, com vinte e um anos de idade ( art. 57º, 58º );
- Os Autores vivem exclusivamente do rendimento da actividade profissional do Autor, o qual, é industrial de carnes verdes ( art. 59º, 60º );
- Actividade esta que exerce através de um estabelecimento comercial situado no Mercado Municipal de Braga ( art. 61º );
- No exercício desta sua actividade, o Autor utiliza aquelas viaturas, designadamente o veículo ligeiro de mercadorias, para as suas deslocações pessoais e para o transporte da mercadoria que comercializa no seu estabelecimento e entrega diariamente aos respectivos clientes ( art. 62º, 63º );
- Não dispõe de viaturas alternativas ( art. 65º );
- A filha dos Autores, vive com estes, é advogada ( art. 72º );
- O descabimento, imprevisão e consequências do citado comportamento do Réu, causaram um enorme transtorno, incómodos e perturbação aos Autores ( art. 83º );
- Ficaram os Autores num profundo estado de ansiedade e consternação ( art. 85º);
- Principalmente por causa da afectação dos citados veículos à actividade
profissional do Autor ( art. 86º ).
- CONTESTAÇÃO –
- O Autor é administrador da compropriedade de Aparcamentos dos prédios 227, 235 e 239 da Rua Damião de Góis ( art. 1º );
- O Réu estacionou o veículo atrás do veículo dos Autores ( art. 11º );
- O Autor apresentou queixa na Polícia Municipal, tendo esta levantado o Autor de Notícia, que foi arquivado, por a pretensa infracção não ter sido cometida na via pública ( art. 14º );
- O Réu retirou o veículo no dia 10.02.2005 depois das 18.00 horas ( art. 15º, 45º);
- O Autor é talhante no mercado municipal ( art. 17º );
- Os Autores estacionaram um dos veículos em frente à porta da respectiva garagem ( art. 19º, 49º );
- O local onde os Autores estacionam o veículo é utilizado para aceder ás garagens situadas na envolvente ( art. 21º, 22º );
- “F”, namorado da filha dos Autores é testemunha neste processo ( art. 41º );
- No dia 09.02.2005 os veículos dos Autores encontravam-se estacionados na garagem ( art. 43º );
- RESPOSTA –
- O Autor só parou um dos veículos, no espaço em frente à garagem, por pouco tempo durante o dia ( art. 28º );
- Com carácter permanente utiliza outra garagem sita na Rua Damião de Gois, com o nº 209 de polícia ( art. 29º );
- As actas da assembleia de condóminos, respeitantes ás garagens, correspondentes ao período 22.10.1994 a 30.03.2004, duas das actas encontram-se assinadas pelo mandatário do Autor e só numa simultaneamente com o Autor marido ( art. 36º );
- O comproprietário da fracção que usa a garagem nº8, que se situa na frente da garagem dos Autores estaciona o seu veículo no espaço em frente à mesma garagem ( art. 47º ).
- Na Conservatória do Registo Predial de Braga mostra-se inscrita a aquisição a partir de 10 de Abril de 1996, a favor dos Autores da fracção descrita no art. 1º da petição ( doc. de fls. 92 ).”
Existe lapso evidente no enunciado dos factos provados.
Está dado como provado que: “ [Isto] No dia 9 de Fevereiro, um filho do Réu ter sido visto nas imediações, designadamente subindo e descendo, pelo menos parte, da Rua Magalhães Gondavo, onde se situa a rampa de acesso às garagens do prédio em questão, presume-se que a apreciar a situação (art. 51º)”.
Porém, este facto do art. 51 da petição foi dado como não provado (cfr. despacho de resposta à matéria de facto a fls. 144).
Deve, por isso, ser erradicado do elenco dos factos provados.
Embora interposto em segundo lugar, interessa começar, por motivos de ordem lógica, pelas questões suscitadas no recurso dos autores.
Apelação dos autores:
1. Da abstenção do réu a praticar quaisquer actos que possam violar ou constituir infracção ao exercício dos direitos de propriedade dos autores em relação à fracção e veículos automóveis:
Os autores pediram a condenação do réu a reconhecer o seu (dos autores) direito de propriedade sobre a fracção e veículos automóveis, referenciados na petição; e a condenação do réu a abster-se de praticar quaisquer actos que possam violar ou constituir infracção ao exercício dos direitos de propriedade referidos no pedido anterior.
A Sr.ª Juiz a quo condenou o réu “a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre a fracção (art. 1º da petição) e veículos automóveis (art. 17º da petição)”.
Não o condenou, no entanto, a abster-se de praticar quaisquer actos que possam violar ou constituir infracção ao exercício dos referidos direitos de propriedade dos autores.
Sobre o assunto, escreveu:
“ (...) O proprietário goza de pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas e nisso se traduz o conteúdo do seu direito – art. 1305º CC. A apreciação da ofensa aodireito, pressupõe a análise de factos concretos, que não foram alegados, com a extensão devida para fundamentar o pedido formulado. Com efeito, tão só se apurou que o Réu em determinado dia e durante um certo período manteve estacionado o seu automóvel, no corredor de acesso às garagens e na frente do veículo do Autor. Não se apuraram, nem se alegaram outros factos dos quais resulte que o Réu visa exercer actos que contendem com o direito de propriedade dos Autores. Na petição deve o Autor expor os fundamentos e o objecto da sua pretensão. Como refere Alberto dos Reis: " a pretensão exprime o direito que o autor se arroga contra o réu; o pedido traduz-se na providência que o autor solicita ao tribunal. É claro que a pretensão repercute-se naturalmente no pedido; a espécie de providência que o autor vai pedir ao tribunal deve ser, logicamente, o reflexo da pretensão que se arroga contra o réu." ( Comentário, Vol.II, pag. 361 ). No caso concreto, os Autores não formulam qualquer pretensão contra o Réu. Por outro lado, o pedido assim formulado não consubstancia um pedido genérico, pois não se insere na previsão do art. 471º CPC.”
Opõem os recorrentes que tendo sido decidido que o comportamento do réu foi ilícito, e como tal constitutivo da obrigação de indemnizar os autores, não se percebe a razão da não condenação do réu a abster-se de tais comportamentos ilícitos.
As acções de condenação destinam-se a exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito (art. 4, n º 2, al. b) do CPC).
Ou seja: a condenação tem como pressuposto lógico a violação do direito; porém, a acção de condenação pode também ter lugar na previsão da violação do direito, dando então lugar a uma intimação ao réu para que se abstenha de o violar (Lebre de Freitas, CPC anotado, Volume 1º, pág. 14).
A lesão do direito pode ter já ocorrido ou ser previsível, caso em que se pretende evitar que se produza. A prestação pode consistir um facto positivo ou numa omissão (Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3ª edição, volume I, pág. 52).
Como na sentença se reconhece, ao colocar o seu veículo no corredor de acesso às garagens, o réu impediu o acesso dos autores à garagem (integrada na fracção propriedade dos autores), assim limitando o exercício do direito de propriedade destes.
Ao colocar a sua viatura atrás do veículo dos autores impediu que o autor utilizasse o veículo que tinha na garagem e o veículo que tinha estacionado à frente dela desde as 16 horas do dia 9 de Fevereiro de 2005 até às 18 horas do dia 10 do mesmo mês.
Nos ternos do art. 1305º do Código Civil, “ o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela impostas”.
Com o seu comportamento, o réu atentou contra o direito de uso da garagem e dos veículos por parte dos autores, contendendo com o exercício do direito de propriedade dos autores sobre a garagem e sobre os veículos.
Assim sendo, é normal que os autores receiem que o réu volte a lesar o seu direito de propriedade sobre a garagem e sobre os veículos e que, para prevenir ou evitar nova violação (que antevêem), peçam a condenação do réu a abster-se de novas infracções (exigindo, assim, a prestação de facto negativo).
Deve, portanto, o réu ser condenado a abster-se de praticar quaisquer actos que possam violar ou constituir infracção ao exercício do direito de propriedade dos autores sobre a fracção (onde se inclui a garagem) e os veículos automóveis.
2- Sanção pecuniária compulsória:
Os autores pediram a condenação do réu numa sanção pecuniária compulsória, do montante mínimo de € 1,500, por cada infracção que venha a cometer, relativamente aos direitos de propriedade dos autores referidos no primeiro pedido, quer pela prática de novos actos como os acima descritos, quer de outros da mesma natureza ou que conduzam ao mesmo resultado.
Pedido que não foi atendido pela Sr.ª Juiz, com a fundamentação que se transcreve:
“ (…) Como já atrás se referiu, o proprietário goza de pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas e nisso se traduz o conteúdo do seu direito – art. 1305º CC. Nessa medida qualquer ofensa ao exercício do direito, com o conteúdo referido, representa a prática de um acto ilícito que confere ao proprietário o direito à indemnização pelos prejuízos sofridos (art. 483º, 487º CC). Recai contudo sobre o lesado o ónus da prova do facto ilícito. No caso concreto, não se apuraram os factos que configuram a obrigação de indemnizar com fundamento na prática de facto ilícito, nem se justifica relegar para liquidação de sentença a determinação da extensão dos danos, porque não se apurou o facto-causa da obrigação de indemnizar. Acresce que a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, pressupõe a existência de uma obrigação de prestação de facto infungível positivo ou negativo, o que não se verifica no caso presente (art. 829º-A CPC). Improcede, também, nesta parte o pedido.”
Sustentam, porém, os apelantes que tendo sido o acto do apelado um acto ilícito e tratando-se tal obrigação de abstenção da violação do direito dos apelantes uma obrigação de prestação de facto negativo infungível, deve o apelado ser condenado na pretendida sanção pecuniária compulsória, para prevenção da repetição da conduta igual à que praticou.
Na verdade, vai o réu condenado numa obrigação de prestação de facto infungível negativo: a da abstenção da prática de quaisquer actos que possam violar ou constituir infracção ao exercício do direito de propriedade dos autores sobre a fracção e os veículos automóveis.
Com efeito, "sempre que a violação da obrigação negativa possa continuar ou ser repetida, impõe-se que a sentença condene o devedor a cumpri-la no futuro, ordenando-lhe que cesse e/ou não renove a sua infracção". (Calvão da Silva, "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", Coimbra, 1995, pág. 460, citado pelo Ac. STJ de 9.5.2002, relatado por Araújo de Barros, in www.dgsi.pt)
A prestação do réu (obrigação negativa) é duradoura, de natureza continuada, a sua violação pode repetir-se no futuro. Por isso, “é justamente nestes casos em que a violação da obrigação negativa possa continuar ou ser repetida, que se justifica (e impõe) o estabelecimento de uma sanção pecuniária compulsória, como meio de prevenir a continuação ou renovação do incumprimento, provocando a obediência do devedor à condenação inibitória e o respeito pela devida prestação originária.” (aresto citado).
Deve, por isso, o réu - e nos termos do art. 829º-A do CC - ser condenado em sanção pecuniária compulsória por cada infracção.
Afigura-se-nos, no entanto, suficiente para desincentivar a reincidência do réu a fixação da sanção pecuniária compulsória em € 750 por cada infracção que ele venha a cometer pela prática de actos de actos iguais ao que praticou ou pela prática de actos que, de qualquer modo, atentem contra o direito de uso da fracção (garagem) e dos veículos.
3- indemnização por danos morais:
O réu / apelante põe em causa no seu recurso a indemnização por danos morais fixada na sentença.
E invoca (aliás, pela primeira vez) o art. 336 do CC, que se reporta à acção directa.
Se bem se percebe, os autores não teriam direito
à indemnização porque não teria ficado assente que “ os autores poderiam evitar os danos morais que dizem ter sofrido”.
Seria, porém, ao réu, prosseguindo na sua lógica de raciocínio, que incumbiria provar que os autores podiam ter evitado os danos morais que sofreram, o que não logrou fazer.
Invoca, ainda, o réu/apelante o disposto no art. 570 do CC, para excluir o direito dos autores à indemnização.
Para ele, o facto culposo dos lesados seria o estacionamento do veículo do autor no corredor de acesso às garagens.
No entanto, não existe nexo de causalidade adequada entre o estacionamento do veículo dos autores e os danos morais por estes sofridos.
Não foi o estacionamento do veículo dos autores à frente da sua garagem que produziu ou agravou os danos não patrimoniais por eles sofridos.
Estes danos só tiveram uma causa adequada e essa foi o estacionamento do veículo do réu imediatamente atrás do veículo do autor que impediu que este saísse da sua posição e permitisse a saída do outro veículo estacionado dentro da garagem.
Está provado que o facto de o réu ter estacionado o seu veículo atrás do 71-79-DA impossibilitou completamente os autores, tanto de usarem este veículo, como de retirarem o veículo 01-77-NI do interior da garagem, ficando impedidos de utilizar qualquer dos veículos e de os afectar à actividade profissional do autor.
Está, ainda, provado que “ o descabimento, imprevisão e consequências do citado comportamento do réu, causaram um enorme transtorno, incómodos e perturbação aos autores “, que ficaram num profundo estado de ansiedade e consternação.
O transtorno, incómodos, perturbação, ansiedade e consternação que o comportamento do réu (professor do ensino secundário) causou aos autores justificam indemnizações um pouco mais elevadas do que as fixadas (cfr. art. 494 e 496 do CC), dentro, ainda assim, do quadro de parcimónia jurisprudencial que é geralmente o dos danos morais resultantes da lesão de bens patrimoniais.
Afigura-se-nos que a indemnização ao autor deve ser fixada em € 420 e a da autora em € 330.
Procede, assim, em parte, o recurso dos autores e improcede o do réu.
4- Dos pedidos reconvencionais:
Como se recorda, a Juiz a quo condenou os autores a absterem-se de estacionar qualquer veículo automóvel no corredor de acesso às garagens; e os réus (queria dizer autores) no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 1.500 (mil e quinhentos euros), por cada situação de incumprimento, revertendo tal valor a favor do condomínio.
4.1- Da condenação dos autores a absterem-se de estacionar qualquer veículo automóvel no corredor de acesso às garagens:
Sobre a utilização do corredor de acesso às garagens para estacionar qualquer veículo, escreveu a Sr.ª Juiz:
“ (…) Decorre do disposto, no art. 1421º/c) CC, que os corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos constituem parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal. Sendo comum, como determina o art. 1403º/2 CC (por remissão do art. 1404º CC), os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes. Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito - art. 1406º/1 CC. Como refere Pires de Lima e Antunes Varela: " o fim da coisa que a lei põe como limite ao uso do comproprietário não é o fim abstracto ou típico das coisas da mesma natureza. É o fim concretamente determinado pela afectação da coisa comum, podendo esta afectação resultar da lei, do título ou do acordo das partes ou provir da efectiva aplicação da coisa." ( Código Civil Anotado, vol. III, 325 ). No caso concreto, o corredor de acesso às garagens, permite a circulação dos veículos automóveis da respectiva garagem para o exterior do edifício e do exterior para o interior das garagens. Desta forma, dentro do uso normal do espaço e atento o fim a que se destina, não deve ser utilizado pelos condóminos para estacionar os respectivos veículos. A utilização para esse fim, não está contida no direito de propriedade dos condóminos, pois significaria a afectação de um espaço comum a um fim exclusivo de um condómino, criando assim uma desigualdade na utilização da coisa comum. Apurou-se que o Autor utiliza o corredor de acesso às garagens, na parte que se situa na frente da respectiva garagem para estacionar, ainda que por curto espaço de tempo, o seu veículo automóvel. Tal atitude representa uma violação do exercício dos seus direitos enquanto condómino. O facto de estacionar o veículo na frente da respectiva garagem, não impede o juízo de censura, porque trata-se de respeitar o uso colectivo de um bem que é comum e que deve ser utilizado por todos os condóminos da mesma forma, por ser essa a expressão do conteúdo do direito. Conclui-se, pois, pela procedência do pedido reconvencional no sentido dos Autores absterem-se de utilizar o corredor de acesso ás garagens para estacionar qualquer veículo. “
Consideram os recorrentes que “a utilização do mencionado espaço por parte dos apelantes, nos precisos moldes em que a mesma é feita e consta dos factos provados, constitui um exercício legítimo do direito de compropriedade daqueles sobre as partes comuns, que se contém dentro dos limites e no respeito do fim da coisa comum em questão. “
Argumentam os apelantes, em resumo, que não perturbam ninguém com o estacionamento de um dos seus veículos à frente da sua garagem.
Porém, não lhes assiste razão.
Nos termos do art. 1420, nº 1 do CC “ cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.”
Nos termos do art. 1421, nº 1, c) do mesmo diploma legal “ são comuns os corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos”.
É corredor comum o espaço em frente às garagens e que é utilizado pelos condóminos como passagem para os seus veículos (Ac. R.C. de 7.11.2000, Col. 2000-V-7, citado por Sandra Passinhas, na sua obra “Assembleia dos Condóminos…”, 2ª edição, pág. 39).
Sobre o assunto escreve P. Lima e A. Varela “ (…) A redacção da nossa lei mostra que houve a intenção de considerar comuns (a todos os condóminos) mesmo aquelas entradas, vestíbulos, escadas e corredores cujo uso seja apenas comum a um grupo deles ou cuja aptidão objectiva (passagem) aproveite só a algum deles. Se porém, o proveito (objectivo) se referir a um só dos condóminos, nada impedirá já que a parte do edifício em causa integre a propriedade exclusiva da respectiva fracção (...). Será necessária, no entanto, para esse efeito uma destinação objectiva, não bastando, para afastar o regime estabelecido no nº 1 do art. 1421, que de determinada escada (vestíbulo, corredor, etc.) se sirva apenas, de facto, o proprietário de uma fracção autónoma. Sempre que os elementos em questão sejam utilizáveis (ainda que apenas potencialmente) por mais do que um condómino, deverão considerar-se forçosamente comuns (…) “ (CC anotado, 2ª edição, volume III, pág. 422).
O que releva para efeito de os corredores de uso ou passagem serem partes comuns do edifício não é, portanto, o seu efectivo ou permanente uso ou utilização para passagem pelos condóminos mas a simples potencialidade do uso ou passagem (cfr. Ac. STJ de 22.1.2004, relator Aráujo de Barros, in www.dgsi.pt).
Ora, o estacionamento do veículo dos autores à frente da garagem condiciona o uso (potencial e objectivamente viável) que os outros condóminos podem fazer da parte do corredor de acesso que é ocupada.
Mas ainda que não fosse de aplicar o art. 1421, nº 1, al. c) do CC, sempre se justificaria a aplicação do art. 1421, nº 2, al. e) do mesmo diploma, segundo o qual se presumem comuns, em geral, as coisas que não estejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.
A afectação a que se alude aqui é uma afectação material – uma destinação objectiva – existente à data da constituição do condomínio. (…) O simples uso de uma parte do prédio por alguns ou alguns condóminos não basta para afastar a presunção estabelecida no nº 2. Esse uso pode traduzir, pura e simplesmente, o exercício da faculdade que o art. 1406 confere a todo o comproprietário “ (A. Varela, ob. cit., 423).
Ora, não há aqui uma destinação objectiva, material do corredor de acesso à garagem dos autores. Essa parte do corredor é também susceptível de ser usada por outros condóminos. O que se passa é o simples uso de uma parte do prédio pelos autores, que não afasta a presunção do nº 2 do art. 1421 do CC e que corresponde ao exercício da faculdade que o art. 1406 confere ao comproprietário.
Porém, o que está em questão e importa é o uso que os condóminos ( e neste caso especial, os autores) podem fazer da parte comum que é o corredor.
Em causa está, concretamente, a possibilidade de os autores poderem estacionar um dos seus veículos em frente da sua garagem nos moldes em que o vinham fazendo e de harmonia com o disposto no art. 1406, nº 1 do CC.
Com interesse para a questão, estão provados os seguintes factos:
“- Como a garagem é contígua a uma das paredes da sub-cave do prédio ( art. 24º );
- A sua frente tem o comprimento aproximado do de um veículo ligeiro de passageiros ( art. 25º );
- Os Autores, normalmente, guardam um dos veículos no interior da garagem e o outro, por vezes, fica estacionado no seu exterior, encostado à parede da sub-cave e à porta da mesma garagem ( art. 26º e 27º );
- Como quando um dos veículos fica no exterior da garagem, se encontra a ocupar uma parte que é comum do prédio, apesar de não ser zona de passagem dos demais utentes da sub-cave, os Autores têm sempre o cuidado de não importunar os titulares das garagens mais próximas ( art. 28º );
- No dia 9 de Fevereiro de 2005, pelas dezasseis horas, o Autores tinham o 01-77-NI guardado no interior da sua citada garagem ( art. 34º );
- O 71-97-DA encontrava-se estacionado defronte da mesma garagem, com a frente voltada para a parede da sub-cave do prédio e encostado a esta ( art. 35º );
- Sem que nada o fizesse prever, sem o conhecimento, nem o consentimento, contra a vontade dos Autores, nessa ocasião, o Réu estacionou o citado veículo XI-00-57 imediatamente atrás do 71-97-DA e praticamente encostado a este ( art. 36º, 37º, 38º );
- Impossibilitando completamente os Autores, tanto de usarem este veículo, como de retirarem o 01-77-NI do interior da garagem ( art. 39º );
- A partir dessa hora, não mais puderam os Autores utilizar qualquer dos seus citados veículos ( art. 40º );
- Os próprios titulares das garagens próximas da dos Autores, concretamente, da garagem que é contígua à dos Autores e, bem assim, das três garagens que se encontram defronte àquelas duas ( art. 41º );
- Não puderam retirar, nem colocar os seus veículos, nas mesmas garagens ( art. 42º );
- O local onde os Autores estacionam o veículo é utilizado para aceder ás garagens situadas na envolvente ( art. 21º, 22º );
- O Autor só parou um dos veículos, no espaço em frente à garagem, por pouco tempo durante o dia ( art. 28º );
- Com carácter permanente utiliza outra garagem sita na Rua Damião de Gois, com o nº 209 de polícia ( art. 29º );
- O comproprietário da fracção que usa a garagem nº8, que se situa na frente da garagem dos Autores estaciona o seu veículo no espaço em frente à mesma garagem ( art. 47º ).”
Dispõe o nº 1 do art. 1406 do CC que “ na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que não a empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito”.
Donde, os condóminos podem usar todas as partes comuns desde que não as empreguem para fim diferente daquele a que se destinam e não privem os outros consortes do uso a que têm direito (Sandra Passinhas, ob. cit., 151)
Como salienta a Juiz a quo, citando Pires de Lima e Antunes Varela " o fim da coisa que a lei põe como limite ao uso do comproprietário não é o fim abstracto ou típico das coisas da mesma natureza. É o fim concretamente determinado pela afectação da coisa comum, podendo esta afectação resultar da lei, do título ou do acordo das partes ou provir da efectiva aplicação da coisa.” (CC anotado, 2ª edição, volume III, 358)
E esse fim, no caso concreto, é o de o corredor servir para aceder às garagens e não de estacionamento.
Porém, nada impede que “ o comproprietário use a coisa para um fim diferente do seu fim usual, contanto que não prejudique a utilização dela para esta finalidade .” (Pires de Lima e A. Varela, ob. cit. 358)
Observam os recorrentes que o espaço por eles ocupado à frente da sua garagem não serve de corredor de passagem dos veículos nem é utilizado por mais nenhum dos condóminos para esse efeito, a não ser por aqueles que têm as garagens adjacentes às dos apelantes e que estes têm sempre o cuidado de não perturbar, sendo que até um deles usa o espaço defronte da sua garagem (nº 8) para estacionar o seu veículo.
Em primeiro lugar, os recorrentes não conseguiram provar que a parte do corredor fronteira à sua garagem é (pode ser) apenas utilizada por eles nem que os outros condóminos não a utilizam como corredor de acesso às suas garagens.
Pode aquela zona não ser uma zona de passagem mas o que é certo é que o local onde os autores estacionam o veículo é utilizado para aceder às garagens situadas na envolvente, de tal maneira que os autores têm sempre o cuidado de não importunar os titulares das garagens mais próximas, o que, obviamente, não fariam se não os pudessem perturbar com o estacionamento.
Em conclusão, os autores não podem utilizar o espaço defronte da sua garagem para estacionar, na medida em que com a sua actuação estão a prejudicar a finalidade desse espaço, que é o do acesso a outras garagens.
Poder-se-á objectar que não há prejuízo efectivo uma vez que os autores têm sempre o cuidado de não importunar os titulares das garagens mais próximas, não os privando do uso a que têm direito.
Ou seja: os titulares das garagens mais próximas, para acederem às suas garagens, dependem do cuidado posto pelos autores no sentido de não os importunar, o que envolve, a nosso ver, uma limitação à liberdade de uso do corredor pelos condóminos que necessitam do espaço fronteiro à garagem dos autores para acederem às suas garagens.
No uso da coisa comum, não são consentidos aos condóminos excessos que venham a limitar ou a restringir o igual direito dos outros condóminos que superem os limites da normalidade e da razoabilidade. A limitação do uso dos outros condóminos não tem de ser um impedimento absoluto, mas qualquer privação ou uma simples diminuição do gozo. (Sandra Passinhas, ob. cit. 152).
“ O direito de cada condómino de fazer um uso mais amplo da coisa comum, em relação com as novas exigências da vida, é correlativo do princípio da manutenção da relação de equilíbrio com os direitos dos outros condóminos, os quais não devem sofrer limitações que se traduzam num prejuízo juridicamente relevante e apreciável, prejuízo que subsiste ainda quando o uso pelos outros seja possível, mas menos cómodo” ( Sandra Passinhas, ob. cit., citando Jannnuzi).”.
Ora, o permitir-se que os autores façam uso do espaço fronteiro à sua garagem para estacionamento, quando existem condóminos que precisam desse espaço para aceder às suas garagens, implica para estes uma limitação que se traduz num prejuízo juridicamente relevante.
É que o uso desse espaço pelos condóminos que dele necessitam para aceder às suas garagens, apesar de possível, ( no sentido em que os autores têm o cuidado de não os importunar ), passa a ser menos cómodo na medida em que está objectivamente dependente da vontade dos autores, o que é susceptível de gerar constrangimentos e obstáculos ao livre exercício dos direitos daqueles condóminos.
Acresce que as relações entre os direitos dos condóminos relativamente às partes comuns devem, como se disse, pautar-se pelo equilíbrio, de modo que uns não fiquem favorecidos ( o que aconteceria com os autores ) à custa dos outros.
Tendo em conta o que se deixou dito, aceita-se, assim, a solução encontrada pela sentença, que evita desigualdades na utilização da coisa comum ( e que podem ser potenciadoras, como se viu, de conflitos entre condóminos).
4.2- Sanção pecuniária compulsória:
Sobre esta escreveu-se na sentença:
“ (…) Ao condómino assiste-lhe o direito de demandar um outro condómino em defesa das áreas comuns do prédio. A lei confere ao lesado o direito de pedir a fixação de uma sanção pecuniária, pela mora no cumprimento, nas obrigações de prestação de facto infungível – art. 829º-A CPC. A sanção pecuniária é fixada a pedido do Autor, destinando-se o valor fixado em partes iguais para o Estado e para o credor, acrescida de juros à taxa de 5%. Como refere Calvão da Silva: " as obrigações negativas duradouras são domínio por excelência da sanção pecuniária compulsória, dada a sua infungibilidade natural e a necessidade de evitar contravenções sucessivas." No caso concreto, por se verificarem os pressupostos, para arbitrar uma sanção, fixa-se a mesma em € 1 500,00 (mil e quinhentos euros), por cada situação de incumprimento. Refira-se que os Autores não contestaram o valor peticionado, nem o mesmo se mostra desproporcionado para garantir o fim sancionatório da indemnização. Este valor reverte a favor do condomínio do prédio, pois a sanção visa a defesa de interesses comuns. “.
Os autores / apelantes insurgem-se, não contra o valor da sanção, mas contra a aplicação da mesma.
Como já se disse anteriormente, não assiste aos autores o direito de estacionar o seu veículo automóvel no corredor de acesso às garagens.
A sanção pecuniária compulsória é uma medida coercitiva que visa evitar novas infracções.
Afigura-se-nos que a fixação de uma sanção pecuniária compulsória no mesmo montante da fixada ao réu será suficiente para prevenir novas infracções.
É certo que a infracção dos autores não teve as consequências danosas que teve a infracção do réu.
E nessa medida seria mais premente evitar as infracções do réu, o que se conseguiria com a aplicação de uma sanção mais severa.
No entanto, é preciso não esquecer que as infracções do réu foram motivadas ou “ provocadas “ pela dos autores pelo que é de esperar que, não praticando os autores novas infracções, o réu também não venha a cometer outras, idênticas à que cometeu.
Justifica-se, assim, a aplicação aos autores de uma sanção pecuniária compulsória igual à aplicada ao réu, no montante de € 750.
Apelação do réu:
Do objecto do recurso do réu se conheceu quando se apreciou a questão da indemnização pelos danos morais também suscitada pelos autores.
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em:

1- julgar a apelação dos autores parcialmente procedente:

2- julgar a apelação do réu improcedente:

3- condenar, consequentemente:
a) o réu a abster-se de praticar quaisquer actos que possam violar ou constituir infracção ao exercício do direito de propriedade dos autores sobre a fracção ( parte da garagem) e os veículos automóveis;
b) o réu a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, uma quantia de € 750 (setecentos e cinquenta euros) por cada infracção que venha a cometer pela prática de actos de actos iguais ao que praticou ou pela prática de actos que, de qualquer modo, atentem contra o direito de propriedade (na sua vertente do direito de uso) da fracção (garagem) e dos veículos automóveis;
c) o réu a pagar ao autor a indemnização por danos não patrimoniais, de € 420 (quatrocentos e vinte euros) e à autora a indemnização de € 330 (trezentos e trinta euros), acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
d) os autores a pagarem, a título de sanção pecuniária compulsória, uma quantia de € 750 (setecentos e cinquenta euros) por cada situação de incumprimento (da abstenção de estacionar qualquer veículo automóvel no corredor de acesso às garagens);

4- manter quanto ao mais a sentença recorrida.
Custas da acção e da reconvenção na proporção de metade pelos autores e réu.
Custas da apelação dos autores pelos apelantes e pelo apelado, na proporção de 30% para os primeiros e 70% para o segundo.
Custas da apelação do réu pelo mesmo, na qualidade de apelante vencido.
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Guimarães,14 de Setembro de 2006