Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTERO VEIGA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DIREITO COMUNITÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/02/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Face ao princípio do primado do direito europeu, como vem sublinhando a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as normas de direito interno, designadamente as do DL 522/85, de 20.12, na redacção dada pelo DL 130/94, de 19.05, devem ser interpretadas de forma conforme ao direito comunitário. II – Como resulta da jurisprudência Katja Candolin e Elaine Farrell, firmada pelo TJCE, a Directiva 90/232/CEE opõe-se a uma legislação nacional nos termos da qual o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel não cubra a responsabilidade por danos pessoais causados ao passageiro, ainda que proprietário do veículo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães. Rosa …, intentou a presente acção declarativa de condenação, com a forma ordinária, contra; “Companhia de Seguros, S.A.”, pedindo: A condenação da Ré a paga-lhe a indemnização global de € 102.189,13, por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados a partir de 1 de Julho de 2000 e até efectivo e integral pagamento. Alega, sinteticamente, que no dia 17 de Abril de 1996, pelas 01h00m, na Estrada Nacional nº 202, ao Km 11,6, na freguesia de Vila Mou, nesta comarca, ocorreu um acidente em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ...F-05-48, e o velocípede com motor, de matrícula 2-VCT-...9-22, propriedade da autora, que na altura era conduzida por seu pai, Francisco…, com ordem e autorização daquela, em que seguia como passageira. Em consequência desse acidente, resultaram ferimentos na autora, que lhe determinaram dores, padecimento e sequelas, e prejuízos decorrentes do acidente. A culpa na ocorrência foi do condutor do veículo segurado. A ré contestou, excepcionando a nulidade do seguro em causa nos autos, pelo facto da tomadora do seguro ter ocultado da ré facto relevante para as condições do contrato, no caso, que a lotação do veículo não era para uma, como ficou a constar do contrato, mas para duas pessoas. Sendo certo, também, que aquele tipo de veículo apenas tem lotação legal para o seu condutor. Impugna o alegado. A autora já está a ser indemnizado pela Seguradora Metrópole, S.A., no âmbito de um processo de acidente de trabalho. A autora replicou. Realizado o julgamento o Mº Juiz, respondeu à matéria de facto e proferiu sentença julgando a acção improcedente. Inconformada a autora interpôs recurso de apelação da sentença, admitido com efeito devolutivo. Em conclusões levanta a seguinte questão: 1a. O passageiro do veículo é sempre indemnizado dos prejuízos sofridos, sendo ou não o proprietário do veículo ou o tomador do seguro, posição que foi expressamente reconhecida na Directiva n.° 2005/14/CE do Parlamento Europeu, e do Conselho de 11 de Maio de 2005. A ré em contra-alegações sustenta a manutenção do julgado. Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos, há que conhecer do recurso. * Vêm considerados provados os seguintes factos pelo Tribunal “a quo”: A) No dia 17 de Abril de 1996, cerca das 01h00, ocorreu um acidente de viação na E.N. 202, ao Km 11,6, na freguesia de Vila Mou, nesta comarca. Conhecendo do recurso: O acidente em causa ocorreu a 17/4/1996. É aplicável o regime do DL. 522/85 de 20/12, redacção do D.L. 130/94 de 19/5. Dispõe o artigo 7 deste diploma no que respeita a exclusões da garantia do seguro: 1 – Excluem-se da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro (Pessoas cuja responsabilidade é garantida ) A questão ora colocada prende-se com saber se esta interpretação dada ao artigo 7º referenciado, está conforme ao direito europeu, designadamente à directiva 90/232/CEE do conselho de 14/5/90. Esta directiva foi transposta para o direito interno pelo D.L. 130/94 de 19/5, que deu nova redacção designadamente aos artigos 5 e 7 do supra referido decreto-lei. Consagra-se nesta directiva: Artigo 1.o Sem prejuízo do nº 1, segundo parágrafo, do artigo 2º da Directiva 84/5/CEE, o seguro referido no nº 1 do artigo 3º da Directiva 72/166/CEE cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor, resultantes da circulação de um veículo. …
A expressão além do condutor, não é a que melhor exprime o sentido da norma, mas antes a de, “excepto o condutor”. Vd. Sobre o assunto o Ac. RG de 23/4/2009, www.dgsi.pt/jtrg, processo nº 9180/07.3TBBRG.G1, de que se extrai o seguinte trecho: “O artigo 1º da Directiva nº 90/232/CEE, na versão em inglês, estabelece: «Article 1 - Without prejudice to the second subparagraph of Article 2 (1) of Directive 84/5/EEC, the insurance referred to in Article 3 (1) of Directive 72/166/EEC shall cover liability for personal injuries to all passengers, other than the driver, arising out of the use of a vehicle. Na versão portuguesa reza o mesmo preceito: «Artigo 1º - sem prejuízo do nº 1, segundo parágrafo, do artigo 2º da Directiva nº 84/5/CEE, o seguro referido no nº 1 do artigo 3º da Directiva nº 72/166/CEE cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor, resultantes da circulação de um veículo». Não sendo a mais feliz a tradução de «other than the driver» para «além do condutor», uma vez que melhor exprimiria o pensamento do legislador a utilização das expressões «excepto o condutor» ou «que não o condutor»…” Tem-se sustentado que o segurado não pode ser considerado terceiro, visto ser responsável originário. As alterações introduzidas ao art. 7º, nºs 1 e 2 do DL nº 522/85, em cumprimento da directiva 90/232CEE não imporiam entendimento diverso. Nessa, Apenas se pretenderia fazer melhor a demarcação de terceiros. A directiva visou continuar os esforços no sentido da aproximação das legislações dos estados membros relativamente à matéria, na senda dos princípios relativos à livre circulação de pessoas e veículos, visando reforçar e consolidar o mercado único de seguros (vd. 1 do preâmbulo da directiva 2005/14/CE de 11/5). Sobre qual o sentido do citado artigo lança alguma luz o preâmbulo da directiva. Consta deste: “ Considerando que, em particular, existem em certos Estados-membros lacunas na cobertura pelo seguro obrigatório dos passageiros de veículos automóveis; que, para proteger essa categoria particularmente vulnerável de vítimas potenciais, é conveniente que essas lacunas sejam preenchidas; … Considerando que, no interesse do segurado, é conveniente, além disso, que cada apólice de seguro garanta, através de um prémio único em cada um dos Estados-membros, a cobertura exigida pela sua legislação ou a cobertura exigida pela legislação do Estado-membro de estacionamento habitual, sempre que esta última for superior; …” De forma mais clara, o preâmbulo da directiva 2005/14/CE refere: “(15) A inclusão de todos os passageiros do veículo no âmbito da cobertura pelo seguro representa um avanço significativo da legislação em vigor….” Da redacção do artigo 1 da directiva 90/232/CEE, resulta, e tal é confirmado pelos preâmbulos referenciados, que, quanto aos danos pessoais, apenas o condutor é excluído da garantia da apólice. Foi preocupação da comunidade assegurar um aproximação legislativa eficiente do ponto de vista dos objectivos pretendidos – o reforço da livre circulação de pessoas e veículos e assegurar que as vítimas dos acidentes causados por esses veículos receberão tratamento idêntico, independentemente do local do território da Comunidade em que o acidente tenha ocorrido. Os Estados-Membros são obrigados a garantir que a responsabilidade civil aplicável segundo o seu direito nacional esteja coberta por um seguro conforme às disposições das directivas (Vd. Ac. do TJCE de 14 de Setembro de 2000, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, C-348/98). Assim, a primeira directiva (72/166/ CEE, de 24 de Abril de 1972) estabelece a obrigação de seguro para "qualquer veículo automóvel destinado a circular sobre o solo, que possa ser accionado por uma força mecânica, sem estar ligado a via-férrea, bem como os reboques, ainda que não atrelados" (artigo 1.°, n.°1). Refere a directiva no seu preâmbulo: “…é conveniente, portanto, prever, no âmbito da legislação nacional de cada Estado-membro, a obrigação de segurar a responsabilidade civil que resulte da circulação destes veículos…” Nos artigos 2º, 3º alude à “responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos”, e no artigo 4º refere; “o Estado-membro que prevê esta derrogação, toma todas as medidas adequadas para assegurar o ressarcimento dos prejuízos causados no território de qualquer outro Estado-membro pelos veículos pertencentes a essas pessoas…”; artigo 5º, refere; “acidente provocado no seu território por um veículo”, e “elementos relativos do seguro ao veículo”. No artigo 6º refere-se; “se os riscos que resultam da circulação do referido veículo se encontrarem cobertos”. Denota-se até das expressões usadas, que ao nível do direito europeu, a nota essencial não está no tomador do seguro, enquanto primeiro responsável pelos danos causados pela circulação do veículo (que pode não ser), mas nos danos causados pela circulação deste, na responsabilidade emergente da circulação do veículo. A cobertura abrange os danos causados pelo veículo, independentemente de quem o conduz (artigo 2 da segunda directiva – Ac. acórdão Ruiz Bernáldez do TJCE). Os conceitos do direito comunitário, impõem sejam repensados os conceitos de direito interno, designadamente e no que tange à matéria em apreço, no que respeita à conceptualização do seguro como de “responsabilidade civil” ( e não como “seguro de danos” ), visando a cobertura de danos causados a outrem com exclusão do tomador de seguro, ainda que na qualidade de passageiro, posição esta que face ao direito comunitário não pode ser defendida. O TJCE perfilhou o entendimento de que “os artigos 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, e 1.° da Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, opõem-se a uma regulamentação nacional que permita excluir ou limitar de modo desproporcionado, com fundamento na contribuição de um passageiro para a produção do dano que sofreu, a indemnização coberta pelo seguro automóvel obrigatório. O facto de o passageiro em causa ser o proprietário do veículo cujo condutor provocou o acidente é irrelevante” - processo C-537/03 (Katja Candolin). E no processo C-356/05 (Elaine Farrell): “ 1) O artigo 1.° da Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel não cobre a responsabilidade por danos corporais causados a pessoas que viajam numa parte de um veículo automóvel que não foi concebida nem construída com assentos para passageiros….” Resulta da directiva o sentido de que, quanto aos danos pessoais, apenas o condutor do veículo pode ser excluído da garantia do seguro. Quanto aos danos materiais, as directivas permitem a exclusão da cobertura relativamente aos familiares do tomador do seguro, do condutor ou de qualquer outra pessoa cuja responsabilidade civil decorrente de um sinistro se encontre coberta pelo seguro - artigo 3°, da segunda directiva – 84/5/CEE -, bem como relativamente aos passageiros transportados - artigo 1.°, da terceira directiva, ora em análise – 90/232/CEE -. Não obstante a directiva não ter efeito directo horizontal (acórdãos de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori, C-91/92 e de 7 de Março de 1996, El Corte Inglês, C-192/94; de 12 de Julho de 1990, Foster, C-188/89; de 14 de Setembro de 2000, Collino e Chiappero, C-343/98; de 5 de Fevereiro de 2004, Rieser Internationale Transporte, C-157/02); importa ter em consideração que as normas nacionais devem e têm de ser interpretado à luz das directivas, transportas que sejam ou transcorrido que seja o prazo de transposição. O juiz nacional deve na aplicação do direito interno quer anterior quer posterior àquelas, e por força dos artigos 5 e 189 do T.R. (10 e 249 actualmente), ter em atenção as finalidades da directiva, interpretando o direito nacional de modo conforme ás finalidades desta, de modo a que seja atingido o resultado pretendido - E é o “ Princípio da Interpretação conforme “. Vd. João Mota Campos, Direito Comunitário, II vol., 4ª ed., F. C. Gulbenkian, pág., 303. O TJCE no acórd. 111/75 (Mazzalai), refere que “ uma interpretação da directiva pode ser útil ao juiz Nacional para garantir à lei... uma interpretação e uma aplicação de acordo com as exigências do direito comunitário “. No acórdão Marleasing (processo c- 106/89 ), veio claramente referir que “ ao aplicar o direito nacional, quer se trate de disposições anteriores ou posteriores á directiva, o órgão jurisdicional chamado a interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, em toda a medida do possível, á luz do texto e da finalidade da directiva, para atingir o resultado pretendido por esta e cumprir assim o artigo 189...”-. Ainda acórdãos de 23 de Outubro de 2003, Adidas-Salomon e Adidas Benelux, C-408/01; de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer, C-397/01 a C-403/01). sobre o Assunto - O Conflito entre a Jurisprudência Nacional e a jurisprudência Do tribunal de Justiça das Comunidades...., RDES, Ano 38, nºs 1,2,3,4, pág. 77ss. Especificamente quanto à directiva em apreço, o TJCE no processo C-356/05 (Elaine Farrell): “ … O artigo 1.° da Terceira Directiva 90/232 reúne todas as condições exigidas para produzir efeito directo e, portanto, confere aos particulares direitos que estes podem invocar directamente perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Todavia, compete ao juiz nacional verificar se esta disposição pode ser invocada contra um organismo como o Motor Insurers Bureau of Ireland (MIBI).” A norma do artigo 7 do D.l. 522/85, deve ser interpretada a esta luz. E tal interpretação tem quiçá, forte apoio na redacção do normativo. Como se refere no Ac. do TRG de 23/4/2009, www.dgsi.pt/ processo nº 9180/07.3TBBRG.G1; “… mesmo na economia do DL 522/85 com a redacção dada pelo DL 130/94, que entrou em vigor em 31.12.1995, apenas estão excluídos os danos materiais (alínea a) do nº 2), ou seja aqueles que atingem as coisas, ou o património, por contraposição aos emergentes de lesões corporais, que beneficiam da cobertura do seguro (vide as definições do art. 1º das Condições Gerais da Apólice Uniforme do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, aprovada pela Norma nº 19/95-R, de 06.10.95 e que se mantêm com a Norma nº 17/2000-R, de 21.12.2000) assim acentuando o primado da protecção das vítimas que sofrem lesões na sua própria pessoa, ao assegurar o ressarcimento de todos os passageiros transportados no veículo seguro, com excepção do condutor responsável pelo facto ilícito...” O STJ ac. de 16/1/2007, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 06A2892, defende este entendimento. Refere o acórdão: “ muito embora tenha de se convir que o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel tenha a natureza jurídica de “seguro de responsabilidade”, o certo é que a sua moderna especificidade – com acolhimento no chamado “3.ª Directiva Automóvel”… reside no primado da protecção das vítimas corporais, ressarcindo todos quanto não sejam o próprio condutor (o responsável pelo respectivo ilícito) relativamente aos danos corporais de que forem vítimas, por acidente rodoviário não por si próprios causado. Na verdade, esse é o resultado interpretativo que se deve fazer do artº 7º. (nº.s 1º e 2º, al. a)), do Dec. Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo aludido Dec Lei nº 130/94(8). Contrariamente ao entendimento anterior, hoje, “terceiro”, em matéria de acidente de viação, é todo aquele que possa imputar a responsabilidade do evento a outrem - e, não, como anteriormente, aquele que não era o tomador do seguro…” Ainda STJ de 22/4/2008, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 08B742. Temos assim que relativamente aos danos pessoais (decorrentes de lesões corporais), a autora deve considerar-se abrangida pela garantia do seguro, na qualidade de passageira. *** Resulta dos termos do artigo 562º do CC que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. A autora peticiona os seguintes valores indemnizatórios: |