Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL ROCHA | ||
Descritores: | CASA DA MORADA DE FAMÍLIA CÔNJUGE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/03/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | JULGADA IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – A casa de morada de família é o lugar onde a família cumpre as suas funções relativamente aos cônjuges e aos filhos, constituindo o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar, não perdendo essa qualificação pelo simples facto de a família se ter desagregado e de a casa ter assim deixado de ser, de facto, a morada da família; II - Na decisão que tenha por objecto a atribuição do direito de arrendamento da casa de morada de família, deve ter-se em conta que o objectivo da lei é proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais seria ou foi atingido pela separação ou pelo divórcio. Deverá por isso atender-se, para além do mais, à situação patrimonial dos cônjuges e ao interesse dos filhos; III - Tais critérios devem presidir também á fixação da renda a pagar, pois não faria sentido que o tribunal viesse inviabilizar, na prática, o objectivo da lei, mediante fixação de um montante de renda incomportável para o ex-cônjuge beneficiado com o arrendamento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães. I – RELATÓRIO Amélia A..., divorciada, residente no Lugar de S..., freguesia de C..., Viana do Castelo, deduziu contra José C... o presente incidente previsto no artº 1413º do CPC, pedindo que lhe seja atribuída a casa de morada de família, com dispensa do pagamento de qualquer quantia. Para tanto alega que: por processo litigioso que correu termos no Tribunal Judicial de Viana do Castelo foi decretado o divórcio entre requerente e requerido, com culpa exclusiva deste; O requerido há muito que abandonou a casa que era a morada da família, onde a requerente sempre viveu e ainda vive; não tem outra casa onde se possa recolher e foi ali que viu crescer os seus filhos; tem rendimentos escassos e é pessoa de saúde frágil, estando impossibilitada de trabalhar, não podendo pagar qualquer renda. O requerido contestou, alegando, em síntese, que foi para França para angariar o sustento para a família, tendo sido com o rendimento do seu trabalho que conseguiu construir a sua casa, para onde vinha nas férias até 1995, altura em que a requerente começou a rejeitar a sua presença; também não possui outra casa e, estando reformado, pretende regressar a Portugal definitivamente e habitar a casa que construiu, sendo pessoa doente; a requerente explorou no prédio, o que lhe permitiu fazer o seu “pé-de-meia”; a atribuição da casa de morada de família deve ser deduzida como incidente da acção de divórcio, não sendo o respectivo processo de jurisdição voluntária. Conclui assim que o presente incidente deve ser indeferido ou, caso assim não se entenda, julgado improcedente. Foi ordenada perícia para fixação do valor locativo da casa em questão. Inquiridas as testemunhas indicadas por requerente e requerido, foi proferida decisão que julgou procedente o presente incidente, atribuindo à requerente a utilização da casa de morada de família, mediante a prestação mensal de €15, a pagar pela requerente ao requerido, a actualizar nos termos legais. Inconformado, o requerido interpôs recurso de apelação da sentença, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1. No caso em apreço não existe "casa de morada de família", mas sim uma casa habitada pela Recorrida Amélia A..., que é simplesmente a casa onde a mesma reside. 2. A casa em referência é propriedade de Recorrente e Recorrida, que foram casados e se encontram divorciados e com Processo de Inventário para partilha dos bens do casal, ainda pendente. 3. A Lei, na parte da Subsecção que regula os efeitos do divórcio, no art°1793° do Cód. Civil, atribui um regime especial e excepcional não a qualquer casa pertencente aos cônjuges, mas àquela que se poderá considerar a "casa de morada de família" e isto com os olhos postos na "Instituição Familiar", na protecção da habitação da família, na necessidade provocada pela separação definitiva dos cônjuges, que a Lei procura satisfazer com os olhos postos na Instituição Familiar. 4. No caso dos autos a Recorrida vive sozinha no prédio que é bem comum do casal e os filhos não vivem com a mãe, estão casados e não têm com ela qualquer economia comum, como resulta dos factos dados como provados. 5. Só em casos excepcionais e havendo "casa de morada de família", que no nosso modesto entender não existe no caso em apreço, é que o Tribunal devera entregá-la ao cônjuge que não seja proprietário. 6. A norma do art° 1793°, do Cód. Civil, ao abrigo do qual decidiu a Mma Juiz a quo na atribuição da casa a requerente, é uma norma excepcional que contraria o princípio geral da liberdade contratual e que no nosso modesto entender não se deve aplicar no caso sub judice. 7. O objectivo da lei não é o de manter na casa o cônjuge ou ex-cônjuge que ali tenha permanecido após a separação de facto ou divórcio, mas o de proteger o que mais seria atingido pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar. (Ac. Rel. Porto de 26 de Fev. de 1998) 8. Não existe pois "casa de morada de família". 9. A habitação em causa é uma casa de dois pisos e logradouro junto, composta de rés-do-chão e andar, tendo no rés-do-chão uma cozinha, duas salas e uma garagem e o andar constituído por uma cozinha um quarto de banho, quatro quartos e uma sala comum, com a área coberta de 488 m2 e um logradouro de 724m2, conforme certidão de teor matricial do referido art.° 452 urbano de C..., que dos autos de inventário consta e se junta como doc. 1 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. 10. O prédio em referência foi objecto de perícia ordenada pela Mm.ª Juiz a quo para que se apurasse o valor locativo do mesmo, tendo o iIustre Perito avaliado em €375,00 (trezentos e setenta e cinco euros), por mês o seu valor locativo, pois "a habitação encontra-se dotada das infra-estruturas necessárias e manifesta um razoável estado de conservação quer nas fachadas exteriores como nos espaços interiores", conforme relatório constante dos autos a fls. 62 a 65 cujas cópias se juntam, como doe. 2, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. 11. Quanto aos rendimentos dos ex-cônjuges, ficou provado que a requerente aufere uma reforma mensal de €213 tendo requerido uma prestação / subsídio complementar de €100,00 e que o requerido se encontra reformado e pretende regressar definitivamente a Portugal (pontos 1.4, 1.14 e 1.15 da matéria dada como provada) e ficou dado como provado o valor locativo mensal, da casa em referência, de €375,00/mês (trezentos e setenta e cinco euros) (ponto 1.18). 12. As necessidades habitacionais dos cônjuges não devem ser aferidas apenas pelos seus rendimentos mensais, mas atendendo à realidade mais vasta do agregado familiar de cada um, e 13. o agregado familiar de cada um é constituído exclusivamente por cada um dos ex-cônjuges que vivem ambos sozinhos, um que habita na casa que é bem comum do casal e o outro que quer regressar definitivamente a Portugal, é reformado e não tem casa onde se acolher. 14. Não se provou que a situação da requerente fosse manifestamente mais desfavorável do que a do requerido. 15. Perante este quadro factual e tendo em conta que o requerido pretende regressar definitivamente a Portugal, a curto prazo, podemos afirmar que a situação de ambos os ex-cônjuges é muito semelhante, porquanto têm os dois o seu problema de habitação por resolver. 16. A requerente sempre poderá obter de arrendamento uma casa de muito menores dimensões do que a do casal em referência nos autos ou até um simples quarto que satisfaça as suas necessidades individuais de alojamento e consequentemente de renda muito inferior ou caso assim se não entenda e porque a casa em apreço é um bem comum e é composta por dois complexos de divisões autonomizáveis e com entrada própria para rés do chão e andar, nada obsta que o direito à habitação seja atribuído a ambos os e ex-cônjuges que mais tarde poderão constituir um regime de propriedade horizontal, embora sejamos de parecer que esta não será uma boa solução para qualquer dos ex-cônjuges. 17. De qualquer forma, quer a ocupação partilhada quer a feita mediante pagamento do justo valor, resultante da perícia, deverão ser concedidos somente até à partilha, pois com esta se alterará a situação, com a atribuição do imóvel a um ou a outro, que deverá com a adjudicação ter o gozo e disponibilidade plena do mesmo. 18. Com o devido respeito entendemos que a Mmª Juiz a quo fez uma má interpretação e aplicação do direito, violando nomeadamente o disposto no art°405° do Cód. Civil. A recorrida respondeu às alegações, pugnando pela manutenção do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. IIFUNDAMENTAÇÃO Objecto do recurso Considerando que: O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nºs 3 e 4 e 690 nº 1 do Código de Processo Civil); Nos recursos apreciam-se questões e não razões; Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, As questões a decidir, no caso em apreço, são as seguintes: A casa que foi atribuída à requerente, bem comum desta e do requerido, pode ser considerada como a casa de morada da família que ambos constituíram? Em caso afirmativo, verificam-se os pressupostos que determinam a atribuição da dita casa à Requerente e ora recorrida? Nesse caso, que valor deve ser atribuído à renda que a requerente deve pagar ao requerido? A decisão de atribuição da casa de morada de família só deve manter-se até à partilha dos bens do casal? Nas suas alegações o recorrente sugere a atribuição da casa em questão a ambos os cônjuges, embora conclua que tal atribuição não será “uma boa solução”. Trata-se de questão nova, não suscitada anteriormente, pelo que não pode a mesma ser objecto do presente recurso, sendo nosso entendimento que, não obstante a natureza do presente processo, as regras acima enunciadas a propósito, não podem ser postergadas. Os factos dados considerados provados na sentença são os seguintes: 1.1. A requerente e o requerido foram casados entre si, casamento esse que foi dissolvido por divórcio, decretado por sentença transitada em julgado, tendo sido o requerido declarado como único culpado do mesmo, por violação reiterada dos deveres de coabitação, cooperação e assistência. 1.2. A requerente sempre viveu, e ainda vive na casa de morada de família, instalada na casa de habitação, sita no lugar de S..., freguesia de C..., descrita na CRP de Viana do Castelo sob o n°83876 e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 4522, nela dormindo, confeccionando e tomando refeições, não tendo outra casa onde se possa recolher. 1.3. Nessa casa viu crescer os seus filhos, única companhia durante muitos anos. 1.4. A requerente não tem rendimentos para além de uma reforma mensal de €213, tendo requerido uma prestação / subsídio complementar de cerca de €100, que ainda não foi deferido. 1.5. A requerente tem 68 anos, tem saúde frágil e encontra-se impossibilitada de trabalhar. 1.6. A requerente tem vivido da ajuda de terceiros, especialmente vizinhos, para suportar as despesas com medicamentos, alimentação, gás, luz, água, transporte, vestuário e contribuição predial da casa. 1.7. Desde pelo menos 1995 que o requerido não dava notícias à sua família, desconhecendo-se o seu paradeiro, não contribuindo com uma prestação certa e regular a título de alimentos para a requerente e os seus filhos. 1.8. A requerente não tem outro lugar para viver, sendo que os seus filhos estão casados, vivem nas suas casas, que não tem espaço para a acolher. 1.9.O requerido encontra-se a residir profissionalmente em França há mais de 38 anos. 1.10. O requerido, através da sua mandatária, contactou no ano 2000 a requerente, através de carta registada com aviso de recepção, recebida pela requerente, onde a convidava para amigavelmente requererem o divórcio. 1.11. O requerido emigrou para Franca para ganhar o sustento para a sua família, constituída pela requerente e filhos do casal. 1.12. O requerido contribuiu para as despesas de construção da casa de morada de família e aquisição dos prédios rústicos constantes da relação de bens do processo de partilha. 1.13. Até à data referida em 1.7., era para a casa de morada de família que o requerido vinha nas férias, cerca de 2 vezes por ano, no Natal e no Verão. 1.14. Actualmente, o requerido encontra-se reformado. 1.15. Pretende o requerido regressar definitivamente a Portugal. 1.16. A requerente explorou no prédio do casal um estabelecimento de mercearia e taberna. 1.17. A requerente não tem ninguém a seu cargo. 1.18. O valor locativo mensal da casa de morada de família ascende a €375,00 mês. O DIREITO I – Se a casa que foi atribuída à requerente, bem comum desta e do requerido, pode ser considerada como a casa de morada da família que ambos constituíram. Está em causa nos autos a atribuição à requerente da casa de morada de família nos termos do disposto no art.º 1793º do CC, na sequência da dissolução, por divórcio litigioso, do seu casamento com o recorrente. Tal atribuição está sujeita ao procedimento previsto no artº 1413º do CPC, inserido no seu capítulo XVIII, relativo aos processos de jurisdição voluntária. Sustenta o Recorrente que a casa atribuída à recorrida não pode integrar-se no conceito de “casa de morada de família”, sendo antes a casa onde a recorrida reside sozinha. Nem sempre é fácil determinar o conceito de casa de morada de família. Seguindo a definição de Guilherme de Oliveira, a residência ou morada da família é a sua sede: o lugar onde a família cumpre as suas funções relativamente aos cônjuges e aos filhos e que constitui a residência habitual ou principal do agregado familiar, sendo o centro principal da maioria dos interesses, das tradições e das aspirações familiares. Como se refere também no Acórdão do STJ de 06/03/1986, a casa de morada de família é o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar. Por outro lado, a casa de morada de família não perde essa qualificação pelo simples facto de a família se ter desagregado e de a casa ter, assim, deixado de ser, de facto, a morada da família. É o que sucede quando um dos cônjuges decide abandonar a residência da família, violando os seus deveres conjugais: a casa continua a ser o local de cumprimento desses deveres e, não sendo de facto a morada de família, mantém contudo essa destinação ou vocação. Para apreciar esta primeira questão objecto do presente recurso, importa considerar os seguintes factos provados: A requerente sempre viveu, e ainda vive na casa de morada de família, instalada na casa de habitação, sita no lugar de S..., freguesia de C..., descrita na CRP de Viana do Castelo sob o n°83876 e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 4522, nela dormindo, confeccionando e tomando refeições, não tendo outra casa onde se possa recolher. Nessa casa viu crescer os seus filhos, que agora estão casados e vivem nas suas casas. O requerido emigrou para Franca para ganhar o sustento para a sua família, constituída pela requerente e filhos do casal, encontrando-se a residir profissionalmente em França há mais de 38 anos. Até 1995, era para a casa em questão que o requerido vinha nas férias, cerca de 2 vezes por ano, no Natal e no Verão. O requerido contribuiu para as despesas de construção da casa. Desde pelo menos 1995 que o requerido não dava notícias à sua família, desconhecendo-se o seu paradeiro, não contribuindo com uma prestação certa e regular a título de alimentos para a requerente e os seus filhos. Perante tais factos, não temos quaisquer dúvidas de que, a casa em questão constituiu a casa de morada do agregado familiar em causa, pelo menos até á data em que o ora recorrente deixou de ter contactos com a família, o que sucedeu pelo menos desde 1995. Na verdade, não obstante o requerido ter estado emigrado em França, tão somente por motivos profissionais, pois era nesse país que angariava os rendimentos necessários ao seu sustento e ao sustento da sua então esposa e filhos, o que é certo é que, a casa cuja atribuição agora se discute, constituía o local onde a família da requerente e requerido cumpria as suas funções relativamente aos cônjuges e aos filhos, constituindo a sede e o centro principal da maioria dos seus interesses, bem como o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar. Foi nesta casa que cresceram os filhos do casal, era para esta residência que o requerido se deslocava no verão, seguramente quando as suas obrigações laborais lho permitiam e até no Natal, época em que a reunião da família tem um particular significado. Foi efectivamente esta a casa que os cônjuges escolheram como residência da família, tendo em conta os seus interesses e também os interesses dos filhos. E, tanto assim foi que o requerido, como se provou, contribuiu para as despesas da sua construção, seguramente com o referido objectivo de preservar, na medida do possível, a unidade familiar. Como referimos, o facto de o requerido e ora recorrente ter deixado de ter contactos com a família, violando os seus deveres conjugais e parentais, não significa que a casa atribuída à requerente tenha deixado de ser a casa de morada de família. II – Verificação dos pressupostos que determinam a atribuição da casa à Requerente e ora recorrida. A casa atribuída pela primeira instância à requerente é bem comum desta e do requerido. Assim sendo, importa considerar o art. 1793º nº 1 do CC que dispõe: Artº 1793º - Casa de Morada da Família Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. Como afirma Pereira Coelho , cuja opinião que aqui seguiremos de perto, com tal preceito pretende-se defender a estabilidade da habitação familiar querendo a lei que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e outro . No caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, o tribunal pode dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. O critério geral para atribuição do direito ao arrendamento na sequência da acção de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, não pode ser outro senão o de que deve ser atribuído ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela. O objectivo da lei é proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio ou pela separação quanto à estabilidade da habitação familiar. A necessidade da casa (a premência da necessidade) será o factor principal a atender. E na respectiva avaliação, deve o tribunal ter em conta tanto a situação patrimonial dos cônjuges como o interesse dos filhos. Como no caso concreto os filhos do casal são já casados vivendo nas suas casas, haverá que considerar, essencialmente, quais são os rendimentos e proventos de um e outro, assim como os respectivos encargos. Será ainda relevante considerar as demais “razões atendíveis”, a saber: a idade e o estado de saúde dos cônjuges ou ex-cônjuges, a localização da casa, o facto de algum deles dispor eventualmente de outra casa em que possa estabelecer a sua residência, etc. Quando possa concluir-se, em face destes elementos, que a necessidade ou a premência da necessidade de um dos cônjuges é consideravelmente superior à do outro, deve o tribunal atribuir o direito ao arrendamento da casa de morada da família àquele que mais precise dela. Só quando as necessidades de ambos os cônjuges ou ex-cônjuges forem iguais ou sensivelmente iguais haverá lugar para considerar a culpa que possa ser ou tenha sido efectivamente imputada a um ou a outro na sentença de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens. No caso dos autos, quanto à situação patrimonial da requerente, provou-se que: A requerente não tem rendimentos para além de uma reforma mensal de €213, tendo requerido uma prestação / subsídio complementar de cerca de €100, que ainda não foi deferido; Tem vivido da ajuda de terceiros, especialmente vizinhos, para suportar as despesas com medicamentos, alimentação, gás, luz, água, transporte, vestuário e contribuição predial da casa. Já quanto à situação patrimonial do requerido apurou-se apenas que o mesmo, tendo trabalhado em França onde reside profissionalmente há mais de 38 anos encontrando-se actualmente reformado, auferindo necessariamente uma reforma cujo montante não se determinou. Em face dos factos expostos, não restam dúvidas sobre a precária situação económica da requerente, não estando demonstrado que o requerido aufira rendimentos inferiores aos do seu ex-cônjuge. Haverá ainda que ter em conta, no que respeita á requerente, que: a mesma tem 68 anos de idade e saúde frágil, o que a impossibilita de trabalhar; que sempre viveu na casa em questão e não tem outro local para viver; os seus rendimentos não lhe permitirão adquirir ou sequer arrendar uma casa ou mesmo um quarto como sugere o requerente. Já o requerido que vive em França, desde 1995 que não tem contactos com a família, não frequentando a casa que também lhe pertence desde essa altura. No que concerne ao seu estado de saúde, nada se apurou. O único facto relevante que pode ser considerado relevante para se aferir da sua necessidade de viver na casa, é a sua provada intenção de regressar definitivamente a Portugal. Ora, sopesados os aludidos factos, concluímos que a premência da necessidade da casa por parte da requerente se sobrepõe claramente ás necessidades do requerido. Ademais, ainda que tais necessidades fossem iguais, sempre haveria de considerar que, no divórcio, litigioso, que dissolveu o casamento da apelada e do apelante, foi este declarado como único culpado, por violação reiterada dos deveres de coabitação, cooperação e assistência. Termos em que, se conclui que não merece censura a decisão apelada, no sentido de dar de arrendamento à requerente a dita casa de morada de família. III – Valor a atribuir à renda que a requerente deve pagar ao requerido Discorda o recorrente do valor da renda fixada à requerida pelo arrendamento da casa de morada de família, que entende dever corresponder a metade do valor locativo apurado na perícia realizada nos autos. Tal valor foi fixado em € 15, sendo que o valor locativo da casa, segundo o parecer do perito que realizou a perícia, foi fixado em € 375,00 A respeito da questão da fixação do valor da renda, as opiniões dividem-se. Para uns, a ponderação das necessidades económicas de cada um dos cônjuges e do interesse dos filhos do casal, têm relevo na atribuição da casa de morada de família, mas já não na fixação da respectiva renda . Para outros, o tribunal pode e deve fixar a renda mais ajustada à situação em causa, não tendo de atender aos valores que resultariam das regras normais do mercado. Entendemos que esta última posição é, como refere Salter Cid (ob. citada) a única que é compatível com o espírito da lei. “Na verdade, enunciados expressamente como factores atendíveis “as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal” conforme disposto no artº 1793º nº 1 do CC e estabelecendo-se no nº 2 desta norma que o tribunal pode definir as condições do contrato de arrendamento, não faria sentido que “o próprio tribunal viesse inviabilizar, na prática, o objectivo da lei, mediante fixação de um montante de renda incomportável para o ex-cônjuge beneficiado com o arrendamento – em atenção á sua maior necessidade, ao interesse dos filhos, e, bem assim, a outros factores atendíveis; este deverá pagar uma renda de acordo com o valor do mercado se, e só se, o montante em causa for compatível com a sua situação patrimonial.” Ora, tendo em atenção a situação patrimonial da requerida e apelada, é bem de ver que a mesma não lhe permite pagar a renda correspondente a metade do valor locativo da casa, no valor mensal de € 175,00. Pagando este valor, apenas lhe sobraria, para sua subsistência, a quantia de € 38,00. Considerando o rendimento mensal auferido por esta, de € 213,00 mensais, que, dada a sua escassez tem que ser complementado com a ajuda de terceiros, afigura-se adequada a renda fixada, de € 15,00. IV - Da atribuição da casa de morada de família apenas até à partilha dos bens do casal. Parece defender o apelante que a decisão de atribuição da casa de morada de família à apelada só deve manter-se até á partilha dos bens do casal, onde se inclui tal casa. Salvo o devido respeito não tem a decisão em causa que se pronunciar nesse sentido. Se na partilha a casa for adjudicada à arrendatária, o arrendamento extinguir-se-á. Se pelo contrário for adjudicada ao requerente, mantém-se o arrendamento, com eventual alteração da renda a pagar. Em conclusão, deve improceder o recurso e manter-se, na íntegra, a decisão apelada. III – DECISÃO Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta secção cível em julgar improcedente a apelação, confirmando, na íntegra, a sentença apelada. Custas pelo apelado, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. Notifique. |