Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
40/12.7TBSBR.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: PROVA PERICIAL
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – O valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal não vincula o critério do julgador.
2 -. Porém convém não esquecer o peculiar objeto da prova pericial: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina.
3 – E assim se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser suscetível de uma crítica material e igualmente científica. Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva
4- Só se a sentença ou decisão que fixe a indemnização actualizar o respectivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão é que, de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 09.5.2002, os juros de mora devidos se vencerão a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães
Relatório
Esta ação declarativa de condenação, com processo comum, para efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação foi intentada por J.., casado, bancário, residente na.., Sabrosa, contra “Companhia de Seguros.., S.A.”, com sede na.., em Lisboa, formulando o seguinte pedido:
- que a ré Companhia de Seguros.. seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 96.224,49, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, presentes e futuros, sofridos pelo autor em consequência do acidente em discussão nos autos.
Para fundamentar esta sua pretensão, alegou, em síntese, que:
- no dia, hora e local referidos nos autos, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-EI, propriedade de B.. e conduzido por F.., e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula UB-.., conduzido pelo autor;
- a culpa na ocorrência do acidente se deveu à condução efetuada pelo condutor do veículo de matrícula EI, em circunstâncias tais que levaram a que fosse embater no veículo conduzido pelo autor, que circulava na sua faixa de rodagem;
- nesse acidente sofreu o autor danos de ordem material e moral, sendo que é na quantificação desses danos que encontra o montante peticionado.

Regularmente citada, a ré Companhia de Seguros.., S.A. contestou, admitindo a ocorrência do acidente e que o autor, em consequência do mesmo, sofreu lesões, impugnando os demais factos alegados, quer quanto à dinâmica do acidente quer quanto à extensão dos danos, por desconhecimento.
Alega, ainda, que o autor conduzia o veículo mencionado por conta e sob as ordens do respetivo proprietário, pelo que se presume a sua culpa.
Na audiência preliminar que se realizou foi proferido despacho saneador e selecionada a matéria de facto, tendo o processo prosseguido para julgamento.
Realizada a audiência de julgamento no final foi proferida decisão que julgou a ação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente:
1) Condenou a ré “Companhia de Seguros.., S.A.” a pagar ao autor J.. a quantia global de € 48.050,00 (quarenta e oito mil e cinquenta euros), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente que se discute nos autos, quantia, essa, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia fixada, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.
2ºAbsolvou a ré da parte restante do pedido formulado pelo autor.
3º. Condenou autor e ré nas custas na proporção do decaimento

Não concordando com a decisão a ré interpôs este recurso que terminou com as seguintes conclusões:
1- Não se deve dar como provado que o Autor ficou a padecer de qualgia esquerda e, por manifesta falta de factos e de dados em que se possam fundamentar, de rigor científico e por desvio/violação à/da Lei, não podem as sequelas pericialmente enquadradas nos Códigos Mc0632 e Mc0646 da Tabela integrante do Dec. Lei nº 352/2007 DE 23/10, respetivamente de 4,5 pontos e de 3 pontos, ser valoradas e dadas por provadas. Para além disso,
2- Integrando-se no todo do quantum doloris atribuído (grau 4/7) as dores de que o Autor se queixa a nível do joelho, que também fazem parte da sequela prevista no Código Mc0632, e constando essa sequela dolorosa do joelho na aludida Tabela – "joelho doloroso": Código Mf1310 –, que obriga a que a mesma só possa ser valorizada enquanto entidade independente, não devendo ser adicionada às previstas noutros grupos, deve considerar-se como não provado o défice pericialmente atribuído nesta sede de 2 pontos. Logo,
3- - Deve dar-se apenas como provado que "a nível do joelho e tornozelo esquerdo, ao Autor ficaram sequelas definitivas, porque vitalícias: - gonalgia esquerda, por vezes com derrame; - tarsalgia esquerda; - sequelas de ulcera; - metatarsalgia de luxação", "o que lhe determina um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos, correspondentes ao Código Mc064". Consequentemente,
4- Deve reduzir-se o valor da indemnização fixada para ressarcimento do dano patrimonial derivado do lucro cessante para 7.500,00€ e o da compensação do dano não patrimonial para 10.000,00€, mantendo-se o demais. Pelo que,
5- Deve prolatar-se Acórdão que, revogando a sentença em apreço, condena Ré a pagar ao Autor a quantia de 20.550,00€ (3.050,00€ a título de de lucros cessantes; 10.000,00€ a título de danos não patrimoniais, sofridos em consequência do acidente que se discute nos autos).
6- Devem, sobre as quantias fixadas para ressarcimento dos danos patrimoniais acrescer juros moratórios à taxa legal contados a partir da citação da Ré, já sobre a quantia fixada para compensação dos danos não patrimoniais devem acrescer juros de mora à mesma taxa contados desde a data da prolação da sentença em 1ª Instância.
Assim se fazendo a sempre pedida e acostumada JUSTIÇA

O recorrido contra alega defendendo a negação de provimento ao recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, e com efeito devolutivo, decisão que foi mantida por despacho proferido neste Tribunal da Relação.
Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Âmbito do Recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso.
No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos impugnados com a consequente alteração da decisão de direito.
A ser procedente a alteração pedida, saber:
- se a indemnização a título de danos patrimoniais futuros é excessiva, devendo fixar-se em 7.500,00€?
- se a indemnização por danos não patrimoniais é excessiva, sendo justo o valor de 10.000,00€?
E por fim em qualquer dos casos saber:
- se sobre a quantia fixada para compensação dos danos não patrimoniais devem acrescer juros de mora à mesma taxa contados desde a data da prolação da sentença em 1ª Instância e não desde a citação?

Fundamentação
A) DE FACTO
A decisão recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos:
Da matéria assente
A) No dia 10 de Abril de 2009, pelas 16 horas e 30 minutos, F.., conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Opel, modelo Corsa, com a matrícula ..-EI, no sentido Sobrados/Vilela, nesta comarca.
B) O veículo ..-EI embateu na parte esquerda dianteira do veículo ligeiro de mercadorias, de marca NISSAN, modelo Cabstar, com a matrícula UB-.. conduzido pelo Autor, no sentido de marcha Sobrados/Vilela.
C) Como consequência do embate, o Autor sofreu as lesões descritas na ficha clínica que se dão por reproduzidas.
D) A Ré, que havia assumido para com o Autor a responsabilidade de liquidar as despesas decorrentes da assistência médica e medicamentosa que lhe fosse prestada contra a apresentação dos correspondentes recibos, não o fez.
E) Através da Apólice nº. 004647540, havia o proprietário do ..-EI transferido para a Ré a responsabilidade decorrente dos acidentes por tal viatura automóvel ocasionados em virtude da sua circulação.
Da prova produzida
1- O Veículo identificado em A) é pertença de B...
2- O embate descrito em B) ocorreu na estrada municipal nº 1165-2.
3- O condutor do EI iniciou a ultrapassagem de um veículo todo o terreno “Jeep”, que seguia imediatamente à sua frente.
4- Tendo invadido a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava no sentido Vilela/Sobrados, sem previamente se certificar que o podia fazer sem risco de colisão com outro veículo que seguisse em sentido contrário.
5- O que veio a acontecer logo na fase inicial da ultrapassagem que empreendeu.
6- O condutor do EI levou a cabo a referida manobra referida em 3) [2], num local em que a faixa de rodagem tinha apenas a largura de 4,20 metros e descrevia uma curva para a direita com inclinação ascendente.
7- Pretendendo ultrapassar um veículo que limitava o seu campo de visão relativamente aos veículos que seguissem imediatamente na dianteira deste.
8- No momento em que o veículo EI invadiu a hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido Vilela/Sobrados, o veículo UB circulava na E.M. 1265-2, na sua hemi-faixa de rodagem.
9- A estrada Municipal nº. 1265-2, tem uma largura total de 4,20 m, é constituída por duas vias com sentidos opostos e por um piso betuminoso com bastante desgaste e diversas fendas, descrevendo no local do acidente uma curva ligeira para a direita, seguida de uma recta.
10- No local onde ocorreu o acidente existe boa visibilidade, não havendo qualquer barreira natural ou artificial que impeça o correcto visionamento da faixa de rodagem em toda a sua extensão.
11- O condutor do EI, antes de iniciar a manobra de ultrapassagem não se certificou que a mesma causaria perigo de colisão com os veículos que circulassem em sentido contrário.
12- Efectuando a manobra num local em que a faixa de rodagem apresentava uma largura que dificultava a circulação de dois veículos um ao lado do outro.
13- O Autor conduzia a sua viatura de mercadorias a velocidade não superior a 50Km/hora.
14- O condutor do EI foi acusado nos autos de Inquérito nº 153/09.2GASB pelo crime de Ofensas à Integridade Física por Negligência, tendo sido arquivado.
15- Após um longo período de convalescença, em que foi assistido e medicado pelos departamentos de Ortopedia e Cirurgia plástica do Hospital de Vila Real e Clínica.. (Vila Real), o Autor apresentava, aquando do Exame Médico-Legal a que se submeteu aos 22.12.2009, as seguintes sequelas das lesões sofridas por via do acidente dos autos: - cicatriz de 1,5 x 0,5 cm do joelho do membro inferior esquerdo; - uma cicatriz em L de 1 x 2 cm para cada ramo da face anterior do terço superior da perna esquerda; - edema acentuado da articulação tíbio-társica; - cicatriz retratil na face e posterior do terço inferior da perna esquerda com 5x3 cm e, outra cicatriz na face posterior externa desta região de 2,5 x 1,5 cm; - alteração da coloração na face média, parte externa do pé de 6x3 cm e dores à mobilização do joelho esquerdo e tornozelo esquerdo; - Dores à mobilização do joelho esquerdo e tornozelo esquerdo.
16- O Autor continua a ser apoquentado por dores.
17- A nível do joelho e tornozelo esquerdo, ao Autor ficaram, como sequelas definitivas, porque vitalícias: - Qualgia esquerda, por vezes com derrame; - Tarsalgia esquerda; - Sequelas de ulcera; - Metatarsalgia sequela de luxação.
18- O que lhe determina uma IPP de 12 pontos.
19- As lesões sofridas pelo Autor determinaram-lhe 102 dias para a cura, com afectação da capacidade de trabalho.
20- O Autor foi assistido nos S.U. do Hospital Distrital de Vila Real.
21- Tendo-lhe sido engessado o pé esquerdo, locomovendo-se, apoiado em canadianas, durante cerca de um mês.
22- O Autor ficou impedido, durante vários meses, de utilizar outro calçado, a nível do pé esquerdo, que não fosse uma sandália aberta, já que as dores persistentes a nível desse pé, não consentiam a utilização de outro tipo de calçado.
23- As dores e pé inchado mantêm-se à presente data.
24- Ao tempo do embate, o Autor tinha 27 anos de idade.
25- Gozava o Autor de perfeita saúde e robustez física (e psíquica).
26- Ocupando os seus tempos livres jogando futebol.
27- Actividade, essa, que constituía para ele, um factor de enorme alegria e equilíbrio psicológico.
28- O Autor, aquando do embate referido em B) dos Factos Assentes exercia a actividade profissional de bancário, auferindo o salário líquido de € 1.228,35/mês.
29- E complementarmente à sua actividade profissional (bancário), exercia (e exerce) a actividade comercial de distribuição de gás, através da sociedade “J.., Lda.”, da qual, para além de único sócio e gerente, é simultaneamente o único trabalhador.
30- Que consistia na entrega ao domicilio de gás embalado, utilizando, para o efeito, viatura automóvel (auto ligeiro de mercadorias, caixa aberta).
31- Em virtude das incapacidades ficou o Autor impossibilitado de conduzir a viatura automóvel ou outro qualquer veículo automóvel.
32- Tendo o autor de contratar os serviços de uma pessoa que lhe assegurasse a distribuição do gás, durante o período em que esteve incapacitado.
33- Tendo despendido cerca de 1.500 € a título de remunerações a essa pessoa.
34- Em virtude dos tratamentos diários que o Autor fez, teve de fazer uso de táxi, despendendo a quantia diária de 25€ (ida e volta) no montante global de, pelo menos, 700 €.
35- Na sequência do embate, os pertences do Autor ficaram totalmente inutilizados, acarretando-lhe um prejuízo de 850 €, assim descriminado:
-T.P.A. 500 €;
- Óculos de sol 100 €;
- Caixa de ferramenta 50 €;
- Calças “Jeans” 75 €;
- Camisa 25 €;
- Camisola 25 €;
- Sapatilhas ou ténis 60 €;
- Lanterna 15 €.
36- O autor, ante a eminência da colisão do acidente descrito nos autos, receou pela sua morte.
37- A viatura conduzida pelo Autor no momento do acidente pertencia a D.., que a tinha disponibilizado à actividade profissional da sociedade “J.., Lda.” que era quem detinha a direcção efectiva da mesma, sendo que ele a conduzia sob as ordens e orientação daquela sociedade.
Não se provou que:
- O autor tivesse sofrido um agravamento das lesões ao nível dos dedos do pé esquerdo e que tivesse passado a fazer diariamente limpeza e desinfecção, até finais de Setembro de 2009, só nessa data se verificando a completa cicatrização dos ferimentos;
- O autor tenha que calçar o pé esquerdo com um ou dois números superiores àquele com que calça o pé direito;
- O autor tenha sofrido na sua actividade empresarial um prejuízo de € 4.000,00, sendo € 2.500,00 a título de decréscimo do volume de negócio;
- Em virtude de não poder exercer a sua actividade profissional desde 10 de Abril de 2009 até Julho desse mesmo ano, o autor deixou de auferir a quantia de € 2.899,49, que lhe foi deduzida em Dezembro de 2011.
B) DE DIREITO
Impugnação da matéria de fato
A presente ação reporta-se a acidente de viação que ocorreu entre o autor e a viatura segurada na ré.
A sentença recorrida considerou verificados os pressupostos de que depende o dever de indemnizar a cargo da demandada, estabelecidos no art. 483º nº 1 do CCiv., por ter entendido que quem deu causa exclusiva ao sinistro, devido à sua condução negligente e culposa, foi o condutor do veículo segurado naquela.
A apelante (ré) não questiona no recurso, a verificação, no caso «sub judice», de tais pressupostos da responsabilidade aquiliana. Trata-se, por conseguinte, de questão já definitivamente assente/decidida e que está fora do «thema decidendum» deste acórdão.
Questiona a existência dos danos patrimoniais e não patrimoniais apurados e a sua ressarcibilidade e por consequência discorda dos valores fixados a título de indemnização.
Assim a primeira discordância da recorrente reconduz-se à resposta dada ao quesito 17.º da Base Instrutória, a qual tem o seguinte teor:
“A nível do joelho e tornozelo esquerdo, ao Autor ficaram, como sequelas definitivas, porque vitalícias: - Qualgia esquerda, por vezes com derrame; - Tarsalgia esquerda; - Sequelas de ulcera; - Metatarsalgia sequela de luxação”.
Defende a recorrente que a redacção deste artigo deve ser a seguinte:
a nível do joelho e tornozelo esquerdo, ao Autor ficaram sequelas definitivas, porque vitalícias: - gonalgia esquerda, por vezes com derrame; - tarsalgia esquerda; - sequelas de ulcera; - metatarsalgia de luxação.
Tem razão a recorrente. Na verdade quer do relatório pericial, quer dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito em audiência de julgamento (que ouvimos) quer do relatório do Dr. A.., no qual se funda também aquele relatório pericial ou da demais prova produzida não resulta que o autor tenha ficado a padecer de qualquer “ qualgia esquerda” mas sim de gonalgia esquerda, por vezes com derrame.
Pelo que em consequência da prova produzida altera-se a resposta ao referido art.º 17 que passa a ter a seguinte redação:
a nível do joelho e tornozelo esquerdo, ao Autor ficaram sequelas definitivas, porque vitalícias: - gonalgia esquerda, por vezes com derrame; - tarsalgia esquerda; - sequelas de ulcera; - metatarsalgia sequela de luxação.
No demais, fundamento do recurso verifica-se que para sustentar a resposta ao art.º 18 e respetivo fundamento jurídico a Mm.ª Juiz a quo teve em conta, apenas e tão só, a prova pericial produzida nestes autos.
Segundo o entendimento da Mm.ª Juiz, “ no que diz respeito às lesões e sequelas sofridas pelo autor foi considerado o relatório de perícia médico-legal, bem como os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito Dr. M.. na audiência de julgamento, os quais não deixaram quaisquer duvidas designadamente quanto á incapacidade fixada.
A recorrente entende que por manifesta falta de factos e de dados em que se possam fundamentar, de rigor científico e por desvio/violação à/da Lei, não podem as sequelas pericialmente enquadradas nos Códigos Mc0632 e Mc0646 da Tabela integrante do Dec. Lei nº 352/2007 DE 23/10, respetivamente de 4,5 pontos e de 3 pontos, ser valoradas e dadas por provadas. Para além disso,
Integrando-se no todo do quantum doloris atribuído (grau 4/7) as dores de que o Autor se queixa a nível do joelho, que também fazem parte da sequela prevista no Código Mc0632, e constando essa sequela dolorosa do joelho na aludida Tabela – "joelho doloroso": Código Mf1310 –, que obriga a que a mesma só possa ser valorizada enquanto entidade independente, não devendo ser adicionada às previstas noutros grupos, deve considerar-se como não provado o défice pericialmente atribuído nesta sede de 2 pontos.
Analisemos então a prova questionada.
Em primeiro lugar, importa desde já precisar o entendimento que temos seguido no que concerne à força probatória da prova pericial.
Afirma Mendes, João de Castro, [3] “ a prova pericial (…) é o meio de prova que consiste na transmissão ao juiz de informações de fato por uma entidade – perito (,…)- especialmente encarregada de as recolher.
Ora em matéria de prova, dispõe o artigo 607º, nº 5, do CPC, que, em princípio, “o Tribunal…aprecia livremente as provas, decidindo os Juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, com ressalva das situações em que a lei dispuser, diferentemente, atento o nº 2, do normativo acabado de citar
Principio que vigora no domínio da prova pericial, o que não significa prova arbitrária [4], mas, também, que não se trata de prova positiva ou legal, cujo juízo se presumiria subtraído à livre apreciação do julgador, nos termos do disposto pelo artigo 389º, e até por contraposição ao estatuído pelos artigos 371º, nº 1 e 376º, nº 1, que se referem à prova documental, e 358º, que se reporta à confissão, todos do CC, onde vigora o sistema da prova legal.
Efectivamente, o valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal [5] não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma crítica material da mesma natureza.
Considerando, porém, a necessidade de evitar que o princípio da livre apreciação da prova não resvale em arbitrariedade, a lei exige que a prova pericial seja apreciada pelo Juiz, segundo a sua experiência, prudência e bom senso, mas com inteira liberdade, sem se encontrar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais [6].
Ao contrário do que acontecia com a versão do Código de Processo Civil de 1961, em que o respetivo artigo 578º, embora já consagrando o princípio da livre apreciação da prova pericial, obrigava o julgador a fundamentar a sua conclusão, sempre que se afastasse do parecer dos peritos, o Tribunal pode agora afastar-se, livremente, deste parecer, quer porque tenha partido de factos diferentes dos que aceitou o perito, quer porque discorde das suas conclusões ou do raciocínio lógico em que se apoia, quer porque, finalmente, os demais elementos úteis de prova existentes nos autos invalidem, na sua ótica, o laudo dos peritos [7] .
Em suma, a convicção do julgador sobre os factos forma-se, livremente, com base nos elementos de prova, globalmente, considerados, sem vinculação estrita às conclusões dos exames periciais, se houver elementos de prova que contrariem a factualidade sobre que assentaram tais exames [8] e [9] .
Este principio traduz “ a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto se ambicione atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os fatos sem provas ou contra provas “[10] .
Porém convém não esquecer o peculiar objeto da prova pericial: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (art.º 388 do Código Civil). (o sublinhado é nosso).
Como anota Rezende de Almeida [11] “ as legislações processuais dos países continentais europeus apresentam condições gerais de valoração da prova produzida nos autos. Não se encontra, porém, critérios objectivos que subsidiem o juiz na verificação da qualidade daquilo que se atesta na perícia.
Não há norma que gere a obrigação do juiz de exercer controle sobre a cientificidade ou tecnicidade do laudo pericial, e (…).
Deste modo, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Aliás a especial relevância do juízo científico está necessariamente relacionada com a especial credibilidade da perícia que o legislador entendeu estar ligada à sua natureza oficial. Ou seja, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser suscetível de uma crítica material e igualmente científica. Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva [12] (art.º 653 nº 2 e 659 nº 2, in fine, do CPC).
Dever que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida [13]
Assim entende-se que não se deve confiar, de forma ilimitada ou irrestrita, no efeito prático do ditame de que o juiz é o perito dos peritos.
Dado que a prova pericial supõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é difícil que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objetivo para o qual não dispõe de meios subjetivos. Naturalmente que estamos a partir do principio de que tal conhecimento cientifico que nos é transmitido deve ser passível de apreensão pelo Juiz, desde que devidamente expostos os fatos, a metodologia de análise a utilizar e os pressupostos essenciais a uma conclusão racionalmente aceite.
Neste caso isto significa que, a não ser que sobrevenham novos e seguros elementos de prova, maxime uma nova perícia, a liberdade do juiz não o autoriza a estabelecer, sem o concurso dos peritos, as razões da sua convicção.
(…) Quando ao direito, o juiz é por definição tão apto como o autor do parecer, ou seja, em princípio conhece tão bem o direito, as normas, os critérios de interpretação ou os princípios jurídicos como o autor do parecer e por isso não se lhe levanta qualquer dificuldade em discordar deste e fundamentar opinião diversa (…).
(…)Mas em relação aos conhecimentos técnicos as coisas não se passam da mesma maneira: o juiz, em condições normais, não dispõe de conhecimentos bastantes para poder inverter ou recusar as conclusões do parecer quando estas se baseiam e fazem aplicação de conhecimentos técnicos ou científicos.
Repare-se que o que justifica a intervenção técnica no processo é a existência de matéria de facto que envolve questões ou dificuldades de natureza técnica cuja solução depende de conhecimentos especiais que não estão ao alcance do tribunal: se esses conhecimentos não estão ao alcance do tribunal, convenhamos que não será fácil ao tribunal afastar as conclusões de quem os tem, a não ser que elas estejam ostensivamente erradas, careçam de justificação, forem incongruentes com meios de prova inequívocos [14].
Concluindo, por mais que se afirme a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente na decisão da causa.
Este processo dá disso mesmo um bom exemplo.
Um dos pontos capitais em torno do qual gravita a controvérsia das partes relativamente à matéria de facto respeita ao grau de incapacidade permanente parcial de que o recorrido, por força do evento danoso, é portador.
O recorrido alegou que essa incapacidade é de 12% - facto que prontamente a recorrente impugnou. Para estabelecer a veracidade ou a inveracidade daquele facto, procedeu-se, a requerimento no Gabinete Médico-Legal e forense do Douro, do INML, na pessoa do autor, à perícia de avaliação do dano corporal em direito civil, tendo o perito concluído que a incapacidade permanente geral é fixável em 12%.
E foi um tal valor de incapacidade que, na resposta ao ponto de facto que inseria tal quesito – o nº 18 – foi estabelecido pelo decisor de facto da 1ª instância, sendo patente, em face da fundamentação que produziu para justificar o seu julgamento, que aquele relatório exerceu no seu espírito uma influência determinante.
Ora conforme se tem entendido (ver preambulo do DEC Lei 352/2007 de 23 de Outubro) a avaliação médico-legal do dano corporal, i.e., de alterações na integridade psico-física de uma pessoa, constitui uma matéria de particular complexidade.
Complexidade que “resulta não apenas da dificuldade de interpretação das sequelas e da subjectividade que envolve a avaliação de alguns dos danos, mas também da necessária diferença dos parâmetros da avaliação do dano, consoante os domínios do direito em que essa avaliação se processa, face aos diferentes princípios jurídicos que os caracterizam”[15] .
Este ponto é patente no tocante às incapacidades a avaliar e a valorizar.
Tome-se, como exemplo, o direito laboral e o direito civil: ao passo que no primeiro está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente ou de doença profissional, determinante da perda da capacidade de ganho – no segundo, em harmonia com o princípio da reparação integral do dano, deve valorizar-se a incapacidade permanente em geral, i.e., a incapacidade permanente para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando posteriormente o seu reflexo em termos de actividade profissional específica do lesado.
Para avaliar estes danos e com o objectivo, cremos de facilitar tal tarefa utilizam-se tabelas, sendo certo que a parametrização da avaliação dos danos corporais por recurso a tabelas suscita opiniões desencontradas [16].
Porém até há muito pouco tempo esta tarefa saia mais dificultada uma vez que para a avaliação de tais danos utilizavam-se tabelas construídas para avaliar, por exemplo, incapacidades que relevam para um específico ramo de direito para mensurar incapacidades relevantes para outro domínio do direito, orientadas por fundamentos finais diferentes.
Ou seja, era vulgar a utilização referencial da Tabela Nacional de Incapacidade (TNI), aprovada pelo DL nº 341/93, de 30 de Setembro, ordenada para a avaliação das incapacidades geradas no específico domínio das relações de trabalho, para avaliar e valorizar incapacidades que relevam exclusivamente no plano do direito civil.
Atento ao problema, o legislador optou pela publicação de duas tabelas de avaliação de incapacidades, uma – a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais - vocacionada para a avaliação, designadamente dos danos que afectam a capacidade do trabalhador para continuar a desempenhar de forma normal a sua actividade e, consequentemente, a capacidade de ganho daí decorrente, e outra – a Tabela Nacional para Avaliação das Incapacidades Permanentes em Direito Civil - ordenada para parametrização e reparação do dano em direito civil (artº 1 do DL nº 352/2007, de 23 de Outubro) . As tabelas aprovadas por este diploma, são aplicáveis a todas as peritagens de danos corporais efectuadas após a sua entrada em vigor, ocorrida no dia 21 de Janeiro de 2008 (artº6 nº 1 c) e 7).
Essa tabela médica - a Tabela Nacional para Avaliação das Incapacidades Permanentes em Direito Civil, destina-se a ser utilizada exclusivamente por médicos especialistas em medicina legal ou por especialistas médicos de outras áreas com competência especifica no âmbito da avaliação médico-legal do dano corporal no domínio do direito civil e das respectivas regras e tem um valor puramente indicativo, dado que se admite que os peritos se afastem das pontuações nela previstas, vinculando-os apenas, quando isso suceda, a motivar as razões da divergência (artº 2 nº 3 do DL nº 352/2007, de 23 de Outubro).
De acordo com esta nova tabela a avaliação da incapacidade deve basear-se em observações médicas precisas e especializadas, dotadas do necessário senso clínico e de uma perspetiva global e integrada, fazendo jus à merecida reputação que Portugal tem tido na avaliação do dano corporal (preambulo do referido Dec. Lei).
E no que ao anexo II (aqui em apreciação) se reporta está escrito no mesmo diploma que “ A presente tabela … foi concebida para utilização exclusiva por verdadeiros peritos, isto é, por médicos conhecedores dos princípios da avaliação médico-legal no domino do Direito Civil e das respetivas regras…
Dito isto, e regressando aos dados do processo, temos que os critérios seguidos no relatório em apreço, efetuado pelo perito médico Dr. M.. que mereceu a concordância do tribunal recorrido não são distintos (quanto aos artigos MC 0632; Mc0646 e Mc 0648) dos que foram considerados no relatório do Dr. A.., médico ortopedista e junto aos autos a fls. 33 e 34: aliás as sequelas resultantes das lesões do acidente são as mesmas, quer nestes exames médicos quer no exame efetuado pelo IML em sede de processo crime. Simplesmente, o relatório em apreço enquadra também a situação no artigo MF1310 “ joelho doloroso”.
O autor do relatório foi chamado à audiência de julgamento para explicar e defender o seu relatório e as conclusões nele adiantadas.
E no que concerne ao código MF1310 explicou o Sr. Perito que o mesmo se aplica quando se verifica uma lesão no joelho, que não afeta a mobilidade mas é dolorosa, por isso deve ser classificada como “ Joelho doloroso”.
Noutras situações a tabela não avalia a dor (por ex. na mão) mas noutras partes do corpo que têm de ser movimentadas, sempre que se faz esforço (por ex. o joelho) elas têm avaliação diferente.
Resposta esta que deu à pergunta: Se quando avalia o quantum doloris avalia esta dor?
Disse ainda que: “São avaliações autónomas. O quantum doloris engloba não partes, mas o todo da sequela.
Não há duplicação. Porque avaliamos o joelho isoladamente e depois o conjunto das sequelas. A gente tem em consideração esta avaliação isolada. Por isso na avaliação do joelho não lhe atribui a avaliação máxima (3) mas a média”.
Explicação esta que nos parece lógica considerando o quantum doloris fixado. Considerando também que , o Sr. Perito médico da recorrente na avaliação que fez no decurso da situação considerou um quantum doloris de 4, sendo certo que nessa avaliação não considerou as sequelas no joelho nos termos que melhor constam dos documentos juntos a fl.177 a 181.
Veja-se também nas instruções gerais do anexo 1 do Dec. Lei em apreço, a relevância reconhecida ao aparelho locomotor com o reconhecimento do primado do prejuízo funcional relativamente ao compromisso anatómico.
Daí que ao contrário do afirmado pela recorrente não encontramos verificada qualquer sobreavaliação.
No que se reporta ao artigo MC 0632 explicou o Sr. Perito que “a sua verificação no caso concreto nada tem a ver com dor. É o caso de um joelho em que há instabilidade não é igual ao outro”.
E para classificar a síndrome fémur patelar disse-nos que “se classificam por alterações que se nota, no caso no joelho, em que se vê que não é um joelho saudável”. Ora tendo-se apurado que o Autor apresentava, aquando do Exame Médico-Legal a que se submeteu aos 22.12.2009, as seguintes sequelas das lesões sofridas por via do acidente dos autos: - cicatriz de 1,5 x 0,5 cm do joelho do membro inferior esquerdo; - uma cicatriz em L de 1 x 2 cm para cada ramo da face anterior do terço superior da perna esquerda; - edema acentuado da articulação tíbio-társica; - cicatriz retratil na face e posterior do terço inferior da perna esquerda com 5x3 cm e, outra cicatriz na face posterior externa desta região de 2,5 x 1,5 cm; - alteração da coloração na face média, parte externa do pé de 6x3 cm e dores à mobilização do joelho esquerdo e tornozelo esquerdo; parece-nos que em relação ao joelho esquerdo o síndrome apontado se verifica.
Acresce salientar que, do estudo que fizemos para esta questão apuramos que este síndrome femoro-patelar (SFP) é uma entidade controversa com múltiplas causas, uma apresentação variável …. As dificuldades na sua definição prendem-se com a multiplicidade de sintomas referidos á articulação femor-patelar com diferentes níveis de dor e incapacidade associados.
Tem sido entendido que a etiologia do SFP advém de três fatores: anomalias ósseas; mau alinhamento do membro inferior e desequilíbrios musculo-tendinosos e de tecidos moles periarticulares, sendo a dor femor patelar portanto multifatoral.[17]
Ou seja, a dor constitui o sintoma mais comum deste SFP, mas o que verdadeiramente o define constituindo a sua etiologia/causa são as anomalias supra enunciadas.
Já no que concerne ao código MC0646 é verdade que o Sr. Perito nos disse que “não atendeu á mobilidade mas que atendeu á incapacidade que a sequela apurada lhe provoca”.
Porém não se diga que esta metodologia está errada pois é o próprio Dec. Lei já enunciado que a permite no ponto 7 das instruções gerais do Anexo II ao estipular que “As situações sequelares descritas na tabela, são avaliadas por analogia, isto é, por comparação com as situações contempladas e quantificadas”.
Também não foi realizada qualquer outra diligência, nem produzido qualquer meio de prova destinado a testar e/ou confirmar as conclusões em apreço.
Igualmente não se vislumbra nos autos qualquer meio de prova com valor indiciário destes factos em particular, nem aliás a recorrente o cita
Refere aquando dos esclarecimentos do Sr.Perito a existência de um parecer do Dr. D.., todavia tal documento não está junto aos autos.
Sem esse dado apurado é inevitável concluir que a conclusão do parecer é, nesse aspecto, independentemente do rigor técnico que subjaz ao cálculo, quod et demonstratum.
Não sendo de alterar a matéria de facto na forma pretendida pela apelante, ficam prejudicadas as conclusões que a recorrente pretende extrair relativamente à matéria de direito, mais precisamente valor das indemnizações na parte em que essa interpretação estava dependente da alteração da matéria de facto.

Quanto aos juros
O tribunal a quo condenou a R. no pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação.
A R. além do já supra exposto e analisado entende que devem, sobre as quantias fixadas para ressarcimento dos danos patrimoniais acrescer juros moratórios à taxa legal contados a partir da citação da Ré, já sobre a quantia fixada para compensação dos danos não patrimoniais devem acrescer juros de mora à mesma taxa contados desde a data da prolação da sentença em 1ª Instância.
Vejamos.
É sabido que o n.º 3 do art.º 805.º do Código Civil, com a redacção introduzida pelo Dec-Lei nº 262/83, de 16.6, estipula que, “no caso de crédito ilíquido emergente de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja mora antes da data da citação”. E o legislador não fez qualquer distinção entre danos verificados antes da propositura da acção, durante a sua pendência ou que venham previsivelmente a ocorrer após o trânsito em julgado da decisão [18].
Só se a sentença ou decisão que fixe a indemnização actualizar o respectivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão (ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 566.º do Código Civil) é que, de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 09.5.2002, publicado no D.R., I-A, de 27.6.2002, os juros de mora devidos se vencerão a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação [19].
Ora na sentença recorrida não se expendeu que o valor fixado a título de danos não patrimoniais futuros estava atualizado face ao peticionado.
E não existindo fundamento legal para se presumir que os tribunais proferem sentenças actualizadas face aos pedidos formulados [20]e decorrendo mesmo do exposto na sentença em análise que tal atualização não foi efetuada relativamente aos danos não patrimoniais, teremos que concluir que, também nesta parte, improcede o recurso da apelante seguradora, sendo de manter a sentença recorrida no que diz respeito à fixação da data de início da contagem dos juros de mora com custas a pagar pela recorrente (artº 527º do CPC)

Concluindo:
1 – o valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal não vincula o critério do julgador.
2 -. Porém convém não esquecer o peculiar objeto da prova pericial: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina.
3 – E assim se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser suscetível de uma crítica material e igualmente científica. Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva
4- Só se a sentença ou decisão que fixe a indemnização actualizar o respectivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão é que, de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 09.5.2002, os juros de mora devidos se vencerão a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação.

Decisão
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique
Guimarães, 01 de outubro de 2015
Maria Purificação Carvalho
Maria Cristina Cerdeira
Espinheira Baltar
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[1] Relator: Purificação Carvalho
Adjuntos: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira
Desembargadaor Espinheira Baltar
[2] Na sentença é referida a alínea C) como reportando-se à manobra descrita em 3) mas deve-se a lapso que é manifesto e que por tal se procede à devida correcção.
[3] In Direito Processual Civil, cit pp 474
[4] neste sentido cf. Ac.. do STJ de 06/07/2011, proferido no processo n.º 3612/07.6 TBLRA, publicado em www.dgsi.pt).
[5] No processo penal o art. 163.º do CPP dispõe expressamente que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador, o qual deve fundamentar a sua divergência sempre que a sua convicção divergir do juízo contido no parecer dos peritos,
[6] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, 1981, 566 a 571; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 340, citado e Almeida, Francisco Manuel Lucas Ferreira de, Direito Processual Civil, Coimbra, Almedina, 2010 Vol I pp 276.
[7] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 340, citado.
[8] STJ, de 9-3-94, BMJ nº 435, 626 e Os meios de Prova em processo Civil, Fernando Pereira Rodrigues , 2015 pp 20 e Ac. Relação de Coimbra de 11 de Março de 2009, Processo 4/05.7TAACN:c1, relator Jorge Gonçalves disponível em www.dgsi.pt
[9] Leal Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal Anotado, 1996, 1º, 642.
[10] cf. Reis, José Alberto dos, Comentário ao Código de Processo Civil, cit pp 245.
[11] in Almeida, Diogo Assumpção Rezende de, A Prova Pericial no Processo Civil, “ O Controle da Ciência e da Escolha do Perito ppp 55
[12] - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 263 e 264.
[13] Carlos Lopes do Rego, O Ónus da Prova nas Acções de Investigação da Paternidade: Prova Directa e Indirecta do Vínculo da Filiação, in, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, págs. 789 e 780.
[14] , neste sentido Ac.R.Porto de 08.11.2012 proferido no processo 6439.07.3TBMTS.P1
[15] Armando Braga, Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 116 a 120 e 130.
[16] Neste sentido João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina, Coimbra
[17] neste sentido artigo de revisão intitulado Sindrome Femoro Patelar publicado na revista da sociedade Portuguesa da Medicina Fisica e de Reabiliatação, Vol 22 Ano 20 (2012).
[18] cf., acórdão do STJ, de 28.9.1995, CJ/STJ, ano III, tomo III, pág. 36 e seguintes, citado no Ac. da R. de Lisboa de 21/03/2012, in www.dgsi.pt
[19] (“Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigo 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e, 806º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação)"
[20] neste sentido, v.g. STJ, acórdão de 04.12.2007, processo 07ª3836 e acórdão da Relação de Lisboa de 21/03/2012, proc. 4129/06.3L2.2