Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5298/16.0T8BRG.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: RECLAMAÇÃO CÍVEL
INCOMPETÊNCIA RELATIVA
LUGAR DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO CÍVEL
Decisão: DESATENDIDA
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Decisão Texto Integral:
RECLAMAÇÃO


I. Na presente acção com processo comum que o autor AA… instaurou contra o réu Banco BB… SA,vem estereclamar do despacho judicial quejulgou improcedente a excepção dilatória de incompetência relativa, em razão da divisão judicial do território.

Fundamenta tal reclamação nos argumentos de que, no caso em apreço, o lugar do cumprimento da obrigação é em Lisboa, sendo inaplicável o disposto no artº 774º, do Código Civil (CC), pelo que devia ter sido declarada a competência territorial da Instância Cível de Lisboa para o julgamento dos presentes autos.

A parte contrária respondeu, contrapondo que não assiste razão ao reclamante, estando em causa,quer a responsabilidade do banco demandado, quer a sua responsabilidade extracontratual.

II - Cumpre decidir.

1. As incidências fáctico-processuais a considerar são as relatadas no relatório supra (ponto I) e ainda o seguinte:
- Na presente acção o autor formulou contra o réu os seguintes pedidos:
“a) Ser o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia de 200.000,00 Euros (duzentos mil euros) a título de capital, a que acrescem os juros de mora vencidos em Novembro de 2015, no montante de 1.204,32 Euros, e vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
b) Ser o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia de 10.000,00 Euros a título de danos não patrimoniais, e ainda,
c) Ser o Réu condenado nas custas e demais encargos legais.
Assim não se entendendo,
d) Ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão ou subscrição que o Réu invoque para ter aplicado os 200.000,00 Euros que o Autor tinha depositado no Banco Réu;
e) Ser declarada ineficaz, em relação ao Autor, a aplicação que o Réu tenha feito desse montante;
f) Ser o Réu condenado a restituir ao Autor a quantia de 200.000,00 Euros que o Autor lhe havia confiado e que ainda não recebeu, a que acrescem os juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
E sempre, em qualquer caso,
g) Ser o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia de 10.000,00 Euros a título de danos não patrimoniais, e ainda,
h) Ser o Réu condenado nas custas e demais encargos legais”.

*

Apreciando.
Como bem refere Miguel Teixeira de Sousa, “a competência jurisdicional é um pressuposto processual, isto é, uma condição necessária para que o Tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa através de uma decisão de procedência e improcedência.”(in “A competência Declarativa dos Tribunais Comuns”, 1994, Lisboa, pág. 36, bem como, em idêntico sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 2004, processo 04B3758, relator Conselheiro Araújo de Barros, acessível em “www.dgsi.pt”).
Assim, para se decidir da incompetência relativa deve olhar-se os termos em que a acção vem proposta, tendo-se por suporte a relação jurídica que se discute na acção (causa de pedir e pedido), tal como foi configurada pelo autor.

O autor veio pedir a condenação do réu no pagamento de quantia pecuniária - € 200.000,00 acrescidos de juros e ainda € 10.000,00 a título de danos patrimoniais – com base em depósito bancário em dinheiroefectuado na agência de Esposende, reclamando a sua restituição, seja com base em incumprimento contratual, seja com base em responsabilidade extracontratual por facto ilícito.

Este arguiu a incompetência territorial, requerendo a remessa dos presentes autos para o Tribunal da Comarca de Lisboa, alegando que é este o lugar de domicílio do réu (o banco tem a sua sede em Lisboa) e que a sua obrigação pecuniária sempre teria que ser cumprida em Lisboa, dado que é da sua sede que emerge o processamento da operação bancária da pretendida restituição.
O artº 71º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que “a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações …é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana”.

In casu, é inquestionável que estamos perante acção destinada ao pagamento de uma quantia em dinheiroem que o autor é pessoa singular (depositante do banco) e o réu é pessoa colectiva, discutindo-se nos autos a natureza da responsabilidade do demandado banco: se contratual ou extracontratual.
Ainda assim, decorre da causa de pedir que o autor pretende responsabilizar o banco pela não restituição de depósito a prazo efectuado na sua agência de Esposende e perante funcionários daquele, alegando ainda, quer o incumprimento do acordado aquando realização desse depósito, quer a actuação ilícita dos funcionários dessa agência, quanto à aplicação desse dinheiro depositado em produto financeiro não autorizado ou consentido e levada a cabo por tais funcionários bancários.
Somos, assim, volvidos para o foro legal que emerge do assinalado artº 71º, nº 1, do CPC, mais concretamente para a segunda parte do seu nº 1, onde se prescreve que pode o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva, como aqui sucede.
A obrigação pecuniária reclamada reporta-se, desde logo,a alegados serviços bancários contratualizados na agência bancária de Esposende, pelo que o lugar do cumprimento sempre se situaria emEsposende.
A argumentação que o reclamante evoca –a de que o banco tem a sua sede em Lisboa e será aí que é constituída e despoletada a operação contabilística de restituição do depósito, caso seja condenado – é precisamente a contrária aos fundamentos que presidiram à alteração legislativa do citado artº 71º (então artº 74º), do CPC, introduzida pela Lei n° 14/2006, de 26 de Abril.
Ou seja, conforme os termos do seu preâmbulo, o referido diplomavisou proteger o consumidor/pessoa singular perante os grandes litigantes (v.g. bancos e sociedades financeiras), aproximando o centro da decisão da lide da residência daquele.
Procurou-se evitar ao litigante mais débil, o consumidor, despesas acrescidas, destinando-se ainda a mitigar os efeitos nefastos da denominada litigância de massa.
Ainda sobre esta temática, como bem refere o recorrido, citando o decidido em caso similar no âmbito do processo nº 6359/15.8T8GMR que correu termos na Comarca de Braga - Guimarães - Instância Central - 2.a Secção Cível – J5, “A argumentação do Réu, que faz coincidir o lugar do cumprimento com o local onde é decidida a operação contabilística, faz ainda tábua rasa de que o Réu é uma pessoa colectiva que dispõe de balcões espalhados em todo o país, sendo através destes que os seus clientes, residentes nas mais diversas proveniências do território nacional, interagem e contratam os seus serviços financeiros.
Trata-se da situação paradigmática da razão que levou o legislador a consagrar, na segunda parte do nº 1 do artigo 71º, do CPC, a possibilidade de o credor...optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, em nome da protecção da parte economicamente mais vulnerável, nos litígios contra pessoas colectivas que, por vezes, como no caso vertente, têm sede em Lisboa ou, mais raramente, no Porto, mas estendem a sua actividade a todo o território nacional onde dispõem das suas agências ou balcões”.

Por fim, importa sublinhar que, atenta a causa de pedir, podendo equacionar-se (para além da violação contratual dos deveres do réu enquanto depositário) a sua responsabilidade extracontratual por facto ilícito, fundada na alegada aplicação abusiva do dinheiro depositado pelo autor em produtos financeiros deste desconhecidos e geradora de perdas, o tribunal competente sempre seria o correspondente ao lugar onde o facto ilícito ocorreu, isto é, onde o dito produto financeiro foi pretensamente subscrito.

Logo, também por este fundamento, o tribunal competente no caso sub judice éo relativo à área de jurisdição de Esposende e que corresponde ao declarado na decisão recorrida.

Com efeito, nos termos do artº 4.º, nº 3, do Dec. Lei nº 49/2014 de 27.03, tendo os tribunais judiciais de primeira instância a sede, área de competência territorial e composição constantes dos mapas III e IV anexos ao referido decreto-lei e integrando a área de competência territorial da 1.ª Secção cível da Instância Central de Braga os municípios de Amares, Barcelos, Braga, Esposende, Terras de Bouro, Vieira do Minho e Vila Verde, mostra-se territorialmente competente para conhecer da presente acção a 1ª Secção Cível da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, com sede em Braga.

Porquanto se deixa aduzido, a reclamação não vai atendida.

***

III. Pelo exposto, decide-se desatender a reclamação apresentada pelo réu.

Custas pelo reclamante.

Guimarães, 05.04.2017
O Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães,

(António Júlio Costa Sobrinho)