Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1181/07-1
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE
Sumário: 1. No seio desta cautelosa percepção jurídico-processual não estaremos em posição de asseverar que nos processos de jurisdição voluntária se possa falar de um erro de julgamento no que à apreciação da matéria de facto diz respeito; sendo o Juiz livre de escolher a melhor caminho que para cada caso ajuíza acerca da peculiar circunstância que se lhe depara, os designados factos que neste contexto enuncia como verificados têm tão-só a significação de serem aqueles aos quais se dá mais relevância para a fundamentação da decisão que vai proferir e sem que desta constatação se possa afirmar que só esses factos é que ficaram comprovados.
2. O interesse do menor é o fim último que tem de atingir-se com a prolação da decisão que envolva do afastamento dele de um dos pais em virtude da separação conjugal e que determina, necessariamente, a exclusão de um dos progenitores do relacionamento pessoal, ininterrupto, com o filho menor, e só excepcionalmente é que o menor deve ser retirado dos cuidados dos seus progenitores e no caso de esse afastamento se justificar, isto é, quando na companhia de seus pais o menor está potencialmente em perigo de ser afectado negativamente na sua formação educativa e ambiente sanitário, por não lhe estarem a ser ministrados os cuidados considerados e tidos como razoavelmente necessários.
3. Vivendo o menor no Brasil e tendo de se apartar dos seus avós adoptivos com quem naturalmente estão estabelecidos laços fartos de afecto familiar, o regresso dele a Portugal não irá atentar de forma violenta contra a sua integridade psicossomática?
Encarrega-nos a experiência da vida de nos prevenir de que uma criança de cinco anos não estará em condições de apreender todas estas inusitadas vicissitudes por que terá de passar neste enquadramento circunstancial; mas, igualmente também nós nos apercebemos dos dissabores de que poderá ser acometida esta criança quando na sua adolescência souber que lhe não foi mostrada toda a verdade sobre a sua realidade familiar e não se tomaram todas as possíveis e exigíveis providências que ele irá mais tarde considerar que deviam ser tomadas relativamente ao seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:


O Digno Magistrado do Ministério Público instaurou a presente acção de regulação do exercício do poder paternal relativamente ao menor Henrique M..., nascido a 2 de Dezembro de 2002, contra os requeridos Pedro M... e Cláudia R....
Para tanto alega que os requeridos são casados entre si, encontram-se separados de facto e os progenitores não estão de acordo quanto ao exercício do poder paternal.
Conclui pedindo que seja ordenada a citação dos requeridos para a conferência a que alude o art. 175º da O.T.M e que seja fixado o regime quanto à guarda, visitas e alimentos à menor.

Tendo os requeridos sido citados nos termos e para os efeitos para a conferência a que alude o art. 175º da O.T.M, a requerida não compareceu, tendo sido tomadas declarações ao requerido, conforme acta de fls. 20.

Foi solicitada informação social acerca dos progenitores do menor e foi efectuado inquérito pela Segurança Social e pela sua congénere no Brasil.

Discutida a causa a Ex.ma Juíza decidiu regular o exercício do poder paternal relativamente ao menor Henrique M... pela forma seguinte:
1º) Confiou o menor à guarda e cuidados dos avós maternos adoptivos D. Otília A.. e marido, que manifestaram a sua disponibilidade de dele cuidar.
2º) O exercício do poder paternal cabe à mãe do menor Cláudia R..., na parte não prejudicada pelos poderes e deveres que cabem aos avós maternos adoptivos que forem exigidos pelo adequado desempenho das suas funções.
3º) Os pais do menor poderão visitá-lo quando o entenderem, desde que se desloquem ao local de residência deste ou, quanto ao pai, desde que o menor se encontre em Portugal.
4º) Cada um dos progenitores do menor contribuirá para o seu sustento com uma pensão mensal de alimentos de € 100, que enviará aos avós adoptivos do menor até ao dia 8 de cada mês, por intermédio de cheque, vale postal ou transferência bancária, ou que depositará, em conta aberta em nome do menor, em instituição bancária a indicar por aqueles, com início no corrente mês de Janeiro de 2007;

5º) A pensão mensal de alimentos fixada em 3º) será anualmente actualizada segundo os índices oficiais da inflação estabelecidos pelo Instituto Nacional de Estatística, com início em Janeiro de 2008;
6º) Conjuntamente com a pensão fixada em 3º), os progenitores do menor entregarão - da mesma forma aí prevista - ainda um montante mensal de 50 Euros, até perfazer o montante global de 3000 Euros, correspondente às prestações alimentícias vencidas desde a data de propositura da presente acção ;
7º) Os avós maternos adoptivos do menor receberão os abonos de família e todos os subsídios a que o mesmo tenha direito.

Inconformado com esta decisão dela recorreu o requerido Pedro M... que alegou e concluiu do modo seguinte:
1. O recorrente impugna a matéria de facto que a seguir se individualiza, o que faz nos termos do disposto no art. 431° e art. 412° do C.P.P., por entender que dos elementos de prova existentes e na falta de outros elementos de prova impunha-se decisão diversa da recorrida.
2. Assim, deveria ter sido dado como provado no ponto 3.5 dos factos provados que o requerido vive na companhia da mãe num apartamento T 2 + 1, aufere mensalmente a quantia de € 520,00, sendo que a mãe aufere mensalmente a quantia de 600,00€ e disponibiliza-se para contribuir para o sustento do filho do requerido, pagando 320,00 Euros da prestação do apartamento e cerca de € 60,00 com água, luz e gás; o requerido já dispõe de infantário para o filho.
3. Não deveria ter sido dado como provado o concreto ponto de facto (3.6) na parte em que se refere que a recorrida reside juntamente com a avó adoptiva e com o menor, por contraditório com outros factos dados como provados e por contraditório com vários elementos constantes dos autos que manifestamente impunham decisão diversa a esse respeito.
4. Deverá ser alterado o teor do ponto 3.8 dos factos provados, e deverá ser-lhe dada a seguinte redacção: A REQUERIDA NÃO MAIS RESIDE NO BRASIL, NÃO TEM MORADA CERTA, NÃO TENDO SEQUER SIDO LOCALIZADA.
5. De igual forma e pelos mesmos motivos, deverá alterar-se a redacção do ponto 3.9 dos factos provados pela seguinte redacção: A REQUERIDA DEIXOU OS FILHOS AOS CUIDADOS DA SUA MÃE AOS OITO MESES DE VIDA.
6. Deverá ser excluída da matéria de facto dada como provada o que vem dito no ponto 3.10, ou, pelo menos, terá apenas de se considerar a respeito do que ali vem descrito tratar-se de uma mera opinião ou juízo de valor, de alguém que é parte interessada.
7. Haverá de se dar como provado que o recorrente demonstra efectivamente afecto pelo menor, pois é isso que resulta dos autos, nomeadamente do relatório social e das declarações do próprio.
8. Também deverá ser introduzido na matéria de facto provada que a avó adoptiva (a quem a requerida entregou o menor) é doméstica, tem problemas numa perna e tem certa dificuldade em cuidar dos filhos, pois isso resulta claro do relatório social efectuado pela Segurança Social do Brasil e relatado a fls. 87.
9. A alteração esperada da matéria de facto dada como provada impõe, necessariamente, seja a guarda do menor entregue ao pai.
10. Sem prescindir, dir-se-á que a própria matéria de facto dada como provada já impunha que a guarda do menor fosse entregue aos cuidados do pai.

11. A decisão que ora se recorre faz convencer erradamente o menor que o pai, tal como efectivamente se verifica com a mãe, o despreza, o desvaloriza e o abandonou.
12. O menor fica privado de condições de habitabilidade que facilmente lhe poderiam ser proporcionadas se estivesse à guarda e aos cuidados do pai.
13. O menor fica privado de melhores condições de formação, de educação, de desenvolvimento físico e mental que seguramente lhe seriam proporcionadas se fosse entregue aos cuidados do pai, não se podendo descurar o facto de se encontrar a residir num país de terceiro mundo e, seguramente, menos desenvolvido que um país da Europa.
14. O recorrente está privado, por decisão do Tribunal, de estar e de ver o filho e o filho está privado, por decisão do tribunal, de estar e de ver o pai, sendo elucidativo atentar no que vem dito no primeiro parágrafo de fls. 138 da sentença.
15. Atendendo a que o menor não se encontra com a mãe, mas com os pais adoptivos da requerida e o poder paternal pertence apenas aos pais, não há conflito de interesses.
16. O processo de decisão deve iniciar-se por uma selecção negativa, isto é, pela indagação acerca da existência de aspectos que desaconselhem fortemente a atribuição do exercício do poder paternal a um dos progenitores.
17. Por essa selecção negativa e pelos elementos constantes dos autos, jamais o menos poderia entregue à guarda e cuidados da mãe e nem sequer lhe poderia ter sido confiado o poder paternal.
18. Não há nenhum aspecto negativo valoroso da matéria de facto dada por provada que desaconselhe seja o poder paternal atribuído ao recorrente.
19. Pelo que deveria ter sido confiado ao recorrente o exercício do poder paternal do filho e devia ser-lhe confiada a guarda do menor.
20. Até porque, como o próprio Tribunal reconhece: in casu, NÃO SE VERIFICA O CIRCUNSTANCIALISMO DO ART. 1905° N.º 2, IN FINE DO C. C., O QUE EXCLUI A POSSIBILIDADE DE CONFIANÇA DO MENOR A TERCEIRA PESSOA OU A ESTABELECIMENTO DE REEDUCAÇÃO OU ASSISTÊNCIA.
21. Pois que TAL POSSIBILIDADE É, ALIÁS, CLARAMENTE EXCEPCIONAL, CONSIDERANDO O DISPOSTO NOS ARTS. 1878°, N.º 1 DO C.C.; 36°, N.º 6 DA C.R.P.; E 9°, N.º 1 DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA, E TENDO AINDA EM ATENÇÃO O PRINCÍPIO VI DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA.
22. Não se percebe por que razão e qual o raciocínio lógico seguido pelo tribunal para, depois de ter feito uma apreciação e interpretação correcta do direito e depois de aparentar fazer uma aplicação correcta do direito aos factos em causa nos autos, referir a fls. 136 verso, no terceiro parágrafo, que DESTA FORMA, RESTAM AS HIPÓTESES DE ATRIBUIÇÃO DA GUARDA DO MENOR À MÃE OU AO PAI OU A TERCEIRA PESSOA.
23. Pelo que se está em presença de uma situação clara de nulidade da sentença prevista na alínea c) do artigo 668° do C.P.C., na medida em que será nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
24. Em todo o caso, o que se pretende, com o presente recurso, sem mais delongas, é que o menor seja confiado à guarda e aos cuidados do pai e seja a este entregue o exercício do poder paternal, porque existem elementos mais que suficientes para que assim seja.
25. Foram violadas as disposições dos ARTIGOS 1874°, 1878°, 1901 ° 1905°, 1906° E 1907° DO C. C., ARTIGOS 174°, 177°, 180, 183° DA O.T.M., ARTIGOS 13°, 26°, N.º 1, 36° E 68°, N.º S 1 E 2 DA C.R.P., ARTIGOS 9°, N.º 1, 16°, 27°, N.º 2 DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA,
Termina pedindo que seja revogada a sentença recorrida e atribuindo-se ao recorrente o exercício do poder paternal sobre o seu filho que deverá ser entregue à guarda e aos cuidados de seu pai.

Contra-alegou o Digno Magistrado do Ministério Público pedindo que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que atribua ao pai o exercício do poder paternal, fixando-se um regime de visitas e a obrigação de a mãe contribuir economicamente para as despesas com a alimentação do menor seu filho.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

A decisão recorrida considerou assentes os factos seguintes:
1. Requeridos são pais do menor Henrique M..., nascido a 2 de Dezembro de 2002.
2. Os requeridos foram casados entre si durante um ano, encontrando-se separados de facto desde Junho de 2003.
3. A requerida é ainda mãe de uma menina chamada Larissa, de 09 anos de idade, que também reside com os avós adoptivos desde pequena.
4. Inicialmente, o requerido ficou com a guarda do menor, mas depois a requerida levou o filho consigo para o Brasil tendo-o deixado aos cuidados da avó adoptiva.
5. O requerido vive na companhia da mãe, aufere mensalmente a quantia de 520,00 Euros, pagando 320,00 Euros da prestação do apartamento e cerca de 60,00 Euros com água, luz e gás.
6. A requerida, o menor e a avó adoptiva da requerida, D. Otília do C... têm residência na Rua João Travenzoli, 151, Paulinea - São Paulo, Brasil.
7. A avó adoptiva da requerida, referindo-se ao comportamento da requerida, declarou que esta demonstra um comportamento pouco responsável com os dois filhos, porque está com eles algum tempo e depois vai embora.
8. A requerida não tem morada certa, exercendo profissão não apurada em S. Paulo.
9. Há já algum tempo que os menores foram deixados pela requerida aos cuidados dos avós.
10. A avó materna questiona o real interesse do requerido em ficar com a guarda do menor, atendendo a que o mesmo não a auxilia financeiramente e que faz poucos contactos pelo telefone.
11. O avô paterno do menor, Sr. Claudionor, tem 48 anos, trabalha numa empresa designada 2 M, a sua renda é de aproximadamente R $ 1 100, 00 sendo que também alugam 3 cómodos nos fundos da casa, de onde obtém mais de R $ 450, 00 de arrendamento.
12. A casa é de propriedade da família, composto de 3 quartos, sala, cozinha e banheiro, sendo uma casa simples mas em boas condições de higiene.
13. Os avós paternos do menor recebem do Município de Paulínia uma excelente cesta de alimentos, além de creche e Emei de boa qualidade.
14. Em contacto com a creche requerida, foi obtida a informação de que o menor é muito inteligente, apresenta-se bem cuidado, não sendo relatado em desabono dos avós adoptivos do menor, acrescentando que o avó paterno participa nas actividades em que é solicitado, demonstrando carinho e afectividade para com a criança.
15. O menor mantém as consultas de rotina e apresenta bom desenvolvimento.

Passemos agora à análise das censuras feitas à decisão recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.).

As questões postas no recurso são as de saber:
- Se há erro na apreciação da matéria de facto quanto aos factos que o recorrente individualiza nas conclusões 1.ª a 8.ª;
- Se a guarda do menor deve ser confiada aos cuidados do pai.

I. O recorrente impugna identificada matéria de facto que a sentença recorrida considerou provada e propõe que nela sejam incluídas especificadas circunstâncias factuais que no seu entender se encontram comprovadas e que da sua descrição foram omitidas.
Fundamenta mal esta sua pretensão.
Na verdade, estando nós perante um processo tutelar cível (Título III da OTM), a regulação do exercício do poder paternal prevista e seguida no art.º 146.º da OTM em nada se equipara com a natureza penal adstrita ao modo como está disciplinada a forma de contraditar o julgamento incidente sobre a matéria de facto estatuída nos artigos 431° e art. 412° do C.P.Penal.
Nem mesmo se pode transferir, sem reservas, para este processo tutelar cível o regime jurídico conformado para a alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto produzida em julgamento nos termos do disposto nos artigos 522.º -B e 522.º -C, do C.P.C., se para tanto tiver sido observado o condicionalismo imposto pelo artigo 690.º -A, do C.P.C., como o permite o disposto no art.º 712.º, nº 1, al. a), do mesmo diploma legal.
Na verdade, os processos de regulação do poder paternal são considerados de jurisdição voluntária (art. 150.º da O.T.M.) e, por isso, nas providências neles a tomar o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art.º 1410.º do C.P.C.), podendo investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes (art.º 1409.º, n.º 1, do C.P.C.).
Neste particular tipo de processo o Juiz tem liberdade de manobra para escolher o meio que reputa como sendo o melhor para alcançar o fim que se propõe concretizar e que é a justa decisão do caso que é trazido a juízo - em vez da obediência a regras normativas rígidas (como nos processos de jurisdição contenciosa: art. 659, n.º 2, in fine), vigora a liberdade de opção casuística pelas soluções de conveniência e de oportunidade mais adequadas a cada situação concreta; Prof. Antunes Varela; Manual; pág. 71. quer isto dizer que o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente; tem a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa: o Juiz funciona como um árbitro, ao qual fosse conferido o poder de julgar ex aequo et bono. Prof. A. Reis; Processos Especiais; II; pág. 400.


No seio desta cautelosa percepção jurídico-processual não estaremos em posição de asseverar que nos processos de jurisdição voluntária se possa falar de um erro de julgamento no que à apreciação da matéria de facto diz respeito.
Sendo o Juiz livre de escolher a melhor caminho que para cada caso ajuíza acerca da peculiar circunstância que se lhe depara, os designados factos que neste contexto enuncia como verificados têm tão-só a significação de serem aqueles aos quais se dá mais relevância para a fundamentação da decisão que vai proferir e sem que desta constatação se possa afirmar que só esses factos é que ficaram comprovados.
Quanto aos demais poderão eles ser apreciados e considerados em outro qualquer momento, em relação a outra identificada questão e enquadrada noutra oportunidade circunstancial, designadamente poderá este Tribunal superior abordar toda a temática que o recorrente alega nas suas conclusões do recurso sem que seja necessário recorrer à observância dos pressupostos exigidos no art.º 712.º, nº 1, al. a), do C.P.Civil.

E será que a sentença recorrida omitiu na sua fundamentação factos provados no processo e que são relevantes para a decisão final, designadamente aqueles que o recorrente discrimina e individualiza e que tenha afirmado outros que não estão efectivamente demonstrados?
Não nos parece que assim tenha acontecido.
Para além doutras circunstâncias factuais que iremos sobrepor adiante, dos factos mencionados pelo recorrente que não foram considerados na sentença recorrida e que interessariam à boa decisão da causa apenas destacamos este: o requerido já dispõe de infantário para o filho.
Todavia esta afirmação do requerido não convenceu da sua veracidade o Tribunal e também a nós nos deixa cépticos.
Dadas as dificuldades que ao vulgar cidadão surgem na consecução de um infantário para os seus filhos - como é do conhecimento geral - depreendemos que a declaração assim prestada pelo recorrente consubstancia tão-só a manifestação de um almejado desejo, mas cujo rigor da sua verdade se encontra por experimentar.
Salientamos também a propósito do que invoca o recorrente a seu favor quanto ao seu desejo de cuidar do menor, que não se pode pôr em dúvida que o pai do Henrique M... demonstra querer ter o menor na sua companhia, ilação que claramente se retira de toda a tenacidade e apego que põe na causa com vista a que lhe seja entregue o filho, adiantando-se que ele fala telefonicamente como o filho, se não todos o domingos pelo menos com a assiduidade que lhe é possível em virtude da lonjura que os separa (cfr. fls. 25); e esta prática não faz desmentir que a avó materna questiona o real interesse do requerido em ficar com a guarda do menor, atendendo a que o mesmo não o auxilia financeiramente e que faz poucos contactos pelo telefone para ele.

Estamos perante uma factualidade obscura quando se não consegue apreender bem o seu conteúdo e determinar com clareza os seus limites e alcance; e existe contradição sempre que da descrição de dois acontecimentos resulta um facto que exclua necessariamente o outro, isto é, quando, seguindo um raciocínio lógico, estejamos em presença de factos que não possam coexistir ente si ou com outro já assente.
Quando se diz que a requerida, o menor e a avó adoptiva da requerida (D. Otília do Carmo Rissi Alves) têm residência na Rua João Travenzoli, 151, Paulinea - São Paulo, Brasil e depois se fala que a requerida não tem morada certa, exercendo profissão não apurada em S. Paulo, o que se quer firmar é que, sendo a sua residência oficial na casa onde mora o menor e os avós adoptivos, todavia a requerida está sistematicamente dela ausente (já algum tempo que os menores foram deixados pela requerida aos cuidados dos avós; demonstra um comportamento pouco responsável com os dois filhos, porque está com eles algum tempo e depois vai embora - diz a avó).
É assim que entendemos estas expressões literais postas na sentença e neste entendimento nela se não revela a contradição assim denunciada pelo recorrente.
Igualmente verificamos e constatamos a fidelidade que integra o texto consagrado em 8. (a requerida não tem morada certa, exercendo profissão não apurada em S. Paulo, 9. (há já algum tempo que os menores foram deixados pela requerida aos cuidados dos avós) e 10 (a avó materna questiona o real interesse do requerido em ficar com a guarda do menor, atendendo a que o mesmo não a auxilia financeiramente e que faz poucos contactos pelo telefone).
Estamos com o recorrente quando chama a atenção para a relevância que se deve atribuir ao relatório social efectuado pela Segurança Social do Brasil (cfr. fls. 87 a 90); deste apontamento queremos significar que ele está sempre ao dispor do tribunal (1.º instância e Relação) para ser apreciado e reconduzido ao seu real valor probatório

II. Dispõe o art.º 1905 do C.Civil:
1. Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o destino do filho, os alimentos a este devidos e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação do tribunal; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor, incluindo o interesse deste em manter com aquele progenitor a quem não seja confiado uma relação de grande proximidade.
2. Na falta de acordo, o tribunal decidirá de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não seja confiado...
Em estreita ligação com este normativo legal dispõe o n.º 1 do art.º 180.º da O.T.M. (Dec. Lei n.º 314/78, de 27.10) que " na sentença, o exercício do poder paternal será regulado de harmonia com os interesses do menor".
O interesse do menor é o fim último que tem de atingir-se com a prolação da decisão que envolva do afastamento dele de um dos pais em virtude da separação conjugal e que determina, necessariamente, a exclusão de um dos progenitores do relacionamento pessoal, ininterrupto, com o filho menor. E é este, sem prejuízo de também se manter uma relação de grande proximidade com o outro procriador, o princípio que deverá o Julgador ter sempre presente, tanto na análise final da situação criada ao menor em consequência do afastamento dos pais, como na recolha processual dos elementos circunstanciais que possam influir nesse exame último.
Só excepcionalmente é que o menor deve ser retirado dos cuidados dos seus progenitores e no caso de esse afastamento se justificar, isto é, quando na companhia de seus pais o menor está potencialmente em perigo de ser afectado negativamente na sua formação educativa e ambiente sanitário, por não lhe estarem a ser ministrados os cuidados considerados e tidos como razoavelmente necessários.
O poder paternal é um poder-dever funcional que deve ser exercido altruisticamente no interesse do filho, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e salvaguarda dos seus interesses; o superior interesse do filho é a verdadeira razão de ser, o critério e o limite do poder paternal. Parecer da Procuradoria-Geral da República, de 16.01.1992; BMJ; 418.º; pág. 285.
Com vista à melhor solução de saber e ajuizar em que circunstâncias é que o menor fica melhor protegido no sentido do seu desenvolvimento físico-psíquico, não é possível generalizar princípios e observar conceitos rígidos na condução da sua educação, porquanto neste campo sempre estaríamos face a casos nunca iguais e onde não poderíamos concluir por um certo padrão-tipo: "o interesse do menor, dado o seu estreito contacto com a realidade, não é susceptível de uma definição em abstracto que valha para todos os casos. Este critério só adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças". Maria Clara Sottomayor; Regulação do Poder Paternal nos Casos de Divórcio; pág. 32.


Neste contexto, estando desde logo afastada a ideia da entrega do menor Henrique M... à sua mãe, tudo porque a entrega preferencial à mãe dos menores de tenra idade só deverá ser consentida quando o interesse do menor o exija e este pressuposto não se verifica no caso que ora abordamos porquanto, logo após a separação, o menor foi deixado, exclusivamente, entregue à guarda e cuidado dos avós adoptivos - a genitora veio à Paulínea no mês de Março deste ano (2006) e logo partiu para Itália sem dar mais notícias até ao momento (informação prestada pela avó Otília à Ex.ma Conselheira Tutelar de Paulínea - Brasil – cfr. fls. 198), o que é preciso saber neste entrecho é se neste envolvimento ocasional haverá algum facto a assinalar que aponte no sentido de que o interesse do menor desaconselha a que ele seja entregue à guarda do pai.
Neste particularizado enredo não aponta em desabono do recorrente a circunstância de ele não ter contribuído para a sua alimentação nem ter encetado os contactos telefónicos com ele pelo modo como isso lhe seria exigido segundo as regras comummente aceitáveis.
O afastamento geográfico e a tenra idade do menor (dois anos…tem agora quatro anos de idade) são elementos que fazem obstar a que se lhe possa exigir uma conduta mais insistente no acompanhamento do menor, tendo na devida conta a sua humilde condição económica e social (aufere mensalmente a quantia de € 520,00, pagando € 320,00 da prestação do apartamento).
Pelo contrário, a intrepidez com que judicialmente pugna para que o Henrique M... lhe seja confiado é indício seguro do cuidado que põe na felicidade do menor.
A favor desta opção está também o Instituto de Segurança Social de Braga que “considerando a instabilidade económica da avó adoptiva que não consegue dar resposta às necessidades do menor, a ausência e indiferença da requerida e o facto de o requerido reunir condições económicas para tomar conta do filho, conclui que seria importante que o mesmo ficasse com a guarda do menor (cfr. fls. 81).

Encontrado o argumento para nos direccionarmos no melhor caminho destinado a solucionar a questão de saber a quem deve ser entregue o menor e no sentido de que é o pai quem deve ser o escolhido para prosseguir com a educação do menor, a pergunta a que ora temos de responder é esta:
Vivendo o menor no Brasil e tendo de se apartar dos seus avós adoptivos com quem naturalmente estão estabelecidos laços fartos de afecto familiar, o regresso dele a Portugal não irá atentar de forma violenta contra a sua integridade psicossomática?
Encarrega-nos a experiência da vida de nos prevenir de que uma criança de cinco anos não estará em condições de apreender todas estas inusitadas vicissitudes por que terá de passar neste enquadramento circunstancial; mas, igualmente também nós nos apercebemos dos dissabores de que poderá ser acometida esta criança quando na sua adolescência souber que lhe não foi mostrada toda a verdade sobre a sua realidade familiar e não se tomaram todas as possíveis e exigíveis providências que ele irá mais tarde considerar que deviam ser tomadas relativamente ao seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social e, ainda, quanto ao desenvolvimento completo e harmonioso da sua personalidade, protecção a que tem a criança inegável direito nos termos dos princípios 2.º e 6.º da Declaração dos Direitos da Criança, aprovada pelas Nações Unidas em 20.11.1959.

Tal qual a maioria das resoluções que têm lugar em questões de família, a solução a dar a esta peculiar situação é por regra dificultada.
Havendo que tomar posição sobre ela e sabendo-se que o Julgador sempre terá de aferir tal problemática, mais num ambiente de concepção individual da vida do que aferi-la através duma base estritamente objectivista, a acuidade deste tema põe de fora todo o absolutismo do rigor normativo que à proclamação do direito deverá assistir - nas questões de família a descoberta do “justo” faz apelo a processos psicológicos de decisão não inteiramente racionalizáveis, o que não significa que sejam irracionais Carbonnier, citado por Maria Clara Sottomayor; obra citada pág. 35. - e é no encadeamento de ideias insertas neste princípio doutrinário e que se integra no “subjectivismo judiciário” de que fala Jacques Commaille Maria Clara Sottomayor; obra citada pág. 36 que vamos dar a solução legal ao litígio em que estão envolvidas as partes.

III. Do que sabemos acerca da D. Otília e do Sr. Claudionor, pessoas que têm ao seu cuidado o Henrique M..., destacamos o facto de que, devido à idade avançada da primeira, eles adoptaram a requerida Cláudia.
Depreende-se do que se descreve no relatório social documentado a fls. 87 que o Henrique M... está a ser convenientemente bem tratado pelos seus avós adoptivos e que esta ocorrência foi determinada em virtude da contestada conduta da Cláudia que permaneceu com a família durante algum tempo, mas logo depois foi embora deixando os filhos (o Henrique M... e a Larissa) com os avós.
Manifestando a vontade de cuidar do menor, apesar dos seus 70 anos de idade, de ter problemas na perna e de cuidar da casa sozinha (cfr. fls. 88), podemos inferir do contexto em que estas declarações foram produzidas que, muito embora estando o Henrique M... familiarmente adaptado aos avós e estes mostram-se preocupados com a situação do neto, parece, todavia, que não objectarão a que ele seja entregue ao recorrente.
Denunciando que o pai deveria mostrar mais interesse pela criança, pois não a auxilia financeiramente e tem feito poucos telefonemas, desta queixa se pode inferir que o que eles desejariam é que o pai demonstrasse mais afecto por ele por ser apenas ele o natural educador do menor.
Alertando este relatório para a circunstância de a criança estar a ser bem cuidada e nada se observar que impeça a permanência com os avós adoptivos, mas que esta realidade pode ser modificada futuramente - a saúde e a provecta idade da D. Otília não asseguram a continuidade dos cuidados ora prestados ao Henrique M..., dizemos nós - ajustamos em que a cautela ponderadamente a tomar é no sentido de que o menor seja confiado ao pai, que dispõe de condições sócio-afectivas para continuar a conduzir o processo educativo do seu filho e beneficiando para o efeito de uma retaguarda familiar consistente, nesta se incluindo o apoio da sua mãe.
O bom ambiente familiar reinante do seio da família que acolheu o menor e a bem formada personalidade de ambos os avós adoptivos que ressalta das respostas ao questionário formulado pelas autoridades brasileiras, antevêem que não irá haver uma desgastante e desapropriada oposição a que o menor seja entregue ao pai e que há bons indícios no sentido de que o modo de concretizar esta reintegração se fará sem hostilidade.

IV. A medida dos alimentos é caracterizada pelo art.º 2004.º do C.Civil: - os alimentos são proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, atendendo-se também à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Ter-se-á, assim, de tomar em conta, designadamente os rendimentos e despesas do alimentante e alimentado, as suas necessidades e a sua condição social, podendo a pensão alimentícia ser reduzida ou aumentada se, entretanto, se verificarem circunstâncias que apontem para uma alteração num ou noutro sentido.
A pensão alimentar que o julgador vai atribuir a quem dela carece, terá de ser determinada em consonância com as possibilidades económicas e as necessidades do sujeito activo e passivo da obrigação; e, se, como no caso "sub judice", a obrigado e o seu tomador estão desligados de qualquer compromisso de vida conjunta, ter-se-á de atentar nos proventos actuais de um e outro neste ambiente circunstancial, os quais vão servir de directriz para calcular, com equidade, o seu quantitativo e a forma de o prestar.
Da requerida Cláudia R... nada sabemos quanto aos seus rendimentos ou proventos patrimoniais e, igualmente, desconhecemos onde mora.
Faltando os pressupostos factuais determinantes para a fixação do regime de visitas de que beneficia a mãe do menor Cláudia R... e para a contabilização da quantia mensal da sua responsabilidade, ter-se-á de diferir para momento ulterior a decisão que neste contexto há-de ser proferida.

Pelo exposto, julgando procedente o recurso, revoga-se a sentença recorrida e, em consequência:
1. Confiamos o menor à guarda e cuidados do pai Pedro M..., a quem fica a caber o exercício do poder paternal;
2. Diferimos para momento ulterior a fixação da obrigação de a requerida prestar alimentos e a decisão sobre o estabelecimento do regime de visitas ao menor: a decisão que neste contexto vai ser proferida ocorrerá quando o Tribunal tiver na sua disponibilidade todos os elementos para tanto necessários.
3. Os abonos de família e todos os subsídios a que o menor se mostre com direito são desde já atribuídos ao pai e a partir do momento em que seja concretizada a entrega do menor ora decretada.

Custas em ambas instâncias pela recorrida/requerida Cláudia R...

Guimarães, 21 de Junho de 2007.