Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
224/14.3T8FAF.G1
Relator: LINA CASTRO BAPTISTA
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
PERDA DE VEÍCULO
PRIVAÇÃO DE USO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Em caso de perda total do veículo, a escolha entre a reparação natural ou a indemnização pelo respectiva valor venal tem de fazer-se casuisticamente e essencialmente à luz do interesse do lesado, que deve prevalecer sobre os interesses da seguradora.
II - A privação do uso de um veículo traduz-se num dano susceptível de ser indemnizado a título de danos patrimoniais, caso se prove a ocorrência de uma repercussão negativa no património do lesado, ou a título de danos não patrimoniais, caso se prove que a tal privação se repercutiu negativamente e de forma relevante na via do dia-a-dia dos Autores.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I—RELATÓRIO

CÉSAR A, residente na Rua S, nº 63, freguesia de São Martinho de Silvares, concelho de Fafe, e FLÁVIA J, residente na mesma morada, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “COMPANHIA DE SEGUROS T, S.A.", sociedade com sede na Avenida L, nº 242, Lisboa, pedindo que seja a Ré seja condenada a pagar:
a) Ao 1º Autor a quantia de € 10 722,70, a título de danos patrimoniais, nos termos dos artigos supra alegados sob os nº 19º a 25º e 29º a 37º, acrescida dos montantes vincendos à título de paralização da viatura, calculada à razão diária de € 30,00 diários até efectiva reparação, bem como dos juros, à taxa legal de 4 % ao ano, ou, caso assim não se entenda:
b) Ao mesmo Autor a quantia de € 5 760,00, a título de danos patrimoniais, nos termos dos artigos supra alegados sob os nº 26º a 37º, acrescida dos montantes vincendos a título de paralização da viatura calculada à razão diária de € 30,00 diários até efectiva reparação, bem como dos juros à taxa legal de 4 % ao ano;
c) À 2ª Autora a quantia de € 30,00, a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa legal de 4 % ao ano;
d) À 2ª Autora a quantia de € 5 000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4 %, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alegam, em síntese, que, no dia 14 de Junho de 2014, pelas 13h 10m, ocorreu um acidente de viação na Ponte de S. José, freguesia de Antime, concelho de Fafe, em que intervieram o veículo de matrícula nº 08-29-OR (doravante designado por OR), pertencente ao 1º Autor e conduzido pela 2ª Autora, e o veículo de matrícula nº 67-HQ-36 (doravante designado por HQ), pertencente a António G, conduzido por Celine A e segurado na Ré.
Defendem que a condutora do veículo segurado pela Ré foi a exclusiva responsável pela ocorrência do acidente por, a uma velocidade de mais de 80/90 Km/hora, ter saído fora da sua faixa de rodagem, invadido e entrado na faixa por onde circulava o veículo do 1º Autor e embatido neste.
Invocam a ocorrência de um conjunto de danos de carácter patrimonial e não patrimonial como consequência directa e necessário do referido embate, designadamente € 6 602,70 como valor necessário para reparação do veículo do 1º Autor; € 1 000,00 a título de desvalorização do mesmo veículo; € 30,00 diários desde 14/06/2014 a título de indemnização pela paralização do mesmo veículo; € 30,00 despendidos pela 2ª Autora em medicamentos e € 5 000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos por esta.
A Ré veio contestar, aceitando a ocorrência do acidente, a celebração e vigência do contrato de seguro invocado e a sua responsabilidade na reparação dos danos decorrentes de tal acidente.
Impugna, por desconhecimento, a generalidade da matéria de facto atinente aos danos.
Contrapõe - com particular relevo - que, à data do acidente, o valor venal de mercado do veículo OR era de € 1 750,00. Entende que, tendo a respectiva reparação sido orçada em € 7 729,02 e os salvados avaliados em € 190,00, o Autor apenas tem direito a receber a quantia de € 1 560,00.
Mais contrapõe que o Autor não tem direito a receber qualquer quantia a título de privação de uso do veículo, uma vez que não invocou a ocorrência de qualquer dano.
Conclui pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, com todas as consequências legais.
Em sede de Audiência Prévia proferiu-se despacho saneador e se fixou o objecto do litígio e os temas da prova.
Realizado o julgamento, proferiu-se sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar:
A. Ao primeiro autor CÉSAR A a quantia de € 7269,02 (sete mil, duzentos e sessenta e nove euros e dois cêntimos), a título de indemnização para reparação do veículo 08-29-OR, quantia essa acrescida de juros à taxa legal supletiva desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
B. Ao primeiro autor CÉSAR A, a título de indemnização por privação do uso do veículo 08-29-OR a quantia de € 10,00 por dia, desde a data do acidente e até pagamento da quantia supra arbitrada a título de reparação, a qual, na presente data se computa em € 6920, 00 (seis mil, novecentos e vinte euros), a que acrescem juros desde a presente data da sentença até efectivo e integral pagamento;
C. À segunda Autora FLÁVIA J a titulo de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos a quantia de € 300,00 (trezentos euros), acrescida de juros desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES
1. À luz do princípio geral da obrigação de indemnizar a recorrente não pode ser condenada no pagamento da quantia correspondente ao valor de reparação do veículo, antes o devendo ser no pagamento da quantia de € 2.000,00, correspondente ao valor comercial do veículo, porquanto o valor da reparação é mais de três vezes e meia superior ao valor do mesmo veículo.
2. Dispõe o nº 1 do art.º 566º do CCivil que A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
3. No presente caso verifica-se que a reconstituição natural, consubstanciada na reparação do veículo, se revela, de forma manifesta, excessivamente onerosa para a recorrente.
4. Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19.02.2015, no qual foi Relator o Exmo Senhor Juiz Desembargador Pedro Martins, disponível em www.dgsi.pt: I-O valor indicado por uma seguradora como valor de mercado de um veículo, em caso de perda total, corresponde à indicação, por esta, do valor de substituição do veículo. II- Cabe ao lesado alegar e provar factos tendentes a aumentar esse valor de substituição. III- Se o valor da reparação estiver acima 20% deste valor de substituição, em princípio a seguradora só será obrigada a pagar a indemnização pelo valor de substituição.
5. Ainda na esteira do mesmo Acórdão se pode ler que "Por tudo isto, quando o valor da reparação for superior ao valor de substituição há, em princípio, um excesso em relação ao valor que deveria ser indemnizado, não se estando, por isso, nessa parte, perante um valor indemnizatório, pelo que não será correcto estar a responsabilizar a seguradora por ele, pois que já não se estaria no domínio da função desta de indemnizar danos. A reparação será excessivamente onerosa porque vai para além do valor necessário à reparação dos danos e será excessivamente onerosa para a seguradora porque esta tem por função indemnizar danos e o valor em excesso vai para além dessa função."
6. A manifesta desproporção entre o custo da reparação e o valor do veículo impõe – sob pena, até, de abuso de direito – que o princípio da restauração natural dê lugar ao princípio da indemnização.
7. A boa aplicação das regrais gerais da obrigação de indemnizar constantes do CCivil impõe assim que, nesta parte, a recorrente seja responsabilizada, não pelo pagamento do montante da reparação do veículo, mas pelo pagamento do valor de € 2.000,00, correspondente ao valor do veículo.
8. A condenação no pagamento das quantias já liquidadas e a liquidar a título de privação de uso do veículo
9. Perante a factualidade dada como provada na douta sentença recorrida, considera a recorrente não se encontrarem preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar pela privação de uso do veículo.
10. Para haver indemnização, tem de haver danos, o que vale por dizer que a simples privação do uso de um veículo, sem a demonstração de qualquer dano concreto ocasionado por essa privação, ou seja, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar.
11. Para que a imobilização de uma viatura possa traduzir-se em danos para o seu proprietário, susceptíveis de serem indemnizados, é necessário que o lesado alegue e prove os factos que consubstanciam esses danos, o que no caso dos autos não ocorre.
12. É neste sentido que tem decidido a jurisprudência pátria, quando chamada a pronunciar-se sobre a questão. Neste particular, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2012, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu que: V - A simples privação do uso de um veículo, desacompanhada da demonstração de outros danos – seja na modalidade de lucros cessantes (frustração de ganhos), seja na de danos emergentes (despesas acrescidas justificadas pela impossibilidade de utilização) – não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar. VI - Daí que, não tendo a autora alegado, nem demonstrado, quaisquer ganhos ou vantagens frustradas pela impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, nem as despesas que teve de suportar com o aluguer de viaturas – inexista dano de privação.
13. Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.07.2013 se decidiu: A privação do uso de um veículo automóvel não é suficiente para nela fundar a obrigação de indemnizar, a não serem alegados e provados danos emergentes e (ou) lucros cessantes por aquela causados.
14. E em muitos e muitos outros arestos deste Supremo Tribunal que perfilham este entendimento, dos quais a título exemplificativo se citam os acórdãos de 10.01.2012, 03.05.2011, 04.05.2010, 21.04.2010, 09.03.2010, 02.06.2009, 30.10.2008, 09.12.2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
15. Sendo de referir e sublinhar, ainda a este propósito, que não só ficou provado que o recorrido é proprietário e já o era à data do acidente de dois outros veículos ligeiros de passageiros (1.19 dos Factos Provados) como não se provou que o recorrido tenha tido e tenha ainda necessidade de pedir veículos emprestados, os quais não pode utilizar a seu bel-prazer, sendo que muitas vezes não se desloca aos locais pretendidos (2.8 dos Factos Não Provados).
16. Na douta sentença recorrida fez-se menos acertada interpretação dos factos e errada aplicação da Lei, designadamente, dos art.ºs 562º e 566º, ambos do CCivil e do art.º 41º do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto.

Os Autores apresentaram contra-alegações, nas quais apresentam as seguintes
CONCLUSÕES
a. Entende a Apelante que o cálculo da indemnização deve ser fixada pela simples atribuição do valor venal do veículo, ao invés do custo da reparação do veículo, por entender existir excessiva onerosidade para o devedor nesta última hipótese;
b. Não sufragamos, porém, tal entendimento;
c. Antes consideramos, em estreita concordância com a tese defendida pela Mm.ª Juiz “a quo” que o artigo 41.º do Dl 291/2007 (que a Apelante pretende ver aplicado ao caso sem mais) tem a sua margem de aplicabilidade restringida à fase que antecede o recurso à via judicial, no sentido de a evitar, fornecendo critérios mínimos no âmbito da obrigação de apresentação de proposta razoável;
d. Assim, a determinação do montante indemnizatório deve ser regido pelo principio geral da reconstituição ou restauração natural disposto no artigo 562.º do Código Civil, devendo a indemnização ser fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente (relativamente ao sinistro) e a que teria nessa data se não existisse o dano, nos termos do artigo 566.º, n.os 1 e 2 do Código Civil;
e. Porém, em casos de acidente de viação em que ocorre a perda total do veiculo (como é o caso), a reconstituição da situação do lesado frequentemente não coincide com a indemnização fixada pelo valor venal do veículo, uma vez que, sendo o veículo um bem de apreciável uso, habitualmente tem um valor comercial pouco significativo, não traduzindo a utilidade que o A. retirava que o veículo lhe proporcionava
f. Sendo certo que, além disso, a Apelante não demonstrou, como lhe competia pela aplicação das regras do artigo 342.º do Código Civil que o A. podia adquirir com o valor venal do veículo, um veículo com as mesmas características e o mesmo uso e nem que a opção pelo arbitramento da indemnização pelo valor da reparação constitui excessiva onerosidade para a Apelante;
g. A recorrente entende, ainda, não estarem preenchidos os pressupostos que regem a obrigação de indemnizar o período de privação do uso do veículo;
h. Porém, também aqui, sem razão;
i. A simples privação do uso de veículo que era usado diariamente comporta um prejuízo efectivo, correspondente à perda dos poderes de uso e fruição e deve constituir, em si, um dano susceptível de indemnização;
j. Aliás, é hoje pacificamente aceite que a ocorrência de um acidente de viação que determina a sua paralisação confere ao lesado o direito à reconstituição natural da situação através da atribuição de veículo de substituição ou de quantia suficiente para que o lesado possa alugar veículo semelhante ao sinistrado;
k. Afastada a reconstituição natural, resta o recurso à indemnização nos termos previstos no artigo 566.º do Código Civil (restituição por equivalente) e, se necessário, com recurso à equidade;
l. De resto, ao contrário do que sustenta a Apelante, a jurisprudência maioritária vai no sentido de que: “A privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito.” citando a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/05/2013 no processo 3036/04.9TBVLG.P1.S1;
m. Por isso, a presente Apelação tem de improceder, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II—DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
I. Cálculo da indemnização para reparação do veículo sinistrado.
II. Requisitos da indemnização por privação de uso de veículo.
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III—FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS (elencados na sentença dos autos):
1) No dia 14 de Junho de 2014, pelas 13h10m, na Ponte de S. José, freguesia de Antime, concelho de Fafe, ocorreu um acidente de viação (provém do art. 1º);
2) No qual foram intervenientes o veículo de matrícula 08-29-OR propriedade do 1º Autor e conduzido pela 2ª Autora e o veículo de matrícula 67-HQ-36, propriedade de António G, conduzido por Celine A e segurado na Ré através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 0002301243, válida à data do acidente (provém do art. 2º);
3) Naquela data e local, o veículo do 1º A. circulava no sentido Fafe – Felgueiras (provém do art. 3º);
4) Circulava à velocidade de 40/50km/h, dentro da sua faixa de rodagem, atento ao trânsito (provém do art. 4º);
5) O condutor do veículo segurado na Ré circulava em sentido contrário, ou seja Felgueiras – Fafe (provém do art. 5º);
6) À velocidade de 80/90 km/h (provém do art. 6º);
7) Ao cruzar-se com o veículo do A. numa curva que antecede aquela ponte de S. José, considerando o sentido de marcha daquele veículo (provém do art. 7º);
8) Saiu fora da sua faixa de rodagem, invadiu e entrou na faixa por onde circulava o veículo do 1º A. e foi-lhe embater com a parte da frente, lado esquerdo, na parte lateral, lado esquerdo, junto à porta e guarda-lamas (provém do art. 8º);
9) Em consequência do acidente a 2ª Autora sofreu uma queimadura de 1º grau no braço direito devido à abertura do airbag (provém do art. 11º);
10) Pelo que foi transportada para o Centro Hospitalar do Alto Ave pelo INEM (provém do art. 13º);
11) Onde recebeu os necessários tratamentos médicos e de diagnóstico, sujeitando-se à realização de um RX (provém do art. 14º);
12) Na verdade da observação em consulta médica realizada em 1/9/2014, resultou que a 2ª A. apresentava zonas de hiperpigmentação cutânea a nível do braço e prega anterior do cotovelo à direita (provém do art. 17º);
13) Devido ao acidente o veículo do 1º A. sofreu danos, designadamente ao nível do farol frente esquerdo, pisca frente esquerdo, guarda-lamas frente esquerdo, retrovisor frente esquerdo, porta frente esquerda, charriô, braço suspensão esquerdo, amortecedor frente esquerdo, manga eixo frente esquerdo, pára – choques da frente e pisca lateral guarda-lamas, entre outros (provém do art. 19º);
14) Para a sua reparação será necessária a aplicação de peças novas e serviços de chapeiro, electricista, pintura e mecânico no valor de € 7 279,02 (provém do art. 20º e 21º da petição e do art. 7º);
15) O veículo em causa é um Peugeot 206, do ano de 1999, com cerca de 100 000 km, no valor de €2.000,00 (provém do art. 28º);
16) O veículo do A. está parado desde a data do acidente (provém do art. 29º);
17) O veículo em questão era utilizado, diariamente, pelo 1º A. para se deslocar para o seu local de trabalho, a Repartições Públicas e a outros locais, bem como para passear durante os períodos de lazer (provém do art. 34º);
18) A 2ª autora teve dificuldade em dormir pelo desconforto que sentiu no braço, sentindo-se triste, nervosa e melancólica (provém do art. 45º).
19) O autor é proprietário e tomador do seguro do veículo ligeiro de passageiros da marca Nissan, modelo Sunny Sedan, de matrícula QT-96-63 e do veículo ligeiro de passageiros da marca Citroen, modelo Xantia 2.0 HDI SX LIM SP, com a matrícula 07- 48-ON, desde pelo menos 01.06.2014 e 31.12.2006 (provém do art. 20º);
20) A Ré enviou ao autor as comunicações constantes dos documentos n.º 3 e 4, cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzido (provém do art. 9º e do art. 12º);
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FACTOS NÃO PROVADOS (elencados na sentença dos autos):
a) Que a 2ª autora tenha ficado com muitas dores na parte lombar, ombro e braço esquerdo (provém do art. 12º);
b) E tenha permanecido naquelas instalações de saúde desde as 14:00h até às 17:00h, regressando posteriormente a casa (provém do art. 15º).
c) Como resultado das lesões advindas do acidente e necessários tratamentos, a 2ª A. continua a sofrer dores (provém do art. 18º);
d) Não obstante os tratamentos a que foi sujeita naquela unidade hospitalar, como consequência do acidente resultou uma ferida no braço direito que deixou marcas visíveis numa extremidade de cerca de 5cm por 2cm de largura (provém do art. 16º);
e) O veículo do A. será sempre um veículo que sofreu um acidente ficando mais fragilizado na sua estrutura (provém do art. 22º);
f) A consistência das peças, encaixes, chapas e pinturas, não têm a mesma durabilidade das anteriores que eram de origem (provém do art. 23º);
g) Será sempre um veículo com pouca procura aquisitiva (provém do art. 24º);
h) O 1º A. teve e ainda tem necessidade de pedir veículos emprestados, os quais não pode utilizar a seu bel-prazer, sendo que muitas vezes não se desloca aos locais pretendidos (provém do art. 35º);
i) A 2ª A. despendeu, em medicamentos para tratar das lesões que lhe advieram do acidente, a quantia de € 30,00 (provém do art. 38º);
j) A 2ª Autora sofreu dolorosos tratamentos (provém do art. 42º);
k) O que causou enorme transtorno e perturbação, quer porque afectou o seu ritmo de vida, quer porque lhe provocou dor e sofrimento tanto mais que era uma pessoa activa e saudável (provém do art. 43º);
l) Que a 2ª autora tenha ficado desfigurada naquela parte do braço que (provém do art. 45º);
m) A 2ª A. sofreu dores no braço direito o que lhe causou desconforto na realização de tarefas básicas no dia-a-dia, tais como vestir-se, despir-se e realizar a sua higiene pessoal (provém do art. 44º).
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IV—DIREITO
No que respeita ao cálculo da indemnização para reparação do veículo sinistrado, os factos apurados relevantes são os seguintes:
1) Devido ao acidente o veículo do 1º A. sofreu danos, designadamente ao nível do farol frente esquerdo, pisca frente esquerdo, guarda-lamas frente esquerdo, retrovisor frente esquerdo, porta frente esquerda, charriô, braço suspensão esquerdo, amortecedor frente esquerdo, manga eixo frente esquerdo, pára – choques da frente e pisca lateral guarda-lamas, entre outros (provém do art. 19º);
2) Para a sua reparação será necessária a aplicação de peças novas e serviços de chapeiro, electricista, pintura e mecânico no valor de € 7 279,02 (provém do art. 20º e 21º da petição e do art. 7º);
3) O veículo em causa é um Peugeot 206, do ano de 1999, com cerca de 100 000 km, no valor de €2.000,00 (provém do art. 28º);
4) A Ré enviou ao autor as comunicações constantes dos documentos n.º 3 e 4, cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzido (provém do art. 9º e do art. 12º);
Complementarmente, deve atender-se a que, nestas comunicações, a Ré refere - entre o mais - que "No seguimento da vistoria efectuada constatámos que a viatura de V. Ex.ª sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente. Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação 7.279,02€ na oficina Auto Ribeiro E Costa Lda, a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos (190,00€), bem como o seu valor de mercado antes do acidente (1.750,00€), e embora ainda não seja possível assumir uma posição quanto a responsabilidades, propomos condicionalmente a quantia de 1.560,00€ solicitando que nos remeta fotocópias do bilhete de identidade, cartão de contribuinte do proprietário e documentos da viatura." E, depois, que "Nesta conformidade e na sequência da nossa comunicação anterior, encontra-se ao vosso dispor o valor de € 1560,00, mantendo V. Exa. a posse do veículo com danos."
Sobre esta questão concreta, decidiu-se na sentença recorrida:
"Em casos como o presente, de indemnização de danos em veículos automóveis, com apreciável uso, desactualização e desgaste, danos consistentes na inutilização da respectiva capacidade de uso, surge a questão de determinar se essa indemnização se realiza, em vista do princípio geral do artigo 562º do Código Civil ou, pelo contrário, pela simples atribuição do valor venal da viatura.
Pretende a Ré que a indemnização a arbitrar ao 1º autor seja encontrada por referência à definição de “perda total” do veículo, ou seja, pretende a seguradora Ré que o autor receba apenas a quantia referente ao valor venal do veículo por se mostrar a respectiva reparação excessivamente onerosa em relação àquele valor.
Estriba-se na definição de “perda total” do veículo e correspondente indemnização que resulta da regra inserida no artigo 41º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto (que aprovou o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel). Dispõe o dito artigo, no que ora nos interessa, que “1 - Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses: a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total; c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos. 2 - O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente. 3 - O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização.
Ora, é nosso entendimento (e da maioria da jurisprudência dos tribunais superiores) que o regime constante do referido artigo não só não pretendeu, como não poderia pretender, substituir as regras gerais indemnizatórias previstas nos art. 562º e 566º do Código Civil, mesmo quando o princípio indemnizatório geral da reconstituição da situação anterior ao dano é alcançado pela equivalência de um valor em dinheiro como elemento reparador da lesão.
Na verdade, o mecanismo do artigo 41º do Decreto-Lei n.º 291/2007, numa interpretação do preceito que combina elementos sistemáticos e teleológicos, refere-se tão-somente à obrigação de apresentação da chamada proposta razoável prevista no referido Diploma. Este mecanismo pressupõe uma resolução extra-judicial do litígio e visa, cremos que, notoriamente, fornecer critérios mínimos orientadores da seguradora em vista dessa evitação de um litígio com expressão judicial (eliminando esse custo de litigância adicional a todos os interessados).
Não pode, pois, querer-se substituir as normas do Código Civil atinentes ao dever geral de indemnizar pelos critérios do artigo 41º do Decreto-Lei n.º 291/2007, que como deixámos dito se referem a uma fase extra ou se quisermos pré-judicial do litígio. - cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5.07.2007, “um veículo já com muito uso pode ter um valor comercial pouco significativo, mas, ainda assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor de mercado, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, por não lhe permitir a aquisição de uma viatura da mesma marca, com as mesmas características e com o mesmo uso”, Acórdãos da Relação de Coimbra de 14-10-2010, de 15-11-2011, 03-03-2015, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de Maio de 2015, entre outros (disponíveis para consulta em www.dgsi.pt ).
Na verdade, e seguindo Júlio Manuel Vieira Gomes (Cadernos de Direito Privado, nº 3, Julho/Setembro, 2003, pp. 52/55), “[…] atender [nestes casos] estritamente ao valor de mercado do bem (no sentido do seu valor de venda) seria converter a responsabilidade civil numa forma de expropriação privada pelo preço de mercado […]. Aliás, sendo muito relativa a fungibilidade de um carro usado, mesmo sem atendermos aos importantes factores idiossincráticos que se expressam na relação de alguém com a “sua” viatura, sempre haverá que situar a questão indemnizatória no exacto plano que lhe cabe: o de afastar o desvalor correspondente ao dano, entendido este como a “supressão ou diminuição de uma situação favorável, reconhecida ou protegida pelo Direito”. Ora, neste quadro, indemnizar – e indemnizar será sempre suprimir um dano – significa proporcionar ao lesado (restaurar na esfera dele) a utilidade perdida por via desse mesmo dano, sendo que este se materializa aqui na impossibilidade de utilizar a viatura, quando esta é usada como meio de transporte (não, por exemplo, como objecto de colecção). É assim que indemnizar não se trata aqui, propriamente, de fixar – rectius, não coincidirá sempre com… – o valor do bem em si mesmo, correspondendo a realidades distintas (e um carro é quase um exemplo paradigmático disto) o valor do bem e a concreta utilidade por ele propiciada, através dele alcançada, sendo esta utilidade, e não tanto o valor do bem, que expressa o verdadeiro dano e, consequentemente, o real “objecto” indemnizatório: “a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, como diz o artigo 562º do CC.”
No que toca à questão da excessiva onerosidade da reparação, a prova da mesma cabia integralmente à Ré (a prova da excessiva onerosidade traduzida na "flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custa da restauração natural recai integralmente sobre o lesado - in caso a seguradora ré -, conforme entendimento pacífico da jurisprudência, v.g. neste sentido o já citado acórdão da Relação de Coimbra de 9.01.2012, relatado pelo ora relator no Processo nº 153/11.2TJCBR.C1, bem como: o acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 16.07.2009, no Processo nº 1781/06.3TBALQ.L1-8; e o acórdão desta Relação, de 4.07.2011, proferido no Processo nº 1937/06.9TBPFR.P1, todos disponível para consulta em www.dgsi.pt), sendo que esta se limitou a alegar o valor venal do veículo, por oposição ao valor da reparação, concluindo, directamente, e sem mais, pela dita onerosidade excessiva.
Não cremos que seja assim tão linear atingir tal conclusão.
É que mesmo ponderando a diferença de valores aqui em causa – os € 7279,02 necessários à reparação e o valor venal do veículo que se cifra em € 2000,00, não consideramos que se configure uma situação de excessiva onerosidade. Esta, “[…] só se pode decidir no caso concreto, atendendo e confrontando os interesses do lesado e do lesante e determinando até que ponto é que é exigível ao lesante suportar o custo das reparações, por tal corresponder a um interesse digno de tutela do lesado na integridade do seu património [...] Neste sentido não nos repugna sequer considerar que há aqui um certo paralelo com o abuso de direito e que é quando a exigência da reparação natural se apresenta abusiva, confrontando o benefício comparativamente reduzido do lesado e o sacrifício do lesante, que tal exigência não deve ter tutela legal" (Júlio Manuel Vieira Gomes, Cadernos....cit. pp. 61/62).
O montante da reparação, embora onere o património da seguradora, mercê do contrato com o tomador do seguro, não pode considerar-se excessivo porque presumivelmente não tem reflexos significativos no seu património e, de todo o modo, o desequilíbrio entre o valor da reparação e o valor venal ou comercial do veículo não pode tornar-se um factor penalizante para o lesado, que, além do mais, nenhuma culpa teve pelo acidente.
A Ré segurador terá, pois, em conformidade com o exposto, de indemnizar o autor no valor da reparação, ou seja, no montante de € 7279,02.
Este montante será acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação, nos termos do art. 805º, do Código Civil, uma vez que o montante arbitrado não foi objecto de cálculo actualizado (cf. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio (Diário da República I Série, de 27 de Junho de 2002)."
Por seu turno, os factos apurados relevantes para fixação da indemnização a título de privação de uso do veículo são os seguintes, para além dos já acima elencados:
5) O veículo do A. está parado desde a data do acidente (provém do art. 29º);
6) O veículo em questão era utilizado, diariamente, pelo 1º A. para se deslocar para o seu local de trabalho, a Repartições Públicas e a outros locais, bem como para passear durante os períodos de lazer (provém do art. 34º);
Sobre esta questão concreta, decidiu-se na sentença recorrida:
"O autor pede ainda a condenação da Ré no pagamento da quantia diária de € 30,00/ dia, pela privação do uso do veículo que se encontra parado desde a data do acidente.
A privação do uso do veículo traduz-se num dano susceptível de ser indemnizado, uma vez que, como bem salienta António Geraldes, ‘o dono do veículo que fixou impossibilitado de o utilizar pela necessidade de reparação ou pela verificação de um litígio quanto à reparação dos danos não fica numa situação idêntica à daquele que sempre teve a disponibilidade do bem’ (In Indemnização do Dano da Privação do Uso, pag. 47 e 50. No mesmo sentido, pode ver-se Luís Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, vol. ), pag. 317, para que "o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui, naturalmente, um dano.").
Perfilhamos do entendimento que maioritariamente vem sendo seguido no sentido de que a privação é geradora de dano ou prejuízo e que a privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar - uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem nos termos genericamente consentidos pelo art.º 1305º, do CC.
Conforme se decidiu no Ac. da Relação de Coimbra de 12.02.2008, disponível in www.dgsi.pt, “Estando um automóvel, em regra e por sua natureza, destinado a proporcionar ao seu proprietário e legítimo detentor utilidades (designadamente a possibilidade de se deslocar para onde quiser e quando quiser) que só podem ser fruídas pelo seu uso, impedido este, há um prejuízo que se traduz na impossibilidade de fruir essas utilidades, situação que pode ou não implicar lucros cessantes, e/ou danos emergentes com tradução monetária imediata, mas que, em regra, importa a frustração do gozo. Se a privação do uso do veículo durante um determinado período originou a perda de utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente."
Recorrendo aos critérios jurisprudenciais que têm vindo a ser seguidos em casos como o dos autos em que a indemnização devida ao lesado pela paralisação diária de um veículo deverá ser ponderada à luz de critérios de equidade - de que constituem exemplos o Ac. do STJ de 09.03.2010, em que o valor considerado foi de €10,00 euros diários; o Ac. da Rel. do Porto de 07.09.2010 em que se considerou também o valor de €10,00 euros por dia de paralisação, o acórdão da Relação de Coimbra, de 02.03.2010 no qual foi fixada a quantia de € 8,00 por dia de privação, e, ainda, o Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2012 no qual foi considerada também a quantia de €10,00 por dia (todos eles disponível em www.dgsi.pt), será atribuída ao autor a quantia diária de € 10,00, por cada dia de paralisação, desde a data do acidente e até efectivo pagamento da quantia supra arbitrada a título de indemnização com vista à reparação do veículo."
À quantia assim encontrada e que até esta data (da sentença) ascende a € 6920,00 (692 dias x € 10) acrescerão de juros à taxa legal supletiva desde a presente decisão até integral pagamento, uma vez que os valores atribuídos devem considerar-se actualizados (Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 4/2002, in Diário da República I, Série A de 27 de Junho de 2002)".
Quanto a ambas as questões suscitadas no recurso em análise, aderimos - na íntegra - à fundamentação jurídica e às subsequentes decisões condenatórias concretas constantes da sentença recorrida, por concordarmos com as mesmas e não se nos suscitarem qualquer reparo ou acrescento.
Consigna-se que as alegações de recurso não trazem qualquer questão nova, já que as teses aqui expostas já o tinham sido em sede de Contestação.
Por serem elucidativos sobre as posições reiteradas da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, acrescentámos a referência ao respectivo Acórdão de 21/04/2010, tendo como Relator Garcia Calejo (1), do seguinte teor: "I - Para que ocorra a obrigação de indemnizar é condição essencial que ocorra um dano, que se traduz no prejuízo que o facto ilícito culposo causa ao lesado, podendo o dano ser patrimonial ou não patrimonial, consoante seja ou não susceptível de avaliação pecuniária, estabelecendo a lei (cf. art. 566.º, n.º 1, do CC) a primazia da reconstituição natural, funcionando a reparação através de indemnização monetária como sucedânea, quando a reparação específica se mostre materialmente inviável, não cubra a integridade dos danos e quando se revele demasiado gravosa para o devedor. II - Em relação a um veículo automóvel acidentado, sendo a sua reparação integral possível, deve privilegiar-se a sua reconstituição natural, excepto se se revelar excessivamente onerosa, o que corresponde a que o encargo seja exagerado, desmedido, desajustado para o obrigado, transcendendo-se os limites de uma legítima indemnização.
III - Um veículo de valor comercial reduzido pode estar em excelentes condições e satisfazer plenamente as necessidades do dono. Nestas circunstâncias a quantia equivalente ao valor de mercado do veículo (muitas vezes ínfima) não conduzirá à satisfação dessas mesmas necessidades, o que equivale a dizer-se que não reconstituirá o lesado na situação que teria se não fosse o acidente, pelo que a situação inicial do lesado só será reintegrada com a reparação do veículo. IV - A indagação sobre a restauração natural ou a indemnização equivalente, deve fazer-se casuisticamente, sem perder de vista que se deve atender à melhor forma de satisfazer o interesse do lesado, o qual deve prevalecer sobre o do lesante, sendo pouco relevante, para os fins em análise, que o valor da reparação do veículo seja superior ao seu valor comercial. V - Demonstrando-se que a reparação do veículo, no caso concreto, era possível e sendo a diferença entre o valor da reparação e o valor venal da viatura de apenas 1 241,47 € (2 999,47 – 1 750), além da lesante ser uma companhia de seguros, a reparação pretendida não se revela excessivamente onerosa para ela, dado que o valor em si deve ser entendido como pouco relevante para uma seguradora, não sendo crível que possa ter reflexos significativos na sua situação patrimonial."
Bem como a referência ao Acórdão de 09/07/15, tendo como Relatora Isabel Pereira (2) do seguinte teor: "A privação do uso de um veículo automóvel, em resultado de danos sofridos na sequência de um acidente de viação, constitui um dano autónomo, indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor, inerente à propriedade que o art. 1305.º do CC lhe confere, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava."
Quanto a este Tribunal da Relação de Guimarães, e como comprovativo de que são igualmente estas as posições que vêm sendo seguidas a respeito destas questões concretas, cita-se o Acórdão de 21/05/2015, tendo como Relatora Ana Cristina Duarte (3), em que se decidiu que "1 – A reparação de viatura sinistrada em acidente de viação só será excessivamente onerosa quando for manifesta a desproporção entre o interesse do lesado que importa recompor e o custo que a mesma envolve para o responsável.
2 – Um veículo muito usado vale pouco dinheiro mas pode satisfazer as necessidades do seu proprietário, que não fica reconduzido à situação anterior ao evento lesivo, com o pagamento do valor venal do veículo, muitas vezes irrisório, que não lhe permite substituir aquele. 3 – O uso de um veículo constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, consubstanciando a sua privação um dano que deve ser indemnizado como contrapartida da perda da capacidade de utilização normal do veículo." Bem como o Acórdão de 23/04/2015, tendo como Relator Espinheira Baltar, em que se decidiu no mesmo sentido que "1. A jurisprudência dominante nos tribunais superiores vai no sentido que de que o artigo 41 do DL. 291/2007 de 21/08 se enquadra num conjunto de regras e procedimentos que as seguradoras deverão tomar, na fase extrajudicial, para apresentarem uma proposta razoável ao credor, em caso de acidente rodoviário, não substituindo as regras gerais do cálculo da indemnização previstas nos artigos 562 a 572 do C.Civil. 2. A doutrina e jurisprudência consideram que a prestação é excessivamente onerosa quando haja uma desproporção flagrante, manifesta, entre o interesse do credor na reconstituição e o custo da reparação que se impõe ao devedor."
Bem como o Acórdão de 26/02/2015, tendo como Relatora Isabel Rocha (4), do seguinte teor: "A privação do uso de um veículo automóvel, traduzindo a perda dessa utilidade do veículo, constitui um dano – e um dano patrimonial, porque essa utilidade, considerada em si mesma, tem valor pecuniário."
A conclusão final é, portanto, a da total improcedência do recurso.
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V—DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, e consequentemente, em confirmar a sentença dos autos.

Custas pela Apelante.

Notifique e registe.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)

Guimarães, 27 de Outubro de 2016

(Lina Castro Baptista)
(Maria de Fátima Almeida Andrade)
(Alexandra Maria Rolim Mendes)
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(1) Proferido no Processo nº 17/07.4TBCBR.C1.S1 e disponível em www.dgsi.pt no dia 20/10/2016.
(2) Proferido no Processo nº 13804/12.2T2SNT.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt no dia 21/10/2016.
(3) Proferido no Processo nº 2671/11.3TBBCL.G1 e disponível em www.dgsi.pt no dia 20/10/2016.
(4) Proferido no Processo nº 1797/12.0TBBCL.G1 e disponível em www.dgsi.pt no dia 21/10/2016.