Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL ROCHA | ||
Descritores: | LOCADOR AUTORIZAÇÃO SENHORIO RESOLUÇÃO DO CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/04/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO DOS AA E IMPROCEDENTE O DOS RR | ||
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Sumário: | I – A cedência do gozo, mediante retribuição, de dois edifícios urbanos situados no mesmo prédio, cada um para seu fim, pode integrar a celebração de dois contratos de arrendamento distintos ou apenas de um só contrato com pluralidade de fins nos termos do disposto no artº 1028º do CC. Assim, neste caso, para se determinar qual o contrato ou os contratos efectivamente celebrados, importa interpretar o sentido da declaração negocial dos contratantes, nos termos do disposto no artº 236º nºs 1 e 2 do mesmo Código. Nessa interpretação podem relevar, além dos termos do contrato, as várias circunstâncias envolventes, particularmente quando tal contrato é verbal. Concluindo-se pela existência de um contrato único com pluralidade de fins, quatro situações são possíveis de acordo com o disposto no dito artigo: a não subordinação de um dos fins ao outro; a de não resultar do contrato ou das circunstâncias que o acompanham a discriminação das coisas ou partes da coisa correspondentes às várias finalidades; a de as várias finalidades serem solidárias entre si; a de haver subordinação dos fins a um fim principal. Para se determinar a situação em cada caso concreto, haverá que ponderar todas as circunstâncias que, por interpretação e integração, permitam determinar a vontade comum conjectural dos contraentes na altura do contrato, nos termos já referidos do artº 236º do CC. II – Resultava do disposto nos artºs 55º a 61 do RAU que a acção especial de despejo só podia ser usada quando a causa de pedir se relacionasse com um contrato de arrendamento validamente celebrado, destinando-se, na expressão daquele artº 55º, a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento. Não é pois este o processo próprio para obter a entrega de parte de um prédio que foi objecto do comodato, mesmo que tenha sido celebrado um contrato de arrendamento incidindo sobre edifícios que se encontram noutra parte do mesmo prédio, designadamente com fundamento no princípio da absorção previsto no artº 1028º nº 3 do CC. III – Nos termos do disposto no RAU na versão introduzida pelo DL 64-A/90, o trespasse de estabelecimento comercial deve ser reduzido a escrito sob pena de nulidade. Tal nulidade, de conhecimento oficioso, torna inválido o trespasse (artº 289º do CC) e, como tal, tudo se passa como se o mesmo não existisse, sendo pois ineficaz em relação ao senhorio. Neste caso não há trespasse mas uma cedência do gozo que, se não autorizada, constitui fundamento de resolução nos termos das alíneas f) nº 1 dos artºs 1093º do CC e 64º do RAU, uma vez que viola as obrigações do arrendatário nos termos do disposto no artº 1038º al g) do CC. Compete aos arrendatários, não só provar que transmitiram a titularidade do estabelecimento através de trespasse validamente celebrado nos termos dos artºs 118 do CC e do 115º do RAU, mas também que o comunicaram ao senhorio nos termos da al. g) do artº 1038º do CC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que constituem a secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães. I – RELATÓRIO Mariana O..., casada no regime da separação de bens e residente na Avenida da S..., Estoril, Carlota F..., casada no regime da comunhão de adquiridos, residente na Rua D... Lisboa, Joana O..., casada no regime da separação de bens, residente na Rua D. C..., Lisboa e António R..., casado no regime da separação de bens, residente na Rua C..., Lisboa, propuseram a presente acção com processo especial de despejo contra B... Machado e mulher, Maria M..., residentes no lugar do C..., freguesia do Arco do Baúlhe, Cabeceiras de Basto, alegando em síntese: Que são plenos proprietários do prédio misto, Quinta do Canal, composto por uma casa de habitação, uma casa destinada a moagem e terreno culto e inculto, sito no Canal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto e inscrito na matriz urbana nos artigos 186 e 187 e na matriz rústica no artº 214; Tal prédio foi-lhes adjudicado em comum e partes iguais no inventário a que se procedeu por óbito de M... Reis; Em 8 de Março de 1974 foi verbalmente celebrado entre esta anterior proprietária e o Réu marido um contrato segundo o qual este habitaria a casa correspondente ao artº 186 urbano e utilizaria o edifício anexo, correspondente ao artigo 187 urbano para moagem de cereais; Como retribuição pela sua utilização o Réu pagaria a renda mensal de esc. 1000$00, sendo esc. 750.000$00 pela moagem e esc. 250$00 pela habitação, não tendo sido estabelecida qualquer retribuição pela parte rústica; Actualmente a renda global é de esc. 20.000$00 ou € 99,76 anuais, aplicando-se a mesma proporção, 15.000$00 ou € 74,82 para a moagem e € 24,94 para a habitação; Os RR continuam a habitar o prédio destinado a tal, mas deixaram de exercer a actividade de moagem de cereais no outro edifício, actividade que, desde data que se ignora passou a ser exercida pelo seu filho B... Machado, a quem aqueles cederam a sua utilização através de contrato cujo conteúdo exacto de ignora, porque nunca foi comunicado aos RR; A actividade de moagem encontra-se licenciada em nome do filho dos RR, o mesmo sucedendo com a licença para utilização na moagem da água do rio, sendo ele quem dirige tal actividade, pertencendo-lhe as máquinas, utensílios e mercadorias, quem paga os custos inerentes e vende os cereais que mói e ensaca; Os RR nunca comunicaram aos AA tal cedência da sua posição contratual no que respeita edifício destinado à moagem; No prédio foram ainda construídos dois edifícios novos, implantados no solo com as respectivas fundações; No edifício da moagem foram feitas obras de vulto que implicaram a demolição de paredes interiores de pedra e a construção de bases em betão para colocação dos aparelhos eléctricos para moagem de cereais, que desvirtuaram o edifício que só tinha moinhos impulsionados a água; Os AA nunca dera autorização para a execução de tais obras e só tiveram conhecimento de todos os alegados factos há menos de um ano, tendo a anterior proprietária falecido sem deles ter conhecimento. Pedem, assim, que seja resolvido o contrato de arrendamento sobre o prédio identificado, decretado o despejo imediato desse prédio, ordenada a sua entrega aos AA livres de pessoas e bens e, bem assim, a condenação dos RR a repô-lo no estado anterior às obras que efectuaram. Os RR contestaram por impugnação, mais alegando que: Celebraram verbalmente com a antiga proprietária do prédio em questão dois contratos de arrendamento distintos, um para fins industriais incidindo sobre o edifício da moagem de cerais e outro incidindo sobre o resto da Quinta onde existe a casa de habitação, para cultivo e habitação, não estando um fim subordinado ao outro, não obstante não terem feito a discriminação da renda referente a cada uma das partes; Tal resulta de recibos de renda que juntam, onde se descrimina a propriedade e a moagem; Nos anos 80 os RR acordaram com a anterior proprietária que seu filho passaria a explorar a moagem conjuntamente com eles; Em finais dos anos 80 afastaram-se da indústria de moagem ficando seu filho á frente da mesma; Obtiveram autorização da anterior proprietária para fazer as construções no prédio e proceder às obras necessárias para pôr o moinho a funcionar, sendo certo que não as mesmas não desvirtuam o edifício onde se situa a moagem; Os AA têm conhecimento dos factos que alegam como fundamento da acção há mais de um ano. Deduzem ainda reconvenção, pedindo que, para a hipótese de proceder o despejo da moagem, sejam indemnizados pelo custo das benfeitorias úteis e necessárias que ali efectuaram de boa fé, no valor de € 10.699,22. Os AA replicaram, respondendo ás excepções invocadas, defendendo que um só contrato de arrendamento foi celebrado cuja finalidade principal é o exercício da indústria de moagem, defendendo-se, no que respeita á reconvenção por excepção, arguindo a ilegitimidade dos AA e por impugnação, concluindo pela improcedências das excepções invocadas e da reconvenção. Posteriormente ocorreu o falecimento do Réu marido, tendo-se processado o incidente de habilitação de herdeiros. Proferido despacho saneador, procedeu-se á selecção da matéria de facto. Foi realizada perícia a requerimento das partes e procedeu-se á audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova aí produzida, no decurso da qual foi deferido parcialmente requerimento dos AA no sentido de serem aditados à base instrutória factos que alegou na PI. Posteriormente foram proferidas a decisão sobre a matéria de facto e a sentença onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção. Interposto recurso da sentença, vieram os RR arguir, nas suas alegações, nulidade decorrente do facto de a primeira cassete relativa á gravação da prova em audiência estar inutilizada pois nela nada foi gravado, tendo os AA requerido o conhecimento de tal nulidade pelo Mmº Juiz da primeira instância. Foi proferido despacho deferindo a arguida nulidade, ordenando-se a repetição do julgamento com inquirição das testemunhas cujos depoimentos não ficaram gravados. Repetida a audiência de julgamento nos termos ordenados decidiu-se sobre a matéria de facto reiterando-se as respostas á base instrutória já constantes dos autos, após o que foi novamente proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, declarando resolvido o contrato de arrendamento relativo á moagem, ordenando, em consequência, o despejo imediato da mesma e a sua entrega aos AA livre de pessoas e bens, condenando-se os RR a repô-la no estado anterior ás obras que realizaram sem o consentimento escrito dos senhorios, demolindo os edifícios novos lá construídos e as alterações introduzidas, absolvendo, no mais os mesmos RR do pedido e julgando improcedente por não provado o pedido reconvencional absolvendo-se os AA do mesmo. Inconformados, Autores e Réus interpuseram recurso de apelação da sentença. Os AA apresentaram alegações que concluem do seguinte modo: A douta sentença recorrida é nula por não se ter pronunciado sobre uma questão levantada pelos AA. e que, aliás, consta do pedido: a extensão do despejo a todo o prédio, incluindo a parte rústica (art. 667/1/d do C.P.C.); Foi celebrado um só contrato misto de arrendamento (para habitação e para moagem) e de comodato; Foi estabelecida uma única renda, muito embora tenha sido inicialmente feita a descriminação da parte relativa à moagem (750$00) e à habitação (250$00); O fim do comodato é subordinado ao fim do arrendamento; E dentro dos fins do arrendamento, o principal é o da moagem; Há solidariedade dos fins de moagem, de habitação e de cultivo: os edifícios onde aqueles se exercem são rodeados pelo terreno de cultivo, com uma única entrada para todos; a utilização da parte de cultivo está limitada ao período de duração do arrendamento para moagem e habitação; Assim, a causa de resolução relativa a um dos fins abrange necessariamente todos os outros e a totalidade do prédio; Os RR. cederam a sua posição contratual, no que se refere a moagem, ao seu filho João Bernardino; Da matéria provada resulta que essa transmissão configurou (provavelmente) um trespasse, gratuito ou oneroso, não se sabe; Dessa mesma matéria resulta que não houve cessão de exploração de estabelecimento, já que é essencial para a sua caracterização o seu carácter temporário e oneroso - o que não ficou demonstrado; De qualquer maneira, quer o trespasse, quer a cessão de exploração do estabelecimento, deveriam ter sido celebrados por escrito, sob pena de nulidade (art. 111/3 e 115/3 do RAU e hoje art. 1109/2 e 1112/3 do C. Civil); E deveriam ter sido comunicados ao senhorio, sob pena de ineficácia (art. 1.038/9 e 1109/2 do C.C.); Qualquer outro tipo de contrato que envolvesse a cessão, parcial ou total, da posição do inquilino, seria ilícito (art. 1038-f) do C.C.); Há, assim, uma claríssima causa de resolução do contrato (art. 64/1/f do RAU, então aplicável); Causa essa extensível a todo o contrato e a todo o prédio dele objecto (art. 1028 n° 2 e 3 do C.C.); O R. ou alguém a seu mando construiu dois edifícios, um para armazém e outro para escritórios no prédio dos AA. - ignorando-se, ao certo, onde, admitindo-se até que na sua parte rústica; Mas essa construção é causa de resolução do contrato por violação do art. 64/1/d do RAU, então aplicável, que abrange, o arrendamento e, por absorção, o comodato, por violação directa deste; Também a esta causa se aplica o acima referido; Ao decidir em sentido contrário, a douta sentença recorrida interpretou erradamente e violou as disposições legais citadas — arts. 64/1, alíneas d) e f), 111/3 e 115/3 do RAU; 1028 nºs 2 e 3, 1038/f e g, 1109/2 e 1112/3 do C. Civil; Deve, pois, ser parcialmente revogada, proferindo-se acórdão que julgue a acção inteiramente procedente, com a condenação dos RR. (e chamados) nos termos constantes da p.i . Por sua vez, os RR terminaram as suas alegações com as seguintes conclusões: Foram violadas, inadequadamente aplicadas ou mal interpretadas as seguintes normas jurídicas: alínea d) do artigo 64° do RAU, na versão do decreto-lei 321— B / 90 de 15 / 10; alínea b) do artigo 1031 do Código Civil, a qual não foi tida em consideração pelo tribunal; n.° 1 do artigo 1043 do C. Civil. alínea c) do artigo 110 do RAU; artigo 201.° e 205.° do Código de Processo Civil; artigo 12.° do RAU, bem como todas em conjugação. O Tribunal deveria ter interpretado noutro sentido diferente do que fez, a norma da alínea d) do artigo 64.° do RAU em conjugação com o artigo 1043.° do C. Civil, concretamente no sentido de que as obras realizadas podem justificar-se nos termos do artigo 1043.° do C. Civil pelo facto de existir o dever de manter a coisa locada em conformidade com os fins do contrato, que no caso era a exploração da indústria de moagem, e isto em conjugação com o artigo 1031.° do Código Civil quanto à aptidão da coisa locada para os fins a que se destina. Conclui-se ainda, em termos factuais, que: na actualidade, qualquer indústria de moagem movida apenas a água e sem aparelhos eléctricos, é inviável economicamente e deixa de servir para o fim a que se destina, de moagem de cereais para venda e satisfação de necessidades públicas. O Tribunal aplicou erradamente o direito aos factos que deu como provados. O Tribunal revelou o anacronismo factual de que, face aos factos que refere como provados, não podia decidir como decidiu o despejo com base em "realização de obras não consentidas", assumindo que os actuais AA (Recorridos) não consentiram em tais obras; pois nem sequer sabe a data exacta delas! Extrapolaram-se ilações de alguns factos. Assim, há nisto uma anacronia, há um desajuste entre o tempo de realização das obras e a legitimidade dos A.A, no âmbito da titularidade e propriedade dos A A, que é posterior, quer a existência das obras, quer a cedência da exploração da moagem. Logo, face aos factos provados pelo próprio Tribunal, estes resultam incorrectamente julgados, pois aos A.A não pode ser concedida a invocação duma causa de resolução do contrato de arrendamento, reportada a um momento temporal em que eles não tinham esse direito, pois nem sequer eram proprietários aquando da realização das obras; Assim, os autores não tem legitimidade para dizer se autorizam ou não autorizam as obras em que o tribunal se fundamenta para decidir o despejo do espaço de moagem, visto que ainda nem sequer eram proprietários, conforme resultou claro, que: - por certidão de fls. 15 e 16 os AA só têm a propriedade registada desde 2002; - não está provada nos autos a data exacta em que os AA tiveram conhecimento das obras, e se isso foi há menos de um ano em relação à propositura da acção, pelo que caducou a possibilidade de pedir resolução. a anterior proprietária que arrendou e consentiu na cedência da exploração da moagem era Maria Ana Cunha Reis, que morreu em 1998, e está provado nos autos que antes de 1996 o João Bernardino exerce a actividade da moagem e está colectado desde 1991 nas finanças, por tal actividade; pelo que, aquela 1ª proprietária assistiu a tudo com anuência, sendo certo que só ela poderia ter a possibilidade de actos jurídicos relativos aos arrendamentos em causa; nunca os A.A, autores e recorridos neste processo. Deve-se anular ou revogar a decisão de despejo relativo ao espaço da indústria de moagem, proferida pelo tribunal de Cabeceiras de Basto, mantendo-se todos o s arrendamentos em vigor, inclusive a parte rústica que foi permitida e cedida como anexo e complemento da habitação. Foram apresentadas contra alegações pelos AA e pelos RR. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II FUNDAMENTAÇÃO Objecto do recurso O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nºs 3 e 4 e 685-A nº 1 do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo DL 303/2007 de 24 de Agosto) Nos recursos apreciam-se questões e não razões, não visando os mesmos criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. Assim, importa decidir: I - A questão que apenas constitui objecto do recurso dos AA, é a de saber se a sentença recorrida é nula por não se ter pronunciado sobre a extensão do decretado despejo a todo o prédio. II - As questões que apenas constituem objecto do recurso dos RR são as seguintes: A - A de saber se matéria de facto foi incorrectamente julgada pelo tribunal recorrido; B- A de saber se caducou o direito de pedir a resolução do arrendamento. III - As questões que são simultaneamente objecto dos dois recursos interpostos, são as seguintes: A- Natureza do contrato ou contratos celebrados entre a anterior proprietária do prédio em causa e os RR demandados; B - Existência de fundamento de resolução do alegado arrendamento. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos: Mostra-se descrito na conservatória do Registo Predial sob. o n°. 00644 o prédio misto correspondente à Quinta do Canal, composto por casa destinada a habitação, com a área coberta de 132m2, uma casa destinada a moagem de cereais, com a área de 180 m2 e terreno culto e inculto com a área de 17.000 m2, confrontando do Norte com caminho e José Bento Pacheco, do Sul com rio e José Carvalho dó Arco, de Nascente com rio e do Poente com herdeiros de João António Henriques, conforme certidão junta a fls, 15 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido ( A). O prédio referido em A) encontra-se inscrito a favor dos AA. Mariana O..., Carlota F..., Joana O... e António R... B). O prédio referido em A.) corresponde aos artigos 186 e 187 urbanos e 214 rústico sendo de € 6.388,67 o valor tributável do primeiro €1.166,02 o valor tributável do segundo e de € 2.931,93 o valor tributável do terceiro, conforme certidão de fls. 17 e 18 dos autos e cujo teor de da por integralmente reproduzido (C). Desde data anterior a 1996 os RR deixaram de exercer a actividade de moagem de cereais, sendo o seu filho J... B.. Machado, quem atende as pessoas que vão moer os cereais que produzem, quem lhes cobra o preço da moagem, quem adquire cereais, quem mói e ensaca vendendo depois ao público, quem paga os custos que essa actividade implica e quem se apresenta a dirigir a actividade perante clientes, fornecedores e serviços públicos, sendo suas as máquinas, utensílios e mercadorias que existem no referido anexo.( D) Em consequência de diversas actualizações a renda global é de esc. 20.000$00 - 99.76 euros. (C1) Em 1 de Agosto de 2002, o Ministério da Economia, Direcção Regional do Norte emitiu certidão onde consta que "a firma J... B.. Machado com estabelecimento industrial de moagem de cereais, sito no lugar do C..., freguesia do Arco de Baúlhe, concelho de Cabeceiras de Basto, a que correspondia o processo de licenciamento n°. 27.696; que a mesma está a laborar em situação regulamentar" (E). Pelo serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto, foi emitida certidão em 13 de Dezembro de 2001 na qual se certifica que " B... Machado NIF 150165633, não se encontra colectado por este serviço de Finanças". (F) Pelos serviços de Finanças de Cabeceiras de Basto foi emitida certidão em 18/06/2002, na qual se atesta que "J... B.. Machado, NIF 206141874, residente no lugar do Canal, freguesia do Arco de Baúlhe deste concelho esta colectado por este serviço de finanças com a actividade principal de moagem de cereais (CAE-15611) iniciada em 15 de Novembro de 1991 e enquadrado no regime trimestral normal".(G) Em 1974, por acordo verbal, a anterior proprietária do prédio referido em A) M... Reis, declarou dar de arrendamento, e o R. marido declarou tomar de arrendamento a casa e o anexo pertencentes ao prédio identificado em A) para habitação e moagem de cereais, mediante o pagamento de uma renda mensal de 1.000$00.(1) Dessa renda mensal, 750$00 respeitavam a moagem e 250$00 á habitação. (2) Nessa data a referida proprietária autorizou a utilização da parte rústica do prédio aludido em A. para cultivo e colheita de produtos pelo período que durasse o arrendamento relativo da habitação e do anexo sem que por tal utilização o R. devesse pagar qualquer renda.(3) Os RR. construíram ou autorizaram a construção de um armazém em blocos de cimento com 13,20 m de comprimento e 7,85m de largura junto à casa mencionada em A).(4) Os RR. construíram ou autorizaram a construção de um edifício de rés-do-chão com 9,45 m de comprimento e 6,60 m de largura para a instalação de escritório no prédio referido em A).(5) As construções aludidas em 4° e 5° possuem fundações, chão em cimento e telha.(6) Nesse armazém destinado a moagem os réus procederam ou autorizaram que se procedesse a construção de bases de betão para colocação de aparelhos eléctricos para moagem de cereais.(8) No acesso a partir de estrada nacional para a moagem, os RR. gastaram a preços actuais, em mão de obra e máquinas necessárias para o rompimento do acesso a quantia de 1.187,20 euros.(18) A nível de pedras de moer, de cales e de rodízios dos moinhos, os RR. despenderam um total de 2.750,00 euros. (21) O custo das construções referidas em 4° e 5° a valores actuais estimam-se em 7.460,64 e 4.490,64euros, respectivamente.(22 e 23) O DIREITO I – Nulidade da sentença Defendem os AA que a sentença proferida na primeira instância é nula, por não se ter pronunciado sobre a extensão do decretado despejo a todo o prédio que lhes pertence. Nos termos do disposto no artº 668º nº 1 al d) do CPC, a sentença é nula, para além do mais, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. Analisada a sentença em crise, concluímos que não se verifica a referida omissão de pronúncia. Na verdade, considerou-se na mesma que tinham sido celebrados, entre a anterior proprietária do prédio em questão e os RR demandados, dois contratos de arrendamento distintos, um tendo por objecto uma habitação e outro um estabelecimento industrial de moagem. Assim, porque se entendeu que apenas se verificava fundamento de resolução do contrato de arrendamento do estabelecimento industrial, apenas se decretou o despejo deste. Ou seja, a questão em causa foi expressamente decidida, embora não acolhendo na íntegra o entendimento dos AA, não enfermando pois a sentença em crise de qualquer nulidade. II – Incorrecto julgamento da matéria de facto A - Os RR invocam que a sentença recorrida julgou incorrectamente vários pontos de facto. Contudo, do conteúdo das suas alegações não se conclui que pretendam que seja alterada a matéria de facto, tanto mais que não cumprem os ónus que se impõem nesse caso ao recorrente (cfr artº 712º nº 1 al a) e 690-A do CPC na versão aplicável). O que os recorrentes pretendem efectivamente dizer é que o Tribunal recorrido não aplicou correctamente o direito, tendo em conta os factos que deu como provados. Como referem nas suas conclusões “ Logo, face aos factos provados pelo próprio tribunal, estes resultam incorrectamente julgados, pois aos AA não pode ser concedida a invocação duma causa de resolução do contrato de arrendamento, reportada a um momento temporal em que eles não tinham esse direito, pois nem sequer eram proprietários aquando da realização das obras.” Não há pois fundamento para qualquer alteração da matéria de facto da sentença recorrida, não se vislumbrando que os elementos constantes dos autos a imponham. B – Referem também os RR que caducou já o direito de pedir a resolução do arrendamento em causa, uma vez que não está provada nos autos a data exacta em que os AA tiveram conhecimento das obras e se isso foi há menos de um ano em relação à propositura da acção. Não assiste qualquer razão aos RR. Na verdade, a caducidade invocada, prevista à data da propositura da acção no artº 65º do RAU (DL 321-B/90 de 15/10), constitui matéria de excepção, por ser facto extintivo do direito de pedir a resolução, competindo aos RR a sua alegação e prova nos termos do disposto no artº 342º nº 2 do CC. Ora, para além da natureza dos invocados fundamentos de resolução poderem até integrar a previsão do disposto no artº 65º nº 2 do RAU, os RR não cumpriram o referido ónus de prova, pelo que não pode julgar-se verificada a excepção de caducidade. III - A - Natureza do contrato ou contratos celebrados entre a anterior proprietária do prédio em causa e os RR demandados. As normas aplicáveis á determinação da natureza e conteúdo deste contrato ou contratos, são as vigentes à data da respectiva celebração, que ocorreu em 1974, ou seja, as do Código Civil de 1966 (cfr artº 12º nºs 1 do CC). Nos termos do disposto nos artºs 1022º e 1023º do CC, locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, dizendo-se arrendamento quando incide sobre bem imóvel. É normal que as partes estipulem o fim a que se destina a coisa locada, o que é essencial para a determinação do regime aplicável ao contrato. Contudo, também pode suceder que se acorde a locação de uma ou mais coisas para diferentes fins, como está previsto no artº 1028º do CC e, nesse caso, a locação terá uma pluralidade de fins. Vejamos então o caso dos autos. Ficou provado que: Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob. o n°. 00644 o prédio misto correspondente à Quinta do Canal, composto por casa destinada a habitação, com a área coberta de 132m2, uma casa destinada a moagem de cereais, com a área de 180 m2 e terreno culto e inculto com a área de 17.000 m2; Em 1974, por acordo verbal, a anterior proprietária deste prédio, M... Reis, declarou dar de arrendamento, e o R. marido declarou tomar de arrendamento a casa e o anexo pertencentes ao prédio identificado, para habitação e moagem de cereais, mediante o pagamento de uma renda mensal de 1.000$00. Dessa renda mensal, 750$00 respeitavam a moagem e 250$00 há habitação. Entendeu o Mmº Juiz a quo, em face de tais factos, que dois contratos distintos de arrendamento tinham sido celebrados entre os identificados contratantes: um incidindo sobre a habitação e outro sobre o edifício destinado a moagem de cereais, dada a dualidade de fins que correspondem a diferentes rendas. Salvo o devido respeito, não concordamos inteiramente com tal qualificação. É seguro que está em causa nos autos a cedência do gozo de dois edifícios urbanos, mediante retribuição, estando assim presentes os elementos caracterizadores do arrendamento urbano. Um desses edifícios foi arrendado para habitação e o outro para moagem, ou seja, para fins industriais. A questão que se coloca é então a de saber se foram celebrados dois contratos de arrendamento distintos ou apenas um contrato com pluralidade de fins. Para tanto, importa interpretar o sentido da declaração negocial dos contratantes nos termos do disposto no artº 236º nºs 1 e 2 do CC, ou seja, de acordo com “…o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante…” exceptuando-se os casos em que não pode ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido, ou em que o declaratário conhece a vontade real do declarante. Na interpretação do contrato podem relevar, além dos termos do contrato, as várias circunstâncias envolventes, particularmente quando, como sucede no caso em apreço, tal contrato é verbal. Como referem Pires de Lima e A Varela CC anotado, Volume I, pag 208, “A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também pela diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.” Ora, no caso em apreço há que considerar que o acordo em causa ocorreu no mesmo momento, incidindo sobre dois edifícios integrados num único prédio. O facto de se tratarem de edifícios distintos não é decisivo para se concluir pela existência de dois contratos, pois que os mesmos até se situam no mesmo prédio, sendo certo que o próprio artº 1028º, no seu nº 1 permite até que o contrato com pluralidade de fins incida sobre vários prédios distintos. Por outro lado, fixou-se uma renda global para os dois edifícios. É certo que se descriminou um valor para cada um deles. Contudo, mais uma vez tal não se afigura decisivo para se concluir pela existência de dois contratos distintos, tanto mais que era emitido sempre um só recibo, referente à renda global, o que normalmente não sucederia se os contratantes tivessem querido celebrar dois arrendamentos autónomos. Todos estes elementos nos levam a concluir que um só negócio ou contrato verbal de arrendamento urbano com pluralidade de fins foi celebrado, sendo objecto do mesmo dois edifícios integrados num mesmo prédio, um destinado à habitação e outro destinado ao exercício da actividade industrial de moagem de cereais. Como decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 21/12/1982 ( in CJ ano VII, tomo II pag 235), ao “falar-se de arrendamento com pluralidade de fins, pressupõe-se que o contrato de que se trata consta do mesmo título ou instrumento e, tratando-se de arrendamento meramente verbal, para aqueles efeitos, exige-se que exista um só negócio ou contrato”, que foi o que sucedeu no caso dos autos. Sendo aplicável o disposto no artº 1028º do CC, quatro situações são possíveis: A não subordinação de um dos fins ao outro, que é a situação regra prevista no n.º1. A de não resultar do contrato ou das circunstâncias que o acompanham a discriminação das coisas ou partes da coisa correspondentes às várias finalidades ( cfr segunda parte do nº 2 do mesmo artigo); A de as várias finalidades serem solidárias entre si (parte final do n.º2). A de haver subordinação dos fins a um fim principal. No caso concreto, estando descriminados os edifícios a que corresponde cada uma das finalidades, importa saber qual das restantes situações previstas no citado normativo se verifica. Para tanto, haverá que ponderar todas as circunstâncias que, por interpretação e integração, permitam determinar a vontade comum conjectural dos contraentes na altura do contrato, nos termos já referidos no artº 236º do CC. O primeiro elemento a ter em conta é a proporção entre os valores das retribuições fixadas para cada um dos edifícios. Enquanto que para a habitação foi fixada a retribuição mensal de esc. 250$00, o valor dessa retribuição no caso da moagem, de esc. 750$00, é três vezes superior. Por outro lado, integrando-se os edifícios no mesmo prédio, encontram-se os mesmos muito próximos, quase contíguos como se pode ver nas fotografias dos autos, cuja veracidade não foi posta em causa, o que nos leva a concluir que a habitação se destinava àqueles que explorassem a moagem, a fim de facilitar o exercício de tal actividade. Ponderando estes factores, concluímos que, efectivamente, a finalidade da exploração industrial se sobrepõe à finalidade da habitação, sendo a primeira o fim principal e a segunda o fim subordinado. Assim sendo, e de acordo com o disposto no artº 1028º nº 3 do CC, prevalece o regime correspondente ao fim principal, designadamente no que respeita às causas de resolução do contrato de arrendamento. B - Existência de fundamento de resolução do contrato de arrendamento celebrado. Importa em primeiro lugar determinar qual o regime de resolução aplicável ao contrato de arrendamento celebrado entre as partes. Tal contrato foi celebrado em 1974, altura em que a resolução dos contratos de arrendamento urbano se regia pelas normas do Código Civil de 1966, particularmente as do artº 1093º, que enunciava os casos de resolução. O regime de Arrendamento Urbano – doravante designado por RAU - aprovado pelo DL 329-B/90 de 22 de Dezembro, revogou esta norma. O RAU restringiu a sua aplicação retroactiva às matérias reguladas nos seus artºs 7º e 8. Estando de toda afastada a aplicação do NRAU aprovado pela Lei 6/2006 de 27 de Maio, atenta a data da propositura da acção (Setembro de 2002), importa saber qual dos dois referidos regimes, o do Código Civil ou o do RAU deve aplicar-se no caso concreto. De acordo com o disposto no artº 12º nº 1 primeira parte do CC, a lei só dispõe para o futuro. Estabelece ainda a segunda parte desta norma que, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. A este propósito, escreveu Baptista Machado (“Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Livraria Almedina” Coimbra, 1968, págs 103 a 109) “A lei competente para regular as causas de rescisão ou de resolução dos contratos é a lei que presidiu à celebração dos mesmos (…) Se uma causa legal ou convencional de resolução do contrato se verificou sob a Lei Antiga, mas o direito de resolução ainda não foi exercido nos termos dessa lei através de uma comunicação escrita ou através de uma acção judicial, poderá dizer-se que a Lei Nova que, suprimindo certa causa legal de resolução ou proibindo certa condição resolutiva, queria aplicar-se a contratos passados encontra diante de si um efeito já produzido, uma situação jurídica já constituída, um direito já criado? (…) responderemos afirmativamente: a verificação do facto causa da resolução fez surgir um direito potestativo na esfera jurídica daquela das partes a quem a lei ou a cláusula negocial atribuía o direito de resolução. A circunstância de esse direito ainda se não ter tornado eficaz, por não ter sido exercido, não conta. A lei Nova há-de respeitar o direito potestativo anterior, só podendo afectar, isso sim, o seu modo de exercício (exigindo, por exemplo a comunicação por escrito da vontade de resolver, ou exigindo, por exemplo, recurso a uma instância jurisdicional que deverá intervir para apreciar a existência da causa de resolução e o direito à mesma segundo a Lei Nova, limitando-se quanto ao mais, a reconhecer o direito à resolução e a declarar esta). O facto que funciona como causa de resolução é, na verdade, facto constitutivo dum direito - dum direito potestativo. Não se pense que a actividade posterior exigida ao titular desse direito para que ele se torne eficaz integra o processo constitutivo do direito (O Tatbestand ou fattispecie constitutiva). Com efeito uma coisa são os requisitos da constituição de um direito (os factos constitutivos) outra coisa são os requisitos de eficácia do mesmo direito. (…) Se a Lei Nova vem tornar o exercício do direito potestativo dependente da verificação de qualquer facto que não dependa apenas da vontade do titular do direito ela já não é uma lei relativa ao modo de exercício do direito potestativo mas uma lei relativa ao modo de constituição desse direito: com efeito vem alterar a fattispecie simples em fattispecie complexa ou substituindo uma fattispecie por outra. Assim se a Lei nova concede o direito de resolução pelo não cumprimento tempestivo nas obrigações de prazo certo, mas a Lei Nova vem determinar que o negócio jurídico só pode ser resolvido se o devedor, depois de avisado pelo credor, não cumprir dentro dum prazo razoável fixado por este, o que ela faz é exigir um novo pressuposto de facto para a constituição do direito potestativo de resolução. Trata-se portanto, claramente, duma lei sobre o modo de constituição do direito potestativo, não sobre o seu modo de exercício (imaginemos a seguinte hipótese: a lei nova atribui ao senhorio o direito de resolver o contrato se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios; a lei nova vem estabelecer, porém, que aquele direito à resolução cessa se o arrendatário pagar ou fizer o depósito liberatório no prazo de oito dias a contra do começo da mora. Pois bem, o que a lei nova faz ao estabelecer esta moratória legal é justamente fixar um novo pressuposto para que surja o direito de resolução: o decurso do prazo de oito dias além da entrada em mora sem que a mesma seja expurgada. Por conseguinte, mesmo na hipótese de a Lei Nova ser aplicada aos contratos de arrendamento anteriores, ela não se aplicará ao direito de resolução se a dívida de renda se venceu na vigência da Lei antiga – salvo cláusula expressa de retroactividade aposta á lei Nova). A doutrina que acabámos de expor aparece consagrada na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 12, pelo que respeita às disposições da lei nova afectadas duma cláusula de retroactividade: mesmo que a lei nova seja rectroactiva, “presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.” Assim sendo, a lei aplicável no que respeita ao regime da resolução do contrato de arrendamento, será a vigente á data em que ocorreu o facto que serve de fundamento à peticionada resolução, tal como resulta do disposto no artº 12º nº 1 do CC. Invocam os AA dois fundamentos de resolução do contrato de arrendamento em causa: a construção, “de raiz”, de dois edifícios, um para armazém, outro para escritório e a realização de obras no edifício da moagem e a violação do disposto no artº 1038º f) do CC. No que respeita às alegadas obras, não resulta dos factos provados a data em que foram efectuadas. Não obstante, quer nos termos do citado artº 1093º nº 1 al d) do CC, quer de acordo com o disposto no artº 64º nº 1 do RAU, o senhorio pode resolver o contrato de arrendamento se o arrendatário “fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar actos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos dos artºs 1043º do Código Civil”. A sentença recorrida considerou ser fundamento de resolução do contrato de arrendamento da moagem (que considerou autónomo relativamente ao arrendamento da habitação), apenas a construção “de raiz” dos dois edifícios, por entender que os mesmos “desfiguram o conjunto imobiliário, no seu equilíbrio arquitectónico, como claramente demonstram a natureza e extensão das obras realizadas…”. Contudo, pressuposto essencial para que se verifique o referido fundamento de resolução, é que as obras em causa tenham incidido sobre a coisa arrendada. Ora, o que efectivamente foi arrendado foi uma casa de habitação e uma casa destinada a moagem, que correspondem a dois artigos urbanos integrados num único prédio que abrange também um artigo rústico. E, tal como resulta, quer da factualidade provada, quer da descrição constante da certidão do registo predial, cada uma das ditas casas abrange uma determinada área (coberta), não existindo qualquer referência á existência de logradouros. Aliás, de acordo com o constatado pelo Exmº Perito conforme relatório que consta a fls 174 e ss, o armazém foi construído junto à casa de habitação (que, repete-se, ocupa apenas uma área coberta) e o escritório foi construído a noroeste desta. Afigura-se assim que tais edificações foram construídas na parte rústica do prédio misto onde se situam a habitação e a moagem, como aliás resulta inequivocamente das fotografias do prédio juntas aos autos. Ora, a parte rústica do prédio não foi objecto de qualquer arrendamento, já que se provou que a anterior proprietária autorizou aos RR demandados a sua utilização para cultivo e colheita de produtos pelo período que durasse o arrendamento relativo da habitação e à moagem, sem que, por tal utilização, devessem pagar qualquer renda. Assim sendo, relativamente à parte rústica foi celebrado entre a anterior proprietária do prédio e o R demandado, um contrato de comodato que, nos termos do disposto no artº 1129º do CC é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra coisa móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir. Não se tendo apurado que as ditas construções foram efectuadas nas coisas locadas, não podem as mesmas constituir fundamento de resolução do contrato de arrendamento em causa. Quando muito, poderão constituir um incumprimento do também celebrado contrato de comodato. Ora, os AA interpuseram contra os RR acção especial de despejo. Atenta a data da propositura da acção e natureza urbana do arrendamento em causa, são aplicáveis as normas dos artºs 55º a 61 do RAU. Resulta destas normas que a esta acção só pode ser usada quando a causa de pedir se relacione com um contrato de arrendamento validamente celebrado, destinando-se, na expressão do artº 55º nº 1 RAU, a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento. Não é assim este o processo próprio para obter a entrega da parte do prédio que foi objecto do comodato. Ademais e ao contrário do que pretendem os AA, não pode ser aplicado a este contrato o princípio da absorção consagrado no artº 1028º nº 3 do CC, que vale apenas para os contratos de arrendamento com pluralidade de fins. Em face do decidido ficam prejudicadas as demais questões relativas a este fundamento de resolução que constituem objecto do recurso dos RR. O segundo fundamento invocado radica na violação do disposto no artº 1038º al f) do CC, ainda vigente, que dispõe que é obrigação do locatário “Não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar;”. Importa ainda considerar o disposto na alínea g) da mesma disposição legal, segundo a qual também constitui obrigação do locatário “Comunicar ao locador, dentro de 15 dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada;”. Dos factos alegados que, para já, importam para determinar se tal violação existiu ficou provado que: Desde data anterior a 1996 os RR. deixaram de exercer a actividade de moagem de cereais, sendo o seu filho J... B.. Machado, quem atende as pessoas que vão moer os cereais que produzem, quem lhes cobra o preço da moagem, quem adquire cereais , quem mói e ensaca vendendo depois ao público, quem paga os custos que essa actividade implica e quem se apresenta a dirigir a actividade perante clientes, fornecedores e serviços públicos, sendo suas as máquinas, utensílios e mercadorias que existem no referido anexo; Em 1 de Agosto de 2002, o Ministério da Economia, Direcção Regional do Norte emitiu certidão onde consta que "a firma J... B.. Machado com estabelecimento industrial de moagem de cereais, sito no lugar do Canal, freguesia do Arco de Baulhe, concelho de Cabeceiras de Basto, a que correspondia o processo de licenciamento n°. 27.696; que a mesma está a laborar em situação regulamentar" (E); Pelo serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto, foi emitida certidão em 13 de Dezembro de 2001 na qual se certifica que " B... Machado NIF 150165633, não se encontra colectado por este serviço de Finanças"; (F) Pelos serviços de Finanças de Cabeceiras de Basto foi emitida certidão em 18/06/2002, na qual se atesta que "J... B.. Machado, NIF 206141874, residente no lugar do Canal, freguesia do Arco de Baulhe deste concelho esta colectado por este serviço de finanças com a actividade principal de moagem de cereais (CAE-15611) iniciada em 15 de Novembro de 1991 e enquadrado no regime trimestral normal"; (G) Perante tais factos o Mmº Juiz da primeira instância considerou que, entre os RR demandados, B... Machado e Maria M... e seu filho J... B.. Machado foi celebrado um contrato de cessão de exploração do estabelecimento de moagem. Mais uma vez, não se provou concretamente a data em que o filho dos RR passou a estar na moagem praticando os actos supra descritos, pelo que analisaremos os factos á luz, quer das normas do CC vigentes antes do RAU, quer à luz deste regime. Assim, dispunha o revogado artigo 1085º nº 1 do CC que não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com a fruição do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado. O RAU dispõe de norma com igual redacção no seu artº111º nº 1. Destas normas resulta que em princípio é legal a transmissão para outrem da fruição do prédio quando acompanhada da transferência temporária e onerosa do estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, entendendo-se como tal a estrutura material e jurídica integrante, em regra de uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas – coisas móveis e ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento, organizadas com vista á realização do mesmo fim (cfr Salvador da Costa, Ac. STJ de 4/12/2007, Processo nº 07B4168 in www.dgsi.pt). E, sendo a cessão de exploração lícita, não tem de ser autorizada pelo arrendatário. A questão que então se coloca é a de saber se tal cessão deve ser comunicada pelo arrendatário ao senhorio para que seja eficaz quanto a este. No acórdão recorrido entendeu-se que não, por não ser aplicável à locação do estabelecimento o que a lei prescreve quanto à transmissão do gozo do local arrendado. Quanto a esta questão tem havido divergência não só na doutrina como também na jurisprudência, entendendo uns exigir a lei a comunicação da cessão para que possa ser oponível ao senhorio, à semelhança do que ocorre com o trespasse, por força do disposto na alínea g) do artigo 1038º do Código Civil, e outros não resultar da lei tal exigência, por virtude de o caso se não integrar na cessão da posição contratual, na sublocação ou no comodato. Desde já adiantamos que não acompanhamos a tese seguida pela sentença recorrida. Importa referir que a cessão da exploração comercial do estabelecimento não afecta a relação de arrendamento e a obrigatoriedade da sua comunicação ao senhorio não interfere com a liberdade de a negociar já que, a mesma, não necessita de autorização do locador. Contudo, da locação do estabelecimento decorre que uma pessoa diversa do arrendatário do imóvel passa a usá-lo como o faria o arrendatário titular do estabelecimento. Como se refere no Ac do STJ de 10-07-2007 Processo nº 07B2409, in www.dgsi.pt o artigo 111º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano que corresponde ao revogado artigo 1085º nº 1 so CC, visa essencialmente a não aplicação ao contrato de locação de estabelecimento das regras de imposição ao senhorio da prorrogação do contrato de arrendamento. Decorre por outro lado do nº 2 do referido artigo que, verificando-se alguma das circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 115º do mesmo diploma, correspondentes aos revogados artºs 1085º nº 2 e e 1118º nº 2 do CC, o contrato passa a ser havido como arrendamento. Daí resulta implicitamente o interesse do senhorio em conhecer do contrato configurado como de locação do estabelecimento, com vista a inteirar-se se vale como tal ou como mero subarrendamento, e, em qualquer caso, sobre quem foi investido no seu gozo e a forma como o exerce. “Expressa o proémio e a alínea g) do artigo 1038º do Código Civil ser obrigação do locatário, além do mais, a comunicação ao locador, dentro de quinze dias, da cedência do gozo da coisa por algum dos títulos a que se reporta, quando permitida ou autorizada. Os títulos a que o mencionado normativo se reporta, constantes na alínea f) do mencionado artigo, são a cessão onerosa ou gratuita da posição jurídica do locatário, a sublocação e o comodato. Todavia, porque a locação do estabelecimento envolve a cessão do gozo do prédio a pessoa que não é parte no contrato de arrendamento, a letra e o escopo finalístico dos mencionados normativos comportam a sua interpretação extensiva em termos de a abrangerem.” ( cfr Acórdão do STJ citado). Por outro lado, o contrato de cessão de exploração ou de locação de estabelecimento comercial ou industrial, para ser eficaz em relação ao senhorio, tinha de ser celebrado por escritura pública por imperativo legal previsto na alínea k) do artº 89º do anterior Código do Notariado e, depois, pelo artº 80º nº 2 al m) do Código do Notariado aprovado pelo DL 207/95 de 14 de Agosto. A sanção para a inobservância de forma era a nulidade do contrato nos termos do disposto no artº 220º do CC, nulidade essa de conhecimento oficioso do Tribunal (cfr Ac STJ de 03/12/1997, BMJ 472/464). Nas alterações ao RAU introduzidas pela Lei 64-A/2000 de 22 de Abril, aditou-se o nº 3 ao artº 111º que prescreve que a cessão de estabelecimento comercial deve constar de documento escrito sob pena de nulidade, igualmente de conhecimento oficioso E, se este tipo de contrato for inválido por falta de forma, não há cessão de exploração do estabelecimento comercial, mas sublocação que tem de ser autorizada pelo senhorio, sob pena de este poder resolver o contrato nos termos, quer do disposto no artº 1093º nº 1 al f), quer nos termos do disposto no artº 64º nº 1 al f) do RAU. Vejamos então se efectivamente os RR demandados cederam a exploração do estabelecimento industrial de moagem que funciona no edifício arrendado. Como já referimos, constituem elementos essenciais do contrato de cessão de exploração de estabelecimento, o seu carácter temporário e oneroso. Ora, da factualidade provada não resulta a existência de qualquer cedência de exploração temporária e onerosa. O que se conclui dessa factualidade é que os RR deixaram de exercer a actividade de moagem no edifício arrendado, passando a ser seu filho João Bernardino quem atende as pessoas que vão moer os cereais produzidos, quem lhes cobra o preço da moagem, quem adquire os cereais, quem os mói e ensaca vendendo depois ao público, quem paga os custos que essa actividade implica e quem se apresenta a dirigir a actividade perante clientes, fornecedores e serviços públicos, sendo suas as máquinas, utensílios e mercadorias que existem no referido anexo. Verificou-se assim uma transmissão da universalidade que constitui o estabelecimento em causa, que incluiu, para além do mais a clientela e o uso do edifício da moagem, sendo o filho dos arrendatários quem suporta todos os custos e aufere os rendimentos do estabelecimento, sendo dele as máquinas que ali laboram e mercadorias, dirigindo toda a actividade industrial em causa. Ora, tal transmissão que, reafirmamos, não se provou ser onerosa e temporária, afigura-se definitiva: desde antes de 1996 que os RR demandados deixaram de exercer a actividade em causa, não estando em 2001 o falecido R Bernardino sequer colectado pelos serviços de Finanças de Cabeceiras de Basto, sendo antes seu filho J... B.. Machado quem está colectado no mesmo serviço de finanças com actividade principal de moagem de cereais iniciada em 15 de Novembro de 1991. E, conforme resulta do teor da certidão datada de 1 de Agosto de 2002 emitida pelo Ministério da Economia a fls 19, "a firma J... B.. Machado” tem estabelecimento industrial de moagem de cereais, sito no lugar do Canal, freguesia do Arco de Baulhe, estabelecimento este que, conforme resulta dos autos, é está instalado no arrendado. Aliás, são os RR que alegam na sua contestação que, em finais de 80, se afastaram definitivamente da indústria de moagem, dada a sua idade avançada, ficando á frente da mesma seu filho, não se podendo dizer que este actuava em representação ou por conta dos pais, já que é ele quem está colectado com a actividade de moagem de cereais, constando do referido documento emitido pelo Ministério da Agricultura que o estabelecimento da sua “firma” funciona no arrendado, para além de que se provou que as máquinas existentes no estabelecimento, assim como as mercadorias lhe pertencem, sendo ele quem suporta todos os custos da actividade e recebe os respectivos proveitos. Todos estes elementos nos fazem concluir que os arrendatários e seu filho não quiseram celebrar um contrato de cessão de exploração ou de locação de estabelecimento comercial, mas antes uma transferência definitiva do estabelecimento, como um todo, para seu filho, ou seja, ocorreu um verdadeiro trespasse que habitualmente se define como o contrato que consiste na transmissão a outrem da titularidade de um estabelecimento comercial ou industrial enquanto unidade global ou universalidade, de forma definitiva, gratuita ou onerosa. (cfr Pinto Furtado, “Manual do Arrendamento Urbano”, 1996, pág. 510). Ou seja, o trespasse traduz-se numa cedência definitiva do estabelecimento e não temporária como acontece na cessão de exploração, que pode assumir natureza onerosa (venda) mas também gratuita (doação) como terá sucedido no caso (cfr Ac. do STJ citado de 4/12/2007). Quer o revogado artº 1118º nº 1 do CC, quer o artº 115º do RAU, determinavam que o arrendatário podia trespassar o estabelecimento comercial ou industrial sem autorização do senhorio, embora com a obrigação de o comunicar a este nos termos do disposto no artº 1038º al g) do CC, sob pena de, não o fazendo, existir fundamento de resolução do contrato ( cfr artº 1093º nº 1 al f) do CC e artº 64º nº 1 al f) do RAU). Acresce que, tal como no contrato de cessão de exploração, exigia-se, quer no CC ( artº 1118º nº 3 ), quer na versão original do artº 115º nº 3 do RAU, que o trespasse fosse celebrado por escritura pública sob pena de nulidade. Com as alterações introduzidas ao RAU pela DL 64-A/90, passou apenas a exigir-se a redução a escrito do contrato de trespasse, com a mesma cominação de nulidade. Tal nulidade, como referimos, de conhecimento oficioso, torna inválido o trespasse (artº 289º do CC) e, como tal, tudo se passa como se o mesmo não existisse, sendo pois ineficaz em relação ao senhorio. Ou seja, como já defendemos no caso da cessão de exploração, neste caso não há trespasse mas uma cedência do gozo que, se não autorizada, constitui fundamento de resolução nos termos das alíneas f) nº 1 dos artºs 1093º do CC e 64º do RAU, uma vez que viola as obrigações do arrendatário nos termos do disposto no artº 1038º al g) do CC (cfr neste sentido, Aragão Seia, “Arrendamento Urbano” 6ª edição, pag 649). No caso não se provou que o contrato celebrado entre os RR demandados e seu filho João tenha obedecido à forma legalmente exigida. Era aos RR arrendatários que competia provar que transmitiram a titularidade ou a exploração do estabelecimento através de trespasse validamente celebrado nos termos dos artºs 118 do CC e do 115º do RA (tal ónus impunha-se igualmente no caso de cessão de exploração). Como se lê no Ac. da RP de 16.10.01 in www.dgsi.pt, o ónus da prova do senhorio queda-se pela demonstração da existência do contrato de arrendamento e da cedência do arrendado pelo arrendatário a terceiro. A que título se verifica tal cedência, cabe ao arrendatário demonstrar. Seria praticamente impossível ao senhorio saber a que título o arrendatário cede o locado, se o convénio entre ambos só daquele e do terceiro é conhecido. E se transmitiu através de trespasse, cabe-lhe ainda provar que o comunicou ao senhorio nos termos da al. g) do artº 1038º do CC.” Ora os RR não demonstraram, como lhes competia, tal comunicação, que se impunha, ainda que a mesma tivesse sido autorizada, o que, por si só, já seria fundamento bastante de resolução do contrato de arrendamento. De qualquer forma, em nosso entender sempre competiria aos RR provar que a a cedência foi autorizada pelo senhorio. Senão vejamos. A causa de pedir da presente acção assenta na verificação cumulativa de dois requisitos: a cedência do gozo do locado a terceiros e a ausência de consentimento do senhorio para tal cedência. Assim, integrando tais factos a causa de pedir, têm os mesmos natureza constitutiva do correspondente direito do senhorio, ou seja, do direito deste a obter a resolução judicial do contrato de arrendamento, impendendo, pois, sobre este último, em princípio, o ónus da respectiva prova (Cfr. art. 342º, nº1 do CC). Porém, esta regra não é absoluta, comportando excepções que estão previstas na própria lei própria lei, designadamente nos arts. 343º, 344º e 345ºdo CC. Ora, o requisito da ausência de consentimento do senhorio integra um facto negativo. E, quando tal ocorre, tem-se entendido – dada a dificuldade manifesta, quando não mesmo a impossibilidade de prova dos factos negativos – que respectivo ónus (de prova) deixa de impender sobre o A., passando a incidir sobre a parte contrária. Como escreveu o Prof. Vaz Serra (in “RLJ”, Anos 103º/109 e 106º/311 e segs.): “o encargo da prova cabe à parte que se encontra em melhor situação para a produzir e auxiliar a descoberta da verdade, mostrando a experiência que, em regra, quem tem a seu favor certo facto, se acautela com os meios da sua prova. Assim se explica que, se o A. invocar um direito contra o demandado, não tenha de provar que esse direito não está impedido, modificado ou extinto por qualquer causa (art. 342º, nº2), prova essa que seria ou poderia ser-lhe impossível”. No caso em apreço, “evidencia-se que, integrando a ausência do aludido consentimento do senhorio um facto negativo, seria extremamente difícil (quando não impossível) ao mesmo efectuar a correspondente prova em juízo. Ocorrendo o contrário com o inquilino, o qual, beneficiando e tirando proveito da existência – facto positivo – de tal consentimento, se encontra em posição privilegiada para efectuar a respectiva prova, tomando, atempadamente, as devidas cautelas e fazendo-se munir dos meios de prova demonstrativos da existência de tal consentimento.” (cfr Ac da Relação do Porto de 15-01-2007 Pº nº 0656427 que, referindo-se embora ao consentimento para realização de obras, tem plena aplicação no caso ). No caso em apreço os AA alegaram que os RR ou o seu filho nunca comunicaram a cedência do prédio, o mesmo sucedendo no que respeita à anterior proprietária, que não teve conhecimento de tais factos até ao seu falecimento (cfr artºs 20º 23º, 61,57º e 62º da PI). De tais alegados factos resulta que, segundo a versão dos AA, a cedência em causa nunca foi autorizada. Ora, os RR, por sua vez, apenas alegam que acordaram com a anterior proprietária que o filho dos RR ficaria a explorar conjuntamente com os pais a moagem, facto que foi levado á base instrutória por se considerar que competia aos RR a prova de tal autorização e que foi dado como não provado. Contudo, nada alegaram nem provaram no sentido de ter sido concedida autorização para a provada cedência defintiva do gozo do arrendado, que segundo a sua alegação, terá ocorrido posteriormente. Porque o ónus de prova do questionado facto impendia sobre os RR. e não sobre os AA, a dúvida sobre a sua verificação só contra aqueles poderá volver-se (Cfr. art. 516º, do CPC). Assim sendo, deve a provada cedência de gozo do locado considerar-se ilícita, constituindo fundamento de resolução do contrato de arrendamento celebrado, nos termos do disposto quer no artº. 1093º nº 1 al f) do CC, quer no artº 64º nº 1 al f) do RAU. Mas, mesmo que assim não se entendesse, e como já referimos, também não alegaram nem demonstraram os RR como lhes competia, que efectuaram a comunicação da cedência nos termos do disposto no artº 1038º al g) do CC, ou seja, “Comunicar ao locador, dentro de 15 dias, a cedência do gozo total ou parcial da coisa…”. Se a cedência não for comunicada naquele prazo é ineficaz em relação ao locador, a não ser em caso de reconhecimento por parte deste (artº 1049º do CC). E, se o locador não tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal, nem a comunicação tiver sido feita por este (artº 1049º do CC), constitui ela causa de resolução do contrato de arrendamento (artº 64º, nº 1,al. f) do RAU). Pelas razões já aduzidas quanto á prova da autorização da cedência, o ónus de prova sobre a existência de tal comunicação recai sobre o inquilino, como tem entendido vária jurisprudência que considera, inclusive que estamos perante um facto impeditivo do direito de resolução (cfr. Acórdãos da Relção do Porto de 02/06/81 e de 05/05/1988, in CJ, VI, III, 132 e CJ, XIII, III, 213 o Acórdão da Relação de Évora de 19/02/1987 e de 18/05/95, in CJ, XII, I, 315 e CJ, XX, III, 279 o citado acórdão da Relação do Porto de 16.10.01 e o acórdão da mesma Relação de 26-01-2006, ambos em www.dgsi.pt). Os RR não alegaram nem provaram que efectuaram a referida comunicação nos termos da citada norma, pelo que, não se tendo também provado quaisquer factos de onde resulte o reconhecimento da cedência por parte dos senhorios nos termos do disposto no artº 1049º do CC, verifica-se, também por esta razão, causa de resolução do contrato de arrendamento celebrado. Anote-se que a causa de resolução do arrendamento também se verificaria caso se tivesse concluído que os RR demandados e seu filho celebraram um contrato de cessão de exploração, ou que a cedência de gozo foi efectuada a outro título, como por exemplo o comodato. Considerando o que se defendeu supra quanto á natureza do contrato de arrendamento, com pluralidade de fins, sendo o fim dominante o da exploração da indústria de moagem, impõem-se declarar resolvido o contrato de arrendamento quer em relação á moagem, quer em relação à habitação, tal como resulta do disposto no artº 1028º nº 3 do CC, ordenando-se o despejo de ambos os locados e revogando-se em conformidade a sentença recorrida. III – DECISÃO Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta secção cível em julgar parcialmente procedente o recurso dos AA e improcedente o dos RR, revogando-se parcialmente a sentença recorrida decidindo-se, em consequência: declarar resolvido o contrato de arrendamento com pluralidade de fins que teve por objecto a casa de habitação e o edifício de moagem correspondentes aos artigos urbanos 186 e 187 integrados no prédio misto identificado nos autos denominado Quinta do Canal; Ordenar o despejo imediato das mesmas casas de habitação e moagem, condenando os RR a entrega-las aos AA livres de pessoas e bens; Julgar improcedendo o pedido de entrega aos AA da parte rústica do mesmo prédio e, bem assim da sua reposição no estado em que se encontrava antes da construção dos edifícios que se provou nela terem sido construídos. Manter-se, no mais, a sentença recorrida. Custas pelos AA e pelos RR na proporção de 1/3 para os primeiros e de 2/3 para os segundos, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. Notifique. |