Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | LÁZARO FARIA | ||
Descritores: | ADMISSÃO DO RECURSO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/03/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
Decisão: | INDEFERIDA | ||
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Sumário: | a) O recurso, com impugnação da matéria de facto gravada, tem uma tramitação legal clara e simples; b) O prazo de recurso e motivação, em processo penal, não é também para obtenção da cópia da fita magnética com matéria de facto gravada. c) A transcrição da prova não é prévia, mas posterior à interposição e motivação do recurso; e incide apenas sobre a matéria de facto impugnada constante das “especificações” feitas pelo recorrente; d) O recurso em que se impugne matéria de facto que haja sido gravada não visa, de per si, um segundo julgamento pelo Tribunal de recurso. e) O recurso de despacho que indefere o pedido de transcrição prévia da prova gravada para efeitos de impugnação da matéria de facto, ainda que em processo penal, tem subida diferida, por a sua retenção o não tornar absolutamente inútil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Conclusão: - Em 23/04/2004, ao Exmo. Presidente da Relação -Cls.- De despacho proferido pela Mma. Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos no proc.º n.º 827/02.9 PABCL – K pelo qual admitiu recurso interposto pelo M.º P.º, com subida diferida, reclama o recorrente por discordar, com o fundamento, em síntese, de que, “a retenção tem um resultado irreversível quanto ao recurso”, uma vez que este é absolutamente inutilizado “com o segundo recurso”, ou seja, com aquele com o qual este deveria subir.A Mma. juíza sustenta o decidido nas normas legais aplicáveis e, citando A. R. Mendes in Rec. em Proc. Civil pg. 236, refere que: “...só há inutilidade quando a retenção tenha um resultado irreversível quanto ao recurso, não bastando uma mera inutilização de actos processuais ainda que contrário ao princípio da economia processual”. Convém referir que o recurso ficou a dever-se ao facto da Mma. Juíza ter indeferido um requerimento, no qual o M.º P.º solicitava que o Tribunal lhe entregasse transcrição dos depoimentos gravados na audiência de julgamento, integral, e que o prazo de interposição de recurso apenas se iniciasse com a entrega da transcrição, porquanto desejava impugnar a matéria de facto. Os fundamentos de indeferimento do despacho recorrido, sinteticamente apresentados, foram que: - para efeitos de recurso, o recorrente apenas precisa das cassetes, dos suportes magnéticos cuja cópia deve ser requerida à secção para os devidos efeitos; - a transcrição apenas é feita posteriormente, após interposição de recurso e apenas se fôr impugnada a decisão sobre a matéria de facto. *** *** Conhecendo:É apenas objecto de nosso conhecimento - decidindo-se a final - a matéria referente à retenção do recurso; ou seja, se se justifica a sua subida imediata ou se, ao contrário, o despacho proferido é correcto. 1 - Porém, sendo a matéria que subjaz ao recurso ainda objecto de vários dissídios, com interpretações e actuações díspares, afigura-se-nos útil dar o nosso contributo, ainda que modesto, com vista à clarificação – pensamos nós – da mesma. E a prova de que a clarificação é necessária está, por ex., no facto da Mma. Juíza, apesar de ter escrito, como motivo também de indeferimento, que: “a transcrição é feita posteriormente, após a interposição do recurso e apenas se fôr impugnada a decisão sobre a matéria de facto”, seguidamente nomeou entidade para proceder à transcrição de toda a prova requerida, contida nos “registos fonográficos”. E tanto mais quanto, apesar do digno Agente do M.º P.º ter anunciado intenção de recurso com impugnação da matéria de facto, nada garante que, após sua apreciação, tal intenção se mantenha e nem sequer – a vir a ocorrer – se sabe qual a sua dimensão. 2 - Cremos que a interposição correcta e consequente actuação é a que resulta do disposto no Dec. Lei n.º 39/95, art.º 412.º do C.P.P. e art.º 9.º do Cód. Civil, sobretudo o seu n.º 3; e que se dirá. Àquelas normas referir-nos-emos adiante; desta extrai-se, desde já, que “a interpretação da lei deve reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo” (n.º1); “deve-se presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” – n.º 3. 3 - Ajudar-nos-ão, ou estarão subjacentes, alguns conteúdos do preâmbulo do Dec. Lei n.º 39/95, como: - “ A consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto não deverá redundar na criação de factores de agravamento da morosidade na administração da Justiça...”; - ...“nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência...”; ...“não poderá, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em I instância, manifestando genérica discordância com o decidido”. Daí, “o ónus de especificação na alegação do recorrente”. 4 – Estes conteúdos relevam quer em Processo Civil quer em Processo Penal. 5 - Assim, recurso – Transcrição da Prova Gravada – trâmites: I – A pessoa ou entidade que, tendo legitimidade (art.º 401.º do C.P.P.), discorde do julgado em sede de matéria de facto que tenha sido gravada, e dele pretenda recorrer, tem de motivar o recurso, dentro do respectivo prazo – à frente se dirá qual – com as especificações a que se refere o n.º 3 do art.º 412.º do C.P.C., por referência “aos suportes técnicos”. II – Para ser titular em tempo útil destes suportes, deverá logo após a diligência de gravação, a audiência, ter requerido as respectivas cópias para o que – diz a lei – entregará ao tribunal as fitas magnéticas, devendo este devolvê-las gravadas da “fita destinada às partes”, no prazo máximo de oito dias a contar da diligência. Nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art.º 7.º do citado Dec. Lei 39/95, conjugado com o teor do seu n.º 2, foi intenção do legislador – e assim ficou fixado – que as cópias da prova gravada são dadas às partes, ou mandatários destas, que o requeiram, sujeita a tais condições e prazos, independentemente de vir ou não a ser interposto recurso. III – No caso de ter sido interposto recurso, e feitas as legais especificações, é que há “lugar a transcrição” – n.º 4, parte final, deste artigo e Dec. Lei. E esta incide apenas sobre a matéria de facto impugnada, especificada. É o que resulta desta norma. Em síntese: a) porque é a norma que se refere às especificações e ao respectivo ónus; b) porque a referência à transcrição vem seguidamente ali feita; e, por isso – em sede interpretativa – a elas (especificações) se destina. 6 - Colocou-se, no passado, o problema de saber-se a quem competia fazer a transcrição. Foi fixada Jurisprudência – Assento do S.T.J. n.º 2/2003 – Proc. 3632/2001 – 3.ª secção, D. R. n.º 25 – I série A de 30/01/2003 – “incumbe ao tribunal”. 7 - Esta decisão e suas consequências em nada altera ou prejudica o atrás referido; e uma prática judiciária clara, precisa e exigente - da qual não pode estar alheia a “diligência” que obviaria a tentativas de reparação, tantas vezes, intempestivas de praticadas omissões - levaria a que se cumprisse o primeiro dos atrás enunciados conteúdos. 8 - E isto, porque a morosidade da Justiça tem como uma das principais causas – em nosso entender – algumas “menos boas práticas processuais”; não em si, mas pela forma como delas tantas vezes se faz uso. E não se vê meio de as evitar; nem com recurso à previsão do art.º 456.º do C. P. Civil. Ex.s: Uma acção cujos valores em causa sejam desproporcionadamente superiores a qualquer condenação como litigante de má fé, tornando-se maior o benefício daquela prática do que o prejuízo resultante desta; uma acção em que uma parte litiga com apoio judiciário, desde que – condenado por má fé – da decisão não recorra – vide art.º 37.º n.º 1 al. d) da Lei n.º 30-E/2000 de 20/12. Com tantas possibilidades de obstaculização – que o mediatismo dos processos, sobretudo, nos últimos tempos – deu a conhecer à opinião pública e com tantas exigências formais na tramitação dos processos, que provocam morosidade, como é possível evitar que a Justiça seja morosa ? 9 - Voltando atrás, à transcrição da prova, vemos assim que ela tem um campo delimitado e um tempo de feitura; e está sujeita a pressupostos: a) Ter sido interposto recurso com impugnação da matéria de facto; b) Ter sido cumprido, pelo recorrente, o ónus a que se refere o art.º 412.º n.º3 do C. P. Penal. E conjugando o decidido no Assento n.º 2/2003 (transcrição incumbe ao tribunal) com o disposto no Dec. Lei n.º 39/95, temos por certo que: - apresentando o recorrente a sua motivação, poderá requerer ao tribunal (de I instância) a transcrição apenas da prova especificada (vide Ac. do S.T.J. – 11-1-2001, proc. 3419/00 – 5.ª, in S.A.S.T.J. n.º 47,76 – “Quando no recurso seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto e a prova produzida tenha sido gravada, a transcrição a que se refere o n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P. deve circunscrever-se às concretas provas que, no entender do recorrente, imponham decisão diversa da recorrida”), para que o processo, quando venha a subir ao tribunal de recurso, vá já provido de todos os elementos necessários ao mesmo (art.º 412.º citado). 10 - Mas também pensamos ser devido que, mesmo que tal se não requeira, sempre o tribunal, “ex offício” deverá ordenar fazê-la, ainda que “por entidades externas para tanto contratadas pelo tribunal” – n.º 5 do art.º 690-A do C. P. Civil. Com efeito “o processo penal rege-se, entre outros princípios básicos, pelo princípio da oficialidade, segundo o qual constitui tarefa do Estado a investigação e a submissão a julgamento do arguido, pela prática de infracção penal, e da investigação que, como refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. I, Editorial Verbo, p. 73, «traduz o poder-dever que ao Tribunal incumbe de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições da acusação e da defesa, o facto sujeito a julgamento, criando aquele mesmo as bases necessárias à sua decisão»” – Ass. n.º 2/2003 do S.T.J. – in D. R. I Série-A, n.º 25, de 30/01. E também nada impede – entendemos Nós - o recorrente de, a expensas suas, apresentá-la; porém, neste caso, sempre ao tribunal recorrido incumbia certificar a cópia entregue, para que o tribunal de recurso pudesse extrair dela os efeitos que obteria como se feita por entidade, ainda que externa, devidamente ajuramentada – “certificação de correspondência com a gravação”. 11 - Jurisprudência (pertinente): a) Em acórdão do S.T.J., proc.º 363/2002 – relator Cons.º Lourenço Martins, de 20/03/2002, a dado passo escreve-se: «...o recorrente pode pedir uma cópia nos termos do art.º 7.º do Dec. Lei n.º 39/95, a qual, aliás, lhe deve ser entregue pelo Tribunal, em tempo de não prejudicar o seu prazo de recurso...». *** *** c) Sendo certo que uma das garantias de defesa em processo penal é o direito ao recurso (cfr. n.º 1 do art.º 32.º da C.R.P.) igualmente certo é que, com este tipo de recurso, não se pretende um novo julgamento sobre a matéria de facto.d) Como se deduz do Ac. n.º 124/90 e se contem, entre outros, no Ac. 322/93, publicados nos D.R. – II série de 8/2/91 e 29/10/93, respectivamente, “tratando-se de matéria de facto, há razões de praticabilidade e outras (decorrentes da exigência da imediação da prova) que justificam não poder o recurso assumir aí o mesmo âmbito e a mesma dimensão que em matéria de direito: basta pensar que uma identidade de regime, nesse capítulo, levaria, no limite, a ter de consentir-se sempre a possibilidade de uma repetição integral do julgamento perante o tribunal de recurso”. Ora, “uma repetição integral da prova perante o tribunal de recurso, se fosse praticada por sistema, seria, desde logo, e como fácilmente se compreende, absolutamente impraticável”. 12 - E como chama a atenção Cunha Rodrigues, in Recursos – O Novo Código de Processo Penal, pg. 393 – “há cada vez mais razões para olhar com cepticismo os segundos julgamentos montados sobre cenários já utilizados e com prévio ensaio geral”; além de que “ouvir toda a prova produzida e gravada, além de insuportável, “acabaria por fazer com que a prova se perdesse como prova, justamente porque lhe faltava a força da imediação” – Ac. 322/93 citado. E se assim é entendido quanto à simples audição de toda a prova gravada, pelo tribunal de recurso, para quê a transcrição prévia de toda a prova? *** 13 - Também no Ac. do T. C. n.º 140/2004 – proc.º n.º 565/2003, pub. no n.º 91 do D. R. II série em 17/04/2004, se contem a dado passo: “O direito processual constitui um encadeamento de actos com vista à consecução de um determinado objectivo, qual seja o de se obter uma decisão judicial que componha determinado litígio, o que, consequentemente, impõe, por um lado, que as partes assumam posições equiparadas para desfrutarem de igualdade processual para discretear sobre as razões de facto e de direito apresentadas por uma e outra (cf. sobre o ponto Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, pg. 364/365...); e, por outro lado, para se alcançar uma justa e equitativa decisão, mister é que haja determinada disciplina para, além do mais, se conseguir que a composição do litígio se não perca por razões ligadas a um livre alvedrio das mesmas “partes”, alvedrio esse que, no limite, poderia conduzir a uma “eternização” de actos com repercussão na não razoabilidade da tomada de decisão em tempo útil”.14 - Como se vê, vários são os escritos que, directa ou indirectamente, apontam para que a tramitação do recurso no caso subjudice seja a atrás referida. É certo que é admissível que o recorrente, já em prazo de recurso, possa ainda não estar munido das fitas magnéticas necessárias para aquela impugnação. Mas se tal ocorre por facto omissivo a si devido, “sibi imputat”. Por isso, tal não pode ser usado ainda em seu favor, alongando o prazo de recurso ou justificando – como também já vimos pretendido – que o prazo de recurso só se inicie desde o acto de entrega das fitas gravadas ao recorrente, mesmo que apenas pedidas ao tribunal nesta fase. Nota: A entrega das cópias da matéria gravada às partes depende de requerimento e entrega das fitas magnéticas “virgens” ao tribunal por estas, em fase anterior – como se viu – à fase de recurso. É logo após a diligência. As partes, neste aspecto, têm de ser activas e diligentes. Não podem, ou não devem, esperar pela notificação da decisão para proceder aos actos referidos. Se não usarem da diligência legal devida, não podem, por essa omissão, beneficiar de mais prazo para o recurso e motivação. Prazo de Recurso: 15 - Tem-se defendido e entendido mais uniformemente em Jurisprudência do S.T.J. , ao contrário de algumas decisões de Tribunais da Relação (vide, entre outros, Ac.s R. L. de 30-11-2001 in C. J. – ano XXVI – T5 pg. 145, e de 11-12-2003 in C. J. ano XXVII – TV – pg. 153) que, em Proc. Penal, tem aplicação o disposto no n.º 6 do art.º 698.º do C. P. Civil – “acréscimo de 10 (dez) dias ao prazo legal de recurso”. Nós próprios igualmente entendemos e decidimos já em processos de reclamação anteriores, no sentido positivo, pese embora – na prática – a aplicação, se não rigorosa daquela norma, possa levar a situações de complexa apreciação. Concordamos com a posição tomada pelo S.T.J., nomeadamente, entre outros, nos Ac.s de 10-07-02 e de 27/11, in C. J. – S.T.J.– ano X, T 3 – pg. 170 e 236, respectivamente; e entendemos que, nesses casos, o prazo de recurso é de 25 dias contados continuamente (o prazo é ... contínuo” – art.º 144.º n.º 1 do C.P.C.) não carecendo, sequer, o recorrente de requerer esses 10 dias. E assim entendemos ser, porquanto a exigência desse requerimento e, naturalmente, a necessidade da correspondente decisão, traduzir-se-ia em prática desnecessária e numa violação do art.º 411.º n.º 1 do C.P.P. e das regras próprias sobre contagem de prazos; e claramente em motivo que a lei quis evitar – vide preâmbulo do D. L. 39/95 – de injustificada morosidade do processo; ou seja, num alongamento do prazo de recurso e/ou da criação de indefinição sobre o momento do início e fim, da sua contagem. Quando o recurso seja interposto, não até ao 15.º dia, mas dentro dos 25 dias legais, basta que o juiz, apreciando a motivação, constate que o recorrente impugnou a matéria de facto gravada, nos termos do art.º 412.º n.º 3 referido, para que considere o recurso tempestivo; e o admita. 16 - Ora, como se disse - e resulta da lei - este aditamento de prazo, não visa a obtenção, pela parte, da cópia da gravação; e muito menos obter a transcrição da prova gravada. Apenas dar à parte o tempo de que, acrescidamente, carece para, ouvindo a gravação, proceder à impugnação com a especificação que tem de fazer para aqueles suportes técnicos; - “Para que possa, de forma fundada, decidir sobre essa forma de impugnação da matéria de facto e, no caso de por ela optar, cumprir adequadamente o ónus de impugnação decorrente do disposto no art.º 412.º n.ºs 3 e 4 do C. P. Penal” – diz-se no Ac. do S. T. J. de 10-07-2002, Proc. 1088/02 – 3.ª secção – in C.J. S.T.J. – T 3 – pg. 170. 17 – Como se disse no n.º 14, é bem possível que, em caso concreto, a parte chegue à fase do recurso sem que esteja munida da cópia com a gravação e careça, por isso, de a requerer. Que fazer ? Terá de se aferir qual o comportamento da parte, e do tribunal, face ao ocorrido, a fim de se concluir quem esteve ou está em falta. Se todos os intervenientes no processo tiverem cumprido tempestivamente, em princípio, não ocorrerão problemas; e salvo caso muito especial, por motivos ponderosos, justificativos de não cumprimento tempestivo, é que a parte não estará já detentora da fita magnética gravada de que carece, quando da fase do recurso. Mas se assim não ocorrer e se apreciada a situação concreta, se constatar que é a parte quem está em falta, terá esta de resolver, se conseguir, a situação em que se colocou – por omissão – no prazo legal de recurso. Se, ao contrário, tendo a parte sido diligente (n.ºs 3 e 2 do art.º 7.º do D. L. 39/95) e estiver apenas em falta o tribunal, afigura-se-nos que, em cumprimento do princípio Constitucional, do direito de acesso ao direito e aos tribunais (art.º 20.º da C. R. P.) e correspondente exercício do direito de defesa, incluindo o de recurso (n.º 1 do art.º 32.º da C.R.P.), não é exigível ao recorrente que tenha de exercer o direito de recurso sem que esteja munido dos meios que ao tribunal compete fornecer. Ex: Suponhamos que a parte requereu a cópia e entregou as fitas magnéticas para o efeito no tempo legal – “logo após ou mesmo no fim da diligência” e o Tribunal jamais gravou tais fitas e delas não fez entrega à requerente. Entretanto foi proferida a decisão, notificada e/ou depositada na secretaria (art.º 411.º do C.P.P.). *** Como pode exigir-se ao recorrente que exerça o seu direito de recurso, no prazo ali fixado, ainda que acrescido de 10 dias – se desejar impugnar a matéria de facto gravada – se não dispõe dos meios legais que, legalmente, requereu, mas que o tribunal – porventura, violando injustificadamente a lei – lhe não entregou ?(NOTA: A situação, no caso concreto, é apreciada pelo Tribunal; mas compete sempre à parte recorrente invocar os factos na base dos quais o tribunal, conhecendo-os, terá de fundamentar a decisão). 18 - Neste caso, ou em situações semelhantes, o tribunal deverá aplicar a lei, interpretando-a, no sentido cumprimento dos princípios constitucionais cuja supremacia não pode ser posta em causa. O Juiz “deve obediência à lei, mas, por outro lado, não pode aplicar “normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados (C.R.P., art.º 204.º)”. Ou delas, ainda que constitucionais, fazer interpretação e aplicação de que, no caso concreto, resulte em violação daqueles princípios. “A Constituição prevalece como norma superior, reconhecendo-se aos tribunais o direito de acesso directo à Constituição, sobretudo às normas constitucionais consagradoras dos direitos, liberdades e garantias – a fim de “fiscalizarem” (direito de exame, direito de fiscalização) a conformidade da lei com as normas e princípios da Constituição – 6.ª ed. – J. J. Gomes Canotilho – pg. 447/448). 19 – Neste caso, afigura-se-nos que o prazo de interposição do recurso teria de contar-se a partir da entrega das fitas magnéticas gravadas. Porém, em posterior decisão, em processo futuro em que a questão se coloque – e certamente ocorrerá – tentaremos justificar mais fundamentadamente o que, nesta vertente, constitui nosso entendimento.. 20 - Importa, pois, concluir: a) O recurso, com impugnação da matéria de facto gravada, tem uma tramitação legal clara e simples; b) O prazo de recurso e motivação, em processo penal, não é também para obtenção da cópia da fita magnética com matéria de facto gravada. c) A transcrição da prova não é prévia, mas posterior à interposição e motivação do recurso; e incide apenas sobre a matéria de facto impugnada constante das “especificações” feitas pelo recorrente; d) O recurso em que se impugne matéria de facto que haja sido gravada não visa, de per si, um segundo julgamento pelo Tribunal de recurso. Retenção do Recurso – 21 - Quanto à retenção do recurso, matéria que é objecto do nosso conhecimento, temos por certo que a decisão proferida não merece censura. Com efeito, nos termos do art.º 407.º n.º 2 do C. P. Penal, sobem imediatamente “os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”. E o seu n.º 3 dispõe que – não subindo o recurso imediatamente, é “instruído” e “julgado” conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa”. Entende o reclamante que se o presente recurso não subir imediatamente “fica absolutamente inútil com o segundo recurso”. Quid juris ? 22 - Em termos legais, a situação subjudice não integra a previsão normativa invocada. Quer no Cód. de Proc. Penal quer no Cód. de Proc. Civil o legislador foi suficientemente exigente na qualificação das situações constitutivas de excepção à previsão geral de subida imediata dos recursos Naquele como neste código - art.º 407.º n.º 1 e 734 n.º 1 (agravos), respectivamente – o legislador fixou os casos em que os recursos, sem mais, sobem imediatamente. E dispôs ainda que, além desses, sobem também imediatamente aqueles que... Só que, sobre estes, limitou àqueles cuja retenção os tornaria “absolutamente inúteis”. Aqui é fundamental a verificação deste requisito/pressuposto – ter como consequência a sua absoluta inutilidade. 23 - Qual o significado? Quer a Jurisprudência quer a Doutrina têm tido a mesma leitura e interpretação – só aqueles que, em virtude de ficarem retidos, quando conhecidos, esse conhecimento já não viria em tempo, já não produziria efeitos, “nenhuns efeitos”. Aqueles que, quando conhecidos, mesmo que “com decisão, ainda que favorável ao recorrente, já não lhe pode aproveitar” (Ac. R. L. de 29.11.94 – BMJ – 441– 390; aqueles que, quando favoráveis ao recorrente, já em nada lhe aproveita, por a demora na sua apreciação tornar irreversíveis os efeitos da decisão impugnada”– Ac. R. C. – 1998 – BMJ – 475 -786; BMJ – 479-728 – Ac. R. C. de 16.1.98). Escreve também Armindo Ribeiro Mendes in Recursos em proc.º Civil – 2.ª edição - 1994- pg. 236 – actualizada em 1998 – em nota 2 que: “O n.º 2 do art.º 734.º não constava da versão primitiva do C.P.C. de 1939. Foi introduzido pelo Dec. Lei n.º 39.157 de 10/Set.º/53, fazendo acolher pela lei uma prática jurisprudencial que surgiu na sequência de discussões na Doutrina “-...ver pg. 111-112 do C. P. Civil anotado de A. dos Reis, vol. VI. A Jurisprudência entende uniformemente que a inutilidade... resultante da retenção tem de ter carácter absoluto... não bastando uma mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual...”. E J. J. Cardona Ferreira in Guia de Rec. em Proc. Civil – 2002 – a fls. 86 – referindo-se ao n.º 2 do art.º 734.º - “Note-se que esta regra se reporta ao “thema decidendum” do recurso e não à eventualidade de necessidade de repetição do processado”. E o mesmo in Manual dos Recursos em Processo Civil de Fernando Amâncio Ferreira – 3.ª ed. 2002 – pg. 282. E se assim foi entendido e defendido no passado, assim continua a sê-lo no presente. Por isso, a situação subjudice não integra o conteúdo normativo invocado pelo requerente. 24 – É que se, a final, a pretensão do recorrente/reclamante vier a proceder – porquanto, ex vi do disposto no art.º 710.º do C.P.C., aplicável face ao disposto no art.º 4.º do C.P.P., o conhecimento da matéria sob recurso iniciar-se-ia pela do agravo – tal conduziria apenas à anulação dos actos praticados e ao retorno do processo precisamente a esta fase. E, assim, não haveria “inutilidade absoluta” do recurso, apesar da sua retenção, tal como este conceito é entendido pela Jurisprudência e pela Doutrina. Aliás, do invocado pelo reclamante, na presente petição, diferente consequência se não encontra para o caso de procedência, “in fine”, da sua pretensão; e nem mesmo o argumento de que, no caso do 2.º recurso com o qual subiria este, sempre teria que ter a transcrição de toda a prova feita é relevante, porquanto também para este os princípios a atender e actos a praticar serão os mesmos; e com a mesma dimensão. Eis porque entendemos correcto o despacho reclamado. Por isso, se indefere a deduzida reclamação. Sem custas (M.º P.º). Guimarães, 03 de Maio de 2004 |