Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MANSO RAINHO | ||
Descritores: | CAUÇÃO HIPOTECA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/29/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – A garantia oferecida pelos executados – a hipoteca que prestaram a favor do exequente como garantia da obrigação ora exequenda – é legalmente idónea em ordem a servir como caução com vista à suspensão da execução. II - A única especialidade que se verifica no caso é que, contrariamente ao que normalmente acontece, o devedor não vem oferecer a título de caução uma garantia até então inexistente (ou seja, não vem oferecer uma garantia a constituir ex novo), mas sim afectar a garantia especial preexistente (a hipoteca) aos fins (ou seja, como objecto) da caução. III - E isto é inteiramente legal, pois que o que está sempre em causa é que se mostre que o crédito exequendo é objecto de uma garantia idónea, e tal tanto se atinge mediante uma garantia de constituição ex novo como mediante a afectação de uma garantia preexistente. IV - O que interessa para aferir da suficiência da hipoteca em ordem a garantir a quantia exequenda é o valor do bem e o do dos créditos a acautelar, pois que é da correlação entre o valor real do prédio e a garantia que a hipoteca confere que se há-de ver se a hipoteca oferecida em caução apresenta valor suficiente. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães: A. instaurou, pelo Tribunal da Comarca de Póvoa de Lenhoso, execução contra B e mulher, para deles haver o pagamento forçado da quantia de € 58.100,96, acrescendo juros. Alegou para o efeito que mutuou aos executados certa quantia, e que para garantia dessa quantia, juros e eventuais acréscimos estes deram hipoteca sobre o prédio urbano que identifica. Citados, deduziram os executados oposição. Na sequência, por terem interesse na suspensão da execução, vieram suscitar o incidente de prestação de caução, oferecendo como caução o prédio hipotecado. Alegaram para o efeito, em síntese, que tal prédio, conjuntamente com um outro rústico também dado em hipoteca ao exequente, possuem um valor superior aos encargos que garantem, pelo que os interesses exequendos ficam devidamente acautelados com a caução proposta. O exequente, notificado, pronunciou-se no sentido do indeferimento da pretensão dos executados, dizendo que o valor do imóvel em causa é insuficiente para cobrir as quantias hipotecárias em dívida pelos executados (fls 44 e sgts destes autos de agravo). Ordenou-se a avaliação do imóvel dado em hipoteca e em causa nos autos. Foi depois proferida decisão a indeferir a prestação de caução. Inconformados com o assim decidido, agravam os executados. Da sua alegação extraem as seguintes conclusões: 1º. O requerido citado para contestar a prestação de caução requerida pelos agravantes, apenas veio impugnar o seu valor, nada dizendo quanto á sua validade ou idoneidade. 2ª. O requerido veio informar os autos que a quantia em dívida do contrato celebrado em 27.01.94 era de 61.200,47€; que a quantia em dívida do contrato de 10.02.99 era de 42.790,28€; e que a quantia em dívida do contrato de 14.02.03 era de 264.712,03€. 3ª. Foi realizada avaliação pericial do imóvel que determinou que o seu valor é de 170.050,00€. 4ª. Ficou demonstrado nos autos que o valor do outro imóvel que se encontra hipotecado para garantir a totalidade dos contratos do requerido é de 358.482,00. 5ª. Ficou assim demonstrado pelos agravantes que a dívida total para com o requerido de 368.702,78€ está garantida pelos dois prédios que valem 528.532,00€. 6ª. Consequentemente, lograram demonstrar os agravantes que o prédio pretendido dar de caução acautela a obrigação exequenda. 7ª. O despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação. 8ª. Tendo o requerido apenas impugnado o valor da garantia prestada e não tendo impugnado a sua idoneidade, e tendo ficado demonstrado que o seu valor é suficiente para acautelar a obrigação exequenda, forçosamente o tribunal deveria ter admitido as pretensões dos agravantes. 9ª. Não estando em discussão a questão da falta de idoneidade da garantia por não ter sido impugnada pelo requerido, e sendo essa revelia operante, não poderia o tribunal conhecer de tal questão, 10ª. Motivo pelo qual a entender-se que as razões aludidas no despacho recorrido apontam no sentido da falta dessa idoneidade, deverá reconhecer-se a nulidade da decisão, por conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento. 11ª. Independentemente, sempre o tribunal deveria ter considerado que a garantia pretendida prestar pelos requerentes era não só idónea como dotada de valor suficiente para garantir a obrigação exequenda. 12ª. Sendo, para além disso, certo que os requerentes não estavam obrigados a apresentar logo certidão do respectivo registo provisório de hipoteca. 13ª. Por tal apenas ser exigível nos casos em que o devedor é citado para deduzir oposição ao pedido de prestação de caução e não nos casos (como o dos autos) em que a prestação de caução é voluntariamente prestada pelo devedor. 14ª. E porque no caso dos autos, dispondo já o exequente de hipoteca prestada pelos agravantes, não se mostra necessária, por despicienda, a apresentação de certidão do registo provisório. 15ª. Acresce que não constitui fundamento para a decisão que julgou improcedente a pretensão dos requerentes o facto do prédio estar onerado por outras hipotecas, como se extrai do artº 982º, nº 3 do CPC, sendo que tal facto apenas releva para efeitos de atribuição do valor da garantia prestada e para se aferir se a mesma é ou não suficiente para acautelar a obrigação exequenda. 16ª. De igual forma, o facto do prédio se encontrar já hipotecado a favor do exequente não afasta a idoneidade da garantia prestada, nem impede que o mesmo não possa servir para caucionar o cumprimento da obrigação. 17ª. Pelo que tendo os agravantes demonstrado e provado que o valor dos prédios que se encontravam hipotecados a favor do requerido é bastante superior ao total das dívidas reclamadas pelo exequente, 18ª. E tendo os agravantes demonstrado que só o outro prédio permite garantir o valor da quantia reclamada em sede de reclamação de créditos, por força dos contratos celebrados em 10.02.99 e 14.02.04. 19ª. Conseguiram, em consequência, os requerentes demonstrar que o valor do prédio pretendido dar de caução garante o cumprimento da obrigação exequenda. 20ª. Motivo pelo qual deveria o tribunal ter julgado procedente a pretensão dos requerentes e, não o tendo feito, incorreu em erro de julgamento. + Não foi oferecida contra-alegação. Foi proferido despacho de sustentação. + Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. + Quanto à arguição de nulidade da decisão recorrida (conclusões 7ª e 10ª): Entendem os agravantes que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação e por se ter ocupado de questão de que lhe não competia conhecer. A nosso ver os agravantes carecem de razão. A decisão recorrida elenca (embora de forma sucinta, como aliás se esperaria de uma decisão proferida num processo incidental, ademais com natureza urgente – v. artº 990º do CPC) claramente as razões que levaram o tribunal a indeferir a pretensão dos executados. E mais não podemos dizer. In claris non fit interpretatio. Leia-se a decisão. Se tais razões não são juridicamente válidas (error in judicando), isso é assunto que nada tem a ver com a temática das nulidades de decisão (error in procedendo). Também não vemos onde é que a decisão recorrida exorbitou o âmbito daquilo de que podia conhecer. Pois que o que foi submetido à sua apreciação foi saber se a caução oferecida era válida e operante, e foi nesta base que decidiu o que teve por bem decidir. Adiante-se, de outro lado, que as razões jurídicas aventadas na decisão recorrida nunca podem representar excesso de pronúncia, pelo facto de nesta matéria haver oficiosidade. Improcedem pois as conclusões em destaque. Quanto à matéria das demais conclusões: Sustentam aqui os agravantes que a sua pretensão a ver prestada a caução mediante a hipoteca que garante a quantia exequenda devia ter sido deferida. A nosso ver têm razão. Justificando: Estamos perante um processo incidental (v. artº 990º do CPC) destinado à prestação espontânea de caução. Num processo que tal importa verificar se há fundamento legal para a prestação de caução, qual o valor a caucionar e se a garantia oferecida é idónea. Não é finalidade deste tipo de processo verificar se o crédito a caucionar existe efectivamente e em que montante. Isso é assunto a decidir, tratando-se de uma execução, no contexto da oposição a essa execução. Tem assim que partir-se do pressuposto, incontornável, que o valor a caucionar é o correspondente ao do crédito invocado. É certo que a pretensão dos ora agravantes à prestação de caução tem fundamento legal (v. artºs 818º, nº 1 e 990º, nº 2 do CPC). Nem o exequente discutiu esta asserção. A garantia oferecida pelos executados – a hipoteca que prestaram a favor do exequente como garantia da obrigação ora exequenda – é legalmente idónea em ordem a servir como caução (v. artº 623º do CC). A única especialidade que se verifica no caso vertente é que, contrariamente ao que normalmente acontece, o devedor não vem oferecer a título de caução uma garantia até então inexistente (ou seja, não vem oferecer uma garantia a constituir ex novo), mas sim afectar a garantia especial preexistente (a hipoteca) aos fins (ou seja, como objecto) da caução. E isto parece-nos inteiramente legal, pois que o que está sempre em causa é que se mostre que o crédito exequendo é objecto de uma garantia idónea, e isto tanto se atinge mediante uma garantia de constituição ex novo como mediante a afectação de uma garantia preexistente. De resto, também aqui o exequente nada opôs. E quanto ao valor a caucionar? Foi aqui que se centrou a impugnação do exequente. Mas fê-lo, quanto a nós, sem razão. Vejamos: De acordo com o que se retira da certidão do registo predial de fls 72 e sgts do apenso de execução, é certo que o prédio que se oferece como caução foi dado em hipoteca (unicamente ao exequente) para garantia de quatro créditos, com os seguintes valores (referimo-nos aos montantes máximos do capital e acessórios): 22.837.500$00 (113.912,97€) [inscrição sob C2]; 15.650.000$00 (78.061,87€) [inscrição sob C3]; 12.493.008$00 (62.314,87€) [inscrição sob C4]; e 280.553,50€ [inscrição sob C5]. O crédito ora exequendo foi objecto de garantia por parte da primeira destas hipotecas. A hipoteca que garante este crédito prevalece legalmente sobre as demais hipotecas (v. artº 686º, nº 1 do CC), sendo que a hipoteca que chegou a ser registada sob C1 foi há muito cancelada. Entretanto, o crédito a que se refere a inscrição C3 não é levado em consideração pelas partes. Pelo menos não é objecto de atenção nas contas que fazem e nas razões factuais e jurídicas que aduzem. Temos assim que os créditos garantidos pelas hipotecas a que se referem as inscrições C2, C4 e C5 totalizam unicamente €456.781,34, como aliás assume expressamente o exequente no artº 12º da sua oposição à prestação de caução. Mas é óbvio que este valor de somatório nada nos interessa para o caso. O que nos interessa é o valor actual concreto das dívidas acauteladas pelas hipotecas, pois que é da sua correlação com o valor real do prédio e com a garantia que a hipoteca confere que se há-de ver se a hipoteca oferecida em caução apresenta valor suficiente em ordem a garantir a quantia exequenda. Ora, sob requerimento dos agora agravantes (fls 55 do processo de caução) foi o exequente notificado (v. fls 65 do mesmo processo) para especificar os montantes desses débitos. De acordo com o que informou a fls 86 e sgts ainda do mesmo processo, verificamos que o exequente se considera credor sobre os executados das seguintes quantias: €61.200,57 relativamente à obrigação que deu causa à hipoteca registada sob C2 (esta refere-se à obrigação exequenda); €42.790,28 relativamente à obrigação que deu causa à hipoteca registada sob C4; e €264.712,03 relativamente à obrigação que deu causa à hipoteca registada sob C5. O somatório destas três quantias, sem englobar juros, é de € 368.702,88. De notar, de outro lado, que o crédito exequendo vem valorado em €58.100,96, acrescendo juros, e que no processo de reclamação de créditos o exequente veio reclamar créditos, garantidos por hipoteca sobre o prédio em causa, nos montantes de €261.990,60 (relativamente à obrigação que deu causa à hipoteca registada sob C5) e de €44.465,43 (relativamente à obrigação que deu causa à hipoteca registada sob C4). O somatório destas três quantias, sem englobar juros, é de €364.556,99. Quer isto dizer que o exequente se considera credor dos executados por quantia que excede os trezentos mil euros. E para garantia do pagamento desta quantia foram constituídas as três faladas hipotecas sobre o prédio urbano em causa, e de que a hipoteca registada sob C2 querem os executados oferecer como caução. Acontece que o tribunal recorrido mandou avaliar esse prédio. De acordo com o laudo pericial, o prédio tem o valor de € 170.050,00 (v. fls 113 e sgts do processo de caução e fls. 69 e sgts deste processo de agravo). Pareceria assim que a caução (por hipoteca preexistente) oferecida pelos executados não garantiria a quantia exequenda, de modo que não serviria como medida caucionante. Mas trata-se de um falso problema. É que o crédito exequendo, por gozar de prioridade registral, prefere aos demais créditos hipotecários, como acima se referiu. O que significa que o valor a caucionar (ou seja, o crédito exequendo) está à partida garantido pela preexistente hipoteca. Como assim, não vemos por que razão a caução oferecida não há-de ser tida por suficiente, válida e operante. Na realidade, com ela fica plenamente garantido o crédito exequendo, e é isto que se visa com a prestação da caução. Desinteressante para o caso é a garantia dos outros créditos que não o exequendo, por isso que não preferem a este último. Nesta base, interessará pouco levar em linha de conta a circunstância do crédito a que se refere a hipoteca registada sob C5 estar igualmente garantido por uma outra hipoteca, incidente sobre o prédio rústico descrito sob o nº 00311/910624 (v. fls 44 e sgts do processo de caução). Mas a valorizar tal facto, é certo que ele mais reforça a bondade do que acaba de ser dito, na certeza de que esse prédio está avaliado em €358.482,00, conforme decorre de fls 127 do processo de caução (e de fls 76 destes autos de agravo). Pelo que fica dito, embora por razões jurídicas não inteiramente coincidentes com aquelas que os agravantes aduzem, conclui-se que o agravo merece provimento. Já, ao invés, se nos afigura que não podem ser subscritas as razões apontadas no despacho recorrido como fundamento do indeferimento da pretensão dos executados. Pois que, como acima ficou dito, a caução pode ser prestada mediante a afectação da hipoteca já constituída, posto que se vê que a mesma garante o pagamento da quantia exequenda e acréscimos. Não se trata, contrariamente ao que se supõe na decisão recorrida, de constituir uma nova hipoteca. De resto, se fosse como se defende na decisão recorrida, então chegávamos ao absurdo de se garantir a mesma obrigação exequenda duas vezes, com o inerente prejuízo dos executados e um inútil reforço da garantia do exequente. E quanto à necessidade de apresentação do registo provisório (nº 3 do artº 982º do CPC), parece evidente que tal não é necessário, tanto porque tal formalidade só tem razão de ser no âmbito da prestação provocada de caução (e aqui estamos perante um incidente de prestação voluntária de caução), como porque no caso vertente consta já dos autos documentação registral que demonstra que a hipoteca a afectar como caução está devidamente registada a favor do exequente. Procede pois, na dimensão que acaba de ser referida, o agravo. ** Decisão: Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao agravo e, revogando a decisão recorrida, julgam procedente o incidente de prestação espontânea de caução, declarando validamente prestada, mediante a afectação da hipoteca voluntária a que se refere a supra indicada inscrição C2, a requerida caução. Regime de Custas: Custas de recurso e do processo de prestação de caução pelo exequente. |