Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1297/04-1
Relator: PEREIRA DA ROCHA
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
AQUISIÇÃO
USUCAPIÃO
EXTINÇÃO POR USUCAPIO LIBERTATIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/13/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – A mera alegação e prova de num dos três prédios dominantes, contíguos entre si, haver sido, posteriormente, aberta uma comunicação com a via pública, quando da construção duma casa de habitação em parte dele, é insuficiente para decretamento judicial da extinção, por desnecessidade, da servidão de passagem de pessoas, de animais e de veículos de tracção animal e mecânica, constituída por usucapião, incidente sobre o logradouro de um prédio urbano, por se desconhecerem as utilidades proporcionadas aos prédios dominantes por aquela abertura para a via pública e por a lei vigente considerar ainda encravado o prédio que tenha comunicação insuficiente com a via pública por terreno seu.
2 – Para efeitos da extinção, por desnecessidade, da referida servidão de passagem, relativamente aos três prédios dominantes ou a algum deles, era necessário demonstrar que a posterior abertura, num dos prédios dominantes, duma comunicação com a via pública, proporcionava, aos três prédios dominantes ou a algum deles, utilidades iguais e igualmente cómodas, pelo menos, às proporcionadas pela servidão de passagem visada suprimir, tendo por referência a exploração económica normal e actual dos prédios dominantes.
3 – Improcede o pedido de colocação de um portão no início da servidão de passagem, com entrega da respectiva chave, por, face às circunstâncias apuradas, tal colocação não se inserir no exercício do direito dos AA. a vedarem ou taparem o prédio serviente nem trazer a este quaisquer vantagens, pelo que, em concreto, funcionaria apenas como um obstáculo dirigido ao uso da servidão.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.


I – Relatório
Neste recurso de apelação são recorrentes ...[os RR.] e são recorridos...[os AA.].
Vem interposto da sentença de 12-01-2004, proferida pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, na acção declarativa sumária n.º 823/01, que decidiu declarar extinta a servidão de passagem descrita sob os pontos 6 a 8 dos factos provados constituída por usucapião a favor dos prédios dos réus identificados em 4, 9 e 10 dos factos provados e a onerar o prédio urbano dos autores sito no lugar do ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe, sob o n.º 00443/2..., e melhor descrito sob os pontos 1 e 3, em consequência do que decidiu, porque prejudicados, não conhecer dos pedidos dos AA. no sentido de ser alterado o modo de exercício da dita servidão, reconhecendo e declarando o seu direito a colocarem à entrada do dito caminho de servidão um portão, com entrega da respectiva chave aos RR., e a condenação destes a limitarem o uso da mesma servidão às suas reais e efectivas necessidades de trânsito.
O recurso foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
Os Recorrentes extraíram das suas alegações as subsequentes conclusões:
1- Está incorrectamente julgado o ponto 11 da matéria de facto -"após o caminho referido em 6 (em F. ) atingir a Sorte de M... inicia--se outro caminho, descendente, que atravessa e serve os restantes prédios dos RR., referidos em 4. (em D.)";
2- Também está incorrectamente julgado o ponto 12 "esse caminho tem a largura variável entre 2,5 metros e 4 metros";
3- Ainda está incorrectamente julgado o ponto 16 -"para aceder da E. N. 207 ao prédio Sorte de M... os RR. podem servir-se do caminho referido em 11 (no quesito 1°)";
4- Com efeito, se a Mtª Juíza "a quo" tivesse atendido e entendido o relatório de perícia colegial, bem como se considerasse na medida do produzido e gravado em audiência de julgamento os depoimentos das testemunhas dos apelantes, nunca poderia dar aqueles pontos de facto como provados;
5- Na verdade, não se fez prova daqueles pontos de facto, como resulta do relatório da perícia colegial e dos depoimentos das testemunhas dos apelantes;
6- Em relação ao relatório da perícia colegial, realçam os apelantes as respostas dos senhores peritos aos pontos 1, 2, 8 e 9 dos apelados e 4° dos apelantes;
7- Ao quesito 1.º dos apelados -"É ou não possível fazer o acesso do prédio dos RR. Sorte de M... à E.N. 207, através de terrenos pertencentes aos mesmos RR. e que se interpõem entre esta via e aquele prédio" -os senhores peritos responderam: -"de automóvel ou tractor agrícola, o acesso é possível até ao limite nascente (que confronta com o Cerrado dos C... -propriedade dos RR.) da propriedade dos AA., a partir daí, o acesso à E.N. é feito por "carreiro de pé posto" (cerca de 30 metros) e pelo caminho (transitável) que liga a casa dos RR., através do Cerrado dos C..., à E. N. 207";
8- Ao quesito 2 dos apelados -"existem ou não vestígios de um caminho descendente, que se inicia na dita Sorte de M... e se dirige à casa de habitação dos RR. e terrenos circundantes, designadamente ao Campo do L..." - os senhores peritos responderam -"existem vestígios da existência de um caminho descendente mas só até ao limite nascente da propriedade dos AA". (o sublinhado é dos apelantes).
9- Ao quesito 8 dos apelados -"Ou torna-se necessário ascender até à Sorte de M..., através do anterior Cerrado dos C... e fazer a travessia do logradouro dos AA?" - os senhores peritos responderam: -"o acesso à Sorte de M... pode ser feito(a pé) pelo Cerrado dos Campos Novos -propriedade dos RR., no entanto, como foi referido na resposta ao quesito 10, este acesso é inviável para tractores e/ou automóveis. O acesso à Sorte de Mato de Carrazedo só pode ser feito fazendo a travessia do logradouro dos AA. (o sublinhado é dos apelantes ).
10- Ao quesito 9.º dos apelados -"Se deixarem de passar pelo logradouro da casa de habitação dos AA. para aceder da via pública aos seus prédios e vice-versa, isso causará aos RR. grandes incómodos, prejuízos e dificuldades?" - os senhores peritos responderam -"o prejuízo material associado a esta questão é difícil de quantificar mas é evidente que o prédio (Sorte de M...) sofrerá desvalorização se o acesso ao mesmo não for feito pela travessia do logradouro, pois, como foi referido nas respostas aos quesitos 1 ° e 8° por via da impossibilidade de um tractor agrícola se deslocar à referida Sorte de Mato, fica comprometida a possibilidade de, por exemplo, retirar madeira do mesmo. Os incómodos e dificuldades resultam também do atrás descrito" - (o sublinhado é dos apelantes);
11- É evidente que se a Mt.ª Juíza tivesse atentado e valorado o relatório pericial colegial, nunca podia dar como assente, os ditos pontos da matéria de facto;
12- Resulta do depoimento da testemunha arrolada pelos apelantes de nome J... J... G..., registado na fita magnética desde o n.º 02 a 140, do lado B, da cassete n.º 1, que não há caminho descendente a partir da Sorte de M... com largura de 2,5 metros a 4 metros, e que não é possível aceder da E. N. 207 àquela Sorte através dos restantes prédios dos apelantes;
13- Também resulta do depoimento da testemunha arrolada pelos apelantes de nome J... C... M... P..., registado em fita magnética desde o n° 140 a 263, do lado B, da cassete n° 1, que não existe o dito caminho descendente, a partir da Sorte de M... e que serve os restantes prédios dos apelantes;
14- Ainda resulta do depoimento da testemunha arrolada pelos apelantes de nome L... M... registado em fita magnética desde o n° 264 a 359, do lado B, da cassete n° 1, que não existe o dito caminho descendente, e que não é possível aceder da E.N. 207 à Sorte de M... através do dito caminho descendente, pois não há caminho que permita o trânsito de tractores agrícolas e ou/veículos;
15- Também ainda resulta do depoimento da testemunha arrolada pelos apelantes de nome R...de C...M... registado em fita magnética desde o n° 360 a 395, do lado B, da cassete n° 1 e desde 02 a 045, do lado A, da cassete n° 2, que não há o aludido caminho descendente e que não é possível aceder da E. N. 207 à Sorte de M... de tractor agrícola e/ou automóvel através do dito caminho descendente.
16- Nestes termos, se a Mt.ª Juíza "a quo" tivesse valorizado devidamente o depoimento daquelas testemunhas, sendo certo que não as desacreditou, por certo que nunca podia dar como provados os aludidos pontos de facto.
17- Assim, há errada apreciação da matéria de facto, que deve ser alterada, no sentido de dar como não provadas aqueles pontos da matéria de facto.
18- A Mt.ª Juíza, apesar de alegar fundamentar-se nas respostas à matéria de facto no relatório pericial colegial, todavia, não considera e nem valoriza aquela prova, essencial à descoberta da verdade e à realização da justiça, pelo que entendem os apelantes que violou o disposto nos art°s 388 e 389, ambos do Cód. Civil;
19- O Tribunal "a quo", apesar de alegar ter-se também fundamentado no depoimento das testemunhas dos apelantes, todavia, se o tivesse feito, nunca podia dar como assentes os pontos de factos 11, 12 e 16, pelo que violou o disposto nos art°s 342, n.ºs 1 e 3, 346 e 396, todos do Cód. Civil;
20- Não há dúvida que se encontra constituído sobre os prédios dos apelados, por usucapião, uma servidão de passagem a favor dos prédios dos apelantes;
21- Também não há dúvida que os apelantes são donos de três prédios autónomos, independentes, constituindo unidades prediais próprias, distintas, tendo aproveitamento, uso e destino diferenciados.
22- E de acordo com os pontos 5, 9 e 10 da matéria de facto, o prédio rústicos dos apelantes "Cerrado dos Campos Novos", deu origem a um prédio urbano, uma casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de 99 m2 e descoberta de 3401 m2 e inscrito na matriz sob o art.º 630.
23- Ainda de acordo com os pontos 9, 10, 11, 12 e 16, o caminho descendente, que o Tribunal a quo entende ser bastante e suficiente para acesso aos prédios dos apelantes, designadamente, ao prédio Sorte de M..., desde a E. N. 207, passa pelo logradouro daquele prédio urbano;
24- Pelo que declarar-se, como o Tribunal "a quo" declarou, extinta a servidão de passagem em causa, para acesso da via pública àquela Sorte de M..., onera-se o logradouro daquele prédio urbano dos apelantes;
25- Nos termos do disposto no n.º 2, do art° 1569 do Cód. Civil, só é possível extinguir uma servidão de passagem desde que se mostre desnecessária ao prédio dominante;
26- Ora, in casu, a servidão de passagem é necessária aos prédios dominantes, sendo essencial para o prédio "Sorte de M...", que sem ela perde o acesso carral-tractor agrícola e/ou automóvel;
27- Não ocorreu qualquer alteração no local da situação dos prédios, designadamente, em termos de vias de acesso, que permita aos prédios dominantes servirem-se directamente para a via pública sem terem de passar pelo prédio dos apelados;
28- Sendo certo que se tem de entender e interpretar aquele normativo legal, no sentido de todo e qualquer prédio dominante tem de ter acesso directo à via pública, não acesso através de outros prédios para a via pública, uma vez que se assim fosse desonerava-se o prédio onerado e onerava-se prédio, sem ónus;
29- Os apelantes, tendo prédios distintos, independentes entre si, como têm, não podem ser prejudicados com a pretensão da extinção da servidão pedida pelos apelados, de sorte ao prédio destes ficar desonerado e um ou dois prédios daqueles ficarem onerados a favor de outro prédio dos mesmos;
30- O que impedia, a ser declarada a extinção da servidão de passagem a onerar o prédio dos apelados, que se os apelantes vendessem, por exemplo, a Sorte de Mato de Carrazedo, o adquirente não teria acesso, ou então teria acesso o onerar o logradouro do prédio urbano dos apelantes, o que não é legalmente admissível.
31- Assim, in casu, não se mostra preenchida a condição imposta pelo n.º 2, do art° 1569 do C.C. para ser declarada a extinção da servidão.
32- Para além dos normativos citados, a douta sentença recorrida violou também o disposto nos art°s 1543, 1545, 1547, 1548, 1550, 1551, 1569, n° 2, todos do Cód. Civil e o art° 669, n° 2, alíneas a) e b) do C.P.C.;
33- Funda-se o presente recurso, ainda, no disposto nos art°s 690, 690-A e 712, n° 1, alínea a) e n° 2, todos do Cód. Proc. Civil.
34 - Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser alterada a sentença recorrida por outra que julgue a acção improcedente.
Os Recorridos não contra-alegaram.
Efectuado o exame preliminar, foi mantida a espécie de recurso e seus regime de subida e efeito, fixados pela 1.ª Instância.
Nos termos do art.º 715.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, para o caso de proceder a apelação interposta pelos RR., as partes foram notificadas para, no prazo legal, se pronunciarem, querendo, sobre a solução a dar aos pedidos subsidiários dos AA., cujo conhecimento ficou prejudicado pela procedência do pedido principal, uma vez que sobre tal hipótese nada haviam dito anteriormente.
Na sequência desta notificação, os AA., sem indicarem os respectivos motivos, pronunciaram-se no sentido da sua procedência e os RR. em sentido oposto, por entenderem que os AA., com a colocação do portão, pretendem criar um obstáculo ao exercício livre e normal do direito de servidão e por o segundo dos pedidos subsidiários estar formulado em termos abstractos.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência.
São as conclusões das alegações do recorrente que fixam e delimitam o objecto do recurso e, por conseguinte, as questões a decidir, sem prejuízo do conhecimento de questões oficiosas(cfr. art.º 684.º, n.º 3, e 690.º e 660.º, n.º 2, este por remissão do art.º 713.º, n.º 2, do CPC).
Não se vislumbra a existência de qualquer questão de conhecimento oficioso e, atentas as conclusões das alegações do Recorrente, as questões a decidir são:
1.ª - Se devem ser dados por não provados os factos indicados na sentença recorrida pelos números 11, 12 e 16, correspondentes, respectivamente, às respostas dadas aos quesitos 1.º, 2.º e 6.º;
2.ª - Se não se mostra preenchido o requisito da desnecessidade da servidão de passagem sobre o prédio dos Autores relativamente aos três prédios dominantes dos Réus, pelo que a acção deve improceder e revogada a sentença recorrida;
3.ª - Caso proceda a apelação, se o processo contém os elementos necessários ao conhecimento dos pedidos subsidiários dos Autores, ora Recorridos.
II – Fundamentação
1- Factos a considerar
A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
«1. Por escritura pública de dação em cumprimento celebrada a 25 de Março de 1976 no Cartório Notarial de Fafe, exarada a fls. 15v a 16v do livro B-128, por M... de S... foi declarado que, em cumprimento de uma obrigação de restituição de determinadas quantias em dinheiro que lhe haviam sido entregues pela autora A...M..., dava a esta o prédio sito no lugar do ..., sítio do Monte, freguesia de ..., composto por uma casa de habitação com sete divisões, com a área coberta de cinquenta e quatro metros quadrados, com logradouro com duzentos e oitenta e três metros quadrados, a confrontar de nascente com A...P..., sul com este e com prédio da Casa da Cêra e norte com caminho de servidão, inscrito na matriz sob o artigo 237, e então omisso na Conservatória.
2. Por escritura pública celebrada a 16 de Agosto de 1996, celebrada no Cartório notarial de Fafe e exarada a fls. 59v a 60v do livro 375-A, a autora A...M...declarou vender ao autor A...M..., e este comprar, a metade indivisa do prédio descrito em 1. (em A.).
3. Tal prédio encontra-se agora descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe, sob o n.º 00443/2..., onde se encontra registada a propriedade nos termos referidos em 1. e 2. (em A. e B.) a favor dos autores pelas inscrições G-1 e G- 2, ap. 35 e 36 de 20/8/96.
4. Por escritura pública de 1 de Outubro de 1991, celebrada no Cartório Notarial de Fafe, exarada a fls. 70 a 72 do livro 282-A, os réus A... M...e M...O...declararam vender ao réu A...M..., e este comprar, a raiz ou nua propriedade, reservando para si o usufruto, os seguintes prédios situados na freguesia de ...:
- Cerrado dos Campos Novos, terra culta, com a área de três mil e quinhentos metros quadrados, no lugar de Cima Vila, a confrontar de norte com herdeiros de Maria M..., sul com Manuel M..., nascente com rego de consortes e poente com estrada, inscrito na matriz rústica sob o artigo 558;
- Campo do Lameiro da Poça, terra culta, com a área de quatrocentos e vinte metros quadrados, no lugar de Cima de Vila, a confrontar do norte e nascente com Albina de C..., sul com Avelino P... e poente com a estrada, inscrito na matriz sob o artigo 559; e
- Sorte de Mato de Carrazedo, com a área de oitocentos metros quadrados, no lugar de Vinhas, a confrontar do norte com Maria de O..., sul com José G..., nascente com herdeiros de Padre A... e poente com herdeiros de Manuel de C..., inscrito na matriz rústica sob o artigo 611.
5. No prédio denominado Cerrado do Campos Novos os réus A...M... e M...L...P...construíram há cerca de 10 anos uma casa de habitação.
6. O acesso dos prédios rústicos dos réus referidos em 4. (em D.) à via pública e desta para os mesmos era feito através de um caminho que, partindo do caminho que liga a E.N. ao lugar do ... (hoje Rua da Fonte Fria), atravessa o logradouro do prédio referido em A., prossegue depois pelo logradouro do prédio urbano, uma casa de habitação, pertencente a L...M..., percurso esse feito no sentido nascente – poente, e na extensão total de 50 metros.
7. O caminho atravessa o prédio dos autores referido em 1. (em A.) numa extensão de cerca de 35 metros.
8. Os réus passam pelo caminho referido para aceder aos seus prédios com carros de bois, veículos de tracção mecânica, a pé e com animais; e utilizam tal caminho, bem como seus antecessores, há mais de 20, 30, e 50 anos, sem oposição e interrupção, publicamente.
9. Na matriz predial urbana encontra-se descrito sob o artigo 630.º o prédio destinado a habitação constituído por r/c com 2 assoalhadas e 1º andar com 3 assoalhadas, sito no lugar de Cima de Vila, freguesia de ..., a confrontar de norte com herdeiros de Maria M..., sul proprietário, nascente rego de consortes, e poente com E.N. 207, com a área coberta de 99 m2 e descoberta de 3401 m2.
10. Tal prédio proveio do artigo 645 urbano, que por sua vez proveio do artigo 558 rústico, os quais foram já eliminados.
11. Após o caminho referido em 6. (em F.) atingir a Sorte do Carrazedo inicia-se outro caminho, descendente, que atravessa e serve os restantes prédios dos réus, referidos em 4. (em D.). [ impugnado neste recurso]
12. Esse caminho tem a largura variável entre 2,5 metros e os 4 metros. [ impugnado neste recurso]
13. Os prédios Cerrado dos Campos Novos e o Campo do Lameiro da Poça sempre confrontaram com a estrada.
14. Sempre existiu um muro a separar a estrada destes prédios.
15. Com a construção da casa referida em 5. (em E.) os réus A...M... e M...L...P...abriram uma entrada nesse muro, criando assim um acesso directo à E.N. 207.
16. Para aceder da E.N. 207 ao prédio Sorte de Mato de Carrazedo os réus podem servir-se do caminho referido em 11. (no quesito 1º). [impugnado neste recurso]
17. O percurso a fazer desta Sorte de Mato até à EN 207 pelo prédio dos autores tem cerca de 150 metros.
18. E pelo Campo dos Cerrados Novos tem cerca de 120 metros.
19. As ovelhas que os réus fazem atravessar pelo caminho referido em 5. (em F.) comem plantas na margem do caminho em frente ao prédio dos autores, aí largando dejectos.
20. Chegaram a pedir para os autores entrarem em casa porque as ovelhas tinham medo de passar».
A sentença recorrida como fundamentação da decisão sobre a matéria de facto exarou o seguinte:
« O Tribunal formou a sua convicção com base na perícia colegial realizada e cujo relatório se encontra junto aos autos a fIs. 124 a 127 e no conjunto dos depoimentos prestados pelas testemunhas (e para cujo registo nos remetemos): M...N...S..., que conhece os autores por serem clientes de seu estabelecimento comercial; A...C...vizinho das partes; J...C...A..., serralheiro civil, M...A...F..., trolha, e S...G..., carpinteiro, que trabalharam na casa dos autores e presenciaram o modo de utilização do caminho por parte dos réus; J...J...G..., 70 anos, vizinho das partes; J...C...P...e L...M..., filho e mãe, respectivamente sobrinho e irmã da autora A...M...e vizinhos das partes, que também utilizam o caminho em frente da casa dos autores para acederem a sua residência; e R...M..., filha do réu A...M...e irmã do réu A...M....».
2 – Análise das questões e sua solução
1.ª Questão
Pretendem os Recorrentes que este Tribunal altere as respostas aos quesitos 1.º, 2.º e 6.º e lhes dê resposta negativa. Para tal invocam o resultado da perícia colegial sobre aquela matéria de facto, que transcrevem, e os depoimentos gravados das testemunhas J...J...G..., J... C... M...P..., L...M...e R...de C...M..., referindo o local onde os mesmos estão gravados e o que disseram sobre aquela específica matéria, concluindo por afirmar que, em seu entender, foi feita prova contrária ao dado por provado naqueles quesitos, pelo que os mesmos deverão ser dados por não provados.
Vejamos.
Os quesitos e as respostas a eles dadas, ora impugnadas, são do subsequente teor.
Quesito 1.º
Após o caminho referido em F atingir a Sorte do Carrazedo inicia-se outro caminho, descendente, que atravessa e serve os restantes prédios dos réus, referidos em D ?
Provado.
Quesito 2.º
Esse caminho tinha a largura inicial de 2 metros, mas hoje tem cerca de 4 metros, por os autores o terem alargado ?
Provado que esse caminho tem a largura variável entre 2,5 metros e os 4 metros.
Quesito 6.º
Para aceder da E. N. 207 ao prédio Sorte de Mato de Carrazedo os réus podem servir-se do caminho referido no quesito 1.º ?
Provado.
Para responder à matéria de facto, o Tribunal «a quo» fundou-se na perícia colegial realizada, cujo relatório se encontra junto aos autos de fIs. 124 a 127, e no conjunto dos depoimentos prestados pelas testemunhas, para cuja gravação remeteu.
Nos termos do art.º 712.º do CPC, a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação
a) - se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690-A, a decisão com base neles proferida;
b) - se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) - se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No caso em apreço, a impugnação da referida matéria de facto funda-se no relatório da perícia colegial e nos depoimentos gravados de determinadas testemunhas, em que o Tribunal «a quo» também se fundou e que constam integralmente dos autos (o relatório de fls. 124 a 127 e a gravação dos depoimentos das testemunhas de duas cassetes apensas), estando, por conseguinte, tais provas integralmente ao dispor desta Relação para reapreciação do julgamento feito pela 1.ª Instância sobre a impugnada matéria de facto.
A possibilidade de alteração da matéria de facto subsequentemente à sua impugnação por via de recurso não se traduz na realização de um novo julgamento em 2.ª instância.
Na verdade, tal possibilidade não derroga os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas em 1.ª instância, nem visa substituir a livre apreciação das provas feita pelo julgador da 1.ª instância pela livre apreciação das mesmas pelo julgador da 2.ª instância.
Os recursos sobre a matéria de facto foram gizados para, em regra, servirem de correcção a erros de julgamento (cfr. art.ºs 690.º-A, n.º 1, a) e 712.º, n.º 1, a), do CPC).
Quanto aos quesitos 1.º e 2.º e respectivas respostas.
A fonte destes quesitos é o alegado pelos AA nos artigos 16.º a 21.º da petição inicial, mais precisamente no artigo 18.º.
Os AA., depois de alegarem que o acesso à via pública dos três prédios dos RR(Cerrado dos Campos Novos, Campo do Lameiro da Poça e Sorte de Mato de Carrazedo) era feito por um caminho de servidão que atravessava o logradouro do seu prédio urbano, numa extensão de cerca de 35 metros, prosseguia pelo logradouro do prédio urbano de L...M..., numa extensão de cerca de 15 metros(50-35 metros) até atingir o prédio dos RR denominado Sorte de Mato de Carrazedo, e que esse caminho tinha, no seu logradouro, uma largura inicial de cerca de 2 metros e que hoje tem a largura de 4 metros por o haverem alargado após terem adquirido o prédio situado defronte à sua casa, alegaram que, após o referido caminho de servidão atingir aquele prédio Sorte de Mato de Carrazedo, aqui se inicia um outro caminho, descendente, que atravessa e serve os restantes prédios dos RR., dando também acesso a um outro prédio dos AA., situado nas traseiras da sua referida casa de habitação.
Quanto a este caminho descendente, os AA. não alegam o seu comprimento nem a sua largura, sendo de realçar que os AA alegam que este caminho descendente atravessa e serve os restantes prédios dos RR (Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça) e que dava também acesso a um outro prédio dos AA., não alegando explicitamente qual o prédio, ou prédios, onerado com este caminho, nomeadamente se este caminho é feito por terreno pertencente ao prédio dos RR Sorte de Mato de Carrazedo ou a outro prédio.
OS RR, na contestação, afirmaram que, no logradouro dos AA, o caminho de servidão sempre teve a largura de quatro metros, negaram a existência daquele caminho descendente e que por ele os AA jamais tiveram acesso a um outro seu prédio(cfr. art.ºs 10.º e 11.º da contestação), não explicitando, no entanto, o percurso, alternativo à tese dos AA., feito pelos seus antepossuidores e por eles próprios para acederem àqueles seus dois prédios(Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça).
No despacho saneador-condensação, no que concerne à alegada servidão de passagem, foi dado por assente o seu conteúdo(com carros de bois, veículos de tracção mecânica, a pé e com animais), o seu comprimento total(50 metros) nos logradouros dos AA. e de L...M..., que atravessava estes logradouros no sentido poente-nascente(embora, por lapso manifesto, se refira o sentido oposto) e que a mesma servia de acesso para a via pública aos três prédios dos Réus (Sorte de Mato de Carrazedo, Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça).
Assim, segundo os factos assentes no despacho saneador-condensação, a servidão de passagem que atravessava os logradouros dos AA. e de L...M..., apesar de se consignar que era a favor dos referidos três prédios dos RR, não chegava a nenhum deles, porquanto era de 50 metros, terminava no limite nascente do logradouro de L...M..., este limite não confrontava com qualquer dos prédios dos RR segundo as confrontações indicadas nos factos assentes e a partir do limite do logradouro de L...M... ignorava-se o modo de ligação dos prédios dos RR a ele.
Para apuramento do concreto acesso dos prédios dos RR. à via pública, através dos logradouros dos AA. e de L...M.., a seguir ao limite nascente do logradouro desta, foram formulados os quesitos 1.º e 2.º.
Assim, no quesito 1.º, perguntava-se se "após o caminho referido em F atingir a Sorte do Carrazedo inicia-se outro caminho, descendente, que atravessa e serve os restantes prédios dos réus, referidos em D, e, no quesito 2.º, perguntava-se se "esse caminho tinha a largura inicial de 2 metros, mas hoje tem cerca de 4 metros, por os autores o terem alargado".
Atento o dado por assente na alínea F, o conteúdo útil do quesito 1.º, quanto ao caminho de servidão que atravessava os logradouros dos AA. e de L...M..., era saber se tal caminho atingia, ou não, o prédio dos RR denominado Sorte de Mato de Carrazedo e, se, após o atingir, se iniciava, ou não, um outro caminho, descendente, que atravessava e servia os restantes prédios dos réus (Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça).
Ora, aludindo-se no quesito 1.º a dois caminhos [um que, no sentido poente-nascente, atravessava os logradouros dos AA. e de L...M... até atingir o prédio dos RR denominado Sorte de Mato de Carrazedo, outro que, entroncando neste junto ao prédio Sorte de Mato de Carrazedo, descia até aos outros dois prédios dos RR (Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça), atravessava-os e servia-os] e perguntando-se no quesito 2.º se esse caminho tinha a largura inicial de 2 metros e hoje a de cerca de 4 metros por os autores o terem alargado, a expressão «esse caminho», utilizada no quesito 2.º, é susceptível de ser conexionada com qualquer dos caminhos referidos no quesito 1.º, o que, adiante-se desde já, se repercutiu, na enunciação escrita das questões de facto colocadas pelas partes aos peritos, nos relatórios das perícias singular e colegial, nos interrogatórios das testemunhas e na resposta do Tribunal «a quo» ao quesito 2.º.
Pelo que supra se referiu quanto ao alegado pelas partes, nomeadamente pelos AA., a controvertida largura inicial de dois ou de quatro metros restringia-se ao troço do caminho de servidão que atravessava o logradouro dos AA. Na verdade, atentando bem no alegado pelos AA., no art.º 19.º da petição inicial, a invocada largura de quatro metros do caminho reporta-se apenas ao troço do seu logradouro, porque por eles feita de 2 para 4 metros após terem adquirido o prédio defronte à sua casa, nele aparecendo mencionado o logradouro de L...M...apenas como mais um local onde também estava «implantado» o caminho de servidão.
Quanto ao caminho descendente, que daria seguimento àquele caminho de servidão, a partir do prédio dos RR denominado Sorte de Mato de Carrazedo, para possibilitar a ligação à via pública dos outros dois prédios do RR, não foi invocada a respectiva largura por qualquer das partes, pelo que o quesito 2.º deveria ter sido elaborado de modo a reportar-se apenas ao segmento do caminho de servidão no logradouro dos AA.
Como o não foi e atenta a mencionada equivocidade da pergunta quanto a referir-se a um dos dois caminhos mencionados no quesito 1.º, transposta para os pontos de facto elaborados pelas partes, os relatórios das perícias singular e colegial acabaram por se pronunciar sobre o caminho de servidão nos logradouros dos AA. e de L...M..., sobre o caminho descendente, sobre a largura média de ambos, sobre o termo deste, atento o seu sentido descendente, e, após o termo daquele caminho descendente, sobre a forma existente de prosseguir caminho nos prédios dos RR Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça.
Efectivamente, ao quesito(1.º) formulado pelos AA. sobre se é ou não possível aceder do prédio dos RR. Sorte de Mato de Carrazedo à E.N. 207, através de terrenos pertencentes aos mesmos RR. e que se interpõem entre esta via e aquele prédio, os Peritos, por unanimidade, responderam: «de automóvel ou tractor agrícola, o acesso é possível até ao limite nascente(que confronta com o Cerrado dos Campos Novos-propriedade dos RR.) da propriedade dos AA., a partir daí, o acesso à E.N. 207 é feito por "carreiro de pé posto"(cerca de 30 metros) e pelo caminho(transitável) que liga a casa dos RR., através do Cerrado dos Campos Novos, à E.N. 207».
E, ao quesito (2.º) formulado pelos AA. sobre se existem ou não vestígios de um caminho descendente, que se inicia na dita Sorte de Mato de Carrazedo e se dirige à casa de habitação dos RR. e terrenos circundantes, designadamente ao Campo do Lameiro da Poça, os Peritos, por unanimidade, responderam: «existem vestígios da existência de um caminho descendente mas só até ao limite nascente da propriedade dos AA.».
E, ao quesito (1.º) formulado pelos RR. sobre se após o caminho referido em F) atingir a Sorte do Carrazedo inicia-se outro caminho, descendente, que atravessa e serve os restantes prédios dos RR., referidos em D), os Peritos, por unanimidade, responderam que sim.
E, ao quesito (2.º) formulado pelos RR. sobre se esse caminho tinha a largura inicial de 2 metros, mas hoje tem cerca de quatro metros, por os AA o terem alargado, os Peritos, por unanimidade, responderam que « ao longo dos seus 150 metros, a largura varia entre os 2,5 metros e os 4,00 metros».
E ao quesito (5.º) dos AA. e ao quesito (5.º) dos RR, onde perguntavam qual a distância em metros do percurso entre a E.N. 207 e entre o prédio dos RR. denominado Sorte de Mato de Carrazedo, passando pelo logradouro dos AA., os Peritos, por unanimidade, responderam: «a distância medida é de 150 metros».
Consignaram ainda os referidos Peritos que as respostas dadas foram antecedidas da sua vistoria ao local.
O relatório da perícia singular, junto de fls. 95 a 97, a propósito do referido caminho descendente, refere existirem vestígios dele, que o mesmo se inicia 28 metros antes do referido em F) atingir a Sorte do Carrazedo, tem a largura útil de três metros e uma parte mal trilhada, a necessitar de melhoramento para o seu integral restabelecimento.
Do conjunto dos depoimentos das testemunhas extrai-se que, antes de os RR construírem uma casa no Cerrado dos Campos Novos e de nessa altura abrirem nele um acesso para a Estrada Nacional, a serventia de caminho que tinham e usavam para os prédios Sorte de Mato de Carrazedo, Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça era a que passava pelo prédio dos AA. e pelo prédio do casal A...P..., já falecido, e L...M..., embora os carros de bois, com estrume para os agricultar, ficassem num espaço mais largo do caminho, próximo da entrada para a Sorte de Mato de Carrazedo, onde eram descarregados e davam a volta, sendo depois tal estrume transportado por pessoas para aqueles prédios. O Campo do Lameiro da Poça tinha ainda outro acesso, por meio duma pequena abertura, vedada por um cancelo de ferro, feita no muro da Junta Autónoma das Estradas que o delimita da Estrada Nacional; esta abertura foi tapada pelos RR, em data que não souberam precisar, e que ainda havia no muro sinais dela.
Os Recorrentes, para sustentarem a inexistência do aludido caminho descendente, valem-se da passagem do relatório da perícia colegial, onde se afirma que aquele caminho termina, atento o seu sentido descendente, no "limite nascente da propriedade dos AA" e, por conseguinte, no limite nascente do seu logradouro com o limite poente do logradouro de L...M....
No entanto, se os Recorrentes atentarem na resposta dos mesmos Peritos ao quesito 1.º dos apelados, igualmente transcrita pelos Apelantes, o limite nascente da propriedade dos AA. por eles referida "confronta com o Cerrado dos Campos Novos, propriedade dos RR", pelo que este limite não é o existente entre os logradouros dos AA. e de L...M..., mas sim de limite posterior à travessia do logradouro de L...M....
Desta resposta dos Peritos, infere-se ocorrer uma das seguintes situações: ou o logradouro dos AA., onerado com a servidão de passagem, se prolonga pelo seu lado nascente, entre o lado sul do prédio(casa e logradouro) de L...M... e o lado norte do prédio dos RR. Cerrado dos Campos Novos, até ao caminho descendente; ou os AA. são donos doutro prédio, sito entre o lado sul do prédio(casa e logradouro) de L...M... e o lado norte do prédio dos RR. Cerrado dos Campos Novos, que, pelo lado nascente, confronta com o caminho descendente.
E como, segundo os Peritos, o caminho descendente termina no limite nascente da propriedade dos AA. e este limite confronta com a propriedade dos RR. Cerrado dos Campos Novos, é de concluir que o caminho descendente existe e atinge o prédio dos RR. Cerrado dos Campos Novos.
A existência do referido caminho descendente, infere-se também do conjunto dos depoimentos das testemunhas e que, segundo eles, há muito, é apenas utilizado como carreiro de pé posto.
Em síntese, a existência do questionado caminho descendente resulta comprovada dos relatórios das peritagens singular e colegial e do conjunto dos depoimentos das testemunhas; que este caminho descendente serviu para aceder aos prédios Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça infere-se do conjunto dos depoimentos das testemunhas aliados com os factos de o caminho descendente terminar no limite destes prédios, de neste limite não dar serventia a outros, do Cerrado dos Campos Novos não ter tido outro acesso até os RR. abrirem o da Estrada Nacional, e do Campo do Lameiro da Poça não ter outra serventia de veículos de tracção animal e mecânica.
Daí que não haja erro de julgamento, quanto aos factos dados por provados de «após o caminho referido em F) atingir a Sorte do Carrazedo, inicia-se outro caminho, descendente, que serve os restantes prédios dos réus referidos em D)».
Quanto ao facto de saber se este caminho descendente atravessa, ou não, os restantes dois prédios referidos em D(Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça), provou-se que não, por tal caminho terminar quando os atinge, pelo que, nesta parte, houve erro de julgamento, em consequência do que deve ser alterada em conformidade a resposta ao quesito 1.º.
Quanto à resposta ao quesito 2.º, onde se deu por provado «que esse caminho tem a largura variável entre 2,5 metros e os 4 metros», pelo que supra se referiu, a propósito do relatório da peritagem colegial, esta largura reporta-se à totalidade do caminho entre a E.N. 127 e a Sorte de Mato de Carrazedo, passando pelos logradouros dos AA. e de L...M..., porquanto, na resposta ao quesito 5.º dos AA., os Peritos responderam que era de 150 metros a distância entre a E.N. 127 e a Sorte de Mato de Carrazedo, com referência ao percurso a efectuar pelo logradouro da casa de habitação dos AA., e, na resposta ao quesito 2.º dos RR., onde perguntavam se o caminho referido no quesito 1.º (quesitos estes cópia dos da base instrutória) tinha a largura inicial de 2 metros, mas hoje tem cerca de 4 metros, por os AA. o terem alargado, os Peritos responderam que "ao longo dos seus 150 metros, a largura varia entre os 2,5 e os 4 metros".
Ora os 150 metros, referidos nesta resposta, reportam-se à distância entre a E.N. 127 e a Sorte de Mato de Carrazedo, com referência ao percurso a efectuar pelo logradouro da casa de habitação dos AA., donde não incluir o caminho descendente e abranger caminho alheio ao litígio, concretamente, o situado entre a E.N. 127 e a entrada para o logradouro dos AA..
No entanto, os mesmos Peritos, na resposta ao quesito 1.º dos AA., afirmaram que "de automóvel ou tractor agrícola, o acesso é possível até ao limite nascente da propriedade dos AA.(que confronta com o Cerrado dos Campos Novos – propriedade dos RR.)", pelo que tal acesso de automóvel ou tractor agrícola reporta-se também ao caminho descendente, donde ser viável estimar a respectiva largura por referência à largura máxima permitida por lei para qualquer veículo, que é de 2,55 metros(cfr. n.º 12.º, b) da Portaria n.º 1092/97 de 3/11).
A largura do caminho descendente é referida no relatório da perícia individual como sendo de três metros.
Razões por que, ao responder-se no quesito 2.º que o caminho(descendente) tem a largura variável entre 2,5 metros e os 4 metros, se fez um errado julgamento da prova produzida, porquanto se provou ser de três metros a largura daquele caminho, neste sentido devendo ser alterada aquela resposta.
Quanto à resposta ao quesito 6.º, onde se deu por provado que «para aceder da E. N. 207 ao prédio Sorte de Mato de Carrazedo os réus podem servir-se do caminho referido no quesito 1.º», do relatório da perícia colegial e do conjunto dos depoimentos das testemunhas, resulta provado o contrário.
Na verdade, a servidão de passagem pelo prédio dos AA. é a pé, com animais, com carros de bois e com veículos de tracção mecânica.
Ora a prova produzida, através da perícia colegial e através do conjunto dos depoimentos, é no sentido de ser inviável, por meio de tractores agrícolas ou de automóvel ou de veículos de tracção animal, o acesso à Sorte de Mato de Carrazedo, partindo da E. N. 207 e prosseguindo pelo Cerrado dos Campos Novos e pelo caminho descendente(ora ascendente), devido a, entre a casa dos RR., sita no Cerrado dos Campos Novos, e o tal caminho descendente, o acesso só poder ser feito a pé.
Acresce que, segundo os factos assentes e a resposta dada ao quesito 1.º, o caminho descendente, cujo dono e natureza jurídica se ignoram, apenas tem sido serventia dos prédios Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça, não podendo, pois, ser usado licitamente para aceder ao prédio Sorte de Mato de Carrazedo, pelo que constitui um erro a inclusão de tal caminho entre os factos certos e seguros, visando declarar extinta a servidão de passagem a favor do prédio Sorte de Mato de Carrazedo.
Donde haver erro de julgamento quanto à resposta ao quesito 6.º, cuja sanação passa pela resposta negativa ao mesmo.
Termos em que, no parcial provimento do recurso quanto à matéria de facto, decide-se alterá-la nos subsequentes termos.
Quesito 1.º
Provado apenas que após o caminho referido em F atingir a Sorte de M... inicia-se outro caminho, descendente, que serve os restantes prédios dos réus, referidos em D.
Quesito 2.º
Provado apenas que o caminho(descendente) tem a largura de três metros.
Quesito 6.º
Não provado.

2.ª Questão
Advogam os RR. não se mostrar preenchido o requisito da desnecessidade da servidão de passagem, sobre o prédio dos AA, relativamente aos seus três prédios dominantes, pelo que a acção deve improceder, com a consequente revogação da sentença recorrida.
A sentença recorrida julgou procedente o pedido principal dos AA. e, em consequência, declarou extinto, por desnecessidade, o direito de servidão de passagem, a pé, com animais, com carros de bois e com veículos de tracção mecânica, adquirida por usucapião, que onerava o prédio dos AA. a favor de três prédios dos RR.
Para tanto, baseou-se no facto superveniente de os RR., há cerca de 10 anos, haverem feito um acesso para a via pública no prédio Cerrado dos Campos Novos, quando nele construíram a sua casa de habitação, e no facto daquele prédio ser contíguo aos outros dois, Campo do Lameiro da Poça e Sorte de Mato de Carrazedo, em consequência do que todos eles deixaram de ser prédios encravados; assim, era viável o acesso aos prédios, Campo do Lameiro da Poça e Sorte de Mato de Carrazedo, através daquele onde foi construída a casa, e que a seguir ao limite deste havia ainda um caminho ascendente por onde se podia aceder ao prédio Sorte de Mato de Carrazedo; pois, se antes da referida abertura para a via pública, este caminho servia de acesso aos prédios Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça e para transitar entre eles quando se provinha do prédio dos AA., pode continuar a servir para a mesma função, agora de acesso ao prédio Sorte de Mato de Carrazedo, através do novo acesso à via pública aberto no prédio Cerrado dos Campos Novos e no sentido ascendente.
Vejamos.
Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo doutro prédio pertencente a dono diferente, chamando-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia(art.º 1543.º do Código Civil).
Podem ser objecto de servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante(art.º 1544.º do CC).
As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família e as servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos(art.º 1547.º, n.ºs 1 e 2, do CC).
Por usucapião, só podem ser constituídas as servidões reveladas por sinais visíveis e permanentes(art.º 1548.º, n.ºs 1 e 2, do CC).
Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio (art.º 1550.º, n.ºs 1 e 2, do CC).
As servidões prediais são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respectivo título e, na insuficiência deste, pelo disposto na lei (art.º 1564.º do CC).
As servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante(art.º 1569.º, n.º 2, do CC).
A desnecessidade, para efeitos de extinção de servidões prediais constituídas por usucapião, de harmonia com o ensinamento do Prof. Oliveira Ascensão, em Desnecessidade e Extinção de Direitos Reais, 1964, citado e seguido pela jurisprudência, «tem de ser objectiva, típica e exclusiva da servidão, não se confundindo com a desnecessidade subjectiva, que assentaria na ausência de interesse, vantagem ou conveniência pessoal do titular do direito. A servidão assenta numa relação predial estabelecida de maneira que a valia do prédio aumenta, graças a uma utilização latu sensu de prédio alheio. Quando essa utilização de nada aproveite ao prédio dominante, surge-nos a figura da desnecessidade» (cfr., por exemplo, acórdãos da RC de 25/10/1983 e de 28/09/2004, respectivamente, em CJ, ano VIII(1983), 4, pág. 62/64, e em CJ, ano XXIX(2004), IV, pág.18/22, e acórdãos do STJ de 27/05/1999 e de 07/11/2002, ambos em www.dgsi.pt .
O Código Civil vigente, ao invés do anterior, onde o art.º 2313.º estatuía que a obrigação de prestar passagem pode cessar a requerimento do proprietário do prédio serviente, cessando a necessidade da servidão, ou se o dono do prédio dominante, por qualquer modo, tiver possibilidade de comunicação igualmente cómoda com a via pública por terreno seu, não consagra, expressamente, esta última hipótese.
No regime anterior, segundo o ensinamento dos Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, em Código Civil Anotado, edição de 1984, em anotação ao art.º 1550.º, e do Prof. Pires de Lima, em Lições de Direito Civil(direitos reais), 4.ª edição, 1958, pág. 358 a 385, só estava expressamente consagrada a faculdade de constituir coactivamente servidões de passagem a favor de prédios sem qualquer comunicação com a via pública(encrave absoluto). No entanto, parte da doutrina, onde se incluíam os Prof. Pires de Lima e Manuel Rodrigues, baseada na segunda parte do mencionado art.º 2313.º, defendia a possibilidade legal de constituição forçada de servidões de passagem para os casos de prédios com insuficiente comunicação com a via pública para a sua exploração económica e de prédios confinantes com a via pública, mas em que o acesso a ela dependia da realização de obras de custo superior aos lucros prováveis da exploração(encrave relativo), com o argumento de que se a lei prevê a cessação de servidões de passagem no caso em que o dono do prédio dominante, por qualquer modo, tiver possibilidade de comunicação igualmente cómoda com a via pública por terreno seu é porque permite a sua constituição na situação oposta, ou seja, quando o prédio dominante tivesse comunicação, com a via pública, insuficiente à sua exploração económica ou que só pudesse obtê-la mediante obras de custo superior aos lucros prováveis da sua exploração económica(encrave relativo).
A pág. 379 da citada Obra, o Prof. Pires de Lima sintetiza as condições exigidas pelo anterior regime legal para que se considerasse procedente o pedido de cessação da servidão de passagem, nos seguintes termos:
«O proprietário do prédio serviente é que deverá provar que cessou a necessidade de servidão.
E para isto é preciso, em primeiro lugar, que o proprietário dominante tenha comunicação igualmente cómoda com a via pública, isto é, que a comunicação que em virtude de facto posterior à constituição da servidão obteve, ou pode obter, lhe dê, em relação á exploração do prédio, vantagens idênticas àquelas que lhe dá a servidão que pretende suprimir.
É preciso, em segundo lugar, que a comunicação se estabeleça por terreno do proprietário dominante. Isto pode dar-se, ou porque este adquiriu um prédio que confina com a via pública e pelo qual pode estabelecer uma passagem como a que tinha, ou porque foi construída estrada confinante com o prédio encravado.
Não é portanto aplicável o art.º 2313.º quando o proprietário do prédio encravado adquire uma ou outra servidão para o seu prédio, ou adquire um prédio junto ao prédio encravado, que tenha comunicação com a via pública apenas por meio de servidão.
Finalmente, se se tratar de servidão legal que tenha sido constituída coercivamente, o proprietário do prédio serviente, ora desonerado, terá de restituir a indemnização recebida».
No domínio da legislação anterior ao actual Código Civil, a doutrina integrava no conceito de desnecessidade da servidão de passagem ambas as situações previstas no art.º 2313(cessação efectiva do encrave absoluto ou relativo, ou viabilidade da sua cessação através de obras, de custo e de incómodos não excessivos, ou através de terreno, posteriormente adquirido pelo dono do prédio dominante, com acesso directo à via pública, igualmente cómodo) – cfr. Prof. Pires de Lima, em obra citada, pág. 362, e Prof. Alberto dos Reis, em Processos Especiais, vol. II, edição da Coimbra Editora de 1982, pág. 9/10, a propósito do processo então aplicável para a cessação ou para a extinção da servidão de passagem).
O Código Civil vigente, através do seu art.º 1550.º, consagrou, expressamente, a faculdade de constituição forçada de servidão legal de passagem sobre prédios rústicos vizinhos a favor de prédios que não tenham qualquer comunicação com a via pública ou que disponham de comunicação insuficiente para as suas necessidades normais de exploração económica ou que só poderiam comunicar com a via pública mediante obras cujo custo fosse manifestamente desproporcionado aos lucros previsíveis da sua exploração ou às vantagens advindas deles(encrave absoluto e relativo) e no art.º 1569.º enumerou os factos jurídicos causais da extinção das servidões, estatuindo no seu n.º 2 que as servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.
Com o Código Civil vigente passou a haver uma situação inversa à existente no regime anterior quanto à previsão de constituição de servidões forçadas de passagem a favor de prédios relativamente encravados e à previsão de cessação/extinção de servidões de passagem constituídas a favor daqueles prédios, pelo que, por idênticos motivos, a expressão que se mostrem desnecessárias do n.º 2 do art.º 1569.º abrange não só as situações em que, posteriormente à constituição da servidão de passagem, o prédio dominante obteve comunicação directa, ou comunicação indirecta através de terrenos contíguos do dono do prédio dominante, com a via pública, apta à sua integral exploração económica, mas também as situações em que, sem excessivo incómodo ou dispêndio, pode ser estabelecida, através dele ou através de terrenos contíguos do mesmo proprietário, comunicação, com a via pública, apta à sua integral exploração económica. E, caso seja necessário proceder a obras, o seu custo é da responsabilidade do dono do prédio serviente, porque beneficiado com a cessação da servidão, cuja extinção só ocorre após a conclusão daquelas obras(neste sentido, cfr. acórdão do STJ de 27/05/99 e acórdão da RC de 28/09/04, supra citados).
O ónus de alegação dos factos integrantes da invocada desnecessidade da servidão de passagem e a sua prova recaía sobre os AA., pelo que a falta de alegação de factos integrantes da desnecessidade da servidão, bem como a falta de prova dos factos alegados, é resolvida contra os AA.(cfr. art.ºs 342.º, n.º 1, e 346.º do CC e 516.º do CPC).
Segundo a matéria de facto provada, está constituída, por usucapião, uma servidão de passagem de pessoas a pé, com ou sem animais, e de veículos de tracção animal ou de tracção mecânica, pelo logradouro de um prédio urbano dos AA., no sentido poente-nascente, com o comprimento de 35 metros, a favor de três prédios dos RR. denominados Sorte de Mato de Carrazedo, Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça. Esta servidão de passagem, com idêntica natureza e conteúdo, prossegue, no mesmo sentido e numa extensão de 15 metros, pelo logradouro do prédio urbano de L...M..., e, após este logradouro, atinge e serve a Sorte de Mato de Carrazedo. Próximo deste prédio, entronca, no lado direito daquela servidão de passagem, atento o sentido poente-nascente, um caminho descendente, cujos dono e natureza jurídica não foram alegados nem apurados, com cerca de três metros de largura, que faz a comunicação entre aquela servidão de passagem e os prédios dos RR. Cerrado dos Campos Novos e Campo do Lameiro da Poça e que termina ao atingi-los.
E, que há cerca de 10 anos, os RR. construíram uma casa de habitação, no prédio Cerrado dos Campos Novos e, simultaneamente, abriram nele um acesso directo à E.N. n.º 207, que o margina, a poente.
E, em consequência da construção da casa, o Cerrado dos Campos Novos passou de prédio rústico a prédio urbano, composto por uma casa de habitação, com a área de 99 m2 e por um logradouro com a área de 3.401m2.
Não foram alegadas pelos AA,, directa ou indirectamente, nomeadamente com a indicação das dimensões do acesso aberto pelos RR. no Cerrado dos Campos ou de que por ele podiam passar pessoas a pé, animais, veículos de tracção animal e mecânica, nem a existência de caminho subsequente, respectivas medidas ou o que por ele passava ou podia passar, se o mesmo estabelecia a comunicação com os demais prédios dos RR. e em que termos ou podia estabelecer-se a eles mediante obras, quais obras, seu custo provável e quais os rendimentos da exploração habitual dos prédios dominantes, em consequência do que não se provaram as utilidades proporcionadas pelo acesso directo à via pública aberto pelos RR. no seu prédio Cerrado dos Campos Novos.
Só com o cotejo das concretas utilidades proporcionadas a cada um dos três prédios dos RR. pelo acesso à via pública aberto no Cerrado dos Campos Novos com as utilidades facultadas a cada um deles pela servidão de passagem pelo prédio dos AA, era possível inferir se as mesmas eram inferiores, iguais, ou superiores, às proporcionadas pela servidão de passagem pelo logradouro do prédio urbano dos AA., tendo por referência as necessidades de exploração económica actual e normal dos três prédios dos RR., e, assim, concluir pela desnecessidade, ou não, da servidão de passagem sobre o logradouro do prédio urbano dos AA. relativamente aos três prédios do RR. ou relativamente a algum deles.
As meras provas de que o prédio Cerrado dos Campos Novos tem acesso directo à via pública e de que este prédio confina com os prédios Campo do Lameiro da Poça e Sorte de Mato de Carrazedo são insuficientes para declaração judicial da cessação/extinção da servidão de passagem em causa, por se desconhecerem as concretas utilidades proporcionadas por aquele acesso a cada um dos três prédios dos RR. ou, noutra perspectiva, por se desconhecer se aquele acesso proporciona àqueles prédios pelo menos utilidades iguais às proporcionadas pela servidão de passagem visada suprimir, uma vez que o art.º 1550.º, n.º 2, do CC também considera encravados os prédios que tenham comunicação insuficiente com a via pública ou por terreno do dono do prédio dominante para a sua exploração económica.
Em suma, os AA. não fizeram prova da desnecessidade da servidão de passagem que onera o logradouro do seu prédio urbano a favor dos três prédios dos RR., pelo que o pedido de declaração de extinção daquela servidão deve ser julgado improcedente e, em consequência, procedente a apelação e revogada a sentença recorrida.

3.ª Questão
Os AA., ora Recorridos, para a hipótese de improcedência do pedido de extinção da servidão de passagem, deduziram subsidiariamente os pedidos de alteração do modo de exercício da sobredita servidão de passagem, reconhecendo e declarando o seu direito a colocarem à entrada do caminho de servidão um portão, com entrega da respectiva chave aos RR., e a condenação destes a limitarem o uso da mesma servidão às suas reais e efectivas necessidades de trânsito.
O conhecimento destes pedidos subsidiários foi considerado prejudicado pela sentença recorrida, devido à procedência do pedido principal de extinção da servidão de passagem, por desnecessidade.
Prescreve o art.º 715.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários, ouvindo previamente as partes.
Estas já foram ouvidas sobre a questão, conforme mencionado no relatório.
Os AA., ora recorridos, para fundamentar os pedidos subsidiários, alegaram: «com efeito, apesar de poderem servir-se do caminho mencionado no artigo 18.º[caminho descendente] para se dirigirem da via pública à dita Sorte de Mato e vice-versa, os RR. continuam a passar pelo logradouro dos AA., com ovelhas e outros animais à solta, com tractores e outros veículos, quando os AA. se encontram no terraço situado junto à porta da sua casa e virado para o aludido caminho, vendo as ovelhas a comer plantas, ervas, flores e arbustos plantados no dito logradouro, espalhando dejectos, perante a passividade dos RR, que a tudo assistem, passando estes com pessoas amigas e em veículos, a qualquer hora do dia, levantando poeira e despejando fumos, com ares trocistas, chegando ao cúmulo de exigirem que os AA. saiam do seu logradouro e se retirem para dentro de sua casa, sob o pretexto de que as ovelhas "têm medo de passar". Daí que pretendam os AA. ver reconhecido o seu direito de vedar a entrada do seu logradouro, junto ao caminho onde se inicia a dita servidão, acima referido no artigo 16.º[caminho que liga a E.N. 207 ao lugar de ..., hoje Rua da Fonte Fria], através de um portão, cuja chave será entregue aos RR., conforme já pretenderam fazer, mas depararam sempre com a oposição e recusa dos RR. que chegaram mesmo a derrubar um portão aí colocado pelos AA., pretendendo ainda estes que os RR., caso improceda o pedido principal da extinção da servidão, que os RR. façam dela uma utilização que a não agrave e restrita à satisfação das efectivas e reais necessidades do prédio dominante.»
Os RR., ora Recorrentes, opõem-se à pretendida colocação do portão, mesmo com a entrega da respectiva chave, por entenderem que, com a colocação do portão, os AA. pretendem criar um obstáculo ao exercício livre e normal do direito de servidão.
Relativamente à matéria de facto alegada para os pedidos subsidiários, provou-se que "as ovelhas que os réus fazem atravessar pelo caminho referido em 5. (em F.) comem plantas na margem do caminho em frente ao prédio dos autores, aí largando dejectos" e que os réus " chegaram a pedir para os autores entrarem em casa porque as ovelhas tinham medo de passar".
Nos termos do art.º 1356.º do Código Civil, a todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio ou tapá-lo de qualquer modo.
O direito de tapagem ou de vedação, fundamentalmente, destina-se a impedir o livre trânsito de pessoas estranhas ou animais e constitui uma das faculdades inerentes ao direito de propriedade(Pires de Lima e Antunes Varela, em CC anotado, Coimbra Editora, 1984, III, pág. 203).
Este normativo faculta, pois, aos proprietários o direito de vedarem ou taparem os seus prédios, em qualquer altura, pelo que, ao abrigo dele, poderiam os AA. colocar livremente o pretendido portão à entrada do seu logradouro.
Acontece, porém, que o direito de propriedade dos AA. sobre o seu logradouro está restringido pelo direito de servidão de passagem de pessoas, de animais, de veículos de tracção animal ou mecânica, a favor de três prédios dos RR., pelo que, por imperativo do disposto no art.º 1568.º, n.º 1, do CC, a pretendida colocação do portão à entrada do logradouro dos AA. não poderá estorvar o uso da referida servidão de passagem.
A doutrina e a jurisprudência vêm entendendo não constituir estorvo ao exercício da servidão de passagem a vedação do prédio serviente, desde que em tal vedação se faculte uma entrada fácil e cómoda ao proprietário do prédio dominante e desde que não sejam alterados o lugar e o modo de exercício da servidão, dando como exemplos de inexistência de estorvo ao exercício da servidão o ser facilmente amovível a parte da vedação deixada como entrada para a servidão ou a entrega da chave da porta ou portão de acesso à servidão(cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, em CC anotado, Coimbra Editora, 1984, III, pág. 670, Tavarela Lobo, em Mudança e Alteração de Servidão, Coimbra Editora, 1984, pág. 209, Pires de Lima, Lições de Direito Civil(direitos reais), Coimbra Editora, 4.ª edição, 1958, pág. 346, e, por exemplo, acórdão do STJ de 19/04/95, em CJ(STJ), 2, pág. 46, e acórdão da RP de 24/01/2000, em CJ, ano 2000, I, pág. 201/202.
Nos termos do art.º 1568.º, n.º 3, do CC, quer o proprietário do prédio serviente, quer o proprietário do prédio dominante, podem pedir a alteração do modo e do tempo de exercício da servidão, desde que o faça à sua custa e dela lhe advenham vantagens e não prejudique os interesses da parte contrária.
No caso em apreço, conforme transcrição supra dos factos invocados pelos AA., parcialmente provados, para fundamentar o pedido de colocação do portão à entrada do caminho de servidão, com entrega da respectiva chave aos RR., infere-se deles que a visada colocação do portão não se insere em efectiva ou projectada vedação ou tapagem do prédio serviente, pelo que não está em causa o exercício do direito dos AA. a vedarem ou taparem o prédio serviente.
Os AA. também não invocaram quaisquer vantagens para o prédio serviente que pudessem obter com a colocação do portão no início da servidão.
Na verdade, a colocação do portão, com entrega da respectiva chave aos RR. não removeria as causas por que a pedem, nomeadamente, que os RR., animais, veículos e amigos deles passam pela servidão quando os AA. se encontram no terraço de sua casa frontal à servidão, o levantamento de poeira pela passagem das ovelhas dos RR., a emissão de fumos por veículos dos RR. em circulação, os dejectos das ovelhas dos RR. e que estas comem plantas, ervas, flores e arbustos plantados no logradouro.
Nestas circunstâncias, a colocação de um portão no início da servidão pelos AA., não se mostra justificada, constituiria apenas uma vedação da servidão e não do prédio serviente, sem qualquer vantagem para este, pelo que, em concreto, funcionaria apenas como um obstáculo dirigido ao uso da servidão, daí que deva improceder o pedido de colocação do portão, mesmo com entrega da respectiva chave aos RR..
Resta apreciar o pedido de condenação dos RR. a limitarem o uso da servidão de passagem às suas reais e efectivas necessidades de trânsito.
Trata-se de pedido genérico não abrangido pela previsão do art.º 471.º do CPC, pelo que a sua formulação em tais termos constitui um acto processualmente proibido, logo nulo, que, detectado a final do processo, obsta ao conhecimento de tal pedido, e, em consequência, acarreta a absolvição do réu da instância quanto a ele(cfr. art.º s 201.º, 288.º, n.º 1, e), 467.º, n.º 1, f), 471.º, n.º 1, a) a c), 493.º, n.º 2, 494, parte inicial, 498.º, n.º 3, do CPC e Castro Mendes, em Direito Processual, edição da AAUL, II, pág. 287/288 e 326 /330).
IV – Decisão
Pelo exposto decide-se alterar a matéria de facto nos sobreditos termos, julgar improcedente o pedido dos AA. de extinção, por desnecessidade, da servidão de passagem em causa e, em consequência, revogar a sentença recorrida, absolver os RR. do pedido subsidiário dos AA. de reconhecimento e declaração do direito a colocarem à entrada do caminho de servidão um portão com entrega da respectiva chave aos RR. e absolver estes da instância quanto ao pedido subsidiário da sua condenação a limitarem o uso da mesma servidão às suas reais e efectivas necessidades de trânsito.
Custas pelos Autores em ambas as instâncias.
Guimarães, 13/04/2005.