Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
51/11.0TBMDR-A.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: CONFISSÃO JUDICIAL
DEPOIMENTO DE PARTE
VALOR CONFESSÓRIO
CHEQUE EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Embora o depoimento de parte seja o instrumento processual que visa provocar a confissão do depoente em relação a factos que lhe sejam desfavoráveis, esse depoimento, na parte não confessória, fica sujeito ao princípio da livre apreciação da prova.

2- O depoimento de parte sem valor confessório apenas pode servir para dar como provados os factos alegados pelo depoente desde que aquele depoimento seja corroborado por outros elementos de prova.

3- Aceitando o executado que sacou e entregou ao exequente o cheque dado à execução, mas alegando, em sede de oposição à execução, que sacou esse cheque sem data de emissão inscrita e a título de mero favor, a pedido do exequente, com o acordo deste de não preencher a data de emissão desse cheque e de não o apresentar a pagamento, é irrelevante para a decisão de mérito a proferir em sede de oposição à execução saber se a data de emissão que se encontra inscrita no cheque foi nele aposta pelo punho do exequente.

4- Quem saca um cheque em branco e o entrega ao exequente é de presumir que dá o seu acordo ao último para que o preencha e que este procede a esse preenchimento em conformidade com o acordado com o executado.

5- Impende sobre o executado (sacador do cheque) o ónus da prova que o exequente (beneficiário do cheque) nele apôs a data de emissão e o apresentou a pagamento em violação do pacto de preenchimento e, bem assim da inexistência de causa debendi.

6- A litigância de má-fé encontra-se sujeita à lei vigente à data da prática dos factos constitutivos da litigância de má-fé e não à que vigorar aquando da prolação da decisão.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente: J. S..
Recorrido: J. M.
*

Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, que J. S. instaurou contra J. M., veio o último deduzir oposição à execução, alegando, em síntese, ter entregue o cheque que serve de título executivo à presente execução ao exequente, a título de favor, a pedido do último e com o valor inscrito de 120.000,00 euros e destinado a ser exibido a fornecedores de mercadorias para criação de ambientes de confiança propícios a que o exequente conseguisse comprar a crédito e, com a revenda da mercadoria, conseguir algum rendimento;
Mais alega que emitiu aquele cheque sem data e que a data que nele se encontra inscrita não é do seu punho, tendo nele sido inscrita sem a sua autorização;
Sustenta que na altura em que entregou aquele cheque ao exequente, ficou claro entre ambos que o último não ficava autorizado a preencher os espaços em branco, referentes à data;
O exequente comprometeu-se perante o executado, imediatamente antes de tal documento lhe ser entregue, a não o apresentar a pagamento e a não colocá-lo em circulação;
Impugnou que tivesse entregue aquele cheque para pagamento de uma divida resultante da alienação de um prédio urbano destinado à habitação;
Invocou a exceção da falta de título executivo, alegando que aquele cheque é nulo por ter sido apresentado a pagamento vários meses depois do seu preenchimento parcial, além de ter sido emitido sem data e não existir convenção entre sacador e portador autorizando o último a completar o preenchimento, além de que esse preenchimento foi abusivo por ter sido violado o acordo celebrado entre os dois de que o exequente não o poderia preencher;
O documento também não pode valer como título executivo particular, não cambiário, por não mencionar a relação subjacente e por no requerimento executivo não serem invocados factos sobre qualquer causa de alguma obrigação em concreto e caracterizada, de modo a permitir a sua impugnação pelo executado.
Sustentou que o exequente deduziu pretensão cuja falta de fundamento conhecia e alterou dolosamente a verdade dos factos, uma vez que estava bem ciente que o documento dado à execução não foi emitido para pagar qualquer dívida e que não havia qualquer pagamento a efetuar resultante da alienação de imóveis.
Conclui pedindo que se julgue extinta a execução e se condene o exequente como litigante de má-fé em multa e em indemnização de 15.000,00 euros.

O exequente contestou impugnando os factos alegados pelo executado, alegando que na primavera de 2004, cedeu a sua posição contratual de promitente-comprador de uma vivenda pelo valor de 120.000,00 euros, valor esse que o executado nunca lhe chegou a pagar;
Na data da escritura pública, em 24/09/2004, o executado entregou-lhe um cheque por aquele valor, que veio a ser trocado por outros, a pedido do último;
Sustentou que o cheque dado à execução lhe foi entregue pelo executado assinado e preenchido na íntegra.
Conclui pedindo que se julgue improcedentes as exceções aduzidas pelo executado e se determine o prosseguimento da execução.
Requer a condenação do executado como litigante de má-fé em multa e em indemnização, nunca inferior a 20.000,00 euros, alegando que este desvirtua, dolosa e conscientemente, a verdade dos factos, fazendo do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, bem sabendo que tem uma dívida para com o exequente e que para pagamento da mesma lhe entregou o cheque dado à execução.

Proferiu-se despacho saneador, fixou-se o valor da causa e dispensou-se a seleção da matéria de facto assente e controvertida.
Realizada audiência final foi proferida sentença, julgando a oposição totalmente procedente e, em consequência determinou-se a extinção da execução, condenou-se o exequente como litigante de má-fé em duas UCs de multa e absolveu-se o executado do pedido de condenação como litigante de má-fé, constando aquela sentença da seguinte parte decisória:
Pelo exposto, decido:
Julgar a presente oposição à execução procedente e, em consequência, extinguir a execução;
Condenar o exequente no pagamento das custas processuais, nos termos do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Julgar não verificada a litigância de má fé por parte do executado.
Julgar verificada a litigância de má fé por parte do exequente e, em consequência, condená-lo no pagamento de multa no valor de duas unidades de conta”.

Inconformada com esta decisão, o executado veio dela interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1.ª) Resulta da página 2 da douta sentença recorrida que «procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais, finda a qual o Tribunal declarou quais os factos controvertidos julgados provados e não provados, decisão que não foi objecto de reclamação.»
2.ª) Ora, salvo devido respeito, que é muito, crê o Apelante que tal menção tratar-se-á de manifesto lapso, porquanto consultados os autos, e designadamente as actas de audiência de são e julgamento efectivamente não se vislumbra qualquer “ATA DE LEITURA DE RESPOSTA À MATÉRIA DE FACTO”, de onde resulta inequivocamente que não foi proferida nos presentes autos decisão sobre a matéria de facto controvertida, com a indicação às partes dos factos controvertidos julgados provados e não provados, passível de reclamação, pelo que deverá ser eliminada a referida menção da sentença recorrida, por tal não se ter verificado.
3.ª) Inconforma-se o Opoído com a douta sentença proferida porquanto decidiu, mas mal na sua humilde opinião, «a) Julgar a presente oposição à execução procedente e, em consequência, extinguir a execução; b) Condenar o exequente no pagamento das custas processuais, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil; c) Julgar não verificada a litigância de má-fé por parte do executado e d) Julgar verificada a litigância de má-fé por parte do exequente, em consequência, condená-lo no pagamento de multa no valor de duas unidades de conta.»
4.ª) Considera o Recorrente haver, no tocante ao essencial da matéria de facto, errada apreciação da mesma (artigos 640.º e 662.º do C.P.C.), tendo o Tribunal a quo feito uma equivocada apreciação da prova produzida em sede do presente processo.
5.ª) Ora, a Meritíssima Juíza a quo, tendo em atenção as disposições legais sobre o ónus da prova, a prova documental constante dos autos, a perícia que incidiu sobre o cheque que constitui o título executivo, o depoimento de parte prestado pelo Oponente/Executado e os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Oponido/Recorrente e, bem assim, pelo Oponente/Recorrido, outro deveria ter sido o sentido da decisão da sentença recorrida.
6.ª) Entende o Apelante que o Tribunal a quo fez uma equivocada interpretação, valoração e consideração da prova produzida em sede do presente processo, designadamente ao ter dado como assente e provado os pontos 3., 4., 5., e 8. (ponto II-A Factos Provados do item II. Fundamentação de facto da sentença), que deveriam ter sido considerados não provados e, nessa conformidade ser alterada a resposta ao ponto 2 dos factos provados, designadamente passando a constar: O Executado entregou ao exequente o cheque do Banco X com o n.º …, por si assinado e preenchido com os seguinte dizeres “€120.000,00”, e “Cento e vinte mil euros” (quantia), “Miranda do Douro” (local de emissão), “2011-03-22” (data) e “J. S.” (à ordem de);
7.ª)Tal-qualmente, em mesmo erro de julgamento de facto incorreu a douta sentença ao ter considerado como não provados os factos descritos nas alíneas A. e D. (ponto II-B Factos não Provados do item II. Fundamentação de facto da sentença), que deviam, ao invés, ter sido dados como provados.
8.ª) Entende o Recorrente que sempre existirá errónea apreciação da matéria de facto, porquanto da prova documental e pericial constante dos autos e da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, resultou não resultou provada a matéria de facto controvertida, nomeadamente, a invocada excepção de inexequibilidade do título executivo.
9.ª) Como resulta dos autos, o Exequente ofereceu como título executivo um cheque que, nos termos dos artigos 29.º e 52.º da Lei Uniforme dos Cheques (LUC), é um título executivo cambiário, ao abrigo do disposto no artigo 46.º-1-d) do C.P.C. (em vigor à data da apresentação do requerimento executivo), gozando das características que a autonomia, abstracção e literalidade lhe conferem.
10.ª) Considera o Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova produzida, seja da prova documental junta aos autos, seja da prova testemunhal, bem como, do depoimento de parte do Opoente, desde logo ao considerar provado que «o executado não preencheu o campo destinado à data, que foi a pedido do Exequente e apenas para este exibir a fornecedores, a fim de conseguir efectuar compras a crédito que o executado entregou ao exequente o cheque referido em 2 dos factos dados como provados e que ficou acordado entre exequente e executado que aquele não poderia preencher o cheque no local destinado à data nem poderia apresentá-lo a pagamento e ainda que o exequente intentou a execução, consciente de que o cheque apresentado não lhe foi entregue pelo executado para pagamento de dívida resultante da alienação de um prédio destinado à habitação.»
11.ª) Para concluir no sentido em que concluiu, a Mma. Juíza a quo formou a sua convicção no depoimento de parte prestado pelo Opoente, o qual «pareceu congruente, sincero, objectivo e credível (…)» na sua conjugação com o depoimento da testemunha V. J. e no resultado do exame pericial realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária (de fls.95) que conclui no sentido de que é “provável” que os algarismos referentes à data aposta no cheque não sejam da autoria do Executado e ainda da cópia do cheque junta pelo Executado com a Oposição à Execução (de fls. 9 dos autos).
12.ª) Salvo devido respeito e melhor opinião, mal andou o Tribunal a quo ao valorar o depoimento de parte como valorou e consequentemente ao ter dado como provado os factos supra explicitados, tendo a sentença recorrida feito uma equívoca interpretação e aplicação do artigo 352.º, 361.º do C.C..
13.ª) Desde logo, as declarações da parte que não conduzam a confissão nos termos do 352.° C.C. nem impliquem o reconhecimento de factos desfavoráveis não podem ser valoradas pelo Tribunal com fundamento no princípio geral do artigo 607.º do C.P.C., pois este está especialmente derrogado neste âmbito, prevalecendo as normas especiais que regulam o valor probatório da confissão e a forma de a obter, através do depoimento de parte.
14.ª) O tribunal recorrido valorou o depoimento de parte em relação a factos que eram favoráveis ao Opoente, violando, assim, as regras materiais de direito probatório relativas a este meio de prova.
15.ª) Perfilha-se o entendimento sufragado no douto aresto do Tribunal da Relação do Porto de 23/11/2006, processo 0635809, in www.dgsi.pt, que sobre a propósito da valoração do depoimento de parte se pronunciou nos seguintes termos: “I- Quando o depoimento de parte não resulta em confissão, não deixa de poder constituir elemento probatório, a ser apreciado livremente pelo tribunal, segundo o prudente arbítrio do julgador.
II- Todavia, ainda aqui só poderá servir de elemento de prova quanto a factos desfavoráveis ao depoente.”
16.ª) Além de se reputar que o depoimento não poderia servir de elemento de prova para a prova de factos favoráveis ao depoente, sempre se dirá que da conjugação das declarações prestadas pelo Opoído em sede de depoimento de parte com os demais meios probatórios constantes dos autos, seja da prova documental, seja testemunhal, não resultam provados os pontos da matéria de facto supra impugnados.
17.ª) No depoimento de parte que prestou no Tribunal a quo, relatou factos que se encontram em oposição com os demais meios probatórios constantes dos autos: 1) Quanto à aquisição da moradia que constitui a sua casa de habitação refere que a comprou ao Sr. V. J. (representante legal da V. , Construções, Lda.) pelo preço de €100.000,00 e que o negócio não foi feito, nem teve nada a ver com o Exequente; 2) Que o referido Sr. V. J. devia ao Exequente €100.000,00, a vencer juros anuais de €6.000.00 e o Opoente assumiu o pagamento desse empréstimo durante dois meses; 3) No final do ano de 2004 passou um cheque de €6.000,00 ao Exequente dos juros do reputado empréstimo e, bem assim, na mesma data pagou- lhe o valor da casa; 4) O Sr. V. J. e o Exequente combinaram que o Executado entregaria o dinheiro directamente àquele último; 5) Que não é verdade que não tenha pago o preço da casa no momento da escritura porque estava à espera de vender o apartamento que tinha em Espanha para pagar ao Exequente; 6) Emitiu o cheque identificado em 2. dos factos provados mas que o cheque não tinha data, não tinha nada ver com os negócios dos imóveis; 7)
Que o Exequente o tinha procurado e contado que tinha um tumor no estômago e estava a passar por graves dificuldades e lhe pediu um cheque de favor, para desenrascar a vida dele, só para exibir aos fornecedores, não para entregar; 8) Que o pagamento dos €100.000,00 foi feito no final de Dezembro de 2004, quando terminava o prazo dos juros dos €6.000,00; 9) Que fez um financiamento de €50.000 junto do Banco X e vendeu o seu apartamento por €65.000,00; E foi com esses quantitativos que pagou a casa; foi tudo pago em Dezembro, no final do ano 2004, os €6.000,00 dos juros, em cheque, €85.000,00 em numerário e €15.000,00 em cheque, pagos pela D. Maria (mãe da Joaquina que lhe adquiriu o apartamento; a D. Maria entregou os cheques ao Exequente a pedido do Executado (três cheques de 5.000,00 cada); 10) Os €6.000,00 dos juros das duas vezes foram pagos em cheque, «nós temos cópia disso Sra. Dra.».
11) O pagamento dos €85.000,00 foi feito em numerário porque o Exequente não queria cheques, só queria dinheiro, não queria passar os cheques pelas suas contas bancárias; 12) Os €15.000,00 foram pagos no fim de Dezembro de 2004 juntamente com os €85.000,00, foi tudo pago no mesmo dia; o Exequente veio a Miranda recolher o dinheiro e os cheques. (minutos 15:37 a 15:55, 19:50 a 20:12); 13) O pagamento dos €15.000,00 foi feito no escritório da D. Maria, no restaurante “W”; estavam presentes o Opoente, o Opoído e a testemunha D. Maria, sendo que e a entrega dos €85.000,00 em dinheiro foi feita no seu escritório, estando só Exequente e Executado, porque não queriam que ninguém soubesse que o Exequente levaria consigo aquele montante em dinheiro; 14) Diz que só faltava os 15.000,00 para acabar de pagar. Os cheques foram passados em Dezembro mas pré-datados para final de Janeiro, final de Fevereiro e final de Março de 2005. Chegou a ser pedido ao Exequente o alargamento do prazo de apresentação a pagamento dos referidos cheques a data dos cheques, o que foi permitido; 15) Não exigiu recibo das quantias pagas, porque o Exequente «não queria dar nas vistas com esse dinheiro »; «não me entregou nada»; diz que tem um documento que mostra como é que o Sr. J. S. pagou os 100.000,00 à testemunha V. J., mas quanto às quantias que pagou ao Exequente não tem documentos comprovativos de que efectuou os pagamentos. 16) Confrontado com as cópias de cinco cheques sacados sobre o Banco F. emitidos pelo Executado e juntos aos autos pelo Opoído com o requerimento datado de 25/10/2013 admite ter emitido o cheque n.º 60360… no valor de €7.052,00, datado de 02/10/2008 para pagamento de mercadoria (minutos 01:45 a 02:00); quanto ao cheque n.º 08360…, no valor de €112.468,00 refere que foi o primeiro “cheque de favor” que emitiu ao Exequente para exibir aos fornecedores e que foi passado em Dezembro de 2010, quando este já não tinha validade; “eu e o Sr. J. S. estávamos a dormir os dois”; entretanto, o Exequente apercebeu-se do engano e pediu ao Executado para trocar o cheque, sendo que o Executado voltou a pegar no mesmo livro de cheques do Banco F., com a validade ultrapassada e trocou aquele cheque por um cheque de €120.000,00; uma vez que este cheque de €120.000,00 também não tinha validade, o Exequente, já na Póvoa de Lanhoso, localidade onde reside, apercebendo-se do novo lapso voltou a Miranda do Douro, sendo nessa ocasião, em final de Dezembro de 2010 que o Executado emitiu o cheque em causa nos presentes autos.
18.ª) Relativamente às contradições entre aqueles factos narrados pelo Opoído – 1) a 16) e os demais meios probatórios produzidos nos autos, focando-nos para já nos documentos juntos aos autos.
19.ª) Com a Oposição à Execução apresentada, o Opoente invocou a inexistência da causa debendi subjacente à emissão do cheque que serve de título executivo tal como vem invocada pelo Exequente no requerimento executivo.
20.ª) Apesar de reconhecer que efectivamente existiu uma dívida do Executado ao Exequente motivada pela aquisição de uma vivenda, alega que foi paga na íntegra; que a emissão do cheque dado à execução não tem por base essa ou qualquer outra dívida, tendo sido emitido a pedido do Exequente, como “cheque de favor” para ser exibido aos fornecedores daquele.
21.ª) Não juntou, contudo, o Opoente - apesar de ser seu ónus, pois invocou factos extintivos do direito de que o Exequente/Credor se arroga - naquele articulado, ou posteriormente qualquer documento comprovativo do pagamento do preço ao Exequente da moradia adquirida, ainda que o Opoído a final da Contestação à oposição à execução e no seu requerimento probatório tenha requerido que o Opoente fosse notificado para juntar aos autos os documentos comprovativos do alegado pagamento do preço da moradia adquirida.
22.ª) O Opoente limitou-se a juntar alguns cheques (docs. n.ºs 1, 2, 3) com o seu articulado de oposição à execução para tentar demonstrar que o cheque dado à execução (com o n.º ….) foi entregue ao Exequente sem data, e em momento anterior à data que nele vem aposta, isto porque os cheques com numeração acima daquele que está em causa apresentam data de emissão compreendida entre 10/01/2011 e 17/02/2011.
23.ª)Tais cheques foram impugnados pelo Opoído e deles não resulta a factualidade que o Opoente e o Tribunal a quo deles extraiu. Com efeito, da observação dos mencionados cheques apresentados em forma de livro, resulta claramente não foram entregues pelo Banco X ao Opoente, mas sempre estiveram na posse deste. Como é de fácil compreensão, comerciantes, como era o caso do Opoído, e que fazem muitos pagamentos por cheque, são portadores não de cheques avulsos, mas de livros de cheques; Assim, aquelas cópias de cheques juntas pelo Opoído correspondem aos duplicados dos cheques do livro de cheques do Opoído e, nessa medida, este pôde apor nos mesmos as menções que bem entendeu conforme a sua conveniência na presente lide.
24.ª) Veja-se e como é característica dos duplicados neste tipo de livros – à semelhança do que acontece com os livros de recibos de rendas por exemplo – que apresentam uma qualidade da escrita bastante esbatida. No entanto, se atentarmos nos duplicados de cheques juntos pelo Opoente facilmente constatamos que nas partes onde se verifica a escrita mais escura foram alterados em relação ao momento em que foram emitidos e em que ficou registado o duplicado.
25.ª) Assim, podemos ver que no cheque n.º … no local “à ordem” foi aposta a expressão “saída de levantamento em $ L.”, no cheque n.º 0004… foi aposta no campo destinado à quantia “_____92,12”, no campo destinado à data “2011-01-31” e no campo “à ordem” a expressão “saída para pagar a segurança social”, no cheque … no campo “à ordem” a menção “levantamento em dinheiro”, no cheque n.º … no local destinado à quantia “____96,15”, “Local de emissão” “Miranda do Douro”, data “2011-02-15” e no campo “à ordem” “Senhor Manuel Contabilista” e quanto ao cheque 0004960.4 no local destinado à quantia “____1.500,00”, na data “2011-02-17” e no local “à ordem” “levantamento em dinheiro L.”.
26.ª) Donde resulta claramente do exposto que a cópia do cheque junta pelo Executado (a fls. 9) na qual não se encontra aposta a data do cheque nada prova quanto a este campo não estar preenchido aquando da entrega do mesmo ao Exequente, porque o Executado – à semelhança do que fez com outros dos cheques por si juntos, pode ter aposto a data posteriormente no original do cheque e esta não ficar a constar no duplicado.
27.ª)Tal-qualmente também não poder colher a tese de que o cheque foi apresentado a pagamento vários meses depois do seu alegado preenchimento parcial, porque como se deixou demonstrado, o Executado alterou os duplicados daqueles cheques, designadamente no campo correspondente à data, para poder afirmar como afirmou que «esses impressos foram sendo utilizados cronologicamente por ordem numérica crescente. (…) os seis cheques com numeração acima daquele que está em causa foram emitidos entre 10.01.2011 e 17.02.2011.»
28.ª) Ademais, e quanto à tese fundamento do Opoente para a emissão do cheque que serve de título executivo – que o cheque é um “cheque de favor” deveria o Tribunal a quo ter atentado nos documento juntos pelo Opoído com o seu requerimento de 25/10/2013 que dão conta da real situação económica de Executado e Exequente,
29.ª) Ao longo do período em que durou a amizade e as relações comerciais entre Exequente e Executado foram várias as vezes em que o Exequente auxiliou financeiramente o Executado, como aliás decorre dos múltiplos registos de transferências da conta daquele para este;
30.ª) Verdade sendo, que tais quantias não eram para pagamentos no âmbito da relação comercial já que – e como resulta inequívoco no processo – o Exequente é que era o vendedor e o Executado o comprador.
31.ª) Mas mais: Note-se que a acção executiva a que estes autos estão apensos deu entrada em 30/03/2011 – na tese do Executado três meses após o exequente lhe ter pedido o “cheque de favor” – o que teria ocorrido em Dezembro de 2010 - por estar a atravessar dificuldades pessoais e financeiras e precisar de comprar a crédito aos fornecedores – sendo certo que o Exequente intentou a acção executiva, constituiu mandatário, pagou a taxa devida execução, as provisões da Agente de Execução, a taxa de justiça da Contestação à Oposição, transcrições para carta rogatória, tudo a expensas suas;
32.ª) E, pelo contrário, o Executado quando apresentou a sua Oposição à Execução com data de entrada nos autos de 16/05/2011 formulou pedido apoio judiciário nas modalidades de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” e “pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo”, conforme requerimento junto com o referido articulado do qual deu entrada junto dos serviços da segurança social em 13/05/2011, e do qual consta no item 3.2 “rendimento anual líquido do agregado familiar” «€5.421,16» e no item 4.3 “Explique, por palavras suas, a sua pretensão” aí se fez constar «O requerente foi profundamente afectado pela crise económica que se vive. Até o final do mês corrente encerrará o estabelecimento comercial, com entrega do espaço ao senhorio. Fica sem nenhuma fonte de rendimento.», sendo que o referido pedido como consta do ofício remetido pela Segurança Social aos autos veio a ser deferido na modalidade de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”.
33.ª) Ora, salvo devido respeito, este documento (“Requerimento de protecção jurídica – pessoa singular”) e na medida que foi junto aos autos pelo próprio Opoente constitui confissão e faz prova plena quanto à difícil situação económica do Executado já atravessava na data (Dezembro de 2010) em este alega ter emitido o cheque que serve de título executivo a pedido do Exequente e apenas para este exibir a fornecedores, a fim de conseguir efectuar compras a crédito.
34.ª) Atento o teor do referido documento e atentas as regras da experiência comum e do normal acontecer não é minimamente credível que o Executado tenha emitido o referido cheque no contexto que alega, pois era o próprio quem estava a passar por graves dificuldades financeiras e o Tribunal a quo deveria ter percepcionado tal facto e não deveria ter-se convencido da realidade do fundamento alegado pelo Executado para a entrega do cheque ao Exequente e das condições acordadas entre ambos para a respectiva utilização.
35.ª) Acresce que, relativamente às afirmações constantes de 16) quanto ao depoimento de parte do Opoente, atentas as regras do bom senso, da experiência comum e da normalidade, entende o Recorrente que não poderia o tribunal a quo convencer-se da veracidade das mesmas, porque estas não passam de uma invenção do Opoente para tentar justificar que este cheque de €112.468,00 juntamente com os restantes não é um cheque de troca do cheque de €120.000,00 que garantia o pagamento do valor da casa adquirida; por isso diz que emitiu, por engano, dois cheques sacados sob o Banco F., com a validade caducada, para servir de “cheque de favor”; todavia, e apesar do livro de cheques (onde se encontram os duplicados dos mesmos) se encontrar previsivelmente na sua posse não juntou como seria sua obrigação qualquer cheque além do que foi junto pelo Exequente.
36.ª) Não é crível que em Dezembro de 2010 – porque foi esta a data referida pelo Opoente – e tratando-se o Opoente de um empresário estabelecido há largos anos, que regularmente recebia mercadorias e passava cheques diga, primeiro, que não sabia que os cheques tinham validade e, depois, que tenha pegado num livro de cheques cuja data de validade já tinha acabado há mais de ano e meio? E ainda por cima que isto tenha acontecido duas vezes?!
37.ª) Além do mais, sempre se dirá que tendo admitido o Opoído a emissão do cheque n.º …, pelo valor de €7.052,00, em 02/10/2008, então os restantes quatro cheques, onde se inclui o de €112.468,00, cuja numeração é anterior (n.ºs …, …, … e …) tudo indica que terão sido emitidos e entregues ao Exequente na mesma data - 02/10/2008, ou pelo menos em data anterior. Para assim não suceder era necessário que o Executado tivesse deixado cheques em branco para trás no dito livro de cheques….
38.ª) Reputa, pois, o Recorrente que tais incongruências entre o declarado pelo Opoente em sede de depoimento de parte e a prova documental junta aos autos já aqui apreciada – porque inconciliáveis com as regras da experiência comum e com o normal acontecer das coisas – deveriam, desde logo, ter abalado qualquer credibilidade que o depoimento de parte do Opoído pudesse merecer pelo Tribunal a quo.
39.ª) Entende o Apelante que também da conjugação do depoimento de parte prestado pelo Opoente com a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento não resulta a realidade do fundamento alegado pelo Executado para a entrega do cheque ao exequente e das condições acordadas para a respectiva utilização.
40.ª) O tribunal a quo entendeu que o pagamento por banda do Executado ao Exequente do preço devido pela aquisição da moradia teria efectivamente ocorrido, pela valoração que fez do depoimento da testemunha V. J., legal representante da sociedade que vendeu a casa de habitação ao Executado, que afirmou que no Natal que se segui à outorga da escritura de compra e venda, falou pelo telefone com o exequente e este lhe disse que recebera do executado o respectivo pagamento, o que veio a repetir e a confirmar, agora já presencialmente, no mês de Agosto seguinte.
41.ª) Do depoimento prestado pela testemunha V. J., arrolada pelo Opoente e Opoído destaca-se com relevância para o apuramento da realidade dos factos em discussão nos autos o seguinte: 1) Que o Exequente fruto da venda de um outro apartamento decidiu reinvestir numa moradia em Miranda do Douro (cujo pagamento pelo Executado está em discussão nos presentes autos) que a empresa que a testemunha representava (V. CONSTRUÇÕES, LDA.) estava a comercializar; 2) Outorgaram a referida V. e o Exequente um contrato promessa de compra e venda relativamente àquela moradia, com a facultade do Exequente (promitente-comprador) ceder a sua posição contratual, tendo sido o Exequente que tratou com o Executado a venda da moradia a este e as condições do negócio e que informou a testemunha de que a casa afinal ia ser “escriturada em nome do L.”, vendida ao Executado; ao contrário do que referiu o Opoente no depoimento de parte, o negócio da compra da casa negócio não foi feito entre a testemunha e o Executado; 3) Não assistiu às negociações sobre as condições da aquisição da moradia entre o Exequente e Executado; 4) Diz que relativamente ao negócio da compra da casa, o preço da casa seria pago pelo Executado ao Exequente mediante a entrega dos €50.000,00 resultantes do crédito habitação contraído junto do Banco X e com o produto da venda do apartamento à D. Maria; 5) Afirmou inicialmente que logo após a escritura (que foi outorgada em Setembro de 2004) falou com o Exequente sobre o pagamento da moradia e que este terá dito “está tudo arrumado, fique descansado”; refere mais adiante que no Natal que se seguiu à escritura de compra e venda, falou pelo telefone com o Exequente e este lhe disse que recebera do executado o respectivo pagamento, o que veio a repetir e confirmar, agora já presencialmente, no mês de Agosto seguinte; 6) Não dá uma justificação convincente para o facto de ter insistido junto do Exequente para saber se o executado havia pago ou não, já que sabia que aqueles eram amigos e o negócio da venda da casa pela V. ao Executado tinha sido feito com o consentimento do exequente, que cedeu a sua posição de promitente- comprador e a vendedora, empresa sua representada já tinha recebido o preço; 7) Não tem conhecimento directo se o valor foi efectivamente pago porque não estava presente.
42.ª) Ora, sempre se dirá, e como se colhe das declarações 1) e 2) da testemunha enunciadas imediatamente supra, esta não corrobora, ao invés, contradiz o depoimento de parte do Opoente – nos factos 1), 2) e 4) enumerados quanto ao depoimento de parte do Opoente, nomeadamente quanto à forma como se deu a venda da casa ao Executado.
43.ª) Por outro lado, esta testemunha não assistiu às negociações entre o Exequente e o Executado quando decidiram fazer o negócio da venda da casa, nem presenciou o pagamento de qualquer quantia pelo Executado ao Exequente.
44.ª) Sendo que, quanto ao que diz ter ouvido da parte do Opoído – facto 5) não poderia o Tribunal a quo concluir, atenta a demais prova produzida, que tal corresponda à verdade.
45.ª) Porém, a admitir-se que o Opoído disse o que a testemunha refere – o que não se concebe nem concede, e que só o próprio poderia confirmar – que tinha recebido do Executado o pagamento do preço da aquisição da casa, como pode o Tribunal ficar seguro que tal realmente aconteceu se não há um único documento nos autos que comprove tal pagamento? Então não podia o Opoído querer manter em segredo o acordo de cavalheiros que tinha com o Executado, seu amigo de longa data? Tanto mais que a testemunha V. J. não tinha qualquer interesse na situação, uma vez que já tinha realizado a venda e recebido o respectivo preço!
46.ª) Pois bem, há uma panóplia de hipóteses que se poderiam colocar, pelo que, muito humildemente, se crê que nenhuma certeza se podia retirar e, consequentemente, dar o Tribunal a quo como provado que o Executado havia pago o preço devido pela aquisição do prédio urbano adquirido - sua casa de habitação.
47.ª) Assim, e pelo que se deixou dito a propósito do depoimento desta testemunha quanto a este concreto facto, exigia-se ao Tribunal a quo maiores cautelas e reservas na sua livre valoração.
48.ª) Aliás, e não será despiciendo dizê-lo, que caso o conhecimento daquela testemunha fosse no sentido do que relatou em tribunal nunca por nunca o Opoído teria arrolado a mesma como sua testemunha no requerimento probatório por si apresentado em 02/11/2012.
49.ª) Por outro lado, e quanto ao depoimento da testemunha arrolada pelo Opoente MARIA, mal andou o Tribunal a quo na apreciação e valoração deste depoimento para o esclarecimento dos factos em discussão. Na verdade, o tribunal fez tábua rasa do mesmo, mas mal, quanto a nós!
50.ª) É que deste depoimento retira-se desde logo uma contradição insanável com as declarações prestadas pelo Opoente no seu depoimento de parte, porquanto quando questionada seja a instâncias do Ilustre mandatário do Opoente, seja a instâncias do aqui signatário, sobre a data em que - a mando do Executado - emitiu e entregou os três cheques pré-datados de cinco mil euros ao Exequente decorre da resposta dada pela testemunha que tal ocorreu em Agosto/Setembro do ano 2004.
51.ª) E, por esta via, falece também, salvo devido respeito e melhor opinião, a versão dos factos narrada pelo Opoente (pontos 9), 12), 13) e 14) referidos supra a propósito do seu depoimento).
52.ª) Com efeito, tendo ficado demonstrado que a entrega dos cheques pela testemunha Maria ao Exequente ocorreu em Agosto/Setembro de 2004, daí decorre que o Opoente estava a mentir quando disse que no final de Dezembro de 2004, e no mesmo dia, pagou na totalidade o preço da casa ao Exequente, entregando €85.000,00 em dinheiro e €15.000,00 pagos através de cheques pela testemunha Maria.
53.ª) Relativamente à testemunha M. F. e com interesse para os factos em discussão referiu: 1) Sabe da existência de cheques devolvidos do Executado que este emitia para pagamento de mercadorias; 2) Nos negócios entre Exequente e Executado, aquele era o vendedor e este o comprador, portanto que pagava era o Executado e quem recebia era o Exequente; 3)Que o negócio do Executado em 2010, 2011 antes da instauração da execução, tinha sofrido «um decréscimo, um decréscimo»; 4) Confirma que o Executado era proprietário de um apartamento em Zamora, Espanha, que vendeu, embora não saiba exactamente quando; 5) Quanto ao negócio da casa propriamente dito, condições do negócio, pagamentos, nada sabe.
54.ª) Embora esta testemunha não revele um conhecimento relevante sobre os factos controvertidos, nomeadamente quanto ao pagamento pelo Executado do preço devido pela aquisição do prédio urbano que constitui a sua casa de habitação, e o contexto em que ocorreu a emissão e entrega do cheque que serve de título executivo à presente execução, trata-se de uma testemunha que é um amigo e vizinho do Executado e que soube esclarecer que este tinha problemas financeiros que davam origem a que o Executado tivesse cheques devolvidos, e que pelos anos de 2010, 2011 a actividade do Executado estava em declínio, o que, pelas regras da experiência, contraria a tese aventada pelo Executado de que o cheque dado à execução se trata de um cheque de favor e não de um cheque para pagamento da dívida resultante da alienação da casa, certo sendo que esta testemunha também confirmou a venda do apartamento de que o Executado era proprietário em Zamora.
55.ª) Por outro lado, reputa o Apelante que não foi devidamente valorado o depoimento da testemunha arrolada pelo Opoído F. S., porquanto do referido depoimento e da conjugação do mesmo com a demais prova produzida, designadamente documental junta aos autos resultou provado que o Executado entregou ao Exequente o cheque do Banco X com o n.º …, por si assinado e preenchido com os seguinte dizeres “€120.000,00”, e “Cento e vinte mil euros” (quantia), “Miranda do Douro” (local de emissão), “2011-03-22” (data) e “J. S.” (à ordem de), e que foi para pagamento de uma dívida ao Exequente resultante da alienação de um prédio urbano destinado à habitação que o Executado entregou aquele cheque ao Exequente.
56.ª) Como se colhe da douta sentença, a Mma. Juíza a quo não valorou o referido depoimento, porquanto «o conhecimento de causa revelado pelo irmão do exequente nos pareceu claramente insuficiente. Na verdade, este afirmou que embora tenha acompanhado o irmão nos negócios durante alguns anos, a partir de 2006 deixou de trabalhar com ele e de ir a Miranda do Douro com frequência. Ora, comparando o número de ordem do cheque dado à execução com os seguintes e as respectivas datas (situadas no ano de 2011) – fls. 10/11 -, o cheque terá sido entregue em época em que esta testemunha já não acompanhava os negócios do irmão, não tendo convencido quanto ao conhecimento sobre os factos em discussão.»
57.ª) Entende, contudo, o Recorrente que o Tribunal a quo violou as regras da experiência e efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta e desadequada do depoimento daquela testemunha, porquanto esta narrou factos que se reputam essenciais para a boa decisão da causa e que não foram devidamente tidos em consideração pelo Tribunal a quo na ponderação da resposta à matéria de facto controvertida.
58.ª) Na verdade, entende o Apelante que o depoimento daquela testemunha é determinante – em conjugação com a demais prova produzida nos autos e a que já supra se aludiu – para não dar como demonstrado que o cheque que constitui título executivo não se trata de um “cheque de favor” entregue pelo Executado a pedido do Exequente apenas para este exibir a fornecedores, a fim de conseguir efectuar compra a crédito, mas, ao invés foi entregue pelo Executado ao Exequente para pagamento de uma dívida resultante da alienação de um prédio urbano destinado à habitação.
59.ª) Efectivamente, a testemunha revelou ter conhecimento directo dos factos que lhe advém do facto de ter trabalhado ao longo de vários anos com o Exequente, seu irmão, e nessa medida acompanhá-lo nas deslocações que fazia a Miranda do Douro para fornecimento de têxteis ao Executado, tendo por causa disso, assistido/tido conhecimento das negociações entre o Exequente e o Executado sobre a aquisição da casa pelo Executado e forma de pagamento do preço.
60.ª) A referida testemunha depôs de forma séria, isenta e circunstanciada no sentido que: 1) Conhece bem o Exequente, seu irmão, e o Executado porque trabalhou com o Exequente durante vários anos no negócio dos têxteis, tendo sido nesse contexto que conheceu o Executado, sendo que o Exequente fornecia-lhe peças de vestuário para posterior venda; 2) Sabe que na origem do presente processo está uma dívida decorrente da cedência/venda pelo seu irmão (Exequente), ocorrida entre os anos de 2004/2005, de um prédio urbano (casa de habitação do Executado) ao Executado, pelo valor de €120.000,00, que este ficou de pagar quando vendesse um apartamento de que era proprietário em Espanha, mais concretamente em Zamora; 3) Sabe que para garantia do recebimento daquele valor, o Executado entregou ao Exequente na data da venda um cheque daquele valor, porque acompanhava o Exequente nas deslocações que este fazia a Miranda do Douro, e em que se encontrava com o Executado e ainda porque passado algum tempo a própria testemunha, numa das múltiplas deslocações que fazia com o Exequente ao estabelecimento do Executado, assistiu à troca desse cheque por outro actualizado, sendo que o Exequente restituiu o cheque anterior ao Executado que o rasgou e recebeu um outro cheque no mesmo valor; 4) Conhece a casa cuja aquisição está na origem da dívida, por se tratar da casa de habitação do Executado e lá se ter deslocado várias vezes na companhia do Exequente e executado para descarregar mercadoria, tendo chegado a lá pernoitar; 5) Conheceu o apartamento que o Executado tinha em Zamora, (do tipo T2 ou T3) porque a testemunha e a esposa juntamente com o Exequente, a esposa e filhos aí ficaram alojados durante um fim-de-semana em data que não sabe concretizar mas entre 2004 e 2005; 6) Em finais do ano 2006, por altura do Natal, deixou de trabalhar com o irmão e montou o seu próprio negócio, também no ramo têxtil, sendo que no início do ano seguinte ainda se deslocou por algumas vezes com o seu irmão a Miranda do Douro; 7) Apesar de já não trabalhar para o Exequente convive frequentemente com este, por ser seu irmão, porque vivem perto, e também porque operam no mesmo ramo de negócio; 8) Numa ocasião em que estavam juntos, segundo se recorda no ano de 2011, o Exequente disse-lhe que ia a Miranda do Douro e pediu-lhe que fosse com ele, porque o Executado já tinha vendido o seu apartamento em Zamora e ia passar-lhe o cheque para pagar o valor que lhe devia da venda da casa, (os €120.000,00); 9) A informação de que o Executado tinha vendido o apartamento em Espanha segundo lhe contou o Exequente terá sido obtida em conversas com o irmão do Executado - A. F. - (trata-se da testemunha A. F. arrolada pelo Opoído, que por se encontrar a residir no Canadá não foi possível a sua inquirição); 10) Não acompanhou o Exequente a Miranda do Douro porque a sua vida profissional não lhe permitiu; 11) Confrontado com a cópia do cheque dado à execução declarou ter visto o referido cheque e reconheceu claramente a letra como sendo a do Executado; 12) Recorda-se que no fim-de-semana das Festividades em honra de S. José na Póvoa de Lanhoso (cujo feriado municipal é no dia 19 de Março) daquele ano de 2011, a família reuniu-se em casa do Exequente e, numa ocasião em a testemunha e o Exequente estavam a conversar também sobre negócios, este mostrando-se contente, mostrou- lhe o cheque que o Executado lhe havia entregue, e que a testemunha reconheceu como sendo o cheque que se encontra junto aos autos. 13) Refere que o pedido do Exequente para que a testemunha fosse consigo a Miranda do Douro buscar o cheque ocorreu durante a semana que antecedeu a festa do S. José; 14) Os fornecimentos de mercadorias feitos pelo Exequente ao Executado eram pagos por este sempre em cheque, de valores que podiam ir dos €2.000,00 aos €7.000,00, até porque os fornecimentos eram semanais ou quinzenais; 15) Do que conhece da pessoa do Executado, com quem conviveu regularmente durante 10 anos (entre 1997 e 2007), é uma pessoa organizada e metódica; 16) No que diz respeito aos negócios anotava e conferia tudo: «faltava-lhe uma peça da encomenda, ele anotava que faltava uma peça, descontava, vinham duas peças a mais também era certo, também olha, vieram duas peças a mais, eh…passava os cheques apontava sempre tudo lá no livrinho, qual era a data dos cheques, sempre uma pessoa muito organizada.»; 17) Caso o Executado tivesse pago qualquer quantia em dinheiro ao Exequente – o que não crê pois daquilo que sabe ao longo dos anos em que acompanhou os negócios do Exequente com o Executado os pagamentos eram sempre feitos em cheque – teria exigido um documento, algum escrito de quitação; 18) A emissão do cheque que serve de título executivo à presente execução tem a ver com o não pagamento pelo Executado do preço da aquisição da sua casa de habitação que estava prometida vender ao Exequente e que o Executado lhe adquiriu; 19) O Exequente seja desde o tempo em a testemunha trabalhou para ele, seja posteriormente nunca viveu dificuldades financeiras; pelo contrário, sempre trabalhou e trabalha muito mas há já muitos anos que tem uma vida financeira “folgada”, vivendo bem; 20) Relativamente à utilização de “cheques de favor”, a testemunha manifesta genuinamente o seu desconhecimento do que sejam; 21) Esclarecida a testemunha sobre o “significado” dos ditos “cheques de favor” e questionada se ele ou o seu irmão (o Exequente) utilizavam esse tipo de cheques, refere peremptoriamente: «Não, não, não, não, não, o meu irmão desde sempre que trabalhei com ele tinha sempre as portas abertas em todo o lado, nunca precisava de favores de cheques de favores.»; situação que segundo referiu se mantém.
61.ª) Resulta, pois, relativamente ao depoimento da testemunha F. S., nomeadamente dos factos por esta narrados referidos de 1) a 21) supra que o seu testemunho, demonstrando conhecimento directo da factologia em discussão, e estando em total oposição com o depoimento de parte prestado pelo Opoente - pontos 1) a 16), o Tribunal a quo incorreu em flagrante erro de apreciação e valoração do mesmo ao não tê-lo considerado nos termos pugnados pelo ora Recorrente.
62.ª) Ora, de acordo as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis ao caso sub judice, o ónus de demonstrar o pagamento da quantia devida pela aquisição do prédio urbano destinado à habitação que este adquiriu e que constitui a sua casa de habitação, que é a causa debendi invocada pelo Exequente, cabia, ao Opoente.
63.ª) E, salvo devido respeito que é muito, e melhor opinião, crê o Apelante que de toda a prova seja a documental carreada para os autos e da produzida em sede de audiência de julgamento - que vem sendo amplamente analisada ao longo das presentes alegações - não logrou o Opoente fazer tal prova, como lhe competia.
64.ª) O que se verifica in casu é que o Opoente quanto ao pagamento da quantia para aquisição da moradia que adquiriu à V. (na pessoa do seu legal representante V. J.) diz que o preço foi pago mediante a entrega da quantia de €85.000,00 em numerário e 15.000,00 através de três cheques emitido pela testemunha Maria a favor do Exequente, tendo ainda emitido dois cheques, no valor de €6.000,00 cada, que entregou respectivamente à testemunha V. J. e ao Exequente.
65.ª) Além de todos as considerações já feitas no sentido da não demonstração do pagamento ao Exequente do preço (€120.000,00) do prédio urbano destinado à habitação adquirido pelo Executado, sempre se reitera a referência a factos que apontam no sentido do não pagamento da referida quantia e que não poderiam ter passado desapercebidos ao tribunal a quo.
66.ª) Desde logo, no concernente ao pagamento em numerário da quantia de €85.000,00 afronta em absoluto as regras da normalidade das coisas que tal assim tenha sucedido, mas mais ainda que se tal assim tivesse ocorrido o Opoente não exigisse um documento, uma declaração de quitação do pagamento da dívida.
67.ª) E, nem ao menos tinha alguém consigo da sua confiança, ou um amigo em comum, no momento do pagamento.
68.ª) E não poderia o Tribunal a quo olvidar que o Opoente era um comerciante experiente, com largos anos no giro dos negócios, e nas palavras da testemunha F. S. uma pessoa bastante rigorosa e minuciosa no que diz respeito às contas!!!
69.ª) Ademais, e se como refere o Opoente uma parte dos €85.000,00, mais concretamente €50.000,00, tivesse advindo do contrato de mútuo com hipoteca celebrado com o Banco X aquando da celebração da escritura de compra e venda da moradia, então porque motivo não transferiu directamente tal quantia da sua conta para a do Opoído naquela ocasião?! Ao menos sempre teria algum documento comprovativo daquilo que diz!
70.ª) Mas mesmo quanto aos invocados €15.000,00 que alegou terem sido pagos em cheques, também nenhum documento juntou! Embora neste caso já se perceba o motivo da não junção. É que tais cheques como referiu a própria Sacadora (a testemunha Maria) foram emitidos e entregues ao Exequente em Agosto/Setembro de 2004 e não na data referida pelo Executado como tendo sido a data em que pagou a totalidade do preço da casa (final de Dezembro de 2004), do onde se extrai tais cheques nãos e destinaram ao pagamento do preço da casa ao Exequente.
71.ª) Também quanto aos supostos cheques emitidos no valor de €6.000,00 nem um documento, nem cópia dos ditos, nem cópia da operação de desconto.
72.ª) De onde não poderia o Tribunal a quo extrair outra ilação senão a de que o Opoente esteve a mentir em todo este processo!
73.ª) Pelo que não poderia o tribunal a quo convencer-se de que efectivamente tal quantia foi paga e, consequentemente, da inexistência da obrigação exequenda.
74.ª) Ora, da conjugação de toda a prova produzida crê o Recorrente que não resultou provado a tese do Executado, cujo ónus da prova lhe incumbia e não tendo feito prova da matéria que lhe competia a questão é decidida contra ele.
75.ª) Resulta, então, provado que o fundamento da emissão do cheque que serve de título executivo à execução a que os presentes autos estão apensos é a existência de uma dívida resultante da alienação ao Executado de um prédio urbano;
76.ª) Destarte, resulta que a causa debendi subjacente à emissão do cheque ficou provada, daí resultando a sua exequibilidade.
77.ª) Já quanto ao preenchimento da data do cheque, entende o Opoído que o resultado do relatório pericial conjugado com toda a demais prova produzida nos autos, não permitem com grau de certeza exigível dar como provado que o Executado não preencheu o campo destinado à data.
78.ª) Ora, o relatório pericial constante dos autos refere que é apenas «provável que os algarismos suspeitos referentes à data do cheque (doc 1) não sejam da autoria de J. M..»
79.ª) Isto significa que tal relatório pericial se quedou pelo quarto nível de probabilidade que surge após o “muitíssimo provável não”, “muito provável não” e “provável não”.
80.ª) Ou seja, tal relatório ficou-se pela simples probabilidade de os algarismos referentes à data do cheque não serem da autoria do Executado/Opoente.
81.ª) «Em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente informativos, de modo que, do ponte de vista da juriscidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas.» Neste sentido veja se o Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/03/2010 e de 16/02/2006, disponíveis em www.dgsi.pt.
82.ª) Ademais, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, nos termos do artigo 389.º do C.C.
83.ª) O mesmo é dizer que ao tribunal assiste o poder de apreciar livremente aquela conclusão pericial, motivando a sua convicção, nomeadamente através de outras provas e das regras de experiência que contribuíssem para a dissipação ou atenuação da margem de dúvida que subsiste para além daquela conclusão científica.
84.ª) Ora, no caso sub judice, reputa o Apelante que mal andou o Tribunal a quo ao convencer-se apenas com base no relatório pericial – que enquanto juízo técnico-científico ficou muito aquém de uma certeza, ficando-se pela simples probabilidade – no depoimento de parte do Opoente – o qual não deveria ter valorado não só por se tratar de um facto que lhe é favorável, mas também por não ser merecedor de qualquer credibilidade face às contradições e falácias de que enferma conforme já explanado supra – e na cópia do cheque que serve de título executivo junta aos autos pelo Oponido – cujo valor probatório já se deixou infirmado por se tratar de um mero duplicado constante do livro de cheques pertencente ao Executado, podendo este ter aposto a data no mesmo em momento posterior ao do seu preenchimento no livro e antes de o entregar ao Exequente, aliás à semelhança aliás do que fez com outros cheques, como resulta dos duplicados que o próprio Executado junta sob documento n.º 2 e 3 com a Oposição à execução - que o Executado não preencheu o campo destinado à data.
85.ª) E ainda, ao não ter levando em conta, quanto a esta factualidade o depoimento da testemunha F. S..
86.ª) Ora, atento o supra exposto, deveria o Tribunal a quo ter considerado não provado que o executado não preencheu o campo destinado à data e como provado que o Executado entregou ao exequente o cheque do Banco X com o n.º …, por si assinado e preenchido com os seguinte dizeres “€120.000,00”, e “Cento e vinte mil euros” (quantia), “Miranda do Douro” (local de emissão), “2011-03-22” (data) e “J. S.” (à ordem de);
87.ª) Nessa conformidade, e atenta a matéria que o Recorrente entende que deverá ser dada por provada e não provada por Este Tribunal ad quem, o cheque dado à execução é um título executivo cambiário, que goza de exequibilidade, pelo que a Oposição à execução deveria ter sido julgada improcedente por não provada e, consequentemente, ser ordenado o prosseguimento da execução.
88.ª) Da correcta análise crítica e interpretação dos documentos juntos aos autos, do depoimento de parte prestado pelo Opoente, do relatório pericial que incidiu sobre os algarismos apostos no local destinado à data do cheque dado à execução e da prova testemunhal produzida, impunha-se decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto supra impugnados.
89.ª) Pelo que se vem de expor, entende, pois, o Recorrente ter havido uma errada interpretação dos factos julgados, prejudicando em consequência a aplicação do Direito.
90.ª) Destarte, mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, tendo violado o disposto no artigo 607.º, n.ºs 3, 4 e 5, do Código de Processo Civil.
91.ª) Pugna-se, assim, por outra decisão, diversa da sentença que ora se sindica, nos termos supra expostos.

SEM PRESCINDIR,

92.ª) Para o caso de Este Tribunal ad quem entender que o cheque que serve de título executivo foi entregue ao Exequente sem se mostrar preenchido o local destinado à data, o que não se concebe nem concede, mas por mera hipótese e dever se patrocínio se admite, mas estando demonstrada como o reputa que está a existência causa debendi subjacente à emissão do cheque pelo Executado nos termos pugnados pelo Recorrente na presente Apelação, também se dirá que o cheque dado à execução não perderá a sua exequibilidade, continuando a preencher os requisitos para ser um título executivo válido, nos termos em ficou sumariado no douto aresto proferido por Este Tribunal ad quem em 10/04/2008, processo 2569/07-1, disponível in www.dgsi.pt: «1- o cheque incompleto é um título executivo, quando apresentado a pagamento, devidamente preenchido, dentro do prazo de oito dias, após a sua emissão, porque reúne todas as características de um título de crédito.
2- Para neutralizar a sua força executiva, incumbe aos opoentes alegarem e provarem que não houve acordo de preenchimento ou que o seu preenchimento foi abusivo, porquanto violador do acordo de preenchimento nos termos do Ac. STJ de 14/05/1996, uniformizador de jurisprudência, publicado no DR. II Série, n.º 154, de 11/07/1996, pag. 9345 a 9347.
3- Mesmo numa perspectiva de um mero documento quirógrafo, revela-se como título executivo nos termos do artigo 46 al. c) do CPC., porque estamos perante um cheque nominativo em que consta o nome do devedor e a respectiva data, requisitos essenciais do título executivo.
93.ª) Ora, no caso do presente cheque dado à execução, embora o Opoente tenha alegado na oposição à execução a violação do acordo de preenchimento, certo é que por tudo quanto vem de ser dito nas presentes alegações não provou a sua inobservância; por conseguinte, não conseguiu com a sua oposição neutralizar a força executiva do cheque apresentado à execução enquanto título de crédito/cambiário.
94.ª) Mas ainda que assim não fosse, e é, o cheque oferecido como título executivo sempre terá o valor de documento particular, funcionando como quirógrafo da obrigação, constituindo, por isso, título executivo nos termos do disposto no artigo 46.º, alínea c) do C.P.C. (em vigor à data da entrada em juízo da execução), porque do mesmo consta o nome de quem o subscreveu o documento, o nome a favor de quem foi subscrito e o montante. Este documento revela que quem o subscreveu deve a quantia nele inscrita à pessoa nele mencionada. Além disso, foi invocada pelo Exequente no requerimento executivo, designadamente na exposição dos factos, a relação material subjacente ao cheque, designadamente, que o cheque foi entregue pelo Executado ao Exequente “para pagamento de uma dívida resultante da alienação de um prédio urbano destinado à habitação” e fê-lo em termos bastantes que permitiram ao Executado defender-se, tanto que apresentou completa Oposição à Execução em que demonstra reconhecer a relação jurídica subjacente, impugnando-a.
95.ª) No pressuposto de colher o pedido de anulação ou alteração da douta sentença que ora se pede sindicância, a questão relativa à condenação do Exequente/Opoído como litigante de má-fé tem-se por sanada, uma vez que, caso seja a acção intentada julgada procedente, extrai-se que a sua pretensão era justa e actuaram de boa-fé.
96.ª) Caso se não considere sanada/invertida a questão relativa à condenação do Recorrente como litigante de má-fé, que se concebe sem conceder, sempre se pede a apreciação desta questão substantiva de litigância de má-fé do Opoído/Exequente, porquanto não se mostram preenchidos os requisitos contemplados no n.º 2 do artigo 542.º do C.P.C..
97.ª) Correlativamente, ao doutamente revogar-se a sentença proferida e reapreciando-se a matéria de facto, pede-se que seja apreciado o pedido de condenação como litigante de má-fé do Opoente/Recorrido J. M., em multa e indemnização a favor do Opoído, em montante cuja quantificação se deixa ao prudente arbítrio de Vossas Excelências, decorrente da sua conduta processual.
95.ª) Efectivamene, o Executado na Oposição deduzida alegou que o cheque dado à execução era um cheque de favor a que não correspondia qualquer dívida ou qualquer garantia de dívida do mesmo ao Exequente, o que não logrou provar como se explanou ao longo destas alegações e conclusões de recurso.
98.ª) Assim, tendo ficado demonstrado que o cheque dado à execução tinha causa juridicamente relevante, ou seja, que a dívida que esteve na base da emissão do cheque, tal como alegado no requerimento executivo pelo exequente existe, ficou demonstrado que o Opoente deduziu a sua Oposição à execução consciente de que a dívida exisa e que o cheque que serviu de título à execução foi por si emitido e entregue ao Exequente preenchido na sua totalidade para pagamento da dívida resultante da compra de um prédio urbano sito em Miranda do Douro – e que constitui a sua casa de habitação.
99.ª) Estamos, pois, diante de uma conduta do Opoente/Executado processualmente censurável, a qual foi levada a cabo dolosamente, com plena consciência de que enganava o Tribunal.
100.ª) Das várias circunstâncias que o artigo 542.º, n.º 2 do C.P.C. enumera para delimitar o conceito de má-fé, encontra-se a actuação daquele que com dolo ou negligência grave tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
101.ª) Ora, com o seu articulado de oposição, a Oponente tentou, consciente e deliberadamente desvirtuar a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, fazendo do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de prejudicar o ora Exequente/ Oponido.
102.ª) Consideramos, pois, em face das circunstâncias descritas, que deverá ser reapreciado e julgado procedente o pedido de condenação do Opoente/Executado como litigante de má-fé.

NESTES TERMOS, e noutros que V.ªs Ex.ªs sabiamente suprirão:

a) Deve ser considerado não escrito o segmento da douta sentença recorrida onde é referido «procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais, finda a qual o Tribunal declarou quais os factos controvertidos julgados provados e não provados, decisão que não foi objecto de reclamação.» por tal não se ter verificado;
b) Deve o Tribunal ad quem alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, revogando-se a sentença proferida e substituindo-a por uma outra em conformidade, com todas as legais consequências;
c) Deve ser revogada a decisão recorrida na medida em que seja o Recorrente absolvido da condenação como litigante de má-fé;
d) Deve ser alterada a decisão recorrida, condenando-se o Opoente/ Recorrido como litigante de má-fé, com as demais consequências legais;
Dando-se assim provimento ao presente recurso”.


O recorrido apresentou as seguintes contra-alegações:

1. Da "Questão Prévia"
O recorrido tem como certo que não assiste nenhuma razão ao recorrente na substância - no que interessa à decisão da causa – e explicitará adiante, resumidamente, as razões dessa apreciação.
Entretanto, deparando-se com a invocação de uma "questão prévia" que na sua opinião não o chega a ser, e que o próprio recorrente aceita tratar-se de lapso manifesto, apenas tem a dizer que tal pequeno lapso lhe parece inócuo e que não é necessário eliminar nada.
Se lhe é legítimo manifestar uma mera opinião a tal respeito, considera preferível que um magistrado copie por sistema determinadas fórmulas (que não deixam de ser necessárias, mas que não têm outro alcance, como é o caso de dizer que se mantêm "os pressupostos de validade e regularidade da instância"...), embora correndo o risco de aparecer nessa cópia algo que já não seja aplicável, do que perder tempo e esforço preciosos para redigir em cada novo caso a exposição da verificação de todos os tais pressupostos.
A respeito do estilo da douta sentença, incluindo o aspecto literário, entende que é de realçar, isso sim, o seu nível muito elevado, próprio de um saber sólido e profundo, e da arte, rara, de expor a análise e a fundamentação decisória de matérias complexas de forma breve e tão clarividente que a tarefa até pode parecer simples.

2. Da matéria de facto
2.1. Quanto aos pontos 2 e 3 dos factos provados, o recorrido entende que a pretensão do recorrente de incluir no primeiro deles a data do cheque e de retirar o último, é de todo inconsistente.
Competia-lhe o ónus da prova da aposição de data (como bem salientou o Tribunal da Relação do Porto no douto acórdão proferido quanto ao âmbito da perícia) e nenhuma prova foi feita para suportar a sua tese.
Pelo contrário, para além de o resultado da prova pericial se inclinar a favor da afirmação sempre peremptória do Executado expressa no ponto 3, na medida e com os fundamentos constantes do respectivo relatório, com as naturais limitações em termos de conclusão mas simultaneamente de forma muito clara, a prova documental e a que foi produzida oralmente referentes a essa matéria, formam um conjunto sólido a favor dessa afirmação, que o Tribunal veio a acolher.
E há ainda uma subtileza importante: apesar do preenchimento na presença do Exequente e na ocasião da entrega do documento (não sendo de esperar que fosse de outra forma, atento até o montante nele inscrito e todo o contexto alegado) o que ele disse nos autos foi apenas que o cheque lhe foi entregue totalmente preenchido, sem nunca afirmar que a data tivesse sido aposta pelo próprio signatário...
Este até tentou que se esclarecesse se os algarismos em causa teriam sido escritos pelo punho do Exequente, tendo inclusivamente feito anexar aos autos um documento que sabia ter sido manuscrito por aquele, para efeitos (entre outros) de comparação tríplice, mas o douto despacho que se seguiu, confirmado pelo TRP como já referido, negou essa possibilidade (correctamente, concede-se agora, depois dos esclarecimentos contidos nessas decisões, e de melhor reflexão).
Terá alguma importância a imediata tomada de posição do Exequente a esse respeito, de oposição à admissão dessa perícia mais alargada, defendendo que deverão ser recolhidos presencialmente autógrafos (alfanuméricos) na pessoa do Oponente e não do Oponido – n.º 4 do requerimento de 09.11.2012? Directamente, não, mas comparada com a postura da alegação agora apresentada, tal oposição não deixa de ser significativa.
Acrescem no mesmo sentido diversos outros dados que brotam do conjunto das provas e dos episódios que estiveram em apreciação.
2.2. Os factos expostos nos pontos 3, 4 e 5 estão ligados umbilicalmente entre si, bem como, no seu conjunto, com a resposta negativa constante da alínea A).
2.2.1. A respeito dessa matéria valerá talvez a pena começar por dizer algo sobre o tema das declarações prestadas pelo Oponente na audiência de julgamento.
Não se ignora que o tema da força probatória obtida a partir daí tem sido objecto de discussão teórica, sobretudo doutrinária, e não há a pretensão de aportar argumentação nova. Mas nota-se que também neste ponto a douta sentença em apreço, sem necessidade de explanações extravagantes, seguiu a interpretação mais inteligente e realista do regime legalmente instituído, que é a de extrair da prova produzida o máximo que ela pode dar, mantendo o respeito por todas as normas e princípios inerentes e sempre com o fito na verdade material.
Facilmente se alcança que em numerosos casos os tribunais devem fazer destrinça prática entre a prova por depoimento de parte, a nova prova por declarações de parte instituída pelo NCPC e os esclarecimentos que sejam solicitados oficiosamente, uma vez que esses três meios não se confundem, antes tendo cada um deles o seu alcance e o seu regime. Mas a jurisprudência em geral tem sabido corrigir alguns exageros doutrinários relativos à forma, que na verdade constituem erros de análise e de raciocínio.
O recorrido tem como certo que os três regimes podem ser acolhidos em simultâneo, sempre que a sua aplicação em concreto seja compatível e lúcida, como foi o caso. Assim, o tribunal valorará uma eventual confissão, com força probatória plena, diferentemente de declarações de outra ordem, relativamente às quais a apreciação seja livre ou não possa até ser considerada.
O que não lhe parece defensável é a hipótese de fazer sair a pessoa da sala de audiências no final de um depoimento de parte, e chamá-la de novo, sucessivamente, mais uma ou duas vezes, para repetir o que já dissera mas envergando vestes diferentes.
O douto acórdão do TRP citado pelo recorrente teria toda a razão de ser na época em que foi proferido (2006), ou o entendimento nele perfilhado já não seria então o mais adequado, tendo em conta a progressão da ciência jurídica? Colocar agora essa questão apenas interessará a algum estudo da evolução histórica, porque o certo é que a sua doutrina não é a adequada actualmente.
2.2.2. Dizer (pág. 13 da alegação) que o Recorrido reconheceu que efectivamente existiu uma dívida do Executado ao Exequente motivada pela aquisição de uma vivenda e que o primeiro não juntou qualquer documento comprovativo do pagamento do preço ao Exequente da moradia adquirida é, salvo o devido respeito, uma falácia própria de quem carece de razão. Ficou bem demonstrado todo o historial dos negócios imobiliários que as partes nomearam, o qual desmente categoricamente a versão do recorrente.
No entender do recorrido não se justifica entrar na análise teórica da matéria da transmissão de créditos e de dívidas, porque nenhuma questão se coloca quanto a esse tema.
2.2.4. Quanto ao conteúdo da prova testemunhal invocado na douta alegação a que se responde, entende-se que ele foi distorcido, o que nem admira, porque a postura interessada nos leva frequentemente a ver o que não existe e a interpretar erradamente os depoimentos.
2.2.5. Finalmente, é de lembrar que nunca o recorrido afirmou que ele próprio vivesse em grande desafogo económico-financeiro e o recorrente sofresse carências dessa ordem, mas apenas (e mantém) que o Exequente se lhe apresentou com um discurso dessa índole para o convencer a entregar-lhe o famigerado cheque.
2.3. Daí que o conteúdo do ponto 8 da matéria de facto provada e a resposta da alínea D) dos factos não provados sejam mera decorrência da realidade que vem de ser afirmada.
Perante a evidência de não ser verdadeiro o suporte factual invocado no requerimento executivo e nos articulados apresentados pelo Exequente neste apenso, a inexistência de uma explicação coerente, nem sequer de indícios de lhe assistir alguma razão no seu ataque ao património da vítima, e de uma postura coerente e credível da parte contrária, devidamente contextualizada no historial dos factos recolhido do conjunto da prova, também nessa parte o Tribunal avaliou bem a situação.

3. Do direito

Perante as questões que lhe foram colocadas, de acordo com as ocorrências que foi chamado a apreciar e o posicionamento das partes, vistas todas as matérias na dinâmica que lhes é intrínseca, a inserção no mundo do direito não podia ser outra, inclusivamente quanto à vertente da litigância de má-fé.
Esta é apenas a opinião do recorrido, exposta com convicção profunda de que é firme e razoável.
Daí que a sua conclusão seja a de que o recurso não merece ser provido”.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo a Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal reconduzem-se ao seguinte:

a- se o tribunal a quo incorreu em erro de escrita ao consignar na sentença que finda a audiência de discussão e julgamento “o tribunal declarou quais os factos controvertidos provados e não provados, decisão que não foi objeto de reclamação”;
b- se aquele tribunal incorreu em erro de julgamento ao valorar o depoimento de parte do opoído em relação a factos que lhe eram favoráveis, violando o disposto nos arts. 352º e 361º do Cód. Civil e 607º do Cód. Proc. Civil;
c- se o mesmo tribunal incorreu em erro de julgamento na valoração do exame pericial;
d- se aquele tribunal incorreu em erro de julgamento em sede de matéria de facto ao dar como:
d.1- provados os factos dos pontos 3, 4, 5 e 8 e se reponderada a prova produzida, esses factos devem ser dados como não provados;
d.2- provados os factos do ponto 2º e se feita a reponderação da prova produzida, essa matéria deverá ser alterada, dando como provado que “o executado entregou ao exequente o cheque do Banco X com o n.º …, por si assinado e preenchido com os seguintes dizeres “€ 120.000,00” e “Cento e vinte mil euros” (quantia), “Miranda do Douro” (local de emissão), “2011-03-22” (data) e “J. S.” (à ordem de);
d.3- não provados os factos descritos nas alíneas A e D e se feita a reponderação da prova, esses factos devem antes ser dados como provados;
e- se aquele tribunal incorreu em erro de direito a propósito das regras de repartição do ónus da prova, designadamente por competir ao executado o ónus da alegação e da prova que não houve acordo de preenchimento ou que o preenchimento do cheque foi abusivo por violar o acordo de preenchimento e ao considerar que o documento dado à execução não é título executivo cambiário;
f- se o tribunal a quo incorreu em erro de direito a propósito das regras do ónus da prova uma vez que competia ao executada demonstrar a inexistência da causa debendi invocada pelo exequente no requerimento executivo, o que aquele não logrou demonstrar, e ao negar a força executiva ao cheque enquanto quirógrafo;
g- se aquele tribunal incorreu em erro de julgamento ao condenar o exequente como litigante de má fé e ao absolver o executado dessa condenação.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal a quo considerou provada e não provada a matéria que se passa a enunciar:
1. O exequente foi fornecedor do executado de peças de vestuário para posterior venda durante cerca de duas dezenas de anos, tendo-se tomado amigos.
2. O executado entregou ao exequente o cheque do Banco X com o n.º …, por si assinado e preenchido com os seguintes dizeres "€ 120.000,00" e "Cento e vinte mil euros" (quantia), "Miranda do Douro" (local de emissão) e "J. S." (à ordem de).
3. O executado não preencheu o campo destinado à data.
4. Foi a pedido do exequente e apenas para este exibir a fornecedores, a fim de conseguir efectuar compras a crédito que o executado entregou ao exequente o cheque referido em 2.
5. Ficou acordado entre exequente e executado que aquele não poderia preencher o cheque no local destinado à data nem poderia apresentá-lo a pagamento.
6. Nos autos de execução aos quais os presentes se encontram apensos, foi dada à execução um cheque do Banco X com o n.º …, de onde consta o nome do executado no lugar destinado à assinatura, "€ 120.000,00" e "Cento e vinte mil euros" (nos locais destinados à quantia), "Miranda do Douro" (no lugar destinado ao local de emissão) "J. S." (no local referente "à ordem de") e "2011-03-22" (no local destinado à data de emissão).
7. No seu verso, foi aposto carimbo de devolução na compensação do Banco de Portugal por falta de provisão com data de 23 de Março de 2011.
8. O exequente intentou a execução, consciente de que o cheque apresentado não lhe foi entregue pelo executado para pagamento de dívida resultante da alienação de um prédio destinado à habitação.

Factos Não Provados

A. Foi para pagamento de uma dívida resultante da alienação de um prédio urbano destinado à habitação que o executado entregou o cheque indicado em 2.
B. Por causa da presente execução, o executado ficou angustiado, enervado e ansioso.
C. Por causa da presente execução, o executado ficou sem dinheiro para fazer face às suas despesas correntes e às do seu filho.
D. O executado apresentou a oposição à execução consciente de que alegava factos falsos.
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B- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

B.1- Do erro de escrita.
Como acima ficou dito, a primeira questão que é submetida à apreciação desta Relação prende-se com o invocado erro de escrita em que terá incorrido o tribunal a quo ao consignar na sentença que finda a audiência de discussão e julgamento “o tribunal declarou quais os factos controvertidos provados e não provados, decisão que não foi objeto de reclamação”.
Compulsados os autos verifica-se assistir integral razão ao recorrente.
Na verdade, tal como evidenciam os autos, encontrava-se designada continuação da audiência final para o dia 15/12/2016, com vista à inquirição da testemunha A. F., emigrado no Canadá, mas cujo depoimento o recorrente veio a prescindir na sequência da não deslocação da testemunha a Portugal (cfr. fls. 398 a 400).
Nessa sequência, os ilustres mandatários das partes vieram declarar prescindir de alegações orais, requerendo o prosseguimento dos autos com a prolação de sentença (cfr. fls. 402), o que foi deferido por despacho proferido em 14/12/2016 (cfr. fls. 404), seguindo-se após a sentença recorrida (cfr. fls. 407 a 411).
Significa isto que, contrariamente ao que se encontra consignado naquela sentença, não existiu, efetivamente, sessão de audiência final em que tivesse sido lida decisão quanto à matéria de facto provada e não provada e respetiva fundamentação, pelo que é manifesto o erro de escrita em que incorreu o tribunal a quo ao consignar ter tido lugar aquela sessão de audiência final, onde a decisão não foi objeto de reclamação.
Nessa sequência, sem mais considerações, ao abrigo do disposto nos arts. 613º, n.º 2 e 614º do Cód. Proc. Civil (doravante CPC) e 249º do Cód. Civil (doravante CC), acorda-se em ordenar a retificação daquele erro de escrita, mediante a eliminação desse erro, de modo onde, no relatório da sentença, se lê: “Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais, finda a qual o Tribunal declarou quais os factos controvertidos julgados provados e não provados, decisão que não foi objeto de reclamação”, passe apenas a ler-se: “Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais”.

B.2- Do erro de julgamento quanto ao peso probatório atribuído pelo tribunal a quo ao depoimento de parte e ao exame pericial.
Sustenta o recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao valorar o depoimento de parte do opoído em relação a factos que lhe eram favoráveis, violando o preceituado nos arts. 352º e 361º do CPC e 607º do CPC, quando para mais esse depoimento não é corroborado pela restante prova produzida, antes pelo contrário, essa prova demonstra a inveracidade do mesmo.
O invocado erro de julgamento que o recorrente imputa ao tribunal a quo quanto ao peso probatório que atribuiu ao depoimento de parte do opoído, o mesmo se afirmando em relação ao peso probatório que atribuiu ao exame pericial efetuado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária (este quanto à autoria da data de emissão que se encontra inscrita no cheque que serve de título executivo à presente execução), encontra-se intimamente relacionado com a impugnação da matéria de facto que o recorrente aduz quanto aos pontos 3, 4, 5 e 8 da matéria dada como assente na sentença, nas alíneas A e D dos factos nela dados como não provados e, bem assim em relação ao ponto 2 da matéria nela dada como assente (este, no que tange à valoração probatória que foi realizada em relação ao identificado exame pericial).
Não obstante essa relação íntima entre os erros de julgamento assacados pelo recorrente ao tribunal a quo quanto ao peso probatório atribuído ao depoimento de parte e à prova pericial e erros de julgamento que assaca a esse mesmo tribunal em relação à matéria de facto assim julgada, vamos analisar como tem sido enquadrado pela doutrina e jurisprudência o depoimento de parte e as declarações de parte e a prova pericial e o peso probatório que tem sido atribuído a cada um desses meios de prova, sem prejuízo de, posteriormente, em sede de impugnação da matéria de facto, se indagar se essas regras foram ou não cabalmente observadas pelo tribunal a quo no julgamento que fez quanto aos concretos pontos da matéria de facto impugnada pelo recorrente.

B.2.1- Da força probatória do depoimento de parte em geral.
No regime processual que vigorou antes da última revisão ao CPC operada pela Lei n.º 41/2003, previa-se a confissão feita pelas partes nos articulados, a confissão feita pelas mesmas a título de informações ou esclarecimentos prestados ao juiz a solicitação deste ex officio ou a requerimento da contraparte e a confissão feita em sede de depoimento de parte.
A propósito da confissão de factos decorrente da não contestação pelo Réu de determinada ação em que vigore o efeito cominatório ou a confissão decorrente da circunstância do Réu que conteste a ação não impugnar determinados factos alegados pelo Autor ou o último não impugnar factos alegados pelo Réu em sede de defesa por exceção, ou a confissão decorrente das partes assumirem uma atitude evasiva em relação a determinados factos alegados pela contraparte, sustentando desconhecer se os mesmos são ou não reais, não obstante se estar na presença de factos pessoais daquele que assume semelhante conduta evasiva ou em relação aos quais deva ter conhecimento, embora alguns autores falem em confissão tácita, é duvidoso que assim seja.
Com efeito, por definição, a confissão pressupõe uma declaração de ciência de conteúdo positivo de que determinado facto se produziu ou ocorreu de determinada forma, quando nas situações acabadas de enunciar não se está, em regra, perante qualquer comportamento processual positivo das partes, mas antes perante condutas omissivas.
Acresce que, nessas situações, o comportamento relevante não é livremente determinado e interpretado pelo tribunal, mas encontra-se fixado na lei e esta nem sequer admite prova em contrário, determinando as consequências jurídicas de tais comportamentos omissivos, consequências jurídicas essas que apenas são suscetíveis de serem afastadas mediante a alegação e prova de justo impedimento por parte de quem assumiu o referido comportamento processual omissivo.
Nestes casos, afigura-se-nos que se está perante uma simples admissão de factos ou, na esteira de Manuel Andrade, de uma “confissão ficta ou de confissão presumida”(1).
A par da confissão por admissão, as partes podem efetivamente confessar os factos nos seus articulados (art. 356º, n.º1 do CC), podendo o autor declarar como verdadeiros certos factos em sede de petição inicial ou de resposta à contestação, mas contrapondo ao réu outros factos impeditivos, modificativos ou extintivos, no todo ou em parte, dos respetivos efeitos jurídicos, podendo o réu assumir igual posição em sede de contestação, assumindo expressamente que os factos alegados pelo autor são verdadeiros, mas contrapondo-lhes outros que impedem, modificam ou extinguem os respetivos efeitos jurídicos.
Nesta última situação está-se na presença de um comportamento positivo da parte que assim atua e, consequentemente, perante uma efetiva confissão.
Essa confissão só vale no processo em que é feita (art. 356º, n.º 2 do CC) e tem força probatória plena contra o confitente (art. 358º, n.º 1 do mesmo Código).
Em todos os casos que se acabam de enunciar estamos perante situações de confissões espontâneas das partes, ou seja, de confissões que resultam do próprio comportamento omissivo ou ativo do confitente.
A par destas situações existem as denominadas confissões provocadas em que a confissão surge na sequência de um estímulo externo ao confitente que culmina na confissão por parte do último. É o caso em que a confissão é feita pelo confitente na sequência de um pedido de informações ou esclarecimentos que lhe é solicitado pelo juiz ex officio ou a requerimento de uma contraparte do confitente, o mesmo acontecendo quanto à confissão feita pelo confitente em sede de depoimento de parte e, no âmbito da atual lei processual civil vigente, também em sede de declarações de parte.
A confissão feita pelas partes a título de informações ou esclarecimentos ao juiz, insere-se no dever de colaboração destas na averiguação da verdade (art. 265º do anterior CPC. e art. 7º, n.º 2 do atual CPC) e não obedece a nenhum formalismo especial, podendo as partes ou os seus representantes serem notificados a todo o momento, no decurso do período instrutório, para prestarem os esclarecimentos ou informações que o juiz da causa considere necessários (2).
Diferentemente é a confissão feita em sede de depoimento de parte.
O depoimento de parte não configura confissão, mas é um elemento de prova que tem por objetivo levar à confissão do depoente e daí que o depoimento de parte já na vigência do anterior CPC e, bem assim no atualmente vigente, se encontre previsto e regulamentado na parte do código respeitante à instrução do processo, a par da prova por documentos, pericial, inspeção judicial e da prova testemunhal.
Quer na precedente lei de processo civil, quer na atualmente vigente, o depoimento de parte podia (e pode) ser tomado por iniciativa oficiosa do juiz (art. 256º do anterior CPC e 452º, n.º1 do atual CPC) ou a requerimento da parte contrária ou de um seu comparte (art. 553º, n.º 3 do anterior CPC e art. 453º, n.º 3 do mesmo Código).
No entanto, porque se trata de elemento de prova que visa provocar a confissão, o depoimento de parte só podia (e pode) ser requerido em relação a factos em que é admissível a confissão (art. 354º do CC), em relação a pessoas que tenham capacidade judiciária, quanto a factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento (arts. 453º, n.º 1 e 454º, n.º 1 do atual CPC), e apenas pode ser requerido em relação a factos que sejam desfavoráveis ao depoente, derivando deste último pressuposto que embora a parte possa requerer o depoimento da sua comparte, esse direito apenas lhe assiste quando ambas, no processo, tenham tomado posições divergentes sobre um determinado facto que favorece um e desfavorece o outro.
Acresce que atenta a força probatória especialíssima atribuída à confissão e dado que a lei faz prevalecer o dever de lealdade e de boa-fé exigido às partes no desenvolvimento da relação processual sobre as vantagens decorrentes para a descoberta da verdade que o fator surpresa no interrogatório do depoente podia favorecer, o depoimento de parte, quando requerido pelas partes, tem de ser solicitado com indicação dos factos sobre que deve recair, sob pena de indeferimento liminar (arts. 552º do anterior CPC e 452º do CPC) (3).
A par do depoimento de parte, a última reforma da lei processual civil veio também permitir as denominadas “declarações de parte”.
Assim é que nos termos do disposto no art. 466º do atual CPC “as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto” (n.º 1), sendo àquelas aplicáveis “o disposto no art. 417º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior” (n.º 2), e acrescentando o seu n.º 3 que “o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”.
As declarações de parte constituem um meio de prova diferente do depoimento de parte, assentando em pressupostos, em procedimentos processuais e em finalidades distintas das enunciadas para o depoimento de parte.
Na verdade, enquanto as declarações de parte resultam da iniciativa da própria parte, o depoimento de parte é requerido pela contraparte.
Acresce que as declarações de parte podem ser requeridas pela própria parte até ao início das alegações em 1ª instância, enquanto o depoimento de parte, quando resulte da iniciativa da contraparte, tem de ser requerido nos articulados (petição ou contestação).
O depoimento de parte visa a confissão e daí que não possa ser requerido em relação a matérias em que não seja legalmente admitida a confissão, enquanto as declarações de parte, embora possam culminar em confissão, não visam essa finalidade e daí que possam ser prestadas em relação a matéria em que não seja legalmente admitida a confissão.
As declarações de parte encontram, aliás, especial justificação nos casos em que não é admissível a confissão dos factos, podendo aproveitar à parte que presta as declarações na medida em que consegue, desse modo, levar ao conhecimento do juiz certos factos que, de outro modo, só o poderia fazer através do depoimento de testemunhas que não tiveram conhecimento direto dos mesmos, como também podem aproveitar à contraparte pela mesma ordem de razões.
Em relação a factos desfavoráveis ao declarante e que o mesmo confessou, mas em relação aos quais não seja admitida, ex lege, a confissão por respeitarem a factos enunciados no art. 354º do CC., as declarações de parte podem ainda aproveitar à contraparte na medida em que, nos termos dos arts. 361º do CC. e 466º, n.º 3 do CPC, o valor probatório de tais declarações será apreciado livremente pelo tribunal.
Precise-se que embora as declarações de parte não tenham por objetivo a confissão, as mesmas podem efetivamente culminar na confissão de factos desfavoráveis ao depoente e em relação aos quais seja admitida a confissão.
Nesses casos, as declarações de parte acabam por ser semelhantes ao depoimento de parte, uma vez que embora a parte, ao requerer a prestação de declarações não tivesse certamente a intenção de confessar, os esclarecimentos que acabou por levar ao processo no âmbito das declarações de parte que prestou culminaram em confissão (4).
Quando tal aconteça, nos casos em que é legalmente admissível a confissão, quer a confissão tenha ocorrido em sede de declarações de parte, quer em sede depoimento de parte, quer, ainda, em sede de pedido de informações ou esclarecimentos que tenham sido solicitados pelo juiz, desde que reduzida a escrito, têm força pleníssima contra o confitente (art. 358º, n.º 1 do CC), não admitindo sequer prova em contrário, senão nos termos restritos do art. 359º do CC, constituindo uma prova pleníssima, tradicionalmente apelidada de “rainha das provas”, face à sobreposição do seu valor probatório ao da prova por documento autêntico (5).
Ao invés, as declarações de parte quando resultem em confissão, mas em que a confissão não seja legalmente admissível ou sendo-o, a confissão não foi reduzida a escrito ou ainda nos casos em que não resultou em confissão, aquela constitui um simples elemento probatório sujeito à livre apreciação do julgador (arts. 466º, n.º 3 CPC, 358º, n.º 4 e 361º do CC) (6).
A propósito do depoimento de parte discutia-se na doutrina e na jurisprudência do valor probatório desse elemento de prova quando não culminava em confissão e considerava-se unanimemente que esse depoimento de parte ficava sujeito à livre apreciação da prova pelo julgador nos termos do art. 361º do Cód. Civil, sustentando Manuel de Andrade que o depoimento podia, inclusivamente, ter um valor probatório decisivo, até nos casos em que não é prestado perante o tribunal que julga a causa e só chegando ao conhecimento dele através do seu relato escrito, concluindo que “os modos do depoente e as entrelinhas do respetivo depoimento quando verbalizado, podem, v.g., convencer plenamente o tribunal da insinceridade das suas negações (e portanto, normalmente, da veracidade das opostas afirmações da contraparte)” (7).
Já no que respeitava ao valor probatório do depoimento de parte sem valor confessório mas utilizado em benefício do próprio depoente, embora se reconheça que esse depoimento fica sujeito à livre apreciação do tribunal, desde cedo a jurisprudência vem alertando para a necessidade de serem adotadas especiais cautelas nessa valoração favorável, uma vez que o depoimento de parte nunca é desinteressado, mas antes constituem depoimentos parciais, não isentos, em que quem os produz tem manifesto interesse na ação e, por isso, embora possam ajudar a suportar a formação do convencimento do julgador, esse convencimento nunca pode assentar, única e exclusivamente, nesses depoimentos, mas apenas quando conjugados com outros elementos de prova que os corroborem (8).
Chamado a pronunciar-se quanto a esta questão, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de que “a confissão (…) não constitui meio de prova de quem emite a declaração, mas a favor da parte com interesses contrários, ninguém podendo, por mero ato seu, formar provas a seu favor” (9).
Não admira que esta jurisprudência tenha sido transposta, de forma, cremos que uniforme, para as declarações de parte.
Precise-se que como refere Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (10) “a apreciação que o Juiz faça das declarações de parte é livre, nos termos do nº 3, mas, como esta liberdade não equivale a arbitrariedade, a apreciação importará, as mais das vezes, apenas como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas…”.
No mesmo sentido, Carolina Henriques Martins (11) assinala que “… não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado.
Acresce que não convém esquecer o caráter, necessária e essencialmente, supletivo das declarações de parte, que na maioria dos casos serve apenas para combater uma fraca ou inexistente prestação probatória.
Deste modo, havendo depoimento de parte ou declarações de parte, culminando aqueles em confissão, quando essa confissão seja admissível por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses legais elencadas no art. 354º do CC, a confissão, desde que reduzida a escrito, tem força probatória plena contra o confitente (art. 358º, n.º 1 do CC).
A confissão feita pelo confitente em sede de depoimento de parte ou declarações de parte em relação a matérias em que seja legalmente admissível a confissão, mas em que não houve lugar a redução a escrito dessa confissão, ou a confissão recaia sobre matérias em que não seja legalmente admissível a confissão, essa confissão, nos termos do disposto nos arts. 361º do CC. e 466º, n.º 3 do CPC, fica sujeita à livre apreciação do julgador.
O depoimento de parte e as declarações de parte em que não exista confissão, podem servir, atento o modo como o declarante os presta, para convencer o tribunal da insinceridade das negações do declarante e da veracidade da versão oposta.
O depoimento de parte e as declarações de parte em que não exista confissão, embora fiquem sujeitas à livre apreciação do julgador (art. 466º, n.º 1 do CPC), nunca servem, por si só, quando desacompanhados de outros elementos de prova que os corroborem, para fundamentar que se dê como provada a tese factual sustentada pelo declarante em sede de depoimento de parte ou declarações de parte (12).
Precise-se que se concorda plenamente com as asserções jurídicas que se acabam de enunciar dado serem as que se mostram consentâneas com a lei, sendo que quanto às duas últimas conclusões, as mesmas revelam-se conformes à regra básica do direito probatório, em função da qual, ninguém pode, por mero ato seu, formar prova a seu favor, além de que se mostram consonantes com as regras da livre apreciação da prova, as quais não se podem dissociar das regras da experiência comum, que demonstram que o depoimento de parte e as declarações de parte são sempres depoimentos e declarações interessados, parciais e não isentos, prestados por quem tem um manifesto interesse no desfecho da causa em determinado sentido que lhe seja desfavorável, pelo que aqueles nunca podem valer como meio de prova para ancorar a decisão fáctica do tribunal quanto à matéria controvertida em julgamento em favor do depoente nos casos em que não sejam corroborados por outros elementos de prova.

B.2.2- Da força probatória da prova pericial em geral.
Decorre do art. 388º do CC. que a prova pericial tem por objeto a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.
A perícia é, assim, o resultado da perceção pelo perito de quaisquer factos, quando não possa ser realizado diretamente pelo juiz, por demandarem conhecimentos científicos que este não possui ou quando, por respeitar a pessoas, essa perceção possa ferir a sensibilidade da pessoa objeto de tal atividade.
Como refere Manuel de Andrade, é característica da prova pericial “a perceção de factos presentes (verificação material), acompanhada normalmente da sua apreciação, em regra sendo ainda necessário que estas operações ou alguma delas requeiram conhecimentos especiais (perceção ou apreciação técnica)” (13).
Refira-se que como já advertia Alberto dos Reis, embora casos existam em que o perito funciona quase como um julgador de certos pontos de facto, como sucede nas ações de arbitramento, o princípio geral é que o perito refere as suas perceções ou apreciações mas não julga (14) e daí que nos termos do disposto no art. 389º do CC., a força probatória das respostas dadas pelo perito é fixada livremente pelo tribunal, regime este que é válido quanto às respostas dos peritos, quer em primeira perícia, quer em segunda perícia, uma vez que esta não invalida a primeira (art. 489º do CPC).
Precise-se que a circunstância da força probatória das respostas dos peritos ser fixada livremente pelo tribunal e, nessa medida, se afirmar comummente que “o juiz é o perito dos peritos”, não significa arbitrariedade ou discricionariedade, mas apenas que se reconhece ao tribunal o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere por se partir do “princípio de que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergências entre os peritos. A liberdade de apreciação e de determinação dos factos sujeitos a perícia desdobra-se num duplo sentido. Por um lado, reconhece-se a plena liberdade dos peritos na formulação dos seus laudos, rejeitando-se mesmo a figura do chamado árbitro de desempate. Por outro lado, reconhece-se abertamente a possibilidade de o tribunal, no julgamento da matéria de facto ou na aplicabilidade do direito aos factos, se afastar do laudo (ainda que unânime) dos peritos, por mais qualificada que seja a perícia” (15).
Tendo o tribunal, no entanto, em todo o caso, de fundamentar sempre a sua conclusão, do princípio da livre apreciação da prova deriva, quanto à prova pericial, impor-se fazer a destrinça entre dados de facto pressupostos pelo perito, que não envolvam conhecimentos técnico-científicos, os quais podem ser afastados por outros elementos de prova sem qualquer limitação, e juízos científicos que encerram o parecer pericial, os quais apenas podem ser afastados pelo tribunal mediante recurso a um juízo de igual natureza (16), o que significa que quanto à matéria que reclama e pressupõe a emanação daqueles juízos técnico-científicos, designadamente, por exemplo, obras que são necessárias para reparar os eventuais estragos infligidos numa habitação e respetivo custo, o parecer dos peritos apenas pode ser afastado com fundamentos técnico-científicos.

B.3- Da Impugnação da matéria de facto
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar quanto ao valor probatório a atribuir ao depoimento de parte prestado pelo executado no âmbito dos presentes autos e à prova pericial nele realizada, antes de passarmos à análise dos concretos erros de julgamento que o recorrente assaca à matéria de facto operada pelo tribunal a quo, impõe-se enunciar os critérios que presidem a essa impugnação e os termos a que a Relação se encontra subordinada na reponderação da prova produzida.

B.3.1- Dos critérios impostos ao recorrente em sede de impugnação da matéria de facto.
Com a reforma introduzida pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, ao CPC, o legislador introduziu o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.
Nessa operação foi propósito do legislador que o tribunal de segunda instância realize um novo julgamento em relação à matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estatuído no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento supervenientes impuserem decisão diversa.
Como vem sendo repetidamente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência daquelas alterações, são de rejeitar todas as interpretações minimalistas do enunciado art. 662º que, refugiando-se nas dificuldades relacionadas com a audição dos depoimentos testemunhais captados sem registo de imagem, com prejuízo do princípio da imediação (prejuízo esse que, aliás, é uma realidade), se limitam a fazer um controlo meramente formal da fundamentação vertida pelo tribunal a quo, assim como aquelas que se limitam a fundamentar, de forma genérica, sem referência aos concretos meios de prova e a conectá-los entre si e com as regras da experiência comum, por forma a demonstrar o acerto ou desacerto da decisão proferida pelo tribunal a quo em relação à matéria impugnada em sede recursória.
Na verdade, o desiderato do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (17).
Resulta do que se vem dizendo que perante as regras positivas enunciadas na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância.
Como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).
Nessa sua livre apreciação, a Relação não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que a 1ª instância fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (18).
Não obstante o que se acaba de dizer, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pela Relação em sede de matéria de facto se transformasse na repetição do julgamento realizado em Primeira Instância, sequer admitir recursos genéricos, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus, que enuncia no art. 640º do CPC., destinados a obstar que o recurso da matéria de facto se transforme numa repetição dos julgamentos e a rejeitar a admissibilidade de recurso genéricos, contra a errada decisão da matéria de facto, tendo “o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (19), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Acresce que tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da auto-responsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, se impunha que tivesse sido proferida e os concretos meios de prova que reclamam essa solução diversa.
Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).
Note-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial da delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados.
Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do âmbito do recurso, mas se destinam a fundamentar o recurso, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (20), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente:

a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
O cumprimento dos referidos ónus tem, como alerta Abrantes Geraldes, a justificá-la a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações. É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de auto-responsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (21).
Por último, precise-se que porque se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
A alteração da matéria de facto só deve, assim, ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” enunciada no n.º 1 do art. 662º, bem como na ratio e no elemento teleológico desta norma.
Destarte, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (22).
No caso, analisada a impugnação da matéria de facto operada pelo recorrente, impõe-se reconhecer que o mesmo cumpriu com os ónus que sobre si impendiam e que acima se elencaram em sede de impugnação da matéria de facto, na medida que indica os concretos pontos da matéria de facto que impugna, a decisão que, na sua perspetiva, devia ser tomada em relação a essa concreta matéria, quais os concretos elementos de prova que suportam essa solução diversa e, no que respeita à prova gravada, indica os concretos pontos desses depoimentos, transcrevendo-os inclusivamente, que demandam essa solução diversa e faz uma análise critica e conjugada de todos esses elementos probatórios, pelo que nenhum obstáculo processual se levanta a que se conheça dessa impugnação.

B.3.2- Do erro de julgamento quanto aos pontos 2, 3, 4, 5 e 8 da matéria dada como provada e alíneas A e D dos factos não provados.
Sustenta o recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à matéria que deu como provada sob os pontos 3, 4, 5 e 8 e quando deu como não provada a matéria das alíneas A e D, pugnando que reponderada a prova produzida, se deverá concluir pela não prova dos factos dados como assentes naqueles pontos 3, 4, 5 e 8 e que se deverá dar como provada a matéria enunciada nas identificadas alíneas A e D dos factos dados como não provados.
Mais postula que aquele tribunal incorreu em erro de julgamento em sede de matéria dada como provada sob o ponto 2 e que feita aquela reponderação da prova produzida, para além da matéria já dada como assente sob esse ponto 2, também se deverá dar como provado que quando o executado lhe entregou o cheque este tinha igualmente inscrita a data de emissão de “2011-03-11”.
O tribunal a quo fundamentou essas suas respostas nos seguintes termos:

“II- C. Motivação dos factos provados.

Os factos atinentes à relação profissional e de amizade entre o exequente e o executado foram confirmados, não apenas pelo próprio executado, mas ainda por M. F., amigo de ambos, o qual depôs de um modo que pareceu sincero.
A entrega do cheque pelo executado ao exequente constitui um facto consensual entre as partes, não tendo sido colocado em causa na presente acção, suportado que se encontra ainda pelo documento constante de fls. 69 (o original do cheque) e a respectiva cópia junta pelo executado (fls. 9).
Diferentemente, inexistiu consenso no que respeita à alegação do executado de que não preencheu o cheque no campo destinado à data. A este propósito, o exame pericial realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária (fls. 95) conclui no sentido de que é provável que os algarismos referentes à data não sejam da autoria do executado. Aliando este resultado à cópia junta pelo executado do cheque (fIs. 9) e ao relato feito pelo executado no seu depoimento, o qual nos pareceu congruente, sincero, objectivo e credível, concluiu o Tribunal no sentido de que não foi o executado quem preencheu o cheque no local destinado à respectiva data.
Precisamente por estes últimos motivos, ficou o Tribunal convencido da realidade do fundamento alegado pelo executado para a entrega do cheque ao exequente e das condições acordadas entre ambos para a respectiva utilização, sendo certo que o conhecimento de causa revelado pelo irmão do exequente nos pareceu claramente insuficiente. Na verdade, este afirmou que, embora tenha acompanhado o irmão nos negócios durante alguns anos, a partir de 2006 deixou de trabalhar com ele e de ir a Miranda do Douro com frequência. Ora, comparando o número de ordem do cheque dado à execução com os seguintes e as respectivas datas (situadas no ano de 2011) - fls. 10/11 -, o cheque terá sido entregue em época em que esta testemunha já não acompanhava os negócios do irmão, não tendo convencido quanto ao conhecimento sobre os factos em discussão. Por outro lado, são ainda levadas em conta as considerações que se deixam na secção seguinte a propósito das razões pelas quais o Tribunal não considera provado o fundamento alegado pelo exequente para ter recebido do executado o cheque que apresentou à execução, para o que remetemos.
Tendo em conta o que se deixa exposto, forçoso é concluir no sentido de que o exequente bem sabia, ao intentar a execução, que o cheque em causa não lhe fora entregue para pagamento da alegada dívida.
Finalmente, os elementos factuais atinentes à execução decorrem do requerimento executivo e do documento junto com o mesmo aos autos principais.

II - D. Motivação dos factos não provados

Para além das razões já expostas a propósito do convencimento do Tribunal acerca do verdadeiro motivo da entrega pelo executado ao exequente do cheque, as quais são também para este propósito relevantes e para as quais remetemos, revelou-se importante a consideração do depoimento - que nos pareceu objectivo e desinteressado - da testemunha V. J., legal representante da sociedade que vendeu a casa de habitação ao executado, o qual, tendo circunstanciadamente explicado o contexto no qual decorreu tal alienação e o pagamento do respectivo preço - no que corroborou o depoimento do executado -, afirmou que, no Natal que se seguiu à escritura de compra e venda, falou pelo telefone com o exequente e este lhe disse que recebera do executado o respectivo pagamento, o que veio a repetir e confirmar, agora já presencialmente, no mês de Agosto seguinte.
Não se deram como demonstrados os alegados efeitos da presente execução sobre o executado, uma vez que a prova a este propósito realizada se resumiu ao depoimento da testemunha M. F., o qual apenas afirmou que o executado ficou um pouco deprimido com a presente execução, o que não corresponde propriamente aos alegados efeitos.
Por fim, atenta a prova produzida e as conclusões extraídas a propósito do alegado pelo executado, não dispunha o Tribunal de qualquer fundamento para considerar como provado que o executado mentiu conscientemente”.
Antes de avançarmos na reapreciação da prova produzida, incumbe esclarecer que o suporte informático que contém o registo magnético dos depoimentos prestados em audiência final e remetido a este tribunal (CD), contém um conjunto de depoimentos (a saber: os depoimentos prestados por F. D., F. F., M. R., L. F., A. R., M. C. e R. D.) que se referem a outro processo, que não os presentes autos.
A única prova produzida contida naquele CD que respeita, efetivamente, aos presentes autos, é o depoimento de parte prestado pelo executado J. M. e, bem assim os depoimentos prestados pelas testemunhas V. J., M. F., Maria e F. S..
Note-se que o executado J. M. não requereu, sequer prestou, declarações de parte, mas antes depoimento de parte a requerimento do exequente.
No entanto, conforme acima se deixou dito, na parte não confessória do depoimento de parte que prestou, esse depoimento fica sujeito à livre apreciação da prova pelo tribunal, não estando vedado ao último fundamentar as suas respostas à matéria de facto controvertida mediante recurso a esse depoimento de parte no segmento não confessório, contanto que não o faça por recurso exclusivo a esse depoimento e este seja corroborado por outros elementos de prova.
Por outro lado, basta a simples leitura da fundamentação explanada pelo tribunal a quo para se verificar que este não ancorou as suas respostas à matéria que deu como provada e não provada exclusivamente no depoimento de parte prestado pelo executado em audiência final, mas apelou ainda ao depoimento da testemunha V. J., ao cheque dado à execução, cujo original se encontra junto aos autos a fls. 69 e à fotocópia desse cheque, junta aos autos a fls. 9, bem como ao teor do relatório pericial elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária a que se submeteu esse cheque, junto aos autos a fls. 95 e ss. e, bem assim às fotocópias de cheques que se encontram juntas aos autos a fls. 10 a 11, além do depoimento prestado pela testemunha F. S., irmão do exequente, concluindo pelo afastamento do valor probatório deste depoimento nos seguintes termos: “… o conhecimento de causa revelado pelo irmão do exequente nos pareceu claramente insuficiente. Na verdade, este afirmou que, embora tenha acompanhado o irmão nos negócios durante alguns anos, a partir de 2006 deixou de trabalhar com ele e de ir a Miranda do Douro com frequência. Ora, comparando o número de ordem de cheque dado à execução com os seguintes e as respetivas datas (situadas no ano de 2011) – fls. 10/11 -, o cheque terá sido entregue em época em que esta testemunha já não acompanhava os negócios do irmão, não tendo convencido quanto ao conhecimento sobre os factos em discussão”.
Aliás, o tribunal a quo estribou essencialmente a sua fundamentação quer quanto aos factos dados como provados, quer quanto aos dados como não provados, no exame pericial elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica, sustentando que, nesse exame, se conclui no sentido de que é provável que os algarismos referentes à data inscrita no cheque não sejam da autoria do executado, aliando esse resultado à cópia desse cheque junta aos autos a fls. 9 (onde não consta inscrita data de emissão), ao depoimento de parte prestado pelo executado, que teve como “congruente, sincero, objetivo e credível” e, bem assim no depoimento prestado pela testemunha V. J., legal representante da sociedade que vendeu a casa da habitação ao executado, escrevendo a propósito deste depoimento que a identificada testemunha explicou “circunstanciadamente” – “no que corroborou o depoimento do executado” -, afirmando “que, no Natal que se seguiu à escritura de compra e venda, falou pelo telefone com o exequente e este lhe disse que recebera do executado o respetivo pagamento, o que veio a repetir e confirmar, agora já presencialmente, no mês de agosto seguinte”, depoimento testemunhal este que o tribunal a quo teve como “objetivo e desinteressado”.
Procedemos à audição integral do depoimento de parte prestado pelo executado em audiência final e de todas as testemunhas que nela depuseram e procedemos ao confronto desses depoimentos entre si e, bem assim com a prova documental (prova objetiva) e pericial junta aos autos.
Acrescente-se que, no que respeita ao depoimento prestado pela testemunha V. J., o tribunal a quo apenas aparentemente não incorreu (vide fundamentos infra), em qualquer incongruência com aquilo que nos foi dado ouvir, quando escreve que esta testemunha explicou de forma circunstanciada o contexto em que ocorreu a alienação da venda da moradia ao executado e corroborou o depoimento de parte prestado em audiência final pelo executado.
Adiante-se que são fundadas as dúvidas desta Relação quando o tribunal a quo conclui que o depoimento desta testemunha se mostrou objetivo e desinteressado, reservando igual qualificativa em relação ao depoimento de parte prestado pelo executado, que teve como coerente, sincero, objetivo e coerente, quando se verifica que os depoimentos de executado e V. J., além de apresentarem discrepâncias entre eles, se mostram desconformes, em vários aspetos, com os depoimentos prestados pelas restantes testemunhas que depuseram em audiência final, que longe de confirmarem esses depoimentos, antes se mostram consentâneos com a tese sustentada pela exequente nos autos, além de que esses depoimentos não resistem minimamente às regras da experiência comum, tudo conforme infra se demonstrará.
O tribunal a quo também só aparentemente não incorreu em qualquer incoerência quando escreve que na perícia de fls. 95 a 100 os senhores peritos concluíram como “provável que os algarismos suspeitos referentes à data do cheque não sejam da autoria de J. M.” (o executado), sucedendo, porém, que também como infra se demonstrará, esse parecer não tem manifestamente o alcance que dele extrai o tribunal a quo.
Finalmente, o tribunal a quo só aparentemente não incorreu em qualquer incoerência quando apelou à fotocópia do cheque dado à execução, junta aos autos a fls. 9, onde se vê que este não tem qualquer data de emissão inscrita, e quando procedeu ao confronto dessa fotocópia com o original desse cheque, junto aos autos a fls. 69, onde se vê que este tem data de emissão inscrita, mas é manifesto que, como também infra se demonstrará, que daqui não se pode concluir que o cheque dado à execução não tinha data de emissão inscrita quando foi entregue pelo executado ao exequente.
Antes, porém de procedermos à apreciação destas concretas questões, iremos ver, até por uma questão metodológica e de facilidade de análise crítica da prova produzida, quais os concretos pontos da matéria de facto em que existe consenso entre exequente, executado e, inclusivamente, prova testemunhal produzida em audiência final.
Exequente e executado, nos respetivos articulados, são concordantes entre si em afirmar que eram pessoas muito amigas, que mantiveram entre elas, ao longo de vários anos, uma relação de amizade e de negócios relativamente ao fornecimento de artigos têxteis, artigos esses que o exequente fornecia ao executado e que o último comercializava.
Essa versão dos factos foi corroborada pelo executado em audiência final.
Acrescente-se que essa relação de amizade entre executado e exequente e, bem assim a apontada relação comercial foi igualmente corroborada, unanimemente, por todas as testemunhas que depuseram em audiência final, sendo todas concordantes entre si em afirmar que o exequente, inicialmente, com o irmão e, posteriormente, sozinho, fornecia artigos de têxteis ao executado, que este último comercializava no seu estabelecimento comercial, sito em Miranda do Douro, mas não só, uma vez que a testemunha M. F., que é amigo e vizinho do executado, relatou, inclusivamente, que o executado vendia esses artigos têxteis também em Espanha e que a relação de amizade entre exequente e executado era de tal modo intensa que o exequente passava férias em casa do executado, possuía as chaves da residência deste, onde chegava a pernoitar e a tomar as refeições, no que corroborou o depoimento prestado pela testemunha F. S., irmão do exequente.
Note-se que o próprio executado, em sede de depoimento de parte, invocou como razão justificativa para o exequente ter “comprado” um apartamento em Miranda do Douro a circunstância do último gostar “muito da terra” e de quando se deslocava a Miranda do Douro pernoitar, frequentes vezes, na casa do mesmo.
Neste contexto, é absolutamente pacífico nos autos que exequente e executado eram pessoas muito amigas, há vários anos, mantendo entre elas essa relação de amizade, a qual era tão intensa que o exequente tinha as chaves da residência do executado e quando se deslocava a Miranda do Douro, designadamente, em trabalho, pernoitava, frequentes vezes, em casa do executado, onde também frequentes vezes lanchava e/ou jantava, andando frequentes vezes juntos e frequentando restaurantes juntos, como é o caso do restaurante da testemunha Maria (vide depoimento de parte do executado, conjugado com os depoimentos de todas as testemunhas que depuseram em audiência final, de onde resultam assacados estes factos).
É igualmente absolutamente pacífico nos autos que o exequente, inicialmente e até 2006, com o irmão, a testemunha F. S., se dedicavam à comercialização de artigos têxteis para revenda, passando em 2006, essa atividade a ser exercida exclusivamente pelo exequente (o irmão estabeleceu-se nessa atividade por conta própria) e que, desde há vários anos, o exequente, inicialmente e até 2006, juntamente com o irmão e, a partir de 2006, sozinho, eram fornecedores de artigos têxteis ao executado, que este revendia no seu estabelecimento comercial, sito em Miranda do Douro, mas também em Espanha.
Acresce que o executado, quer na petição inicial de oposição à execução, quer em audiência final, aceitou ter emitido e entregue o cheque dado à execução ao exequente, pretendendo, contudo, que se trata de um cheque de “mero favor”, que emitiu e entregou ao exequente, sem data, a pedido deste, em dezembro de 2010, destinado apenas a ser exibido aos fornecedores do exequente, para que esses fornecedores continuassem a fornecer mercadoria, que o exequente revendia aos seus clientes, onde se contava o próprio executado.
Neste contexto é igualmente absolutamente pacífico nos autos que o executado emitiu e entregou ao exequente o cheque que serve de título executivo à presente execução, estando nos mesmos apenas em discussão se aquele executado entregou esse cheque ao exequente já com a data de emissão nele inscrita e a finalidade com que emitiu e entregou esse cheque àquele.
Em sede de requerimento executivo o exequente alegou que o executado lhe entregou esse cheque “para pagamento de uma dívida resultante da alienação de um prédio urbano destinado à habitação”.
Muito embora o executado não aceite essa tese factual, na medida em que, reafirma-se, pretende tratar-se de um “cheque de favor”, verifica-se que o mesmo, em sede de depoimento de parte, no que foi corroborado pela testemunha V. J., confirmou que tinha “comprado/apalavrado” com V. J. a aquisição de dois apartamentos à sociedade de que este último era sócio-gerente – a “V. , Construções, Lda.” -, destinando-se um desses apartamentos para o próprio executado e que este veio efetivamente a comprar à “V. ”, e onde residiu, mais a companheira e o filho do casal, e destinando-se o outro apartamento ao executado e ao irmão, e que ambos iriam adquirir à “V. ” a meias.
Note-se que em relação a este segundo apartamento, o executado e a testemunha V. J. pretenderam que o executado e o irmão chegaram a sinalizar a compra do mesmo junto da “V. ” com 4.500 contos e acrescentando V. J. que, inclusivamente, foram formalizados entre o executado e a “V. ” (quanto ao primeiro dos referidos apartamentos), e entre o executado, o irmão deste e a “V. ” (quanto ao segundo apartamento) “contratos”, referindo-se manifestamente a contratos-promessa, contratos esses que, contudo, o executado não juntou aos autos, como era normal e pressuposto que fizesse, o que nos suscita fundadas dúvidas quanto à existência desses pretensos contratos-promessa.
Em relação a este segundo apartamento, o executado referiu, no que foi corroborado por V. J., que o mesmo não chegou a ser comprado pelo executado e irmão à “V. ”, isto porque estando o exequente interessado na aquisição de um apartamento em Miranda do Douro (na tese do executado) ou a investir (na tese de V. J.) – 1ª incoerência entre ambos -, o executado apresentou a V. J. o exequente, propondo-lhe que a posição contratual que o executado e o irmão ocupavam nesse contrato-promessa passasse para o exequente, o que V. J. aceitou, passando o exequente a ocupar a posição no contrato-promessa que anteriormente era ocupada pelo executado e pelo irmão em relação a este segundo apartamento, com o encargo de pagar a parte restante do preço do apartamento, isto é, 5.500 contos à “V.” (o preço da venda do apartamento ascenderia a 9.000 contos, a que se impunha descontar os 4.500 contos que o executado e o irmão pretensamente já tinham entregue à “V. ” a título de sinal), com o encargo desta vender esse apartamento ao exequente ou a terceiro que este viesse a indicar a V. J..
Executado e V. J. referiram que, posteriormente, o exequente arranjou um comprador para esse apartamento, a quem o vendeu por 60.000,00 euros, pelo que, a mando do exequente, a “V. ” celebrou com esse terceiro diretamente a escritura pública de compra e venda referente a esse apartamento.
Na tese do executado, porque V. J. precisasse de dinheiro, solicitou então ao exequente que lhe emprestasse aqueles 60.000,00 euros, acrescidos de 40.000,00 euros em dinheiro, num total de 100.000,00 euros, o que o exequente aceitou fazer, a troco de 6.000,00 euros anuais de juros, mas exigindo a V. J. um “crédito sobre uma moradia”, ou seja, que desse uma moradia em garantia do pagamento daquele pretenso empréstimo de cem mil euros.
Na tese de V. J. – a 2ª incongruência entre executado e a testemunha V. J. - foi o exequente que o abordou, dizendo-lhe que não precisava de dinheiro e que pretendia reinvestir os 60.000,00 euros que tinha recebido da venda do apartamento na aquisição de uma vivenda. Como a “V. ” apenas dispusesse de uma única vivenda para venda, cujo preço ascendia a 100.000,00 euros, propôs ao exequente a compra dessa moradia, o que o exequente aceitou comprar, ficando V. J. com os referidos 60.000,00 euros da venda do apartamento e com 40.000,00 euros que o exequente lhe entregou em dinheiro, com o compromisso da “V. ” celebrar a escritura de compra e venda relativa a essa moradia em nome do executado ou de um terceiro que o exequente lhe viesse a indicar.
Consentaneamente com o executado, mas inconsequente com as regras da experiência comum, V. J. relatou que se obrigou a pagar 6.000,00 euros de juros ao exequente como contrapartida daqueles cem mil euros e que a dita moradia apenas veio a ser vendida dois anos depois deste acordo a que chegou com o exequente, isto porque, afirmou, no primeiro ano, pagou 6.000,00 euros de juros ao exequente e os juros do segundo ano foram pagos pelo comprador da moradia (o executado, conforme infra se verá).
Afirmamos que o referido depoimento prestado por V. J. apesar de se mostrar conforme ao depoimento de parte prestado pelo executado em audiência final, se revela desconforme com as regras da experiência comum, uma vez que a ser certa a tese de V. J., que não é, não se antolha razão para este se obrigar a pagar ao exequente seis mil euros de juros anuais.
Essa obrigação de V. J. de pagar juros ao exequente, quando submetida às regras da experiência comum, apenas pode significar que foi aquele (e não o exequente) que abordou o último e lhe pediu emprestados os apontados cem mil euros, conforme é de resto afirmado pelo executado e demonstra a falta de objetividade e as inverdades em que incorreu o identificado V. J. ao longo do seu depoimento.
Acresce que de acordo com a versão dos factos apresentada pelo executado e por V. J., o exequente aceitou que o identificado V. J. retivesse os pretensos 60.000,00 euros que tinha recebido do pretenso comprador do apartamento e entregar-lhe os 40.000,00 euros em dinheiro relativos à restante parte do preço da moradia, mediante a obrigação de V. J. lhe pagar seis mil euros anuais de juros, e a entrega da moradia a título de garantia.
Acontece que sendo o exequente comerciante, evidentemente que à luz das regras da experiência comum não se antolha como razoável aceitar-se que o exequente fosse entregar cem mil euros a V. J., a título de empréstimo, sem lhe exigir qualquer documento escrito que comprovasse o empréstimo de semelhante quantia (de valor considerável) e sem formalizar a garantia sobre a vivenda, tanto mais que em relação ao apartamento, relembra-se, V. J. referiu que na sequência do acordo alcançado entre executado, exequente e o mesmo, foi celebrado “contrato”.
Pois bem, nem esse “contrato” (contrato-promessa) tendo por objeto o apartamento, sequer o contrato referente ao invocado pretenso empréstimo dos cem mil euros que o exequente terá feito a V. J., sequer, ainda, o relativo à garantia prestada por V. J. ao exequente tendo por objeto a moradia foram junto aos autos pelo executado, quando este é manifestamente pessoa amiga e muito próxima de V. J., ao ponto do último, ao longo do seu depoimento, o ter tratado por “L.”, pelo que caso esses documentos existissem, o executado não teria qualquer dificuldade em obtê-los junto de V. J. e não os deixaria de juntar aos autos, o que não fez.
Neste contexto, esta Relação não pode deixar de ter fundadas dúvidas quanto à veracidade do pretenso negócio relatado pelo executado e por V. J. relativo ao referido segundo apartamento, que o executado e o irmão pretensamente prometeram comprar à “V. ”, sinalizando essa compra pretensamente com 4.500 contos, e cuja posição contratual alegadamente terá sido cedida ao exequente, a mando de quem, essa moradia terá sido pretensamente vendida a um terceiro por 60.000,00 euros, assim como não pode deixar de ter fundadas dúvidas sobre o pretenso empréstimo que o exequente fez a V. J. em relação aos referidos 100.000,00 euros, a troco do pagamento de 6.000,00 euros anuais de juros, mediante uma garantia constituída sobre a moradia que veio comprovadamente a ser vendida pela “V. ” ao exequente.
Note-se que para além do executado e da testemunha V. J., nenhuma outra testemunha que depôs em audiência final aludiu a estes pretensos negócios celebrados entre executado e irmão relativo à aquisição deste segundo apartamento à V. e posterior cedência dessa posição contratual ao aqui exequente, sequer aludiu ao pretenso empréstimo dos referidos cem mil euros que o exequente terá feito a V. J., a troco de 6.000,00 euros anuais de juros, mediante a constituição de uma garantia constituída sobre a moradia que veio a ser vendida ao exequente.
Acrescente-se que esta Relação não ignora que no art. 4º da contestação, o próprio exequente confirma que adquiriu a posição contratual do irmão do executado relativo à compra de um apartamento, num “encontro de contas” que realizou com esse irmão do executado, A. F., mas conforme decorre dessa alegação, trata-se da aquisição da posição contratual do irmão do executado e não da aquisição de uma pretensão posição contratual do irmão do executado e do próprio executado respeitante à aquisição de um apartamento que ambos pretendiam comprar, a meias, à “V. ”.
O que todas as testemunhas, sem exceção, que depuseram em audiência final foram concordantes entre si em afirmar foi que o executado comprou um apartamento à “V. ”, apartamento esse onde o mesmo, mais a sua então companheira e o filho de ambos, residiram e que veio, posteriormente, a ser vendido pelo executado a uma tal Joaquina, filha da testemunha Maria, altura em que o executado comprou à “V. ” uma moradia, sita no mesmo loteamento onde se situava o apartamento, facto esse que também foi confirmado pelo próprio executado no depoimento de parte que prestou e, bem assim pela testemunha V. J..
Aqui chegados, é assim absolutamente pacífico nos autos que o executado comprou um apartamento à “V. ”, representada por V. J., onde residiu, mais o seu agregado familiar, apartamento esse que veio a vender à Joaquina, filha da testemunha Maria, comprando então, em 24/09/2004 (cfr. escritura de fls. 12 a 21), uma moradia à mesma “V. ”, para onde se mudou quando saiu do apartamento (vide depoimentos de M. F. e Maria).
Não obstante as dúvidas acima apontadas que nos merece o depoimento de parte prestado pelo executado e o testemunho de V. J., verifica-se que os mesmos são concordantes entre si em afirmar que o preço da compra da moradia pelo executado foi pago pelo exequente, facto esse que também foi corroborado pelas testemunhas M. F., Maria e F. S..
Na verdade, embora M. F. seja expresso em afirmar desconhecer os concretos negócios que existiam entre exequente e executado e entre estes e a “V. ”, sabendo apenas que o exequente fornecia têxteis ao executado, o identificado M. F. esclarece que quando o executado lhe foi falar para o arrolar como testemunha, contou-lhe que “a vida dele (do executado) andou para trás”, concretizando o depoente que o executado tinha uma loja, mas que esta encerrou; o executado tinha veículos para o trabalho, mas que aquele “perdeu” esses veículos; o executado era proprietário de um apartamento, sito em Zamora, Espanha, e pensa (logo, não tem a certeza) que aquele vendeu esse apartamento; concretizando que embora o executado lhe tivesse dito que nada devia ao exequente, “que foi um voto de confiança, que teve que ser”, aquele relatou-lhe que “o assunto do processo respeitava a um negócio de uma casa”.
Por sua vez, embora a testemunha Maria também refira desconhecer que concretos negócios existiam entre exequente e executado, sabendo apenas, tal como a testemunha anterior, que o exequente fornecia artigos têxteis ao executado, sequer tenha conhecimento dos concretos negócios que existiam entre aqueles e a “V. ”, mais concretamente, com V. J., a identificada Maria esclareceu que tendo sido aquela que comprou o apartamento para a filha - a Joaquina - a troco de 65.000,00 euros, procedeu ao pagamento desse preço mediante a transferência de 50.000,00 euros para a conta do executado e pagou os restantes 15.000,00 euros mediante três cheques pré-datados, de 5.000,00 euros cada um, que o executado lhe ordenou que entregasse ao exequente.
Embora a identificada Maria não se lembre se o executado se encontrava presente quando a mesma entregou os referidos três cheques pré-datados ao exequente, é o próprio executado que confirma a sua presença aquando da entrega desses cheques feita por Maria ao exequente.
Pois bem, não obstante o executado estar presente, Maria esclarece que, na altura da entrega dos cheques ao exequente, este referiu que esses cheques “eram para pagar a casa”.
Note-se que o exequente não comprou casa alguma, pelo que perante o depoimento de parte prestado pelo executado em audiência final e o testemunho de V. J., os quais, relembra-se, pretenderam que o exequente emprestara cem mil euros a V. J., mediante o pagamento de seis mil euros anuais de juros, e a constituição de uma garantia sobre a vivenda que veio a ser vendida ao executado; a conversa que o executado manteve com a testemunha M. F., seu amigo e vizinho, quando lhe foi pedir para o arrolar como testemunha, afirmando-lhe que o presente processo respeitava “a um negócio de uma casa” e, bem assim o facto de o executado ter mandado a testemunha Maria entregar ao exequente os quinze mil euros respeitantes à parte do preço do apartamento que o executado vendera à filha daquela (a Joaquina) e do próprio exequente afirmar a Maria quando esta lhe entregou os três cheques pré-datados, que esses cheques “eram para pagar a casa”, força a que se conclua ter sido efetivamente o exequente que pagou a moradia que o executado comprou à “V. ”.
Note-se que o que se acaba de concluir é igualmente corroborado pela testemunha F. S., irmão do executado, que foi perentório em referir que o exequente tinha uma casa, que vendeu ao executado, por 120.000,00 euros, para cujo pagamento o último emitiu um cheque, nesse montante, cheque esse que veio a ser substituído mais que uma vez pelo executado, por motivos que o depoente desconhece, mas que relaciona com o facto do prazo de validade desse cheque se abeirar do seu termo, impondo-se a sua substituição, explicação esta que se mostra conforme às regras da experiência comum, uma vez que à luz dessas regras não se antolha outro motivo para o executado ter procedido à substituição desse cheque, sendo manifestamente improcedentes as razões (que infra se explanarão) invocadas pelo executado para ter procedido à substituição desse cheque titulando a quantia de 120.000,00 euros.
O identificado F. S. referiu que o executado estava a tentar vender um apartamento de que era proprietário em Zamora, Espanha, e onde o depoente e o exequente chegaram a pernoitar nas deslocações de negócios que fizeram a esse país, a fim de pagar o preço da compra da moradia ao exequente, concretizando que tendo deixado de trabalhar com o exequente em 2006 e pensando que o assunto do pagamento do preço do apartamento pelo executado ao exequente já se encontrava resolvido atento o longo período de tempo decorrido desde que o exequente pagara aquele apartamento, foi com admiração que em 2011/2012, dias antes de 19/03 (dia de S. José, padroeiro da aldeia onde ambos residem e onde se faz a festa da aldeia), o exequente lhe referiu que o executado tinha conseguido vender o apartamento de Zamora e que lhe iria pagar.
Precise-se que o depoimento do identificado F. S. entronca diretamente no depoimento de parte prestado pelo executado em audiência final e, bem assim no depoimento prestado por V. J.. É que embora o exequente não tivesse comprado formalmente qualquer moradia à “V. ” e, consequentemente, não fosse formalmente proprietário da moradia que acabou por ser vendida pela “V. ” ao executado, é o próprio executado e V. J. que esclarecem que tendo o exequente pretensamente emprestado cem mil euros a V. J., mediante o alegado pagamento de seis mil euros de juros anuais, ficou acordado entre executado e V. J. que essa moradia era entregue ao exequente, a título de garantia daquele pretenso empréstimo, e que a escritura de compra e venda tendo por objeto essa moradia seria celebrado entre a “V. ” e o exequente ou entre a identificada “V. ” e a pessoa que o exequente viesse a indicar, ou seja, materialmente, o exequente era proprietário daquela vivenda, compreendendo-se, assim, que F. S. afirme que o exequente vendeu uma moradia ao executado.
Acrescente-se que a circunstância do exequente ser proprietário de um apartamento em Zamora, Espanha, não é assunto que surgiu (inventado) da cabeça da testemunha F. S..
Com efeito, a testemunha M. F., vizinho e amigo próximo do executado, confirmou que o executado era efetivamente proprietário de um apartamento sito em Zamora e relatou, inclusivamente, pensar que o executado vendeu esse apartamento.
Neste contexto, em que o assunto da venda do apartamento sito em Zamora pelo executado para pagamento do preço da compra da moradia ao exequente não é assunto “novo” nos autos (vide art. 47º da contestação – fls. 37), é manifesto que caso o executado não tivesse vendido esse apartamento, o mesmo teria junto aos autos documento comprovativo em como continuava a ser proprietário do mesmo, o que não fez e, consequentemente, força a que se conclua que o executado vendeu efetivamente esse apartamento.
Decorre do exposto que para esta Relação é absolutamente claro, pacífico e indiscutível que o depoimento prestado por F. S. é espelho fiel da verdade ocorrida e que o cheque emitido e entregue pelo executado ao exequente e que serve de título executivo à presente execução foi por este efetivamente emitido e entregue ao exequente para pagamento do preço da vivenda que aquele comprou à “V. ”, mas que materialmente era propriedade do exequente nos termos acima explanados.
Acrescente-se que longe do depoimento de parte prestado pelo executado em audiência final e do depoimento da testemunha V. J. e, bem assim a prova documental e pericial junta aos autos colocarem em crise essa conclusão, a mesma corrobora-a.
Vejamos.
O executado pretende ter pago ao exequente o preço da vivenda comprada à “V. ” mediante os 15.000,00 euros que a testemunha Maria entregou, a seu mando, ao exequente (entrega essa que, como se viu, é uma realidade) e mediante a entrega dos restantes 85.000,00 euros em dinheiro.
Mais pretende ter entregue esses 85.000,00 euros em dinheiro no seu escritório, numa altura em que apenas se encontravam presentes o exequente e o próprio executado, antes de ambos se deslocarem ao restaurante de Maria, onde esta entregou ao exequente os três cheques pré-datados de cinco mil euros cada um.
Pretende ainda o executado que o preço da venda da moradia ascendeu a cem mil euros e que aquele se comprometeu a pagar a V. J. os 6.000,00 euros respeitantes aos juros que este tinha pago ao exequente referentes ao primeiro ano de vigência do empréstimo dos referidos cem mil euros e, bem assim a pagar ao exequente os 6.000,00 euros de juros respeitantes ao segundo ano de vigência desse empréstimo, juros esses que apenas se venciam em dezembro de 2004 e daí que, segundo o exequente (e, bem assim V. J.) esses pagamentos não foram realizados na data da celebração da escritura pública de compra e venda, com mútuo e hipoteca referente à moradia, junta aos autos a fls. 12 a 21, em 24/09/2004, mas em dezembro de 2004, data em que se venceu alegadamente o empréstimo pretensamente feito pelo exequente a V. J..
Finalmente, pretende o executado que quando entregou os referidos 85.000,00 euros em dinheiro ao exequente no seu escritório, numa altura em que, reafirma-se, pretensamente apenas estavam presentes exequente e executado, foi elaborado o documento junto aos autos a fls. 60, esclarecendo que esse documento comprova que, na altura, o mesmo entregou ao exequente 30 notas de 500,00 euros, 13 notas de duzentos euros, etc. (vide teor desse documento) e que o preço do apartamento ascendeu a cem mil euros.
Acontece que pegando na versão dos factos alegada pelo próprio executado em audiência final, o preço do apartamento não ascendeu a cem mil euros mas a cento e doze mil euros (100.000,00 euros + 6.000,00 euros de juros a pagar a V. J. + 6.000,00 euros de juros a pagar ao exequente).
Acresce que contraditoriamente com o depoimento de parte prestado pelo executado, V. J. refere que esse documento de fls. 60 foi elaborado no apartamento do “L.” (apartamento do executado), numa altura em que aquele V. J. se encontrava presente.
Assim, longe de V. J. corroborar o depoimento de parte prestado pelo executado em audiência final, deparamo-nos com pelo menos três contradições em pontos nevrálgicos entre os respetivos depoimentos.
Além dessas contradições, os depoimentos do executado e de V. J., são infirmados pela prova testemunhal que acima já se identificou e analisou, mas também se mostram totalmente desconformes com as regras da experiência comum, como se passa a demonstrar, pelo que longe dos respetivos depoimentos se revelarem objetivos, desinteressados, congruentes, sinceros e credíveis, a única conclusão que esta Relação pode extrair é estarmos na presença de depoimentos totalmente inverídicos, interessados e tendenciosos.
Com efeito, à luz das regras da experiência comum não se antolha como razoável aceitar-se que executado e exequente fossem elaborar o documento de fls. 60, para quê) será que o executado e exequente não sabem contar notas?
Depois, a elaborar-se semelhante documento, porque de uma espécie de prestação de contas se tratava, era normal, natural e esperável que exequente e executado o assinassem. Ora, nenhuma assinatura, a não ser a do ilustre mandatário do executado, se encontra aposta nesse documento.
Acresce que à luz das regras da experiência comum, mais normal e natural seria que em vez de elaborarem o documento de fls. 60, V. J. e o exequente, a ser certa a tese de que o último emprestou 100.000 euros ao primeiro, mediante a obrigação deste de lhe pagar 6.000,00 euros anuais de juros, e mediante a constituição de uma garantia sobre a vivenda que veio a ser comprovadamente vendida ao executado para garantia daquele empréstimo, tivessem formalizado esse empréstimo, a constituição dessa garantia e o pagamento do preço da vivenda pelo exequente ao executado mediante a utilização daqueles cem mil euros que alegadamente o exequente tinha emprestado a V. J., o que tudo não fizeram, posto que, de contrário, o executado não deixaria de juntar esses documentos aos autos.
Acresce que tendo a escritura de compra e venda, com mútuo e hipoteca relativa à vivenda sido celebrada em 24/09/2004 (cfr. fls. 12 a 21), não se antolha como razoável aceitar-se que V. J. e/ou o exequente aceitassem que o exequente ficasse com o dinheiro do mútuo (50.000,00 euros) em seu poder e apenas lhes viesse a pagar em dezembro de 2004 – ou celebravam a escritura de compra e venda referente à vivenda em dezembro de 2004, data em que pretensamente se venceu o alegado empréstimo feito pelo exequente a V. J., ou faziam as contas entre eles aquando da celebração dessa escritura em 24/09/2004 (é isto que demonstram as regras da experiência comum acontecer, sempre guia que deve nortear os tribunais).
Depois os valores inscritos no documento de fls. 60 não correspondem ao preço da venda do apartamento feito à Joaquina, posto que esse preço ascendeu a 60.000,00 euros (e não aos 61.850,00 euros inscritos nesse documento).
Acresce que o executado refere que o cheque de 10.855,00 euros que se encontra inscrito nesse documento foi por ele emitido e entregue ao exequente para pagamento de “roupa” e que esse cheque foi pretensamente entregue pelo exequente a V. J..
Ora, se esse cheque foi emitido e entregue pelo executado ao exequente para pagar-lhe “roupa”, então impera concluir que esse cheque não foi entregue pelo executado ao exequente para pagar o preço da vivenda.
Acresce ainda, sendo na tese do executado e de V. J. o exequente credor de cem mil euros do alegado empréstimo que o último fez a V. J. e tendo sido o executado que se obrigou a pagar ao identificado V. J. os 6.000,00 euros que este tinha pretensamente pago de juros anuais ao exequente referente ao primeiro ano de vigência daquele pretenso empréstimo, então não se descortina motivo para o exequente ter pretensamente entregue ao identificado V. J. o cheque de 10.855,00 euros, que alegadamente o executado emitiu e lhe entregou para lhe pagar “roupa”.
Acrescente-se que pretendendo V. J. que tendo o executado ficado de pagar o preço da vivenda ao exequente, o primeiro telefonou ao último a questioná-lo sobre se o executado lhe tinha pago o preço da vivenda e pretende que, posteriormente, em agosto de 2005, num encontro de motards, o tornou a questionar novamente sobre esse assunto, pretendendo que, dessas duas vezes, o exequente lhe respondeu afirmativamente, dizendo-lhe que não se preocupasse, que “estava tudo bem”. Acontece que sendo exequente e executado pessoas “muito amigas”, com negócios entre eles, à luz das regras da experiência comum não se antolha como razoável aceitar-se semelhante preocupação e procedimento de V. J. perante o exequente.
Mais.
Pretende o executado que o cheque dado à execução foi por si entregue em dezembro de 2010 ao exequente, a título de “favor”, a pedido do último, sem data de emissão, destinado apenas a ser exibido pelo exequente aos seus fornecedores para que estes lhe continuassem a fornecer mercadoria, que o exequente revendia aos seus clientes, onde se contava o próprio executado.
Ora, não se vê como é que um cheque sem data de emissão possa constituir garantia do que quer que seja, em especial perante fornecedores de mercadoria do exequente, que como comerciantes e/ou industriais que são, não deixariam de reparar nesse pormenor.
Acresce que conforme resulta do depoimento prestado por M. F. e é corroborado pelo teor da decisão do ISS, junta aos autos a fls. 25, que concedeu o benefício do apoio judiciário ao executado, este, em finais de dezembro de 2010, debatia-se com sérias dificuldades económicas, pelo que a sua atividade e nome comercial não eram de molde a conferir confiança a quem quer que fosse.
Acresce que o executado pretendeu que antes de emitir e entregar ao exequente o cheque de 120.000,00 euros dado à execução, tinha anteriormente emitido e entregue àquele dois cheques de favor, pretendendo que primeiramente entregou ao exequente, a pedido deste e a título de favor, o cheque de 112.468,00 euros, junto aos autos a fls. 125, altura em que não reparou que esse cheque tinha como data de validade 17/06/2009, encontrando-se, consequentemente, caduco na data em que o emitiu e o entregou ao exequente; vindo, posteriormente, o exequente a dar-se conta desse facto, telefonou-lhe, relatando-lhe o sucedido, dispondo-se o executado a trocar-lhe aquele cheque por cheque válido, na sequência do que, pretendeu que o exequente se deslocou novamente a Miranda do Douro, onde pediu ao executado para lhe arredondar o valor para 120.000,00 euros, ao que aquele pretensamente acedeu, emitindo e entregando ao executado novo cheque, agora de 120.000,00 euros, mas também com data de validade caduca, pelo que o exequente teve de se deslocar uma terceira vez a Miranda do Douro, onde o exequente pretende ter emitido e entregue àquele o cheque dado à execução.
A versão dos factos apresentada pelo executado, de tão insólita e rocambolesca que é, não resiste minimamente às regras da experiência comum e só pelo insólito que encerra, se outros elementos de prova não existissem, que há (e abundantes, vide fundamentos supra e infra), só por si corrobora a tese do exequente e que aquela substituição do primeiro cheque de 120.000,00 euros pelo cheque de igual quantia (o dado à execução) se deveu ao facto do primeiro cheque ter, entretanto, chegado ao termo do seu prazo de validade.
Acresce referir que, contrariamente ao que nos parece ter sido o entendimento sufragado pelo tribunal a quo, da circunstância da fotocópia do cheque dado à execução junta aos autos a fls. 9 não constar inscrita qualquer data de emissão desses cheque, ao contrário do que acontece no original desse cheque, esta junta aos autos a fls. 69, não pode concluir-se que esse cheque não tivesse efetivamente sido emitido e entregue sem data de emissão nele inscrita quando foi entregue pelo exequente ao executado, quando se verifica que a fotocópia de fls. 9 foi junta aos autos pelo próprio executado e, por conseguinte, podia muito bem ter tirado essa fotocópia antes de nele apor a data de emissão e entregá-lo ao exequente.
Por outro lado, do confronto da fotocópia do cheque de fls. 9, com as fotocópias dos cheques que o executado também juntou aos autos a fls. 10 e 11, não se pode igualmente concluir que estes últimos tivessem sido emitidos e entregues pelo executado ao exequente na mesma data em que o primeiro emitiu e entregou ao executado o cheque dado à execução quando se atenta que o cheque dado à execução tem o n.º …, quando os números dos cheques de fls. 10 a 11 são bem distintos daquele primeiro.
Refira-se que a apontada diversidade de números dos cheques cujas cópias o executado juntou aos autos a fls. 10 a 11 quando comparado com o número do cheque dado à execução, força a que se conclua que os cheques a que se reportam as referidas fotocópias de fls. 10 e 11 foram emitidos e entregues pelo executado ao exequente em momento bem distinto daquele em que o mesmo emitiu e entregou ao exequente o cheque dado à execução, sabendo-se que o número de cheques é sequencial.
Acrescente-se que esta Relação não pode deixar de estranhar que em vez de juntar aos autos as fotocópias dos cheques de fls. 10 e 11, o executado não tivesse cuidado em juntar aos autos as fotocópias dos cheques com o número de cheques imediatamente anteriores e posteriores ao número do cheque dado à execução, posto que só assim é que se podia extrair qualquer conclusão útil a propósito da data em que o cheque dada à execução foi efetivamente emitido e entregue ao exequente pelo executado, como este não ignora, sequer pode ignorar, já que sendo comerciante terá necessariamente conhecimento que quando um banco emite uma carteira de cheques ou um livro de cheques, o número dos cheques que fazem parte dessa carteira ou livro de cheques é sequencial, pelo que se o executado não cuidou em juntar aos autos a fotocópia dos cheques com os números imediatamente anteriores ao número do cheque dado à execução e, bem assim a fotocópia dos cheques com os números dos cheques imediatamente posteriores ao número do cheque dado à execução, à luz das regras da experiência comum não se antolha outra razão para semelhante procedimento do executado que não seja a circunstância dessa junção se revelar inconveniente.
Acrescente-se que embora seja certo que no relatório pericial elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária junto aos autos a fls. 95 a 100, os senhores peritos concluíram admitir “como provável que os algarismos suspeitos referentes à data do cheque não sejam da autoria de J. M.”, essa conclusão não tem manifestamente o alcance que o tribunal a quo lhe atribuiu.
Na verdade, conforme resulta do teor daquele relatório pericial e, clara e especificadamente do teor do oficio de fls. 182, aquele parecer é na verdade inconclusivo sobre se a data de emissão que consta inscrita no cheque dado à execução foi ou não nele inscrita pelo punho do executado, uma vez que sendo aquela data “constituída por escassos algarismos, com poucos elementos identificativos (…)” a mesma “não comporta elementos suficientes para determinar o padrão da escrita do seu autor”, não permitindo “a realização de uma comparação eficaz”, daqui derivando, por conseguinte, que diversamente do que se escreve na fundamentação exarada pelo tribunal a quo, daquele relatório pericial não se extrai ser provável que os algarismos referentes à data da emissão do cheque não sejam da autoria do executado, mas antes que esse exame é totalmente inconclusivo a esse propósito.
Desta feita, reponderando em todos os fundamentos probatórios que se acabam de explanar é manifesto que as respostas dadas aos pontos 3, 4, 5 e 8 dos factos dados como provados na sentença proferida pelo tribunal a quo não se pode manter, impondo-se concluir pela não prova dessa matéria.
Igualmente a matéria dada como não provada nas alíneas A e B dos factos dados como não provados não se pode manter, mas antes reponderando toda a prova produzida, nos termos em que acima o fizemos, como salvo o devido respeito por entendimento contrário se nos prefigura impor-se fazer, temos que concluir pela prova dessa matéria.
Já no que respeita ao ponto 2 dos factos dados como provados, uma vez que o exame pericial é totalmente inconclusivo sobre a autoria da data de emissão que se encontra aposta no cheque dado à execução e não tendo sido produzida qualquer prova sobre se essa data de emissão já se encontrava ou não nele aposta quando esse cheque foi entregue pelo executado ao exequente (esta é, na nossa perspetiva, a verdadeira questão que releva nos autos, independentemente dessa data ter sido inscrita ou não pelo punho do executado) – nenhum testemunha aludiu a esse facto, incluindo F. S., que referiu não ter reparado na data quando o exequente lho exibiu após o executado lhe ter entregue o cheque -, impõe-se concluir pela improcedência do recurso nesta parte, alterando-se a resposta dada a esse ponto apenas nos seguintes termos: “2- O executado entregou ao exequente o cheque do Banco X com o n.º ..., por si assinado e preenchido com pelo menos os seguintes dizeres "€ 120.000,00" e "Cento e vinte mil euros" (quantia), "Miranda do Douro" (local de emissão) e "J. S." (à ordem de)”.
Termos em que, reponderando na prova produzida, os factos provados e não provados passam a ser os seguintes:
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Com relevância para a decisão da causa, encontram-se provados os seguintes factos:

1- O exequente foi fornecedor do executado de peças de vestuário para posterior venda durante cerca de duas dezenas de anos, tendo-se tornado amigos.
2- O executado entregou ao exequente o cheque do Banco X com o n.º …, por si assinado e preenchido com pelo menos os seguintes dizeres "€ 120.000,00" e "Cento e vinte mil euros" (quantia), "Miranda do Douro" (local de emissão) e "J. S." (à ordem de)”.
3- Nos autos de execução aos quais os presentes se encontram apensos, foi dada à execução um cheque do Banco X com o n.º …, de onde consta o nome do executado no lugar destinado à assinatura, "€ 120.000,00" e "Cento e vinte mil euros" (nos locais destinados à quantia), "Miranda do Douro" (no lugar destinado ao local de emissão) "J. S." (no local referente "à ordem de") e "2011-03-22" (no local destinado à data de emissão).
4- No seu verso, foi aposto carimbo de devolução na compensação do Banco de Portugal por falta de provisão com data de 23 de Março de 2011.
5- Foi para pagamento de uma dívida resultante da alienação de um prédio urbano destinado à habitação que o executado entregou o cheque indicado em 2.
6- O executado apresentou a oposição à execução, consciente de que não pagou a quantia titulada pelo cheque referido em 2) e 3) para pagamento da dívida identificada em 5.
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Não se provaram outros factos para além dos que antecedem e, designadamente que:

A- O executado não tivesse preenchido o campo destinado à data do cheque identificado em 2 e 3.
B- Fosse a pedido do exequente e apenas para este exibir a fornecedores, a fim de conseguir efetuar compras a crédito, que o executado entregou ao exequente o cheque referido em 2.
C- Tivesse ficado acordado entre exequente e executado que aquele não poderia preencher o cheque no local destinado à data nem poderia apresentá-lo a pagamento.
D- O exequente tivesse intentado a execução, consciente de que o cheque apresentado não lhe foi entregue pelo executado para pagamento de dívida resultante da alienação de um prédio destinado à habitação.
E- Por causa da presente execução, o executado ficou angustiado, enervado e ansioso.
F- Por causa da presente execução, o executado ficou sem dinheiro para fazer face às suas despesas correntes e às do seu filho.
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B.5- Da subsunção jurídica da factualidade apurada.
O título executivo que serve de base à presente execução é o cheque cujo original se encontra junto aos autos a fls. 69, cheque esse que o executado assinou e preencheu com, pelo menos, os seguintes dizeres: "€ 120.000,00" e "Cento e vinte mil euros" (quantia), "Miranda do Douro" (local de emissão) e "J. S." (à ordem de)”.
O executado emitiu esse cheque em nome do exequente, tratando-se, por isso, de um cheque nominativo, e entregou-o ao último.
Para além daqueles elementos, quando foi apresentado a pagamento, o cheque dado à execução tinha inscrita como data de emissão o dia 22/03/2011 – cfr. pontos 2, 3 e 4 da matéria apurada.
Como é sabido, o cheque incorpora uma ordem dada pelo sacador (emitente do cheque), ao sacado (normalmente uma entidade bancária) para pagar uma determinada quantia ao tomador ou ao portador do cheque, daí advindo o seu uso normal como meio de pagamento.
A disposição legal especial que confere força executiva ao cheque é o art. 40º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque (doravante LURC), onde se estabelece que o portador pode exercer os seus direitos de ação contra os endossantes, sacador e outros co-obrigados, desde que o apresente a pagamento no prazo de oito dias a contar da data da sua emissão (art. 29º LUC) e não tenha sido pago, devendo a recusa de pagamento ser verificada ou por um ato formal (o protesto) ou por uma declaração do (banco) sacado, datada e escrita sobre o cheque, com a indicação do dia em que foi apresentado a pagamento, ou ainda por uma declaração datada de uma Câmara de Compensação, constatando que o cheque foi apresentado a pagamento e não foi pago.
No caso, o executado aceita que assinou e preencheu o cheque dado à execução, à exceção da data de emissão que nele se encontra inscrita, sustentando que essa data não foi nele inscrita pelo seu punho, mas antes pelo punho do exequente, em violação do pacto de preenchimento celebrado entre ambos, sustentando ter emitido e entregue aquele cheque ao exequente, a título de favor, a pedido do último e apenas para que fosse exibido a fornecedores de mercadorias para criação de ambientes de confiança propícios a que o exequente conseguisse comprar mercadoria a crédito e com a revenda desta, conseguisse obter algum rendimento, ficando entre ambos acordado que o exequente não ficava autorizado a preencher os espaços em branco referentes à data e que jamais o apresentaria a pagamento, sequer o colocaria em circulação, pacto de preenchimento esse que o exequente terá violado ao datar esse cheque.
Como se escreve na sentença recorrida, nos termos do art. 1º da LURC, o cheque tem de conter inscritos os elementos discriminados neste normativo, onde se conta a indicação da data em que é passado, sob pena de não poder valer enquanto “cheque”, ou seja, como título cambiário.
Acontece que conforme decorre do disposto no art. 13º da LURC, a ordem jurídica atribui validade ao cheque assinado pelo emitente em que falte qualquer um dos restantes elementos enunciados naquele art. 1º, isto é, o denominado cheque em branco, admitindo que, posteriormente, esses elementos sejam completados pelo beneficiário ou portador, presumindo-se o acordo das partes quanto aos termos do respetivo preenchimento (23).
Como também decorre do mencionado normativo, a inobservância dos acordos quanto ao preenchimento posterior do cheque não é motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido o cheque de má-fé ou mediante cometimento de uma falta grave.
Ao assim estatuir, naturalmente que esse normativo refere-se às relações mediatas, uma vez que nas relações imediatas tudo se passa como se a obrigação cambiária incorporada no cheque deixasse de ser literal e abstrata, ficando sujeita às exceções que, nessas relações pessoais, são invocadas.
O cheque encontra-se no domínio das relações imediatas quando não saiu do âmbito das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, isto é, ainda se encontra no domínio em que os sujeitos cambiários são concomitantemente sujeitos das convenções extracartulares; e encontra-se no domínio das convenções mediatas quando está na posse duma pessoa estranha às convenções extracartulares (24).
O cheque dado à execução encontra-se no domínio das relações imediatas uma vez que os sujeitos cambiários também o são da convenção extracartular.
No domínio dessas relações, conforme acima se deixou dito, o executado, sacador desse cheque, pode opor ao exequente, à ordem de quem o emitiu (beneficiário), todas os factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação cartular incorporada no cheque dado à execução, tudo se passando como se a obrigação que incorpora deixasse de ser literal e abstrata, podendo-lhe, designadamente, opor a exceção do preenchimento abusivo desse cheque quanto à data de emissão que nele se encontra inscrita e, bem assim a circunstância de subjacente a esse cheque inexistir qualquer causa debendi.
Note-se que no caso o executado opôs ao exequente a circunstância de a data de emissão que se encontra aposta nesse cheque não ser do seu punho, mas antes ser do punho do exequente.
No entanto, porque o exequente podia preencher a data de emissão do cheque, contanto que com esse seu procedimento não violasse o acordo de preenchimento que celebrou com o executado, a circunstância da data de emissão que se encontra inscrita no cheque ter sido nele aposta pelo exequente ou por terceiro, consubstancia facto totalmente irrelevante para o desfecho da presente oposição à execução, posto que o que releva é saber se não tendo, no caso, ficado apurado que aquela data de emissão foi inscrita no cheque pelo próprio executado, se ocorreu ou não violação do pacto de preenchimento no que respeita à inscrição dessa data de emissão.
Na verdade, mesmo que o cheque tivesse sido entregue ao exequente sem data (o que não se encontra provado, sequer o seu contrário), assistindo ao último, nessa situação, o direito de opor-lhe a data de emissão que entendesse, desde que, com isso, não violasse o pacto de preenchimento que eventualmente celebrou com o executado, é indiscutível que para o desfecho dos presentes autos o que releva é saber se ocorreu ou não violação do pacto de preenchimento e não quem inscreveu nesse cheque a data de emissão que nele se encontra inscrita, o que apenas relevaria caso se tivesse logrado demonstrar (o que não se fez), que essa data de emissão foi inscrita pelo próprio punho do próprio executado, uma vez que essa prova resolveria automaticamente a questão fulcral nos autos que se reconduz, reafirma-se, à eventual violação do pacto de preenchimento pelo exequente.
Assente nesta premissa, constituindo a violação do pacto de preenchimento por parte do exequente a invocação pelo executado de uma facto impeditivo do direito literal e abstrato que é incorporado no cheque dado à execução de que é beneficiário o exequente, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que nos termos do n.º 2 do art. 342º do Cód. Civil, o ónus da alegação e da prova da violação por parte do beneficiário do cheque do pacto de preenchimento celebrado com o sacador impende sobre o último.
De resto, a esta solução jurídica também se teria de chegar quando se atenta que quem entrega um cheque com a data em branco, é de presumir dar o seu acordo a que o beneficiário o preencha e que este último o faz em conformidade com o que ficou acordado com o sacador (25).
Note-se que conforme se escreve no Ac. R.G. de 27/10/2016, Proc. 2855/12.7TBGMR-A.G1, in base de dados da DGSI, “o sentido deste ónus da prova não diverge muito do sentido que tem o previsto no art. 378º do Cód. Civil para os documentos assinados em branco: é ao autor da assinatura que cabe provar que nele se inscreveram declarações divergentes do ajustado consigo, ou que o documento lhe foi subtraído”.
Por outro lado, implicando o saque de um cheque o reconhecimento unilateral de uma dívida por parte do sacador a favor do beneficiário, a invocação por parte do executado que o cheque dado à execução é de mero favor, não tendo subjacente qualquer causa debendi, consubstancia também a alegação por parte daquele de um facto impeditivo do direito literal e abstrato incorporado no cheque, de que o exequente é detentor, pelo que, nos termos do aludido n.º 2 do art. 342º do CC., é sobre o executado que impende o ónus da alegação e da prova da inexistência dessa causa debendi (26).
Ora, no caso, conforme decorre da matéria que se quedou como provada, o executado não logrou fazer prova de qualquer dos apontados factos impeditivos que invocou – nem da alegada violação do pacto de preenchimento por parte do exequente, sequer da invocada inexistência de causa debendi subjacente ao cheque dado à execução, antes pelo contrário, provou-se que o executado emitiu e entregou aquele cheque ao exequente para pagamento de uma dívida resultante da alienação de um prédio destinado à habitação do executado (ponto 5 dos factos provados) –, pelo que impera concluir improceder a presente oposição à execução, impondo-se revogar a sentença proferida pelo tribunal a quo e ordenar o prosseguimento da execução.
Com a solução jurídica que se acaba de enunciar, ficou naturalmente prejudicada a apreciação do invocado erro de julgamento que o recorrente imputa ao tribunal a quo ao negar força executiva ao cheque enquanto quirógrafo.
Apesar disso, entendemos oportuno dizer algo sobre o tema.
No domínio do Código de Processo Civil de 1961, não existia consenso jurisprudencial quanto à atribuição de força executiva aos títulos de crédito em que faltasse um dos elementos enunciados no art. 40º da LURC (27).
O fundamento para aqueles que atribuam força executiva aos títulos de crédito quirográficos residia no facto de que não obstante a perda do direito de ação cambiária do portador, não se extingue a obrigação causal, pois a subscrição daqueles títulos, em princípio, não importa uma novação, mas antes uma “datio pro solvendo”.
O atual CPC, ultrapassou aquela querela jurisprudencial ao atribuir força executiva aos títulos de crédito, ainda que meros quirográficos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo (art. 703º, n.º 1, al. c) do CPC).
Este ónus imposto ao exequente é pacificamente tido como mero ónus alegatório, destinando-se tão só a permitir que o executado se possa defender eficazmente do facto constitutivo da obrigação exequenda, o que só é possível mediante contraditório, impendendo ao sacador do título, isto é, no caso, sobre o executado, o ónus da prova da inexistência da causa debendi (28).
Note-se que esta versão do CPC não se encontrava em vigor na data que se encontra aposta no cheque dado à execução como data de emissão (22/03/2011), sequer aquando da instauração, em 30/03/2011, da presente execução, mas antes o CPC, na sua 40ª versão, introduzida pela Lei n.º 43/2010, de 03/09, e que é, por isso, a aplicável aos autos.
O art. 46º, n.º 1, al. c) do CPC. aplicável ao presente processo dispunha gozarem de força executiva os documentos particulares emitidos pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes.
Embora cientes das querelas jurisprudenciais e doutrinárias que a esse propósito se suscitam, sendo o cheque dado à execução nominativo e estando emitido a favor do exequente, ou seja, estando em plenas relações imediatas, tendo o exequente, no requerimento executivo, alegado os factos materiais do seu crédito, mesmo que se tivesse provado que foi o exequente ou terceiro, a mando deste, que preencheu a data de emissão que se encontra inscrita no cheque dado à execução quando não tinha autorização para proceder a esse preenchimento, sempre se impunha concluir que ou o executado lograva provar que se estava perante um cheque de mero favor, ou seja, que subjacente ao mesmo não existia causa debendi, ou então, não o fazendo, esse cheque valia como titulo executivo quirógrafo, nos termos do disposto naquele art. 46º, n.º 1, al. c) do CPC, por referência ao disposto nos arts. 458º do CC., considerando-se como data de vencimento da quantia por ele titulada a data da citação do executado para os termos da presente execução (art. 610º, n.º 2, al. b) do CPC) (29).
Note-se que contrariamente ao que pretende o executado, não é certo que no requerimento executivo que apresentou, o exequente não tivesse dado cabal cumprimento ao ónus alegatório acima referido, tanto assim que aquela alegação, conforme resulta da petição da oposição à execução, permitiu ao executado individualizar cabalmente qual a obrigação que estava subjacente ao cheque e contra ela se defender.

B.5.1- Do erro de julgamento quanto à litigância de má-fé.
Sustenta o recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao condená-lo como litigante de má-fé e ao absolver o recorrido desse pedido de condenação como litigante de má-fé e, adiante-se, desde já, com razão.
Tendo a presente execução sido instaurada em 30/03/2011 e a oposição à execução em 16/05/2011, suscita-se a questão prévia sobre qual o regime do CPC aplicável em sede de litigância de má fé, designadamente, se se mostra aplicável o atual vigente art. 542º, n.º 2 do CPC, ou o anterior vigente art. 456º do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 43/2010, de 03/09, que vigorava à data da propositura da presente execução e que se mantinha inalterado à data da dedução da oposição à execução.
Assumindo o instituto da litigância de má fé uma natureza bifronte, na medida em que, por um lado, tem uma natureza sancionatória, disciplinadora da conduta das partes e dos seus patronos e, por outro lado, uma natureza indemnizatória, ancorada na prática de um facto ilícito, em qualquer uma destas vertentes, afigura-se que a litigância de má fé deve ser apreciada em função da lei aplicável à data da prática dos factos geradores daquela, e não da data da prolação de decisão, ainda que a lei nova seja eventualmente mais favorável à parte que litiga com má fé (30).
Nestes termos, dispunha o art. 456º, n.º 2 do CPC, na redação vigente à data da propositura da presente execução e da dedução da oposição que litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a- tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b- tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c- tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d- tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A doutrina tem classificado a má fé de que trata o referido preceito em duas variantes: a má fé material e a má fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do n.º 2, e a segunda os das alíneas c) e d) do mesmo número.
Precise-se que na redação dada ao art. 456º antes da revisão operada pelos Decretos-Leis n.ºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, o relevante para se afirmar a litigância de má-fé é que existisse uma “intenção maliciosa” – má-fé em sentido psicológico – e não apenas com leviandade ou imprudência – má-fé em sentido ético -, pelo que só a lide essencialmente dolosa e não meramente temerária ou ousada justificava a condenação como litigante de má-fé.
Porém, na sequência da revisão operada pelos referidos diplomas ao art. 456º do Cód. Proc. Civil então vigente (correspondente ao atual art. 542º), assistiu-se a uma ampliação do conceito de má-fé, abarcando aquela, desde então, não só o dolo mas, ainda, a negligência grave ou grosseira.
Verifica-se uma situação de “negligência grave” naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (31).
Não obstante o alargamento do conceito de litigância de má-fé, ainda assim, o julgador deverá agir com cautela de modo a que nela não se incluam casos de manifesto lapso, de lide meramente ousada, de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio apenas por fragilidade de prova, de dificuldade em apurar os factos e de os interpretar, de diversidade de versões sobre determinados factos ou até de defesa convicta e séria de uma posição que não logrou convencer. É que conforme se escreve no Ac. R.P. de 07/09/2010, (32) “a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias de um Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações apertadas do art. 456º do CPC., e não é por não se ter provado a versão dos factos alegada por uma parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira por má-fé, tanto mais que a verdade revelada no processo é a verdade do convencimento do Juiz, que não atinge, porém, a certeza das verdades reveladas, sendo a verdade judicial uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico, o que impõe que o julgador seja muito prudente no juízo sobre a má-fé processual”.
Acresce que a doutrina e a jurisprudência têm entendido, sem discrepância, que a sustentação de teses controvertidas na doutrina e a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, mesmo que integre litigância ousada, não integra litigância de má-fé (33).
Desta forma, a condenação como litigante de má fé implica a consciência de quem pleiteia de certa forma de que não tem razão.
No caso, é indiscutível que o recorrente não litiga de má fé em nenhuma das vertentes acima enunciadas, uma vez que aquele se limitou a exercer o direito cambiário que lhe assiste ao instaurar a presente execução contra o executado.
Já o mesmo não se pode afirmar quanto ao executado.
Ao alegar que o cheque dado à execução foi emitido por mero favor, a pedido do exequente, destinado apenas a ser exibido a fornecedores de mercadorias, destinado a criar ambientes de confiança propícios a que o exequente conseguisse comprar a crédito e, com a revenda da mercadoria, conseguir algum rendimento, e ao reputar de falso que tivesse entregue o cheque ao exequente para pagamento de uma dívida resultante da alienação de um prédio destinado à habitação, quando se vem a constatar que essa alegação do exequente é espelho fiel da verdade efetivamente acontecida e que o executado apresentou a oposição à execução consciente que não pagou a quantia titulada pelo cheque referido em 2) e 3) para pagamento da dívida identificada em 5) (cfr. alíneas 5 e 6 dos factos provados), é incontroverso que o executado alterou, consciente e maliciosamente, a verdade dos factos e ao deduzir a presente oposição à execução com semelhante alegação, consciente que alegava factos falsos, fez um uso manifestamente reprovável dos meios processuais ao seu dispor, com o fito de conseguir um objetivo ilegal, que era o de se furtar às suas responsabilidades perante o exequente, o que consubstancia litigância de má fé nas vertentes enunciadas nas als. b) e d) do n.º 2 do art. 456º do CPC.
Tendo em consideração a dimensão e a gravidade da litigância de má-fé do executado e o disposto no art. 27º, n.º 3 do RCP, entende-se ser justo, proporcional e suficiente condená-lo em sete UCs de multa.
O recorrente pede a condenação do executado no pagamento de uma indemnização, não inferior a 20.000,00 euros, por via dos prejuízos que sofreu em consequência da litigância de má fé com que atuou.
Tendo em conta o disposto no art. 457º, n.º 1 do CPC., entendemos que nos termos da al. a), do n.º 1 deste normativo, a indemnização devida pelo executado ao exequente deverá abranger os danos emergentes para o último em consequência direta e necessária da descrita má fé com que litigou o executado.
Verificando-se que os autos não contêm elementos que permitam fixar aquela indemnização, impõe-se que a primeira instância dê cumprimento ao disposto no n.º 2 do art. 457º do CPC., seguindo, após, o determinado neste normativo.
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação totalmente procedente e, em consequência:

I- ordenam a retificação do erro de escrita de que padece a sentença proferida a fls. 407 a 411, de modo onde, no relatório dessa sentença, a fls. 407 verso, se lê: “Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais, finda a qual o Tribunal declarou quais os factos controvertidos julgados provados e não provados, decisão que não foi objeto de reclamação”, passe apenas a ler-se: “Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais”;
II- revogam essa sentença, julgando improcedente por não provada a presente oposição à execução e ordenam o prosseguimento da execução;
IV- revogam essa sentença na parte em que nela se julgou verificada a litigância da má-fé por parte do exequente e absolvem o exequente deste pedido;
V- revogam essa sentença na parte em que nela se julgou não verificada a litigância de má-fé por parte do executado e condenam o executado J. M. como litigante de má-fé no pagamento de sete UCs de multa e de uma indemnização a favor do exequente, correspondente aos danos emergentes para o último em consequência direta e necessária da má-fé com que litigou o executado, a qual não poderá ultrapassar a quantia de 20.000,00 (vinte mil) euros, e deverá ser fixada pela primeira instância após cumprimento do disposto no n.º 2, do art. 457º do CPC. seguindo-se após o determinado neste normativo.
Custas em ambas as instâncias pelo apelado/executado (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC)
Notifique.
*
Guimarães, 16 de novembro de 2017

(Dr. José Alberto Moreira Dias)
(Dr. António José Saúde Barroca Penha)
(Dra. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha)


1. Manuel Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 246.
2. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 566.
3. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., págs. 565 a 574.
4. Jorge Augusto Pais de Amaral, in “Direito Processual Civil”, 2016,12ª ed., Almedina, pág.338; e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 301 e 302.
5. Neste sentido, Manuel Andrade, ob. cit., pág. 248; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., págs. 573 e 574; Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 293; Jorge Pais de Amaral, ob.cit., pág. 339.
6. Jorge Pais de Amaral, ob. cit., págs. 339 e 340, e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 293. Note-se que também Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in ob. cit., pag. 574, sustentam que em relação ao depoimento de parte que não seja reduzido a escrito fica sujeito à livre apreciação do julgador, os escreverem: “Não sendo reduzido a escrito, a confissão feita no depoimento de parte ficará sujeita à regra da livre apreciação da prova pelo tribunal (art. 358º, n.º 4 do CC). No mesmo sentido Ac. STJ., de 08/06/2010, CJ/STJ, 2010, t. II, pág. 102; RL. 19/04/2007, Proc. 317/07-2, in base de dados da DGSI.
7. Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 249; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, ob. cit., pág.573; Ac. STJ. de 16/03/2011, Proc. 237/04.3TCGMR.S1, base de dados da DGSI, onde se lê “ O depoimento de parte é certo uma via de conduzir à confissão judicial; todavia mostra-se ultrapassada a conceção restrita de tal depoimento vocacionado exclusivamente àquela obtenção, já que o mesmo tem um campo de aplicação muito mais vasto. Assim sendo, o juiz no depoimento de parte, em termos gerais, não está espartilhado pelo escopo da confissão, podendo ali colher ainda elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da livre apreciação da prova”. No mesmo sentido Acs. RE. 13/12/2011, Proc. 2112/09.6TBSTB-A.E1; RC, de 12/04/2011, Proc. 737/09.9T6AVR-B.C1, na mesma base de dados.
8. Ac. ST: de 25/11/2010, Proc. 3070/04.9TVLSB, in base de dados da DGSI.
9. Ac. TC. n.º 504/2004, D.R., II Série de 02/11/2004, pág.16.093.
10. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 309. No mesmo sentido, Lebre de Freitas, in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, onde, a pág. 278, escreve: “… importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outras não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas…”.
11. Carolina Henriques Martins, in “Declarações de Parte”, pág. 58.
12. Neste sentido, veja-se Ac. RP. de 15/09/2014, Proc. 216/11.4TUBRG.P1, in base de dados da DGSI, onde se lê que: “As declarações de parte que divergem do depoimento de parte, devem ser entendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais, e não isentas, em quem as produz tem um manifesto interesse na ação. Seria de todo insensato que, sem mais, nomeadamente sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam documentais ou testemunhais, o tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos”. No mesmo sentido vide Acs. R.P. de 26/06/2014 e 17/12/2014; RC. de 23/06/2015, Proc. 1534/09.7TBFIG.G.C1 e RG. de 17/09/2015, Proc. 912/14.4TBCT-A.G1, todos in base de dados da DGSI.
13. Manuel Andrade, ob. cit., pág. 263.
14. Alberto dos Reis, in “Código Processo Civil Anotado”, vol. IV, pág. 162.
15. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in ob. cit., pág. 583.
16. Ac. R.C. de 24/02/2012, Proc. 4857/07.6TbVIS.C1; STJ. 06/07/2011, Proc. 3612/07.6TBLRA.C2.S1; RL. de 11/03/2010, Proc. 949/05.4TBOVR-A.L1-8, todos in base de dados da DGSI. Com interesse para o caso em análise e seguindo as considerações jurídicas que se acabam de enunciar em relação à prova pericial, lê-se no Ac. R.L. de 26/04/2012, Proc. 4117/06.0TVLSB.L1-6, também na mesma base de dados: “Junto ao processo, a requerimento da parte Autora, certidão de um relatório pericial de exame pericial de exame pericial à letra realizado em processo de Inquérito Penal, onde se conclui admitir-se “como muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura” aposta numa procuração pelo vogal do Conselho de Administração da sociedade recorrente não seja da autoria desse mesmo vogal, esse resultado não significa, só por si, que se deva ter como demonstrado o que resulta naquela conclusão. A sua força probatória não foge ao princípio da livre apreciação da prova segundo a convicção do julgador, consagrado no art. 655º, n.º 1 do CPC, e repetido especificamente quanto a este mio de prova no art. 389º do CC, onde se dispões que “A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”.
17. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
18. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI.
19. António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 153.
20. ob. cit., pág. 155.
21. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
22. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
23. Ac. STJ. de 10/01/1942, in B.O., 2º, pág. 31; de 10/03/1944, in B.O., 4º, pág. 196; RP. de 07/12/1978, BMJ, 283º, pág. 370.
24. Abel Delgado, in “Lei Uniforme Sobre Cheques Anotada”, 5ª ed., Livraria Petrony, pág. 168.
25. Neste sentido vide Acs. STJ., de 25/10/2005, Proc. 05A2703; 11/02/2010, Proc. 1213-A/2001.L1-S1; RL. de 04/06/2009, Proc. 64872/05.1YYLSB-B.L1; RP. de 28/05/2009, Proc. 2718/06.%TBVCD-A.P1, todos in base de dados da DGSI. No mesmo sentido, Marco Carvalho Gonçalves, in “Lições de Processo Executivo”, 2016, Almedina, págs. 91 e 92.
26. Marco Carvalho Gonçalves, “Lições de Processo Civil Executivo”, 2016, Almedina, pág. 86. No mesmo sentido Ac. STJ. de 11/12/2008, Proc. 08B1452, in base de dados da DGSI, onde se lê: “1- O cheque é um título cambiário e de um título cambiário nasce uma obrigação cambiária – quem assina um cheque, assume, de “motu proprio” uma obrigação própria, autónoma e abstrata, desligada da sua causa; 2- Falar-se de “cheque de garantia” é, de algum modo, desvirtuar a função normal de um cheque – com o cheque paga-se, não se garante o pagamento; 3- O chamado “cheque de garantia” terá a natureza de uma “datio prosolvendo”; 4- Ao executado que quer opor-se proficientemente à execução não basta alegar e provar que o cheque, título executivo, é um cheque de garantia – competir-lhe-á alegar e provar que a relação fundamental que se pretendeu garantir não tem causa ou fundamento ou se extinguiu ou modificou.
27. Sobre essa questão vide Delgado Carvalho, in “Ação Executiva Para Pagamento de Quantia Certa”, 2ª ed. Quid Juiris, págs. 385 e 386.
28. Delgado de Carvalho, in ob. cit., págs. 388 a 390. Miguel Teixeira de Sousa, “Ação Executiva Singular”, Lex, 1998, págs. 68 e 69. RC. de 02/07/2013, Proc. 647/08.7TBCNT-A.C1, in base de dados da DGSI.
29. Neste sentido Lebre de Freitas, in “A Ação Executiva à Luz do Código Revisto”, 3ª ed., pág. 54. No mesmo sentido Delgado de Carvalho, in ob. cit., pág. 374, onde se lê que: “o título que não tenha data de emissão também não vale como cheque mas apenas como quirógrafo (cfr. art. 2º, n.º 1 da LURC), não lhe sendo, por isso aplicável o regime específico da Lei Uniforme. Não havendo pagamento voluntário, e estando demonstrada a existência da dívida, a data de vencimento desta corresponde à daa em que o executado haja sido citado para os termos da execução (cfr. art. 610º, n.º 2, al. b)) e onde, a fls. 395, acrescenta “… qualquer título de crédito (cheque, letra ou livrança), dado à execução como mero quirógrafo, pode utilizar-se, sem as características da abstracção e da literalidade, no âmbito das relações imediatas, para servir de base à execução, enquanto documento particular recognitivo da obrigação exequenda, quando o negócio subjacente não esteja sujeito a forma (legal ou convencional) e caso não conste do próprio documento a causa dessa obrigação, o exequente tenha alegado os factos materiais constitutivos do seu crédito no requerimento executivo”.
30. Neste sentido Acs. STJ. de 05/11/2014, Proc. 279/08.0TTBCL.P1.S1; RP. de 16/06/2014, Proc. 117/13.1TBPNF.P1 e RC. de 03/03/2015, Proc. 15/12.6TBSRE-A.C1, todos in base de dados da DGSI.
31. Maia Gonçalves, in “Código Penal Português”, 4ª ed., pág. 48; Lebre de Freitas, “Código Processo Civil Anotado”, 2001, Coimbra Editora, págs. 194 e 195.
32. Proc. 192/12.6TBVPA-B.G1, in base de dados da DGSI. No mesmo sentido, Ac. STJ. de 11/09/2012, Proc. 2326/11.09.TBLLE.E1.S1, na mesma base de dados, onde se pondera que “a defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos não implica, por si só, litigância censurável”, exigindo a “litigância de má fé a consciência de quem pleiteia de certa forma ter a consciência de não ter razão”.
33. Acs. STJ. de 24/01/2002, Rev. n.º 4047/01-7ª Sumários, 1/2002; de 28/02/2001, Ag. n.º 211/02.2ª Sumários, 2/2002.