Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2331/06-1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: CARTA DE CONDUÇÃO
CADUCIDADE
OBJECTO DO PROCESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I – Constatada a prática de crime de condução sob o estado de embriaguez, a pena e a sanção acessória são uma simples decorrência da condenação criminal, cabendo ao juiz apenas, determinar, dentro dos limites fixados na lei, a medida concreta de cada uma delas.
II – Não é assim quanto à declaração de caducidade prevista para o caso do condutor, simultaneamente, ser titular da carta há menos de três anos.
III – A aplicação desta medida (que está mais próxima duma medida de segurança) depende, para além dos factos que integram a prática do crime, da alegação na acusação de que o arguido é encartado há menos de três anos e que ao caso concreto deve caber aquela medida.
IV – É essencial que tais factos sejam averiguados e decididos com respeito do princípio do acusatório (art. 32 nº 5 da CRP), pois este princípio nos diz que o tribunal apenas pode julgar dentro dos limites que lhe são postos por uma acusação fundamentada e deduzida por um órgão diferenciado (o MP ou o juiz de instrução).
V – Na verdade, é a acusação que define e fixa, perante o tribunal de julgamento, o objecto do processo, delimitando e fixando os poderes de cognição do tribunal, sendo assim nela que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade e da consunção do objecto do processo penal. – v. entre outros, Figueiredo Dias, lições de Direito Processual Penal, UC, ano 88/89. pág. 99 e ss.
VI – Ora, como se disse, a acusação nenhuma referência fez à caducidade da carta, nem nenhum facto alegou com a finalidade de fundamentar a aplicação dessa medida.
VII – Assim, tendo o arguido sido apenas acusado por um crime de condução em estado de embriaguez, só por ele podia ser condenado (e só nas sanções correspondentes), pelo que não contendo a acusação (nem a sentença, diga-se) factos suficientes para fundamentar a aplicação da medida prevista no artº 122º, nº 4 e 130º, nº 1, a) do C. E., não podia a sentença decidir a sua aplicação, tendo, ao fazê-lo, extravasado os limites definidos no objecto do processo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
No 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, em processo sumário (Proc. 529/06.7GTVCT), foi proferida sentença que condenou o arguido Eric L... por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, do Cód. Penal, em:
A) 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de 03 (três) euros, o que perfaz a quantia global de 210 (duzentos e dez) euros, a que corresponderão 46 (quarenta e seis) dias de prisão subsidiária, caso se venham a verificar os pressupostos de aplicação do art. 49º, nº 1 do C.P;
B) 3 (três) meses de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados.
C) Ao abrigo do disposto nos arts. 122º, nº 4 e 130º, nº 1, al. a) do C.E., foi declarada a caducidade da carta de condução do arguido.
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O arguido Eric L... e o magistrado do MP interpuseram recurso desta sentença, limitados à declaração de caducidade da carta de condução do arguido que pretendem ver revogada.

Suscitam as seguintes questões:

O magistrado do MP:

- tendo a carta de condução sido emitida por país estrangeiro, saber se o Estado Português pode imiscuir-se sobre os termos e condições de atribuição de títulos emitidos por um Estado terceiro.

O Eric L...:

- a nulidade da sentença;

- a sentença recorrida não podia decidir sobre a caducidade da carta de condução;

- trata-se de matéria de direito administrativo, para a qual é competente a DGV, à qual deveria ter sido comunicada a condenação criminal; e

- é a Lei dos EUA que determina e regula as condições em que a carta deixa de ser válida.


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Não houve respostas aos recursos.

Nesta instância o sr. procurador geral adjunto emitiu parecer no sentido dos recursos merecerem provimento.

Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos, realizou-se a audiência.


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I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

- No dia 16 de Setembro de 2006, pelas 08h11m, na E.N. 201, freguesia da Feitosa, Ponte de Lima, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 51-58-ID.
- Submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, realizado no aparelho “Drager 7110 MKIII P”, o arguido acusou uma taxa de álcool de 1,30 g/l (um vírgula trinta grama/litro);
- O arguido sabia que não podia conduzir veículos sob a influência de bebidas alcoólicas;
- Agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei;
- O arguido está desempregado
- É solteiro, vive em casa dos pais;
- O arguido tem carta de condução desde 10-07-2004

FUNDAMENTAÇÃO
Como se vê de fls. 2 dos autos o MP público requereu o julgamento do arguido em processo sumário imputando-lhe apenas a autoria de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292 nº 1 e 69 do Cod. Penal.
Na sentença, o sr. juiz, além de condenar o arguido pelo crime imputado, decidiu “ao abrigo do disposto nos arts. 122º, nº 4 e 130º, nº 1, al. a) do C.E., declarar caduca a carta de condução do arguido”. Dispõe a primeira das normas referidas que “a carta de condução (...) só se converte em definitiva se, durante os três primeiros anos do seu período de validade, não for intaurado ao respectivo titular procedimento pela prática de crime ou contra-ordenação a que corresponda proibição ou inibição de conduzir”.
Nesta parte, a sentença é nula por ter decidido questão de que não podia tomar conhecimento – art. 379 nº 1 al. c) do CPP.
Vejamos:
Constatada a prática de crime de condução sob o estado de embriaguez, a pena e a sanção acessória são uma simples decorrência da condenação criminal. Ao juiz apenas cabe determinar, dentro dos limites fixados na lei, a medida concreta de cada uma delas.
Não é assim quanto à declaração de caducidade prevista para o caso do condutor, simultaneamente, ser titular da carta há menos de três anos.
A aplicação desta medida (que está mais próxima duma medida de segurança) depende, para além dos factos que integram a prática do crime, da alegação na acusação de que o arguido é encartado há menos de três anos e que ao caso concreto deve caber aquela medida. É essencial que tais factos sejam averiguados e decididos com respeito do princípio do acusatório (art. 32 nº 5 da CRP). Diz-nos este que o tribunal apenas pode julgar dentro dos limites que lhe são postos por uma acusação fundamentada e deduzida por um órgão diferenciado (o MP ou o juiz de instrução). É a acusação que define e fixa, perante o tribunal de julgamento, o objecto do processo. É ela que delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e é nela que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade e da consunção do objecto do processo penal – v., entre outros, Figueiredo Dias, Lições de Direito Processual Penal, UC, ano 88/89, pag. 99 e ss.

Ora, como se disse, a acusação nenhuma referência fez à caducidade da carta, nem nenhum facto alegou com a finalidade de fundamentar a aplicação dessa medida. Tendo o arguido sido apenas acusado por um crime de condução em estado de embriaguez, só por ele podia ser condenado (e só nas sanções correspondentes). Não contendo a acusação (nem a sentença, diga-se) factos suficientes para fundamentar a aplicação da medida prevista 122º, nº 4 e 130º, nº 1, al. a) do C.E, não podia a sentença decidir a sua aplicação. Ao fazê-lo extravasou os limites definidos no objecto do processo.
Trata-se de questão suscitada no recurso do arguido Eric, que prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas nos dois recursos – ambos visam a revogação da sentença na parte em que declarou caduca a carta de condução.

DECISÃO
Os juízes desta Relação de Guimarães concedendo provimento aos recursos revogam a sentença recorrida na parte em que declarou caduca a carta de condução do arguido Eric L....
Sem custas nesta instância.